A Dupla Cadeia
Grande Arcano - Eliphas Levy


O movimento das serpentes ao redor do caduceu indica a formação de uma cadeia.
Esta cadeia existe sob duas formas: a forma re ta e a forma circular. Partindo de um mesmo centro, ela corta inúmeras circunferências por inúmeros raios. A cadeia reta é a cadeia de transmissão. A cadeia circular é a cadeia de participação, de difusão, de com de religião. Assim se forma esta roda composta de várias rodas que giram umas nas outras, que vemos flamejar na visão de Ezequiel. A cadeia de transmissão estabelece a solidariedade entre as gerações sucessivas.
O ponto central é branco de um lado e preto do outro.
Ao lado preto se prende a serpente preta; ao lado branco se liga a serpente branca. O ponto central representa o livre arbítrio primitivo, e ao lado preto começa o pecado original.
Ao lado preto começa a corrente fatal, ao lado branco se prende o movimento livre, O ponto contrai pode ser representado alegoricamente pela lua e as duas forças por duas mulheres, uma branca e a outra preta.
A mulher preta é a Eva decaída, é a mulher passiva, é a infernal Hecate, que traz o crescente e a lua na fronte.
A mulher branca é Maia ou Maria, que tem, ao mesmo tempo, debaixo dos pés o crescente lunar e a cabeça da serpente preta.
Não podemos explicar-nos mais claramente, pois tocamos no berço de todos os dogmas. Eles se tornam crenças aos nossos olhos e tememos feri-los.
O dogma do pecado original, sob qualquer for ma que o interpretemos, supõe a preexistência das nossas almas, se não na sua vida especial, ao menos na vida universal.
Ora, se alguém pode pecar, sem o saber na vida universal, deve ser salvo da mesma maneira; isto, porém, é um grande arcano.
A cadeia reta, o raio da roda, a cadeia de transmissão torna as gerações solidárias umas com as outras e faz com que os pais sejam punidos nos filhos a fim de que, pelos sofrimentos dos filhos, os pais possam ser salvos.
É por isso que, conforme a lenda dogmática, Cristo desceu aos infernos, donde, tendo arrancado as alavancas de ferro e as portas de bronze, subiu ao céu, levando preso consigo o cativeiro.
E a vida universal exclamava: Hosana! Pois tinha quebrado o aguilhão da morte
Que quer dizer tudo isso? Ousaria alguém explicá-lo? Poderia alguém adivinhá-lo ou compreendê-lo?
Os antigos hierofantes gregos representavam também as duas forças figuradas pelas duas serpentes - sob a forma de duas crianças que lutavam uma contra a outra, tomando um globo com os pés e outra, tomando um globo com os joelhos.
Estas duas crianças eram Eros e Anteros, Cupido e Hermes, o amor louco e o amor sábio. E a sua luta eterna fazia o equilíbrio do mundo.
Se não admitirmos que existimos pessoalmente antes do nosso nasci na terra, precisamos entender como pecado original uma depravação voluntária do magnetismo humano nos nossos primeiros pais, que teria destruído o equilíbrio da cadeia, dando um funesto predomínio à serpente preta. isto é, à corrente astral da vida morta, e sofremos as suas conseqüências, como as crianças que nascem raquíticas por causa dos vícios dos seus pais, trazem o castigo das faltas que não cometeram.
Os sofrimentos extremos de Jesus e dos mártires, as penitências excessivas dos santos, teriam tido co mo fim fazer contrapeso a esta falta de equilíbrio, aliás tão irreparável que teve de arrastar finalmente à conflagração do mundo. A graça seria a serpente branca sob as formas da pomba e do cordeiro, a cor rente astral da vida carregada dos méritos do redentor ou dos santos.
O diabo ou tentador seria a corrente astral da morte, a serpente preta manchada com todos os crimes dos homens, escamada pelos seus maus pensa mentos, cheia de venenos resultantes dos seus maus desejos, numa palavra, o magnetismo do mal.
Ora, entre o bem e o mal, o conflito é eterno. São sempre irreconciliáveis. O mal é, portanto, condenado para sempre; é para sempre condenado aos tormentos que acompanham a desordem, e, todavia, desde a nossa infância, não cessa de solicitar-nos e atrair-nos para si. Tudo o que a poesia dogmática afirma do rei Satã explica-se perfeitamente por este espantoso magnetismo, tanto mais terrível quanto fatal e, porém tanto menos temível para a virtude quanto é certo que não poderia alcançá-la e que esta, com o auxílio da graça, pode resistir-lhe.