AS CARTAS DE APOLONIO DE TIANA


Apolônio parece ter escrito muitas cartas a imperadores, reis, filósofos, comunidades e estados, ainda que não tenha sido de modo algum um "correspondente prolixo"; de fato, o estilo de suas notas curtas é extraordinariamente conciso, e foram compostas, segundo Filóstrato, "ao modo da scytale dos lacedemônios" (scytale era uma vara, ou bastão, usado como cifra para despachos escritos. "Uma tira de couro era enrolada obliquamente em torno, onde os despachos eram escritos ao comprido, de modo que quando desenroladas eram ilegíveis; os comandantes no exterior tinham uma vara de igual espessura, em torno da qual enrolavam seus documentos, e assim se tornavam capazes de ler os despachos" - Liddeell e Scott, Lexicon, sub voc. Daí que scytale veio a significar geralmente um despacho espartano, que era caracteristicamente lacônico em sua brevidade).


È evidente que Filóstrato teve acesso a cartas atribuídas a Apolônio, pois ele cita um número delas (vide i, 7, 15, 24, 32; iii, 51; iv, 5, 22, 26, 27, 46; v, 2, 10, 39, 40, 41; vi, 18, 27, 29, 31, 33; viii, 7, 20, 27, 28), e não há razão para duvidarmos de sua autenticidade. De onde ele as obteve, não nos diz, a menos que fossem a coleção feita por Adriano em Âncio (viii, 20).
Para que o leitor possa ser capaz de apreciar o estilo de Apolônio anexamos um ou dois espécimens destas cartas, ou antes notas, pois são tão curtas que não merecem o nome de epístolas. Eis uma aos magistrados de Esparta:
"Apolônio aos Éforos, saudações!
"É possível para os homens não cometer erros, mas requer-se homens nobres para reconhecer que os cometeram"
Tudo o que Apolônio coloca é um punhado de palavras em grego. Aqui, também, há um interessante intercâmbio de notas entre os dois maiores filósofos da época, ambos tendo sofrido prisão e estando em constante risco de morte.


"Apolônio a Musônio, o filósofo, saudação!
"Quero ir a vós, compartilhar conversa e teto convosco, e ser-vos de alguma utilidade. Se ainda credes que Hércules uma vez resgatou Teseu do Hades, escrevei o que precisais. Adeus!"
"Musônio a Apolônio, o filósofo, saudação!
"Boa recompensa se reserva para vós por vossos bons pensamentos; o que está reservado para mim é um que espera seu julgamento e prova sua inocência. Adeus."
"Apolônio a Musônio, saudação!
"Sócrates recusou ser livre da prisão por seus amigos e compareceu perante os juizes. Foi condenado à morte. Adeus"
"Musônio a Apolônio, o filósofo, saudação!
Sócrates foi condenado à morte porque não preparou sua defesa. Farei o mesmo. Adeus!"
Contudo, Musônio, o Estóico, foi condenado à servidão penal por Nero.
Eis uma nota ao Cínico Demétrio, um dos mais devotados amigos de nosso filósofo:
"Apolônio, o filósofo, a Demétrio, o Cão (isto é, o Cínico), saudação!
"Eu vos dei a Tito, o imperador, para ensiná-lo o caminho da realeza, e vós em troca destes-me poder falar-lhe com verdade; e com ele sêde tudo, menos irado. Adeus!"


Em acréscimo às notas citadas no texto de Filóstrato, há uma coleção de noventa e cinco cartas, em sua maior parte notas breves, cujo texto é oferecido na maioria das edições (Chassang, op. cit., pp. 395 sqq., dá uma tradução Francesa delas). Quase todos os críticos são de opinião de que não são genuínas, mas Jowett (artigo "Apollonius", Dictionary of Classical Biographies, de Smith) e outros pensam que algumas delas podem muito bem ser autênticas.
Aqui damos uma amostra de uma ou duas destas cartas. Escrevendo para Eufrates, seu grande inimigo, isto é, o campeão da pura ética racionalista contra a ciência das coisas sagradas, ele diz:
17. "Os persas chamam de Magos aqueles que possuem faculdades divinas (ou são divinos). Um Mago, então, é um que é um ministro dos Deuses, ou um que tem por natureza a faculdade divina. Vós não sois nenhum Mago, mas rejeitais os Deuses (isto é, é ateu)".
Novamente, em uma carta endereçada a Críton, lemos:
23. "Pitágoras disse que a arte mais divina era a da cura. E se a arte da cura é a mais divina, deve ocupar-se tanto da alma como do corpo; pois nenhuma criatura pode estar bem enquanto a parte superior em si está doente".
Escrevendo aos sacerdotes de Delfi contra a prática de sacrifícios sangrentos, diz:
27. "Heráclito era um sábio, mas mesmo ele (isto é, um filósofo de 600 anos antes) jamais aconselhou as pessoas de Éfeso a limparem a sujeira com sujeira" (isto é, expiar a culpa de sangue com sacrifício sangrento).


