Instruções aos Homens de Desejo
Louis Claude de Saint Martin


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Instrução 06: Da Emanação do Homem.

Meus irmãos,
É preciso descrever o quadro da emanação do primeiro homem para traçar o tema de nossa glória ou de nossos remorsos: de nossa glória pelo estado sublime no qual ele foi colocado em seu primeiro princípio, e de nossos remorsos pelo estado de declínio, erros e de trevas onde mergulhou por sua prevaricação? Mas como remontar a esse primeiro estágio se não temos dele uma justa idéia? É entretanto, nosso dever porque todos os nossos trabalhos têm por fim readquirir os conhecimentos que tivemos a infelicidade de perder pela prevaricação de nosso primeiro Pai.

O universo foi criado, todos os seres que o compõe e exerciam as leis de sua emanação, tais como a Divina sabedoria os havia prescrito; todos os corpos ocupavam seus lugares, quando o Eterno emanou o homem, ou Adão, ou homem ruivo: réaux, que significa ser elevado em glória espiritual Divina. Ele o emanou em um corpo de glória, incorruptível, que não estava sujeito a nenhuma influência da parte elementar; ele não tinha necessidade de nenhuma espécie de alimento para a sua forma, que era toda espiritual; o espírito mais puro do eixo do fogo central não tinha mais influência sobre essa forma senão aquele que opera sobre a parte mais grosseira da matéria, uma vez que um corpo de glória não é senão a forma aparente de um espírito puro, que o prende à vontade e que abandona igualmente tornando-se espírito puro e simples. Essa forma era semelhante com a que temos no presente. O triângulo eqüilátero, primeira imagem que apareceu na imaginação pensante do Eterno tinha essa mesma forma; ela não era diferente da que temos, senão na natureza: uma era gloriosa, espiritual e positiva, e a outra tenebrosa, material e passiva.

O Eterno havia criado tudo para esse homem, a quem dá o nome de Homem-Deus da terra. Após lhe ter feito manifestar sua imensa potência sobre todo este universo criado que lhe obedecia com respeito, ele lhe deu sua lei, seu preceito e seu mandamento, para poder operar em relação e contra os primeiros espíritos perversos; ele lhe instruiu sobre a finalidade de sua emanação, que deveria ser de atacar, combater e reduzir na maior privação os primeiros espíritos perversos e operar para a sua reconciliação; ele devia, enfim, fazer em seu favor o que eles sempre fizeram, e que ainda fazem, contra o homem, seduzindo-o e aprisionando-o nas armadilhas do erro e da sedução impura que empregavam contra ele para conduzi-lo ao mal. Adão devia dirigi-los para o bem pelos diferentes trabalhos que devia operar sobre eles. Ele havia recebido do Eterno um verbo da posteridade de Deus semelhante a ele, pelo qual seria visto renascer fazendo descer nas formas gloriosas semelhantes à sua, um ser espiritual Divino que o Eterno teria enviado: Adão teria operado por seu verbo um corpo de glória no qual o Eterno teria feito descer um espírito. Deste modo, a operação de Adão teria sido realizada com o Eterno, e ele se teria visto renascer em uma posteridade de Deus, do qual toda a glória teria feito a admiração dos céus e da terra.

Poderiam, talvez, me perguntar como um verbo pode produzir uma forma. Responderia que o Eterno sendo um espírito puro, sem espaço, sem limites e sem extensão, uma vez que é infinito, não pode emanar seres espirituais Divinos e formas aparentes senão por seu pensamento todo-poderoso. Ora, o espírito que ele emana é certamente verbo, como se pode considerá-lo: o pensamento engendra a vontade, e a vontade o verbo. De modo algum ocorre com a Divindade como no caso dos seres limitados: todo o verbo no Eterno é um espírito, enquanto que entre todos os seres emanados, todo o verbo não é senão uma ação desse mesmo espírito. Nenhum pensamento na Divindade pode ficar sem ação. Ora, todo o ser que ela emana fora dela mesma sendo dotado de sua parte das faculdades necessárias para manifestar sua vontade, tem inato nele um verbo pelo qual deve manifestá-la. Esse verbo está tão intimamente ligado a seu ser que ele é considerado ser ele mesmo; o que eu explicarei em maiores detalhes antes de ir mais adiante.

