O Batismo de Yeschouá
Segundo Paul Lê Cour


O evangelho Joanita começa pelo batismo de Jesus. Na antiguidade, o batismo era feito através da imersão total. O neófito era mergulhado por três vezes na água. Encontram-se ainda muitos batistérios que possuem uma cuba cheia de água.


Na França, a Igreja Católica Ortodoxa da França, que parece querer uma volta autêntica às fontes, pratica o batismo pela tríplice imersão. A Igreja Católica Romana, pelo contrário, contenta-se atualmente em derramar, por três vezes, algumas gotas de água sobre a cabeça da criança que se quer batizar.

Aliás, o batismo era conferido aos adultos, depois de uma preparação mais ou menos longa.

Na igreja primitiva, como entre os essênios, o batismo representava a purificação necessária para se ser admitido na comunidade.

Hoje, o batismo é conferido a crianças absolutamente inconscientes e atribui-se a esse rito a virtude de resgatá-Ias do pecado original e de evitar que, se morrerem, sejam privadas eternamente das alegrias do Paraíso. Mas por que tornar responsável uma criança, que não tem nenhuma responsabilidade, pela omissão desse rito, e como imaginar que milhões de homens que não foram batizados, ou que não serão batizados, devam ser castigados por isso?


Aliás, não nos dizem que a morte do Cristo nos resgatou do pecado original? Então, para que serve o batismo assim praticado?

Hoje, o batismo administrado a crianças inconscientes perdeu, portanto, o seu antigo caráter. Assim como a circuncisão, realizada no oitavo dia depois do nascimento, toma o circunciso solidário de uma religião que não foi adotada livremente.


Em loan (I, 33), mencionam-se dois batismos: o batismo pela água, praticado por João Batista; e o batismo pelo Espírito Santo, que toma o lugar do primeiro, praticado por Cristo.

"Ora", diz Albert Réville "parece resultar dos evangelhos, e dos testemunhos relativos às primeiras comunidades, que a imposição das mãos foi a primeira forma de filiação na sociedade cristã, e que seria esse o batismo de espírito anunciado por João Batista." Nos Atos XIX, I, 6, vemos, com efeito, São Paulo praticar a imposição das mãos sobre os que anteriormente haviam sido batizados com a água, afim de conferir-lhes os dons do Espírito Santo.


Nas origens da Igreja cristã, constata-se portanto a existência de um duplo rito: o batismo e a imposição das mãos.


O batismo, além da purificação, não confere senão filiação exterior, enquanto que a imposição das mãos confere os dons superiores. As línguas de fogo que pousam sobre cada um dos doze Apóstolos constituem uma espécie de imposição das mãos divinas (Atos, 11,4).


Na prece dos fiéis depois da libertação dos Apóstolos, podemos ler: "quando estenderes a mão para que ele faça curas, sinais e prodígios, pelo Nome de teu santo servidor Jesus" (Atos IV, 30). A seguir, os Apóstolos procederão eles próprios à imposição das mãos. Lembremo-nos de que os cátaros, que pretendiam uma volta ao cristianismo primitivo, praticavam a imposição das mãos pelos Perfeitos.


O fato capital da vida de Jesus Cristo, aquele ao redor do qual tudo se concentra, é o que se passou por ocasião de seu batismo e que é simbolizado pela descida sobre ele de uma pomba. Encontramos a narrativa desse acontecimento nos quatro Evangelhos. A pomba simboliza o espírito. Seu nome hebraico, Ionah, aproxima-se do grego Ion que significa violeta, a cor da espiritualidade.

De acordo com uma tradição não-confirmada, uma primeira pomba havia descido sobre Maria, por ocasião do nascimento de Jesus; qual é, portanto, essa segunda pomba que desce sobre Jesus?


Diz-se: é o Espírito Santo. Que Espírito então é esse?

Ora, de acordo com alguns comentaristas, é o espírito do Cristo que se incorporou então no organismo de Jesus, destinado a lhe servir de veículo durante três anos. Na verdade, João Batista o homem Jesus.

Esse fenômeno de incorporação, de substituição de uma entidade espiritual por outra, não é desconhecido entre os psiquiatras modernos. Por ocasião do batismo no Jordão, Jesus foi incorporado pelo espírito do demiurgo, para o qual o seu corpo havia sido preparado. Teve início, então, a missão do Cristo, que durou três anos.
Essa idéia da substituição de um espírito que animava um corpo encontra-se também no evangelho, onde vemos Cristo expulsando do corpo de dois homens os espíritos que se haviam apoderado dele (Mat. VIII, 28, 32; XII, 22).


Existem casos de desdobramento, nos quais o spiritus e o animus se separam provisoriamente do corpo físico, que cai em catalepsia, isto é, em estado de morte aparente, pois a morte é a separação definitiva desses dois princípios.


Uma obra de Ch. Lancelin foi consagrada a essa questão do desdobramento. Um missionário, o padre Trilles, citou um caso típico de desdobramento de um feiticeiro negro. Na índia, o fenômeno do desdobramento é considerado possível; cita-se o do filósofo Sankara, que abandonou o próprio corpo para animar, durante algum tempo, o de um príncipe que acabara de morrer.


O fenômeno de possessão é explicado pela substituição de um spiritus por outro spiritus. Falava-se de possessões demoníacas na Idade Média e ocorrem, hoje, fenômenos de mudança de personalidade que podem explicar-se por uma substituição semelhante.

De acordo com Jean Réville, o espírito do Cristo passou a habitar na carne do homem Jesus no momento do batismo. Essa idéia, diz ele, foi muito divulga da na cristandade primitiva, notadamente entre os docetas e entre os gnósticos.


