NO UMBRAL DO MISTÉRIO
por
Stanislas de Guaita


Cansado de buscar, em vão, a substância sob o véu das formas que ela assume, e de chocar-se incessantemente contra a muralha das aparências formais, consciente de um enorme além, o menos místico dos pensadores quis, certo dia, sondar os arcanos do mundo extrasensível. Assim, subiu a montanha até o templo do mistério, chegando a seu limiar. Ora, as gerações anteriores a ele assediaram o santuário sem jamais descobrir nele uma única porta. Renunciando a esse sol interior que faz florir, nos vitrais, rosáceas de luz, não conservaram nada além do ofuscamento de sua miragem eterna. Os solicitadores degraus do templo terminam no granito inóspito das muralhas. No frontão, acham-se gravadas duas palavras que provocam o calafrio das coisas desconhecidas: "SCIRE NEFAS".

Um subterrâneo cuja chave está perdida abre-se em algum ponto do vale. Costuma-se dizer que, no decorrer dos séculos, alguns raros audaciosos souberam forçar o segredo do subterrâneo, onde se cortam inúmeras galerias entrelaçadas: lá jaz o inexorável ministro de uma lei incontestável. O antigo guardião dos mistérios, a Esfinge simbólica, ergue-se sobre o umbral e propõe o enigma oculto: "Treme, Filho da Terra, se tuas mãos não são brancas diante do Senhor! Iod-Heve aconselha apenas aos seus. Ele próprio conduz o adepto pela mão até o tabernáculo de sua glória. O temerário profano, porém, afasta-se infalivelmente e encontra a morte nas trevas do bárathro. Que aguardas? Recuar é impossível. Deves escolher teu caminho pelo labirinto. Cabe-te decifrar ou morrer..."

Acautelai-vos, para não verdes nesses símbolos temíveis vãs ameaças. A alta ciência não poderia ser objeto de uma curiosidade frívola. O problema é sagrado, e sobre ele empalideceram muitas frontes privilegiadas. Assim, questionar a Esfinge por capricho é um sacrilégio nunca impune, pois uma tal linguagem traz em si o verbo de sua própria condenação. À vossa pergunta indiscreta, o Desconhecido formula uma resposta inesperada, tão perturbadora, que a obsessão permanece em vós para sempre. O véu do mistério incitava vossa curiosidade? Ai de vós se o levantas! Ele cai imediatamente de vossas mãos trêmulas e o desatino se apodera daquilo que julgaste ver. Não sabe quem deseja distinguir o raio divino do reflexo mil vezes refratado nos densos meios da ilusão terrestre. Esse arcano será elucidado mais tarde. O que quer que ele seja, os fantasmas da alucinação assombram o umbral do mistério, e perguntai ao livro do doutor Brière de Boismont(24) que passo escorregadio separa a alucinação da loucura. Como veremos, trata-se de uma porta que não podemos transpor sem entrarmos em contato com certas forças das quais nos tornamos senhor ou escravo, governante ou joguete. Trata-se de poderes que a Mística Cristã simbolizou com a imagem da serpente que reduz o homem à escravidão, caso este não a submeta primeiro, esmagando sua cabeça com os pés. Os leitores de Zanoni(25) - o belo romance de Bulwer Lytton - talvez já tenham descoberto, no "monstro inominável" que Glyndon evoca de modo tão desastroso, um mito análogo ao da Gênese. A "coisa horrível e velada", o "guardião do umbral", é a alma fluídica da terra, o gênio inconsciente do nascimento e da morte, o agente cego do Eterno Devir: é a dupla corrente de luz mercurial de que logo falaremos. O autor inglês assinala com grande precisão a reversibilidade da luz astral, de que se tornam vítimas aqueles que não a souberam dirigir: Glyndon é livre para fugir, para debater-se contra a obsessão, mas a influência nefasta o acompanha e o fará tropeçar, de fatalidade em fatalidade, até o dia da catástrofe suprema, até o dia em que Zanoni, delirando na embriaguez do sacrifício voluntário, condenar-se-á, salvando-o.

