Digressão sobre os números.
Louis Claude de Saint Martin


A fim de que a palavra número não alarme o leitor, irei parar por um instante para mostrar-lhe que os números, embora fixos na ordem natural, não são nada, e só servem para expressar as propriedades das coisas, da mesma forma que em nossas línguas, as palavras só servem para expressar idéias, e não possuem, essencialmente, valor algum.
Contudo alguns pensaram que como os números expressavam as propriedades das coisas, eles realmente continham em si estas propriedades: esta tem sido a causa de tantas ilusões e descrédito com relação à ciência dos números, na qual, assim como em milhares de outros exemplos, a forma tem tragado a substância; enquanto que os números não podem mais ter valor ou existência, sem as propriedades que representam, assim como uma palavra não vale nada sem a idéia da qual é o símbolo.
Mas, há aqui uma diferença, a saber, que nossas idéias, sendo variáveis, as palavras que empregamos para expressá-las também podem variar; enquanto que, sendo fixas as propriedades das coisas, os números ou os algarismos que as representam não pode ser suscetível a mudanças.
Os matemáticos, embora longe do reconhecimento e emprego destes números fixos, dão uma idéia deles através dos números arbitrários ou livres de que fazem uso; pois eles aplicam, continuamente, estes números arbitrários à valores especulativos e quando os números são desta forma aplicados, nada mais são do que seus próprios representantes e símbolos, se separados não são nada, e os matemáticos puro, separados de qualquer aplicação, nada mais são do que uma invenção de si próprios.
A Natureza nada sabe deste tipo de matemáticos. A Natureza é a contínua união de leis geométricas, com fixos, embora desconhecidos, números. O Homem pode, em sua mente, considerar estas leis de forma independente de seus números fixos; mas a Natureza é a execução efetiva destas leis e não conhece abstração alguma.
Ora, os matemáticos se preocupam somente com os movimentos externos e com as dimensões das coisas, e não com suas propriedades internas, é certo que eles não precisam se preocupar com os números fixos, que são unicamente os símbolos destas propriedades. E, de fato, eles só tem haver com as dimensões visíveis das coisas, ou no máximo, com seu peso aproximado, velocidade e atração; fica claro que, para cumprir seus objetivos, a numeração ordinária é suficiente.
O que acabo de dizer sobre os números basta para acabar com o preconceito que geralmente resulta desta ordem de conhecimento, agora retorno ao nosso assunto, o sacrifício.
O Êxodo, uma correspondência da regeneração do Homem.
O primeiro passo de nossa regeneração é a nossa evocação fora da terra do esquecimento, do reino das trevas e da morte. Este primeiro passo é tão indispensável, que depois dele podemos caminhar na estrada da vida, já que ele é como um grão que deve primeiramente fermentar na terra, para depois seguir seu curso de vegetação e de produção de frutos. Da mesma forma, vemos que a regeneração do povo Hebreu teve início com o poderoso trabalho que o trouxe fora do Egito, e o colocou no caminho da terra prometida. O mais notável é que, a própria época traz seu tributo de correspondência a esta obra maravilhosa, já que ocorreu no primeiro mês do ano santo hebraico, que tem início na primavera, o que expressou, temporariamente, a passagem em que a Natureza sai do langor e da morte do inverno, para a vida e a fertilidade.
É verdade que os Hebreus, naquela época, não ofereceram sacrifícios; isto porque, assim como o homem, no primeiro ato de sua libertação, eles ainda estavam em um estado de impotência, e desconheciam a lei que atuava sobre eles, como ocorre a uma criança quando é recém nascida no mundo.
No entanto, eles mataram um cordeiro em cada casa; e embora isto não tenha sido feito de acordo com a forma de sacrifício instituída mais na frente, houve nesta cerimônia uma virtude eficaz daquilo que estava por vir; assim, naquela grande época, verificamos o surgimento de quatro coisas importantes, ou seja, a evocação do Homem pela vida terrestre, a libertação do povo escolhido, o nascimento da natureza na primavera e o derramar do sangue de animais; e tudo isto não podia ter ocorrido de forma mais notável sem que tivesse uma correspondência íntima.