O Verbo eterno da Divindade, residindo eternamente em união intima com a Divindade de Deus Pai, visto que é a sua ação direta e é dessa forma a própria Divindade, igualmente o Espírito Santo, que é a ação eterna de um e de outro, não deve ser confundido de modo algum com nenhuma espécie de emanação, uma vez que são as essências da Divindade. Mas todo o ser espiritual Divino, sendo emanado da Divindade, é considerado como tendo inato em si o verbo de sua emanação, como tendo vindo da tríplice essência da Divindade. Por sua emanação do Pai Eterno, ele tem inato em si o pensamento; pela emanação do Filho eterno, ou o Verbo, ele tem também seu Verbo; e pelo do Espírito Santo ele tem a sua ação. Esse verbo está tão intimamente inato em si que é ele quem constitui a lei, o preceito e o mandamento que deve seguir; ele contém em si o número que, sendo co-eterno, faz a operação do pensamento do Pai, da vontade do Filho e da ação do Espírito. É o que quer dizer a Escritura quando diz: "Os céus e a terra passarão, mas os meus verbos não passarão jamais"; porque toda a emanação é eterna: 1º - pelo pensamento; 2º - pelo verbo; 3º - pelo número; e, 4º - pela própria essência que a compõe, que, sendo espiritual Divina, encontra-se inata em si quatro faculdades eternas, visto que ela é uma emanação da quatripla essência da Divindade. Um verbo propriamente dito é um espírito, porque a Divindade não manifesta seu pensamento todo-poderoso senão pelos espíritos. Ora, pensamento necessariamente sempre, ele emanou, pois, também necessariamente sem cessar espíritos, aos quais criou virtudes, poderes e propriedades, o que lhe dá o nome de Eterno Criador. Adão havia sido feito depositário, em nome do Eterno, de um de seus verbos de criação de forma gloriosa, na qual o Eterno havia feito descer um espírito Divino semelhante a ele, e ele se teria visto, dessa forma, renascer em uma posteridade de Deus.

Adão tendo manifestado, por ordem e na presença do Eterno, a imensa potência da qual estava revestido, foi deixado só pela Divindade, para operar a força, a virtude e potência de que estava revestido. Adão conhecia perfeitamente a finalidade de sua emanação, e sabia que havia vindo para combater sem cessar os maus demônios, e para operar em seu favor. Adão, deixado só, começou a refletir sobre o imenso poder de que estava revestido, que acreditava ser igual ao da própria Divindade e, nessa perplexidade, queria ler na imensidão Divina, coisa que lhe havia sido proibida pela Divindade, que lhe havia dito expressamente de jamais ler senão com a sua participação ou por sua ordem. (Essa imensidão Divina é incompreensível a todo o ser emanado, uma vez que é preciso ser o próprio Deus para compreendê-la). Essas buscas irrefletidas mergulharam Adão em uma perplexidade, não conseguindo definir o que não lhe havia sido permitido ler. O pensamento que Adão havia lido na imensidão Divina não tardou um instante de ser conhecido pelos primeiros espíritos perversos.