Penetremos o sentido esotérico dessas alegorias, reservando o outro para depois. Uma coisa são os males do coração, que habitualmente sucedem emoções violentas; uma coisa é a morte iminente por congestão cerebral; outra coisa são os perigos de natureza mais estranha, que mencionaremos oportunamente. A prática imprudente do hipnotismo, a fortiori da magia cerimonial, não deixa de inspirar ao experimentador um insuperável desgosto pela vida. O próprio Eliphas(26) - adepto que foi, e de ordem superior - confessa que sentiu, depois do curioso experimento de necromancia que fez em Londres em 1854, uma profunda e melancólica atração pela morte, ainda que sem a tentação ao suicídio. O mesmo não se passa com os ignorantes que se lançam, de corpo e alma, ao magnetismo, campo cujas leis desconhecem; ou ao espiritismo, algo que por si só constitui uma aberração e uma loucura. "Felizes", proclama o célebre Dupotet, "aqueles que morrem de uma morte rápida, de uma morte que a Igreja reprova! Tudo o que há de generoso se mata..."(27)

A história está repleta de exemplos de fatos como esse. Tendo anunciado profeticamente o dia de sua morte, Jérôme Cardan suicidou-se (l576) para não desmentir a Astrologia. Schröppfer de Leipzig, no auge de sua glória como necromante, provocou sua morte com um tiro na cabeça (1774). O espírita Lavater morreu misteriosamente (1801). Quanto ao sarcástico abade de Montfaucon de Villars, que tanto ridicularizou o conde de Gabalis(28), talvez nem se saiba a última palavra de seu trágico fim (1673).

Assim, sobre os entusiastas do maravilhoso e os temerários amadores de revelações de além túmulo, sopra um vento de ruína e de morte. Como seria fácil estender a lista necrológica! Mas pouco importa. Inacessíveis à louca curiosidade, bem como rebeldes às emoções doentias, somente podem afrontar impunemente as operações da ciência aqueles que sabem distinguir um fenômeno de uma prestidigitação e que encouraçam os seus sentidos contra toda e qualquer ilusão. Merece o nome de adepto aquele experimentador que tranqüilamente diz a si mesmo: "Meu coração não há de bater mais depressa: a força invisível que desloca esses móveis com estrépito é uma corrente ódica submissa à minha vontade. A forma humana que se condensa e se avoluma nos vapores desses perfumes nada mais é do que uma coagulação fluídica, reflexo colorido do sonho de meu cérebro, criação azótica do verbo de minha vontade..." Quem fala assim não corre, é claro, nenhum perigo; merece o nome de adepto.

Todavia, bem poucos podem reivindicar esse título. Tais homens, se outrora eram raros, hoje é ainda mais difícil encontrá-los. Pouco inclinados, aliás, a aparições públicas, vivem e morrem ignorados. É para os mais ruidosos que correm os néscios; é aos mais pretenciosos que cabe a fama. Taumaturgos teatrais, doentes excêntricos, é a esses que a celebridade sorri e consagra: era feiticeiro Simão, ao tempo de São Pedro: no século passado, eram Etteilla, o cartomante, e o extático Théot; ontem, eram Home, o médium, e Vintras, o profeta!... Alguns outros - esses verdadeiros sábios - também causam furor, mas graças a certos traços equívocos ou charlatanescos de seu caráter: assim, o conde de Saint-Germain e o divino Cagliostro; Pierre le Clerc, o beneditino fatídico, e o espiritualíssimo quiromante Desbarrolles.

Todas as vezes que um charlatão despontou cingido por uma aura de magicidade, com um cetro grotesco na mão, tudo o que tinha de odioso recaiu sobre verdadeiros adeptos. Na verdade, estes beneficiaram-se do escárnio, enquanto aqueles se beneficiaram do dinheiro. Essa, indubitavelmente, foi a causa maior das calúnias que tanto sofreram - sobretudo na Idade Média - os discípulos de Hermes, de Zoroastro e de Salomão: os magos eram acusados das práticas criminosas, obscenas e blasfematórias que os feiticeiros e feiticeiras realizavam no sabbat. Todos os delitos desses monstros de ambos os sexos - violações, malefícios, envenenamentos, sacrilégios foram imputados a iniciados superiores, sobre cuja vida privada pairavam as mais abomináveis maledicências; e sua doutrina reputada como uma trama de intensa inépcia e de grosseiras injúrias contra o Cristo e a Virgem Maria, tornou-se espantalho das almas piedosas e objeto de escárnio das pessoas de espírito.

