A Medicina Universal
Dogma e ritual de alta magia - Eliphas Levy


A maioria das nossas doenças físicas vem das nossas doenças morais, conforme o dogma mágico único e universal, e em razão da lei das analogias.
Uma grande paixão à qual a pessoa se abandona corresponde sempre a uma grande doença que prepara a si mesma. Os pecados mortais são assim chamados porque fazem física e positivamente morrer.
Alexandre, o Grande, morreu de orgulho. Ele era natural mente temperante e entregou-se por orgulho aos excessos que lhe deram a morte.
Francisco I morreu de um adultério. Luiz XV morreu por causa do seu viveiro de veados.
Quando Marat foi assassinado, morria de cólera e inveja. Era um monômano de orgulho, que se julgava único justo, e desejava matar tudo o que não fosse Marat.
Vários contemporâneos nossos morreram de ambição fracassada depois da revolução de fevereiro.
Desde que a vossa vontade esteja irrevogavelmente confirmada numa tendência absurda, estais morto, e o escolho em que ficareis em pedaços não está longe pois, verdade dizer que a sabedoria conserva e prolonga a vida.
O grande Mestre disse: "A minha carne é um alimento e o meu sangue uma bebida. Comei minha carne e bebei meu sangue; tereis vida." E como o vulgo murmurava, acrescentou:
'A carne aqui nada significa; as palavras que vos digo são espírito e vida." Queria, pois, dizer: "Saciai-vos do meu espírito e vivei da minha vida."
E, quando ia morrer, uniu a lembrança da sua vida ao signo do pão e a de seu espírito ao signo do vinho, e instituiu, assim, a comunhão da fé, da esperança e da caridade.
£ no mesmo sentido que os mestres hermetistas disseram:
Fazei potável o ouro e tereis a medicina universal; iso é, apropriai a verdade aos vossos costumes, que ela se torne a fonte em que vos saciareis todos os dias, e tereis em vós mesmos a imortalidade dos sábios. A temperança, a tranqüilidade da alma, a simplicidade de caráter, a calma e a razão da vontade não só fazem o homem feliz, mas também sábio e forte. É fazendo-se razoável e bom que o homem se torna imortal. Somos autores do nosso destino, e Deus não nos salva sem nossa colaboração.
À morte não existe para o sábio: a morte é um fantasma tornado horrível pela ignorância e a fraqueza do vulgo.
A mudança atesta o movimento, e o movimento só revela a vida. Até o cadáver não se decomporia se fosse morto: todas as moléculas que o compunham ficam vivas e se movem para se desprender.
Se a mudança deve ser chamada morte, morremos e renascemos todos os dias, porque todos os dias as nossas formas mudam.
Temamos, pois, manchar e rasgar os nossos vestuários, mas não temamos deixá-los quando vem a hora do repouso.
O embalsamamento e a conservação dos cadáveres são uma superstição contra a natureza. £ um ensaio de criação da mor te; é a imobilização forçada de uma substância de que a vida tem necessidade. Mas não se deve também ter muita pressa de destruir ou fazer desaparecerem os cadáveres; porque nada se realiza repentinamente na natureza e não se deve arriscar romper violentamente os laços de uma alma que se desprende.
A morte nunca é instantânea; ela se opera por graus, como o sono. Enquanto o sangue não esfriou completamente, enquanto os nervos podem estremecer, o homem não está completa mente morto, e, se nenhum dos órgãos essenciais da vida está destruído, a alma pode ser chamada, quer por acidente, quer por uma vontade forte.
Disse um filósofo que duvidaria do testemunho universal antes de crer na ressurreição de um morto, e nisso falou temerariamente; porque é pela fé do testemunho universal que ele acreditava na impossibilidade de uma ressurreição. Que seja provada uma ressurreição, que é que resultaria disso? Que era preciso negar a evidência ou renunciar à razão? Seria absurdo supô-lo. Será necessário concluir simplesmente que se acreditou, sem razão, impossível o ressurreicionismo. Ah actu ad posse valet consecutio,
Ousemos, agora, afirmar que a ressurreição é possível, e que até ela acontece mais do que cremos. Quantas pessoas, cuja morte foi jurídica e cientificamente constatada, foram encontradas mortas, é verdade, no seu caixão, mas tendo vivido, e tendo roídos os punhos para abrir as suas artérias e escapar, por uma nova morte, de horríveis sofrimentos! Um médico nos dirá que estas pessoas não estavam mortas, mas sim em letargia? É o nome que dais à morte começada que não acaba, à morte que uma volta à vida vem desmentir. Facilmente nos libertamos de embaraços com palavras, quando é impossível explicar as coisas.
A alma está presa ao corpo pela sensibilidade e, desde que a sensibilidade cessa, é sinal certo que a alma se afasta, O sono magnético é uma letargia ou morte fictícia, e curável à vontade. A eterização ou o torpor produzido pelo clorofórmio é uma letargia verdadeira, que, às vezes, acaba por uma morte definitiva, quando a alma, feliz pelo seu despreendimento passageiro, faz esforço de vontade para ir-se embora definitivamente; o que é possível nos que venceram o inferno, isto é, cuja força moral é superior às da atração astral. Por isso, a ressurreição só é possível para as almas elementares, e são principalmente elas que estão sujeitas a reviver involuntariamente no túmulo.
Os grandes homens e os verdadeiros sábios nunca são enterrados vivos.
Daremos, no nosso Ritual, a teoria e a prática do ressuscita mento, e, nos que me perguntarem sc ressuscitei mortos, responderei que, se lhes dissesse, não me acreditariam.
Resta-nos examinar, aqui, se a abolição da dor é possível, e se é bom empregar o clorofórmio ou o magnetismo para as operações cirúrgicas. Pensamos, e a ciência o reconhecerá mais tarde, que, diminuindo a sensibilidade, diminuímos a vida, e que tudo o que se tira da dor em tais circunstâncias vem em proveito da morte. A dor atesta a luta da vida, por isso nota mos que, nas pessoas operadas em letargia, os curativos são muito dolorosos. Se reiterássemos em cada curativo o adormecimento pelo clorofórmio, aconteceria uma das duas: ou o doente morreria, ou entre os curativos a dor voltaria e seria contínua. Não violentamos impunemente a natureza
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