Antes de ir mais adiante, direi que Adão havia sido emanado no centro das seis circunferências espirituais Divinas, da qual era o centro, e que lhe faziam sentir que era feito para comandar a todo este universo. Ele habitava o centro do paraíso terrestre, que não é senão o centro dos céus, visto que um corpo de glória, sendo espiritual, não tem necessidade de base sólida para sustentá-lo. Os diferentes frutos que lhes são atribuídos alegoricamente nesse paraíso não são senão aqueles que o Eterno esperava desse primeiro homem, se ele houvesse seguido o plano de sua emanação. Eles representam ainda que Adão não era suscetível de ser alimentado por nenhum dos frutos imundos dessa matéria, mas que ele era alimentado apenas de frutos puramente espirituais Divinos de sua natureza, porque nenhum espírito puro e simples, tal como era Adão, não bebe, nem come para manter sua forma, visto que ele a deixa e a retoma quando lhe apraz. O paraíso da terra, ou terrestre, não é senão o centro dos céus, que Adão devia habitar com toda a sua posteridade, senão houvesse prevaricado, e os primeiros espíritos perversos houvessem habitado então a parte inferior, ou a terra, onde eles teriam sido enclausurados nas formas de matéria aparente mais ou menos semelhantes àquelas que nós temos. Não há dúvida de que, se Adão tivesse permanecido fiel à lei do Eterno, ele teria sido um mediador de reconciliação em favor desses primeiros espíritos perversos. A primeira loja que surgiu no universo foi aquela do Criador, de seu filho Divino sob o nome de Hely e Adão. Eles a dirigiram para concluir a forma que dariam aos primeiros espíritos perversos. Adão devia, pois, estar consciente de que todo plano dessa lei que deveria aplicar a esses prevaricadores dependia da força com a qual ele os resistiria em seu combate, uma vez que o chefe dos demônios, tendo concebido o pensamento ímpio de atacar a própria Divindade, atacaria sem dúvida os seres emanados que ela emanaria e era, positivamente, sobre esse combate que Adão havia sido dotado, pela Divindade, de um poder imenso para lhe resistir e reprimir.

Adão, sendo um aspecto da Divindade, lia então o pensamento do Eterno; lia também o do espírito perverso, porque de espírito a espírito puro e simples nada há de oculto.
O que não ocorre entre os homens, que escondem seus pensamentos e que os mascaram com palavras muitas vezes opostas: diante do espírito, tudo é sem véu, sem nuvem e a descoberto. Eis porque a linguagem do espírito bom é incompreensível aos homens de matéria, porque por sua junção impura com o espírito mau eles receberam sem cessar novos véus que lhes ocultam a verdade. É esse véu de abominação que venda todo o homem que se deixa cobrir por ele, homem do erro, de dúvidas, de obscuridade, e o conduz definitivamente na privação eterna persuadindo-o que ele segue a lei do Eterno, do mesmo modo que o demônio persuadiu Adão. Porque, se o espírito mau demonstrasse ao homem todo o horror de seus pensamentos, ele não teria se deixado seduzir, mas é através de um grande número de prestígios que ele sabia ser suscetível de prazer pela vontade má do ser espiritual que ele ataca, que seduz insensivelmente o sentido de sua matéria, e em seguida o ser Divino.

Suponha um homem que contempla claramente um lugar de delícias, onde todas as belezas reunidas causam um deslumbramento à sua alma; suponha que esse homem tenha recebido ordem de ter sempre os olhos voltados para esse lugar, e que, desde o instante que se deixasse seduzir para olhar alhures, ele cessaria então de ver o lugar de delícias.

Alguém atrás dele o chama, e lhe diz de voltar a cabeça, que há outro lugar mais agradável que o primeiro. Este homem é livre, ele contempla esse lugar e vê claramente que nada pode igualá-lo. Contudo, por sua livre vontade, deixando-se seduzir, volta a cabeça: ao invés de ver um lugar de delícias, vê apenas objetos de horror. Ele deseja voltar seu olhar para seu primeiro objeto, mas foi colocado um muro de dez pés de espessura que lhe impede de vê-lo. Pedi-lhe agora que ele vos dê o plano desse primeiro lugar: isso lhe será bem difícil; ele virá mesmo, pelo distanciamento em que está, a duvidar do que lhe dirão aqueles que o vêem nesse momento.
Adão tinha o seu livre arbítrio, da mesma forma que os primeiros espíritos perversos: uma vez que ele vinha operar sobre eles uma justiça, ele era dotado da mesma natureza, da faculdade pela qual os primeiros espíritos perversos tinham pecado para lhes servir de exemplo, de instrução e de lição viva que teria operado sobre eles uma mudança considerável. Restringindo mais e mais a ação maldosa desses primeiros espíritos e lhes servindo de inteligência boa, ele os teria conduzido insensivelmente a uma mudança de ação, ou a uma regeneração, uma vez que todo o espírito que muda de lei, muda necessariamente de ação.