Ainda, àqueles que diziam ser seus seguidores, os que "se consideravam sábios", escreve em reprovação:
43. "Se alguém disser que é meu discípulo, então que acrescente que se mantém à parte das termas, que não mata nada vivo, não come carne, é livre de inveja, malícia, ódio, calúnia e sentimentos hostis, mas tem seu nome inscrito entre a raça dos que alcançaram sua liberdade".
Entre estas cartas é encontrada uma de alguma extensão endereçada a Valério, provavelmente P. Valério Asiático, cônsul em 70 d.C. É uma sábia carta de consolação filosófica para possibilitar que Valério suporte a perda de seu filho, e segue assim (A.E.Chaignet, em seu Pythagore et la Philosophie pythagoricienne; Paris, 1873; 2ª ed., 1874; cita-a como sendo genuíno exemplo da filosofia de Apolônio):
"Não existe a morte de ninguém, exceto na aparência, e não existe nenhum nascimento, a não ser aparente. A mudança do ser para o tornar-se parece ser o nascimento, e a mudança do tornar-se para o ser parece ser a morte, mas na verdade ninguém jamais nasce, e jamais alguém perece. Simplesmente um ser é visível, e então, invisível; o primeiro pela densidade da matéria, o último pela sutileza do ser - um ser que é o mesmo sempre, sua única modificação sendo o movimento e o repouso. Pois o ser tem esta peculiaridade necessária: sua mudança não é produzida por nada externo a si; mas o todo se torna partes e as partes se tornam o todo na unidade de tudo. E se for perguntado: O que é isto que às vezes é visto e às vezes é invisível, ora no mesmo, ora no diferente? - poderia ser respondido: é o modo de todas as coisas aqui no mundo inferior, que quando estão cheias de matéria são visíveis; devido à resistência de sua densidade, mas são invisíveis devido à sua sutileza, quando se livram da matéria, mesmo que a matéria ainda as circunde e flua através delas naquela imensidão de espaço que existe nelas mas que não conhece nascimento ou morte."


Mas por que esta falsa noção (de nascimento e morte) permaneceu tanto tempo sem refutação? Alguns pensam que o que lhes sucede foi produzido por eles mesmos. São ignorantes de que o indivíduo é trazido ao nascimento através dos pais, e não pelos pais, assim como uma coisa produzida através da Terra não é produzida dela. A mudança que sobrevém ao indivíduo não é nada que seja causado pelo seu ambiente visível, mas é antes uma mudança na única coisa que existe em cada um.


"E que outro nome pode ser dado a isso exceto o de ser primevo? A única coisa que age e sofre se tornando tudo por tudo através de tudo, eterna deidade, privada e afastada de seu próprio ser [self, no original - NT] por nomes e formas. Mas isso é menos sério do que um homem lamentar-se quando passa de homem a Deus pela mudança de estado e não pela destruição de sua natureza. O fato é que longe de lamentar a morte deveríeis honrá-la e reverenciá-la. O modo melhor e mais adequado para honrardes a morte é agora liberar o que foi para Deus, e dispor-vos para encaminhar do modo costumeiro os que ficaram sob vossa responsabilidade. Seria uma desgraça para um homem como vós deixar que o tempo e não a razão se encarregue da cura, pois o tempo faz com que até mesmo as pessoas comuns deixem de lamentar. A maior coisa é uma regra firme, e o melhor governante é aquele que primeiro governa a si mesmo. E como seria permissível alterar o que sucedeu pela vontade de Deus? Se há uma lei nas coisas, e há uma lei, e é Deus quem a dispôs, o homem justo não terá desejo de tentar mudar as coisas boas, pois tal desejo é egoísta, e contra a lei, mas ele pensará que todas as coisas que sucedem são boas. Eia! curai-vos, dai justiça aos oprimidos e consolai-os; assim secareis vossas lágrimas. Não deveis colocar vosso pesar pessoal acima de vossos deveres públicos, mas antes colocai vossos deveres públicos antes de vosso pesar pessoal. E vêde também que consolações ainda tendes! A nação se entristece convosco por vosso filho. Dai algum retorno àqueles que o choram convosco; e isto fareis mais rápido se cessardes de chorar do que se persistirdes. Não possuís amigos? Como! ainda tendes outro filho! Não tendes mais o que partiu? Mas o tendes! - responderá qualquer um que realmente pensa. Pois 'aquele que é' não cessa jamais - melhor: é justamente pelo mesmo fato de que o será para sempre; ou então 'não é', mas como o poderia ser quando o que 'é' jamais cessa de ser?
"Mas será dito que falhais na piedade para com Deus e sois injusto. Verdade, falhais em piedade para com Deus, falhais na justiça para com vosso menino; pior, falhais em piedade também para comigo. Não sabeis o que é a morte? Então matai-me e enviai-me para a companhia da morte, e se não alterais o vestido que colocastes nisto (isto é, sua idéia da morte), tereis me tornado nitidamente melhor do que vós mesmos" (o texto da última frase é muito obscuro).

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