Deve-se confessar, aliás, que o simbolismo esotérico dos livros de Hermetismo e de Cabala não deixou de acentuar o desprestígio das altas ciências entre os espíritos superficiais. Para isso contribuía a visão de conjunto: os complicados sinais de planetas, as letras hebraicas dos hierogramas, os caracteres árabes dos grimórios, a alta fantasia aparente dos pantáculos e a bizarria mística das parábolas, coisas extremamente diabólicas no entender dos parvos e ignaros, à primeira vista pueris, no entender dos espíritos lógicos, e, de qualquer forma, excitantes da curiosidade de cada um. Em todos os tempos, os sábios escreveram e falaram a língua dos mitos e das alegorias, mas a obscuridade da forma jamais se fez sentir tão densa e misteriosa como na Idade Média, até o século passado; a intolerância dos inquisidores, a constante ameaça da fogueira e o fanático desatino da população diante da simples menção da palavra feiticeiro justificam suficientemente a precaução dos adeptos. A ciência oculta assemelha-se a esses saborosos frutos protegidos por cascas espessas e duras: agrada-nos retirar laboriosamente a casca; a polpa suculenta do fruto com certeza ressarcirá o nosso sofrimento.
Foi a alquimia vilipendiada muito cruelmente e a transmutação dos metais ridicularizada à vontade? Não se trata, aqui, de fazer apologia ou, mesmo, uma exposição da arte espagírica. Exultamos, porém, ao transcrever, para a confusão dos parvos difamadores, a recente apreciação daquele que é, talvez, o maior químico da França contemporânea, Berthelot, em suas Origens da Alquimia: "Reconheci não somente a filiação das idéias que os (os alquimistas) levaram a almejar a transmutação dos metais, como também a teoria, a filosofia da natureza que lhes servira de fundamento, teoria essa fundada na hipótese da unidade da matéria E, NA REALIDADE, TÃO PLAUSÍVEL QUANTO AS TEORIAS MODERNAS QUE HOJE GOZAM DO MAIOR PRESTÍGIO... Ora, que estranha circunstância! As opiniões a que os sábios tendem a voltar suas atenções, sobre a constituição da matéria, não deixam de ser análogas às profundas visões dos primeiros alquimistas"(29).

Vê-se com isso como nosso ilustre contemporâneo revela as filosofias herméticas. Sua admiração talvez fosse bem maior se, plenamente iniciado no espagirismo esotérico, penetrasse o triplo sentido dessas locuções especiais que seu gênio só pôde adivinhar de modo imperfeito(30).

Mas a alquimia é apenas uma parte mínima da ciência, ensinada nos santuários da antiguidade. Não é revoltante pensar que, ainda hoje, os espíritos lúcidos ainda não aprenderam a distinguir entre as orgias sanguinolentas do sabbat legendário, os monstruosos priapismos da magia negra e os faustos dessa ciência tradicional dos iniciados do Oriente, síntese gigantesca e esplêndida que traduz em imagens grandiosas augustas verdades apenas vislumbradas pelos pensadores de todos os tempos, e luminosas hipóteses, deduzidas por analogia, que hoje a ciência, mais esclarecida e mais racional, tende a confirmar.

Qual Valmiki da Europa cantará as civilizações tirânicas do mundo primitivo, os grandes ciclos intelectuais testemunhados pela Alta Magia? E, para celebrar dignamente esta mãe de todas as filosofias, quem nos dirá a epopéia de sua glória resplandecente sobre as nações antigas, e o recente drama do martírio de seus adeptos, perseguidos pela Igreja e alvejados pelas calúnias do mundo inteiro?... Assim se apresenta para nós a alta Ciência através da humanidade, maldita e desprezada desde a traição dos gnósticos dissidentes; confundida, na imaginação aterrorizada das massas, com a imunda feitiçaria; desacreditada pelos falsos sábios cujos sonhos fúteis ela solapa, desatinando a escolástica em delírio; crivada, enfim, de anátemas de um presunçoso sacerdócio, desprovido de sua iniciação primitiva!... De tal forma se nos apresenta esta ciência ao longo de pelo menos quinze séculos de história, que, mergulhando fundo no passado, hesitamos em reconhecê-la, resplandecente e sagrada nos santuários do mundo antigo e, mais tarde, conferindo um puro esplendor ao cristianismo oculto dos primeiros Papas.