Porque, se o chefe dos espíritos perversos tivesse mudado, adaptando-se à lei do Eterno, não se trataria mais do mal em toda a extensão deste universo, visto que é árvore da vida e do mal; não que seja o próprio mal: uma vez que, por sua emanação, ele tem inato em si a lei do Eterno, ele não pode senão engendrar o mal, e não criá-lo de alguma espécie de matéria. Toda a criação pertence necessariamente a Deus, Eterno Criador. Os espíritos perversos não podem engendrar senão ações opostas ao bem; o que se faz sempre neles, com uma diminuição considerável de sua ação, uma vez que o soberano bem existindo necessariamente na Divindade e a possibilidade do mal não tendo jamais sido, é absolutamente necessário que todo o ser particular que quer atacar o ser necessário torna-se o mais fraco de todos os seres.

Uma vez agindo por princípios opostos àqueles que estão inatos em si, ele sente no mesmo instante de suas vitórias, os combates no interior de si próprio, que os humilham mais do que suas vitórias podem orgulhá-lo. Esses combates provêm da convicção perfeita de que ele não pode destruir em si, que tudo o que ele fez está oposto à sua própria natureza de ser espiritual Divino, e pela falta de satisfação onde está, que não é senão a divisão daqueles que seguem as leis do ser necessário; o que se pode considerar pela vida dos homens daqui de baixo, que não operam o mal senão com esforço e trabalho, e não encontram senão um vazio horrível após o êxito dos empreendimentos maus, pelos quais se prometem as maiores satisfações. Esse estado infeliz do homem conduziu muitos deles ao desespero, no mesmo instante que seus semelhantes, guiados pelo mesmo erro os julgavam no auge da felicidade. Nada pode destruir, repito, a natureza das leis que o Eterno estabeleceu. Todo o ser que delas se afasta é o mais infeliz dos seres, porque a natureza inteira conspira contra ele, tudo estando baseado no bem.

Ele torna-se, então, o duplo receptáculo do mal e do bem: do mal que opera com esforço, e do bem que faz seu suplício, uma vez que não pode jamais destruí-lo, porque está inato em si. Pode-se constatar, por tudo o que acabo de colocar, que a origem do mal não deve ser considerada como sendo a própria obra de algum espírito que seja o próprio mal; não significa propriamente que a vontade, oposta àquela do ser necessário engendre o mal. É nesse engendramento do mal que faz ver a pouca solidez de todas as buscas dos homens sobre os objetos opostos à sua natureza, uma vez que elas não tendem senão a torná-los os seres mais infelizes da natureza, unindo-os aos professores do mal, o que se vê todos os dias sob nossos olhos pela infeliz conduta dos homens, que, se deixam conduzir pelo que chamamos vulgarmente de paixões e que denominamos o mau intelecto, procuram, entretanto, nessas trevas a luz, e não a encontram jamais, semelhante a esses navios que, na guerra, se acreditam estar, pela falta de sua estima, em pleno mar e que, vendo algumas luzes, as tomam por navios, e, navegando sobre elas a toda vela, não acreditam jamais chegar a tempo, não encontram senão rochedos íngremes, sobre os quais se quebram, e encontram a morte naquilo que acreditavam dever fazer sua felicidade nesta vida. Esta imagem é a de todo homem que se deixa seduzir pelo nosso inimigo comum, cujo trabalho consiste em fazer parecer aos homens suas leis de abominação tão claras quanto as leis espirituais Divinas.

