O GRANDE SECRETO
Eliphas Levi
Traduzido pelo Amado Irmão Albertus SI - Grupo Hermanubis


Sabedoria, moralidade, virtude: palavras respeitáveis, porém vagas, sobre as quais se disputa desde há muitos séculos, porém sem haver conseguido entende-las.

Queria ser sábio, mas terei eu a certeza de minha sabedoria, enquanto acredite que os loucos são mais felizes e até mais alegres que eu?
É preciso ter bons costumes, porém todos somos um pouco de crianças: a moralidade nos adormece. Falamos do que nos interessa e pensamos em outra coisa.

Excelente coisa é a virtude: seu nome quer dizer força, poder. O mundo subsiste pela virtude de Deus. Mas, em que consiste para nós a virtude? Será uma virtude para enfraquecer a cabeça ou suavizar o rosto? Chamaremos virtude a simplicidade do homem de bem, que se deixa despojar pelos velhacos? Será virtude abster-se no temor de abusar? Que pensaríamos de um homem que não andasse por medo de quebrar a perna? A virtude, em todas as coisas, é o oposto da nulidade, do estupor e da impotência.

A virtude supõe a ação; pois se ordinariamente opormos a virtude, as paixões, é para demonstrar que ela nunca é passiva.

A virtude não é só a força, é também a razão diretora da força. É o poder equilibrante da vida.

O grande segredo da virtude, da virtualidade e da vida, seja temporal, seja eterna, pode formular-se assim:
É a arte de balancear as forças para equilibrar o movimento.

O equilíbrio que se necessita alcançar, não é o que produz a imobilidade, mas sim o que realiza o movimento. Pois a imobilidade é morte e o movimento é vida. Este equilíbrio motor é o da própria Natureza. A Natureza, equilibrando as forças fatais, produz o mal físico e a destruição aparente do homem mal equilibrado. O homem se libera dos males da Natureza, sabendo subtrair a fatalidade das circunstâncias, pelo emprego inteligente de sua liberdade. Empregamos aqui a palavra fatalidade, porque as forças imprevistas e incompreensíveis para o homem, necessariamente o parecem fatais, o que não indica que realmente o sejam.

A Natureza previu a conservação dos animais dotados de instintos, porém também dispõe tudo para que o homem imprudente pereça.

Os animais vivem, por assim dizer, por si mesmos e sem esforço. Só o homem deve aprender a viver. A ciência da vida é a ciência do equilíbrio moral.

Conciliar o saber e a religião, a razão e o sentimento, a energia e a doçura é o âmago desse equilíbrio.

A verdadeira força invencível é a força sem violência. Os homens violentos são homens fracos e imprudentes, cujos esforços se voltam sempre contra eles.

O afeto violento se assemelha ao ódio e quase à aversão.

A cólera faz que a pessoa se entregue cegamente a seus inimigos. Os heróis que descreve o poeta grego Homero, quando combatem, tem o cuidado de insultarem-se para entrar em furor reciprocamente, sabendo-se de antemão, com todas as probabilidades, que o mais furioso dos dois será vencido.

O fogoso Aquiles estava predestinado a perecer desgraçadamente. Era o mais altivo e valoroso dos gregos e só causava desastres a seus concidadãos. Ele é que faz a tomada de Tróia e o prudente e paciente Ulisses, que sabe sempre conter-se e só fere com golpe seguro. Aquiles é a paixão e Ulisses a virtude, e é deste ponto de vista que devemos tratar de compreender o alto alcance filosófico e moral dos poemas de Homero.

Não há dúvida que o autor destes poemas era um iniciado de primeira ordem, pois o Grande Arcano da Alta Magia prática está inteiro na Odisséia.

O Grande Arcano Mágico, o Arcano único e incomunicável tem por objeto colocar, por assim dizer, o poder divino a serviço da vontade do homem.

Para chegar a realização deste Arcano é preciso SABER o que deve fazer, QUERER o exato, OUSAR no que deve e CALAR com discernimento.