Não é que a antigüidade não tivesse seus feiticeiros - e, sobretudo, feiticeiras. A magia envenenadora conquistou, com as megeras da Tessália e da Cólquida, uma lúgubre celebridade. Visitantes noturnas de tumbas, vestais impuras de lugares desertos, elas misturavam, na seiva narcótico-acre dos meimendros negros e das cicutas, o leite cáustico do titímalo e faziam digerir extratos de acônito licoctone e de mandrágora com inomináveis venenos e humores obscenos. Depois, seus encantamentos saturavam essas misturas com um líquido que se tomava tanto mais mortífero quanto mais dolorosamente o seu ódio, por muito tempo contido, o tivesse elaborado e projetado em uma cólera mais venenosa e tácita. As cozinhas de Canídia (tão horrendas que, à sua vista, a lua se velava, conforme se diz, com uma nuvem sangrenta) tiveram a honra de provocar o desgosto lírico de Horácio, cujos detalhes não é preciso descrever aqui, presentes que estão na memória de todos os aficionados do poeta.

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Notas:

24 - Boismont, Dr. Brière, Des Hallucinations. Paris, Germer-Baillière, 1852, in. 8.° .
25 - Bulwer Lytton, Edwards, Zanoni. São Paulo, Ed. Pensamento, 1973.
26 - Levi, Eliphas, Dogma e Ritual da Alta Magia. São Paulo, Ed. Memphis, 1971, p. 327
27 - Dupotet, Baron, La Magie Dévoilée. Saint-Gerrnain, Eugène Heutle, 1875 (in-4.° ). Esta obra singular, que Dupotet distribuía a terceiros apenas mediante juramento de descrição, escrito e assinado pelo impetrante, caiu agora no domínio público.
28 - V. "Comentários sobre o prefácio de Zanoni", comentário n° 6.
29 - Bertholet, Les Origines de I'Alchimie. Paris, Steinheil, 1885, l vol. in-8.° (prefácio, pp. XIV e XV).
30 - Deploramos aqui a morte recente de um jovem sábio do mais alto mérito, o qual, sendo químico e médico, empenhava-se inteiramente na reconstituição contemporânea da Filosofia Hermética. Entre os inúmeros trabalhos que publicou, citamos duas grandes obras muito consideradas no meio ocultis ta: Théories et Symboles des Alchimistes, - Histoire de I'Alchimie au moyen - âge: Nicolas Flamel (Chacornac, ed., 2 vol. in-l6.° , com figuras).
Albert Poisson sucumbiu devido a uma tuberculose, em julho de 1894. Sabia, há tempos, do seu estado de saúde; entretanto, trabalhador incansável, escrevia o dia inteiro e, ainda, durante uma parte da noite, lutando contra a destruição iminente em suas últimas horas, para dedicá-las à Ciência. Nos intervalos de horríveis acessos de tosse, quando parecia sucumbir, Poisson esboçava algumas páginas serenas e luminosas de filosofia alquímica, ou consignava por escrito o resultado de suas últimas experiências.
Cabalista e Rosa-Cruz, não ignorava, aliás, que a morte não atinge o homem em seu ser primordial; que ela se resume numa mudança de estado. O maior pesar de Albert Poisson - além daquele de abandonar os seres que ele amava - foi deixar inacabados seus caros trabalhos, onde pôde encontrar, até o fim, o esquecimento do quotidiano e a consolação de seus sofrimentos... Que Deus tenha sua alma! Seus irmãos guardarão sua memória e zelarão pela divulgação de seus preciosos escritos.

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