Mas o homem tem poderosas armas a lhe opor. As mais poderosas são as da oração: é através dela que o homem se une mais particularmente à ação infinita do Espírito Santo, que lhe comunica uma força superior a todas àquelas de seus inimigos. Depois da oração, coloco a regularidade da conduta, porque é bastante difícil poder aproximar-se do fogo sem se queimar. A terceira são as boas obras, que estão propriamente naquele que as faz, uma vez que elas lhe proporcionam um fruto inalterável de graças do Eterno; que o conduzem enfim, mesmo desde esta vida, ao abrigo de todos os ataques de seus inimigos. O que rogo ao Eterno de conceder a todos nós. A ele esteja a glória, honra e louvores para todo ser emanado e criado, nos séculos dos séculos.
Amém!

Instrução 07: Da Prevaricação do Homem.

Meus irmãos,
Após vos ter traçado o estado glorioso de nosso primeiro Pai, vamos examinar aquele em que ele caiu por sua prevaricação.

Ele havia sido emanado para manifestar a maior glória do Eterno, e desejou manifestar sua potência para sua satisfação particular, em se deixando seduzir por seu inimigo, que lhe comunicou um plano totalmente oposto aquele das leis do Eterno. Adão se revestiu da potência demoníaca para atacar o Eterno e cometeu seu crime na presença dos espíritos perversos e a seu prejuízo, visto que, como já havia dito, ele havia sido emanado para operar em favor desses primeiros espíritos um culto de reconciliação.

Adão, precipitado pela justiça do Eterno do centro das religiões celestes, foi obrigado a ir se revestir nos abismos da terra de uma forma semelhante àquela que temos: ele tornou-se sombrio e tenebroso por seu crime e pela nudez, que se encontrava com a companheira e o objeto de sua desgraça, pelo despojamento que Deus lhe fez de seu corpo de glória, como a Escritura, falando emblematicamente, diz que Deus lhes vestiu. Ora, a vestimenta que Ele lhes deu não foi outra senão a forma aparente que cobriu nosso ser espiritual Divino, ou nossa alma.

Deus os expulsou do paraíso terrestre, ou do céu, para arrastar-se sobre a terra, como o resto dos animais e os sujeitou ao tempo. Foi essa sujeição que fez Adão sentir todo o horror de seu crime, uma vez que, em seu primeiro estágio de glória, sendo ser pensante na Divindade, não conhecia nenhum obstáculo para se comunicar com ela; ao passo que, em seu corpo segundo, de matéria, ele se encontra sujeito aos ataques do intelecto que vem incessantemente atacar sua forma aparente, para atacar logo depois, desde que ali dominou, o ser espiritual que ela encerra. Ora, enquanto a alma faz esse combate, ela não está pensante, mas pensativa. O que de modo algum ocorria com Adão, que, tendo recebido da Divindade um corpo de glória incorruptível recebia comunicação do pensamento do Eterno por um ser superior que Deus lhe enviava sob uma forma aparente e que lhe comunicava sem nenhum véu sua vontade; enquanto que tendo se tornado pensativo pelo trabalho que foi obrigado a fazer sem cessar contra o mau intelecto, ele não pode mais ser pensante senão pelo tempo, pela união íntima com o espírito.

Ora, essa união não é senão a recompensa da força com a qual ele rechaça o intelecto mau, o que satisfaz a justiça do Eterno relativamente ao crime de nosso primeiro Pai, visto que o ser da terra que gozará a maior união do espírito deve necessariamente ser aquele que sentiu a maior privação, pois durante o tempo que travou combate contra os maus, sua alma estava no compartimento da privação e do temor, que é o que chamamos padecimento do espírito: da privação pelo afastamento do espírito bom e a proximidade do mal, e de medo pelo terror de chegar ao estado em que está o homem - presa de seu inimigo.

Ora, é a fidelidade do menor nesta batalha espiritual que fez os apóstolos e os profetas, e é ela ainda que faz os sábios. O ser pensante está diretamente na Divindade, ao passo que o ser pensativo não pode ali ler jamais enquanto está pensativo, uma vez que esta é sua privação. O homem é, pois, agora pensativo e pensante; pensativo pela sujeição onde está de fazer um combate de expiação; e pensante pela recompensa que Deus concede às suas vitórias unindo-o intimamente ao espírito pelo qual lê, então, na Divindade. Se cada um de nós deseja observar o que se passa todos os dias sobre ele, sentirá a certeza do que acabo de dizer.