Com efeito, Herácleon, que, por volta do ano 150, fez o primeiro comentário do Evangelho joanita, escreveu que : o ser transcendente que se revestiu do corpo de Jesus se avantajava de muito sobre ele.


Isso é o que explica o silêncio de Ioan sobre a juventude de Jesus.


Ao tomar posse do corpo de Jesus, Cristo, que é a vida, desenvolveu a força vital desse organismo, e é por isso que ele é capaz de curar. E compreende-se também a surpresa de sua mãe, dos irmãos de Jesus e daqueles que o conheciam há muito tempo ao vê-lo realizar essas curas, escolher discípulos e pregar.


O Evangelho de Mateus, cap.XIII, descreve o espanto dos escribas e dos sacerdotes judeus ao ouvir as palavras de Cristo e ao constatar os seus milagres. De onde, então, vem tudo isso? Não é ele o filho do carpinteiro? Tiago, José, Simão e Judas, não são os seus irmãos? De onde lhe vêm então todas essas coisas?


Com efeito, para eles é incompreensível terem conhecido um Jesus que não pregava, que não fazia nenhum milagre, que vivia a vida de todo mundo e encontrá-lo, de repente, transformado. Eles não compreendem nada:


"Ao saber disso, os seus saíram para se apoderarem dele; porque diziam: Ele está fora de si" (Marc. III, 21)


Como O filho de um carpinteiro, que durante trinta anos levou uma vida obscura, ei-lo pregando, dando a vista aos cegos, recrutando discípulos e subvertendo a multidão!


O que signifIca isso? Nunca, aliás, veio qualquer profeta da Galiléia, dizem os judeus. Estes o consideram um perigo público, porque ele quer substituir a religião de Moisés por uma religião nova. Esse escândalo só poderá terminar com a morte do impostor.


Por outro lado, João não podia batizar o seu criador; mas ele tinha em relação a Jesus uma prioridade; é essa prioridade de João sobre Jesus que Leonardo, que era Joanita, assinalou em seus quadros da Virgem dos Rochedos e da Vigem da Fonte.


No primeiro, que está no Louvre, João faz sobre Jesus um sinal de bênção, que Jesus recebe, um joelho em terra e de mãos juntas; no segundo, João dá a Jesus o beijo iniciático sobre os lábios.

Até o batismo no Jordão, João está acima de Jesus; mas, depois do batismo, ele se inclina diante do Cristo e declara que é indigno do desatar os cordões de suas sandálias (Ioan, I, 27).

Foi só depois de ver o espírito do demiurgo descer sobre Jesus que João Batista declarou: "Este é maior do que eu."


Falando acerca desse instante solene, o poeta Nonnos, em seu comentário ao 4o Evangelho, escreveu:

"Então, vendo o sublime cocheiro do carro que atravessa os ares calcar aos pés o solo como um viajante terrestre, loan diz, com uma voz entusiasmada: Eis que chega o Cordeiro de Deus."


Ora, que carro é esse que atravessa os ares, senão o sol?

Até o batismo, é Jesus, o filho do carpinteiro, escolhido por seu valor espiritual para ser o tabernáculo do Cristo; a partir do batismo, é o demiurgo solar(Yeschouá) que veio instruir os homens e libertá-los das falsas crenças do judaísmo e das alterações do helenismo.


Podemos admitir, aliás, que Cristo tenha ficado até os trinta anos inativo, sem pregar, sem fazer nenhum milagre? Essa inação seria inexplicável.


"O texto do 4o Evangelho, cap. I, 32, 34, não afirma explicitamente que "o Verbo só se encarnou no momento do batismo de Jesus; mas ele também não afirma o contrário", observa Reuss.


Essa idéia, de excepcional importância, faz parte da gnose joanita, assim como a lenda que faz criar juntas as duas crianças, Jesus e João, que vemos junto da Virgem Mãe em certos quadros do Renascimento.


Não é preciso dizer que, se admitirmos que o Espírito do Cristo tomou o lugar do de Jesus no momento do batismo, o terno Jesus não deveria mais ser usado a partir desse momento patético, mas substituído pelo terno "Cristo", ou Jesus Cristo.( ou Yeschouá como preferem os Martinistas) o que farei aqui.


Na Rêve d'une vie, Edouard Schuré escreveu:


"No ponto em que o Jordão faz uma grande curva, não longe de sua embocadura no Mar Morto, junto a um bosque de tamargueiras e de caniços arborescentes, ficou o lugar onde, segundo a tradição, Jesus recebeu o batismo de João. Momento único na história em que, num relâmpago fulgurante, o Cristo cósmico desceu sobre um iniciado longamente preparado. Estranha substituição, sacrifício completo. Esse iniciado consentia em morrer oferecendo seu corpo em holocausto para encarnar uma criatura sublime...”

"Quando Jesus, levado por dois essênios, saiu da água, seu corpo parecia jorrar luz... “

Então, João viu a imensa auréola que envolvia todo o corpo de Jesus. Depois, sobre sua cabeça - miraculosa aparição - ele viu planar uma grande pomba incandescente de luz... João sabia que a pomba - lonah - significa o eterno feminino celeste, o arcano do amor divino, fecundador e o transformador das almas, que os cristãos deveriam chamar de Espírito Santo ."


"Foi assim, disse ele, na Évolution Divina, a descida do Verbo solar sobre o Mestre Jesus... e durante três anos, o Verbo solar caminhará pela terra, num corpo cheio de força e de graça...


Nota. A doutrina de Nestorius, que por pouco não se tomou a doutrina oficial da Igreja, mas que foi condenada pelo Concilio de Éfeso, em 431, sob a influência do fanático bispo Cirilo, considerava que o Cristo se havia incorporado no organismo de Jesus.

 

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