Do ódio das serpentes ao rebanho na manjedoura

ELIPHAS LÉVI


Como o filho do carpinteiro suavizava o ódio das serpentes. Naquele tempo o rei Herodes, tendo medo do filho do pobre trabalhador, fez massacrar todas as crianças de Belém. Porque o egoísmo usurpador da terra não quer que haja lugar para todo mundo, e colocou a morte como sentinela nas portas da vida. José então foi forçado a fugir com Maria e seu filho. Ora, como eles estavam nos limites da Judéia, sentaram-se à sombra, próximos de uma caverna perto da qual brincavam algumas crianças. Imediatamente duas enormes serpentes saíram sibilando da caverna, e as crianças fugiram gritando. Mas o menino Jesus fez um sinal, e as serpentes pararam diante dele como que para adorá-lo, e vieram se arrastando lentamente, como se aos poucos se fossem amansando, até colocar suas cabeças aos pés da mãe do menino.

José queria então bater nelas com seu bastão. Mas Maria o impediu, dizendo-lhe: Deixa-as viver, porque seu veneno transformou-se em doçura, e já que deixaram de prejudicar, não tens mais o direito de matá-las. Está escrito a meu respeito que a mulher esmagará a cabeça da serpente, mas se a serpente pudesse deixar de ser má, de envenenar com suas mordidas, por que não teria piedade delas como de outros seres vivos? I Deus não criou nada inútil, e quando todas as criaturas estiverem na ordem que lhes foi destinada, deixarão de prejudicar umas às outras. Não está escrito que os próprios dragões e as serpentes da terra devem louvar a Deus? Não destruas, mas instrui e dirige os seres vivos. As crianças que antes haviam fugido, vendo que as serpentes não faziam mal a Jesus e a Maria, retomaram e acabaram até por se animar a brincar com os répteis, e as serpentes brincavam com elas sem tocá-las e sem irritá-las, porque só com o olhar de seus olhos tão doces e com um gesto de sua mão tão terna, Jesus as havia desarmado de todo o seu veneno e de toda a sua cólera.


Do grande e maravilhoso rebanho que se reuniu em torno da criança da manjedoura. Quando Jesus, nos braços de sua mãe, atravessava o deserto para ir ao Egito, os tigres e os leões saíram de seus antros e os seguiram, as panteras deitavam-se aos pés de Maria para lhe servir de almofada quando ela descansava; os unicórnios escavavam a terra para fazer brotar fontes; os leviatãs lhe emprestavam sua sombra; os cervos e as gazelas misturavam-se sem temer os leões e os tigres; porque Jesus vinha dar a paz ao mundo e espalhar sua doçura por toda a natureza. Esse rebanho inumerável de todos os animais da terra, símbolos de todas as paixões humanas, caminhava em torno da divina mãe, e uma criança os conduzia.