Essa queda de Adão, tal como está qualificada nas Escrituras, onde está escrito que Deus lhe havia dito de comer todo o fruto do paraíso terrestre à exceção do fruto da árvore da vida, da ciência do bem e do mal. A árvore da vida não é senão o chefe demoníaco, que é a árvore da vida do mal por uma eternidade. Foi, com efeito, por ter comido de seu fruto, ou por haver retido a impressão de seu mau pensamento, visto que, como já disse acima, Adão era um espírito puro que não bebia nem comia nenhum alimento elementar, mas era alimentado de um nutriente todo espiritual Divino de sua natureza. O fruto proibido não era outra coisa senão o pensamento demoníaco que Adão recebeu e que lhe acarretou a morte, colocando-o na privação da comunicação espiritual Divina, e pela qual ataca, com seus partidários, à Divindade.

É esse crime horrível que lhe fez sentir sua nudez, uma vez que logo após ter comido (o fruto proibido) foi despojado de seu corpo de glória e foi banido do céu, ou do paraíso terrestre, e veio arrastar-se sobre a terra como o resto dos animais. Adão sentiu uma perturbação inconcebível em sua forma de matéria. O espírito bom companheiro lhe reapresenta sem cessar o horror de seu crime, oferecendo-lhe sem cessar aquela imagem. Adão concebeu o arrependimento puro mais amargo e começou sua penitência que durou quarenta dias, nos quais não cessou de sofrer com sua companheira por seu crime. Esse primeiro culto de expiação foi inspirado em Adão pelo nosso Divino mestre Jesus-Cristo sob o nome de Hely; que ofereceu ele mesmo a Deus seu Pai, um culto para que o homem, ou o menor, não fosse colocado pela justiça do Eterno na privação Eterna. Sem esse culto do homem Divino, Adão não teria podido fazer penitência de seu crime e teria se tornado o menor dos menores demoníacos, porque a penitência, ou a dor do pecado, não pode vir jamais diretamente daquele que a cometeu, visto que ele está, então, na condição de morto; ela lhe é sempre comunicado pelo Espírito Santo. Ora, é sua união com o Espírito Santo que faz seu mérito, e é por ele que adquire todas as luzes sobre os meios mais eficazes para obter a remissão de suas faltas. Ora, é preciso sempre um mediador entre Deus e o pecador, uma vez que Deus, sendo imutável e tendo condenado todos os pecadores à morte eterna, é necessariamente indispensável que se encontre um justo que tome para si o peso da morte ao qual todos os pecadores são condenados. De onde se pode ver a necessidade da operação de justiça, de misericórdia e de reconciliação que Jesus Cristo, nosso Divino Mestre, veio operar no meio dos tempos em favor de Adão e de sua posteridade que se tornava suscetível como ele, uma vez que Adão, por sua prevaricação, encontrando-se morto em privação eterna não poderia jamais ter podido retornar à vida se Jesus Cristo não houvesse arrebatado de cima desse ser infeliz o peso da justiça do Eterno sobre a qual ele estava, oferecendo a si próprio a Deus, seu Pai, coberto de todo o peso do crime de Adão e de sua posteridade. Sem esta justiça de Jesus Cristo, Adão não teria jamais podido obter perdão de seu crime e não teria jamais podido obter sua reconciliação, uma vez que não teria condições de ter a comunicação do Espírito Santo. Era preciso necessariamente, para que Adão começasse um culto de expiação, que seu Divino mediador, e de sua posteridade fosse desde esse momento oferecido como vítima de expiação desse mesmo crime.