O Ulisses de Homero tem, contra si, os deuses, os elementos, os ciclopes, as sereias, Circe, etc., por assim dizer, todas as dificuldades e todos os perigos da vida. Seu palácio é invadido, sua mulher é assediada, seus bens são saqueados, sua morte é decidida, perde seus companheiros, seus navios são afundados; enfim, acha-se só em sua luta contra a noite e o mal. E assim, só, aplaca os deuses, escapa do mal, cega o ciclope, engana as sereias, domina Circe, recupera seu palácio, libera sua mulher, mata aqueles que queriam mata-lo, e tudo, porque queria voltar a ver Ítaca e a Penélope, porque sabia escapar sempre do perigo, porque se atrevia com decisão e porque calava sempre que fora conveniente não falar.

Porém, dirão contrariados os amantes dos contos azuis, isto não é magia. Não existem talismãs, ervas e raízes que façam operar prodígios? Não há fórmulas misteriosas que abram as portas fechadas e façam aparecer os espíritos? Falaremos disto em outra ocasião com comentários sobre a Odisséia.

Se haveis lido minhas obras anteriores, sabeis então que reconheço a eficácia relativa das fórmulas, das ervas, e dos talismãs. Porém estes são pequenos meios que se enlaçam aos pequenos mistérios. Falo agora das grandes forças morais e não dos instrumentos materiais. As fórmulas pertencem aos ritos da iniciação; os talismãs são auxiliares magnéticos; as ervas correspondem à medicina oculta, e o próprio Homero não as desprezava. O Moly, o Lotho e o Nepenthes têm seu lugar nestes poemas, porém são ornamentos acessórios. A taça de Circe nada pode sobre Ulisses, que conhece seus efeitos funestos e soube engana-la sobre a bebida. O iniciado em alta ciência dos magos, nada tem que temer os feiticeiros.

As pessoas que recorrem a magia cerimonial e vão consultar adivinhos, se assemelham aos que, multiplicando a prática de devoção, querem ou esperam suprir com isso a verdadeira religião. Estas pessoas nunca estarão satisfeitas de vossos sábios conselhos. Todas escondem um segredo que é bem fácil de adivinhar, e que poderia expressar-se assim: "Tenho uma paixão que a razão condena e que anteponho a razão; é por isso que venho consultar o oráculo do delírio, afim de que me faça esperar, que me ajude a enganar minha consciência e me dê a paz do coração".

Vão assim beber em uma fonte enganosa, que depois de satisfazer a sede, a aumenta cada vez mais. O charlatão receita oráculos obscuros e a gente encontra neles o que quer encontrar e volta a buscar mais esclarecimentos. Retorna no dia seguinte, volta sempre, e é desse modo que os charlatões fazem fortuna. Os Gnósticos basilidianos diziam que Sofia, a sabedoria natural do homem, havendo-se enamorado de si mesma, como Narciso da mitologia clássica, desviou a direção de seu princípio e se lançou fora do círculo traçado pela luz divina chamada pleroma. Abandonada então às trevas, fez sacrilégios para dar a luz. Porém uma hemorragia semelhante a que fala o Evangelho, a fez perder seu sangue, que ia se transformando em monstros horríveis. A mais perigosa de todas as loucuras é a da sabedoria corrompida.

Os corações corrompidos envenenam toda a natureza. Para eles o esplendor dos belos dias é apenas um ofuscante tédio e todos os gozos da vida, mortos para estas almas mortas, se levantam diante delas para maldize-las, como os espectros de Ricardo III: "desespera e morre". Os grandes entusiasmos os fazem sorrir e lançar ao amor e a beleza, como para vingar-se, o desprezo insolente de Stenio e de Rollon. Não devemos cruzar os braços acusando a fatalidade; devemos lutar contra ela e vence-la. Aqueles que sucumbem nesse combate são os que não souberam ou não quiseram triunfar. Não saber é uma desculpa, porém não uma justificativa, posto que se pode aprender. "Pai, perdoai-os porque não sabem o que fazem", disse o Cristo ao expirar. Se fosse permitido não saber a oração do Salvador, haveria sido inexata e o Pai nada haveria tido que perdoa-los.

Quando a gente não sabe, deve querer aprender. Enquanto não se sabe é temeroso ousar, porém sempre é bom saber calar.