O QUE É O MARTINISMO


"É preciso que um homem esteja oculto, escreveu Dostoiewsky, para que se possa amá-lo. Desde que mostre o seu rosto, o amor desaparece". (1)
Não é certamente a Louis Claude de Saint-Martin, o "Filósofo Desconhecido", que estas palavras podem ser aplicadas. Ignorado, sem dúvida, do grande público, Saint-Martin nunca enganou aqueles que se inclinaram sobre a sua tão curiosa personalidade e se aprofundaram na sua doutrina espiritual. Mestre da vida espiritual, assim se apresenta aquele que as histórias da Filosofia rejeitam, às vezes, em notas de rodapé. É porque sua obra se endereça aos homens de boa vontade, que em nossos dias como em todos os tempos procuram a verdade e a salvação, este modesto trabalho foi projetado. Poder-se-ia, se não tivéssemos temor de ver superestimada sua importância, intitulá-lo: Iniciação ao Martinismo. Tal foi, exatamente, a razão destas linhas. E, como nossa intenção era de apresentar uma introdução ao estudo e à prática de uma doutrina, tentamos explicar a tarefa que se nos apresenta. Assim compreenderemos melhor e mais rapidamente, o que se pode entender por "Martinismo".


Tratou-se, em síntese, de apresentar um esboço do pensamento do Ph... Desc... . Porém, mais que aos amadores de reconstituições históricas, ou aos curiosos de debates metafísicos, era preciso dirigir-se àqueles para os quais o Martinismo é um fermento de vida espiritual, e, Saint-Martin, um Guia Fraternal, um Mestre e um Amigo. Fixar para os "homens de desejo e de boa vontade", os próprios ensinamentos dos quais eles se alimentam ou fazê-los conhecer aqueles que se saciarão dos mesmos; oferecer um quadro vivo de uma doutrina viva: tal deve ser e tal foi nossa constante preocupação ao redigir este trabalho. Não se encontrará aqui, propriamente falando, a exposição didática da filosofia de Saint-Martin. O Teósofo de Amboise pode, certamente, reivindicar um honrado lugar entre os filósofos. Poderá ser, sobre este particular, objeto de um trabalho detalhado.(2) Sua obra suporta a prova de um exame minucioso. Determinar precisamente as influências que exerceram sobre Saint-Martin, seguindo os efeitos através de suas diferentes obras. Reconhecer em determinada página do Tableau Naturel, uma reminiscência platônica, ou, em tal parágrafo do Ecco Homo, a lembrança de uma conversação com Madame de Boecklin; situar enfim, após haver dissecado, o sistema que elaborou no século XVIII, um pensador denominado Louis Claude de Saint-Martin, são tantas tarefas úteis, apaixonantes mesmo é próprias para dar um novo brilho à figura do Mestre. Mas não queremos reconstituir um esqueleto, nem queremos erguer uma estátua de pedra. As condições já enunciadas e nas quais este livro foi elaborado, nos justificarão, sem dúvida, de ter abandonado todo aparato de erudição. Somente figurarão as indicações necessárias para compreender a doutrina definitiva, porque existe um aspecto perfeito no pensamento Martinista. Está além das palavras, aquele que o entrevê; permite perceber a coerência e o fundamento das aplicações que deles se tiram. O que se chama Martinismo é, ao mesmo tempo, uma sociedade de homens continuando os estudos místicos do Mestre e, um sistema filosófico e metafísico que alguns denominam uma teologia. Mas é também um método que permite reconhecer, à luz deste próprio ensinamento, o que em todos os domínios é especialmente tradicional e iniciático. (3) Se é uma especulação abstrata, o martinismo é logo uma vivência, um estado de espírito, um espírito. É um conhecimento superficial, uma luz que dá a sua cor aos objetos que envolve, e, que, misturando sua nuança aqueles que lhes é próprio, funde-os sem os confundir, numa doce harmonia. Pudessem estas páginas, escritas com simpatia e respeito, incitar aqueles que se uniram numa admiração comum por Saint-Martin, a partir da leitura, para encontrar o espírito. Talvez o maior dos filósofos da Unidade perseguisse, sem cessar, um esforço de síntese.

"É um excelente casamento para fazer, disse este, da nossa primeira escola com o nosso amigo Böehme. É para isso que eu trabalho".(4) Nesta inspiração consiste o verdadeiro ensinamento do Teósofo. Aí encontra-se expressa a grande idéia que norteou toda a sua vida. E não é mostrar-se um fiel discípulo de Saint-Martin o buscar nos seus livros a idéia que os ditou? "Os livros que fiz, ele mesmo declarou, só tiveram por meta convencer os leitores a abandonar todos os livros sem respeitar os meus". (5) A própria Bíblia, o livro dos livros, não é suficiente para fundamentar uma verdade. "Por mais avantajadas que sejam as descobertas que se possa fazer nos livros hebreus, elas não devem ser empregadas como provas demonstrativas das verdades que dizem respeito à natureza dos homens e sua correspondência com o seu Princípio, porque estas verdades subsistem por si mesmas; o testemunho dos livros não deve jamais servir senão como confirmação". (6)
Por isso, convidamos todos os homens, nossos irmãos, a recolher, independentemente das fórmulas e das demonstrações, a exaltação mística do Teósofo, e restabelecer o cânon, segundo o qual ele julgava o homem e o Universo, e acima de todas as coisas, a reencontrar a espontaneidade do impulso que o levava a Deus.

notas:
1 - Les Frères Karamazov. Tradução Mongault (Edição Gallimard N.R.F.) Tomo II, pg. 250.
2 - GALÉHAUT: Cadernos da Fraternidade Polar, 9 de abril de 1933, pág. 22.
3 - Conforme o estudo de Franck, onde a teoria Martinista da linguagem e dos símbolos é exposta como o seria a de Condillac ou de Darwin.
4 - Carta a Kirchberger, 11 de julho de 1796, Matter, pg. 272.
5 - Porter, nº 45.
6 - Tableau Naturel, XIII, edição 1900, pag. 169 e 170

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