Essa justiça do homem Divino em favor de Adão deve-nos fazer entender qual era o culto que Deus esperava de seu primeiro homem em favor dos primeiros espíritos prevaricadores, uma vez que Cristo disse vindo ao mundo: "Eu sou o verdadeiro Adão." A forma de nosso primeiro Pai, após sua prevaricação, não se alterou; ela era semelhante à forma gloriosa que ele tinha quanto à imagem, relativamente ao triângulo eqüilátero que Deus havia concebido para ser a imagem do chefe deste universo. O culto que Jesus-Cristo ofereceu em favor de Adão o tornou suscetível de operar, mesmo no centro de sua forma de matéria aparente, um culto espiritual temporal que o conduzisse à sua reconciliação perfeita, e que ele transmitiu à sua posteridade para esse mesmo fim. Adão tendo mudado de forma, visto que estava em seu princípio revestido de uma forma gloriosa, totalmente espiritual e que desceu sob uma forma tenebrosa de matéria passiva; mas a imagem é exatamente a mesma, ela continha em suas extremidades o triângulo eqüilátero.

O corpo do homem se dividiu em três partes: a primeira é a cabeça, a segunda é o peito, e a terceira são os ossos. Essas três partes estão unidas por ligamentos cartilaginosos que se podem desunir sem romper os ossos. Vemos ainda aqui o número ternário: os ossos, o sangue e a carne, que, com as três divisões, nos fazem ainda ver o número senário, ou os seis pensamentos que o Eterno empregou para a criação deste universo. Encontra-se ainda o número senário nas três essências que compõe o corpo do homem, e os três ângulos do triângulo eqüilátero, que são seis; adicionando a esses dois números, temos o número 12, ou 3, que nos fazem ver que o corpo do homem é a operação dos espíritos do eixo fogo central, que portam o número ternário e cujo trabalho deve conter o número.

Poderiam, talvez, perguntar-me se as leis que Adão tinha em seu corpo de glória são as mesmas que tem em seu corpo de matéria aparente. Responderei que um ser que muda de ação, muda necessariamente de leis. Em seu primeiro princípio, Adão tinha uma ação toda espiritual Divina, visto que não estava associado a nenhuma espécie de ação temporal. Consequentemente, sua lei era puramente espiritual, ao passo que, em seu corpo de matéria, sua ação tendo sido extremamente limitada e estando sujeita ao temporal, sua lei foi transformada de espiritual pura e simples em espiritual temporal, o que o tornou ser de privação, visto que os corpos, quaisquer, são sempre um caos, ou trevas ao espírito, o que prova demonstrativamente que a forma de matéria da qual Adão se revestiu pelo decreto do Eterno foi feita para lhe servir de prisão, e para lhe fazer sentir todo o tempo de morada naquela forma, o castigo de seu crime. É pelas diferentes divisões que sofreu nessa forma de matéria passiva que satisfez em parte a justiça do Eterno. Aqui se pode ver a necessidade absoluta que se encontra o menor aqui embaixo para suportar o castigo da alma, do corpo e do espírito, e para expiar a falta de nosso primeiro Pai.

Entraremos, na seqüência, mais particularmente no detalhe da prevaricação de Adão. Falarei agora do físico que se opera para a purificação do pecado. Darei por exemplo uma barra de ferro que se tira de uma matriz, ou de uma mina. Não é verdade que ela está repleta de partes grosseiras e sujidade, que lhe impedem de poder servir para algum uso? Que se trabalha nela para poder devolvê-la a um estado de pureza suscetível de conservar as diferentes formas que se deseja lhe dar? Emprega-se o fogo mais violento de um carvão de pedra, cuja chama espessa e suja atrai a ela todas as partes que são de sua natureza, enquanto que um outro carvão de madeira, mais leve espalha uma chama pura, que, por sua ação superior àquela do fogaréu contido no carvão terrestre, separa todas as partes sujas que o outro atrai, uma vez que são de sua natureza. O fogaréu do carvão de madeira tendo movimento muito ativo, à medida que separa as partes sujas, ele se comunica com os veículos inatos no fogo, e lhe dá um movimento considerável, até o ponto de lhe dar seu próprio calor fogoso. Ora, desde que há esse calor, há uma prova certa de que está em comunicação direta com seu superior fogoso. Então, detém-se essa grande ação fogosa pela água, que rende então o fogo à sua pureza natural e próprio a ser empregado aos usos de sua lei.

Vereis nesse corpo bruto o que se passa no corpo do homem mais favorecido pelos dons da natureza, tal como era Adão no momento em que desceu em seu corpo de matéria, que era corpo de pecado pela maldição que havia lançado sobre ele e sobre toda a terra. O corpo de Adão sendo terrestre estava, pois, repleto de partes sujas, grosseiras e de máculas que seu inimigo ali havia feito. O que empregou Deus para purificação de seu homem arrependido, penitente e suplicante? Ele empregou os fogos dos quais já falei na comparação que fiz: um bom, procedente da ação toda-poderosa do Espírito Santo, cuja santidade, pureza e ação operam com sua eficácia sobre a forma desse primeiro homem, separou insensivelmente as manchas imundas estranhas que o espírito de trevas ali havia colocado, enquanto que esse espírito mau que o golpeava sem cessar, atraía a ele o que era de sua natureza.

Quais eram os veículos de sua natureza? A fé, a esperança e a caridade, inatas por ordem do Eterno em Adão. É sobre essas faculdades do homem que o Espírito Santo soprava sem cessar para separá-las da imundice do crime de Adão, enquanto que o mau espírito contra-atacava de seu lado para fazê-lo perseverar em sua falta. Ora, vimos que todo o mérito de Adão foi o de estar unido ao Espírito Santo pela fé. É por ela que separou, pelo fogo do Espírito Santo, todas as imundices que estavam em sua alma e em sua forma, e que alcançou a sua reconciliação, apresentando ao Eterno sua alma e sua forma em seu estado de brancura, de pureza e inocência, tal como sua natureza espiritual Divina o exigia.

Não cessemos, pois, meus irmãos, de trabalhar sobre nós para sermos perseverantes na fé, uma vez que é o único meio de obter a remissão de nossas faltas. Vê-se bem que os maiores atos da humanidade não são nada sem ela (a fé), visto que não são senão esses atos que nos unem ao espírito. É pela fé única em Jesus-Cristo que somos salvos; é por ela somente que fechamos a goela do leão; é por ela que temos a inteligência, a esperança e a caridade, que é o centro de todas as virtudes: sem ela nada temos.

Instrução 08: Do Corpo do Homem e de seu Pensamento.

Meus irmãos,
Assim que Adão foi perdoado de seu crime, pela pura misericórdia do Eterno, pela bênção que lhe deu, assim como à companheira, Deus lhe disse: "Adão, realiza tua obra e opera com ela uma posteridade de formas particulares, nas quais enviarei um ser espiritual semelhante ao teu." Adão operou, então, em conformidade com Eva, a forma de seu filho Caim, com um desvelo excessivo dos sentidos de sua matéria; o que tornou essa posteridade suscetível de todos os flagelos da justiça eterna. Esse nome que Adão deu a seu primeiro filho, Caim, que significa "filho de minha dor" profetizava a grande dor que esse filho lhe faria experimentar logo depois por sua grande prevaricação. A ordem que Deus deu a Adão, ao separar-se dele, nos faz ver que Deus o havia feito depositário de seu seminal reprodutivo, do qual ele não poderia abusar sem crime, como farei ver.

Dividimos o corpo do homem em três partes, a saber: em sólido, dado a mercúrio, ou aos ossos; em sangue, dado ao enxofre; e, em sal, dado à carne. O ser espiritual Divino encerrado nesse corpo preside não somente os movimentos dessa forma, mas também a preservação das essências que o compõe em sua pureza. O sangue é composto de seis glóbulos linfáticos brancos, que são da mesma natureza que o seminal reprodutivo, com a diferença de que eles são muito mais soltos que aqueles da medula dos ossos e do seminal; onde vemos reaparecer ainda o número ternário: a medula, o seminal e a linfa. Os seis glóbulos conservam sua cor branca, até que tenham formado sua união circular com aquele do centro que, contendo em si um veículo eixo fogo central contido no envoltório do enxofre, comunica, desde o instante de sua união com os seis glóbulos brancos linfáticos, a cor vermelha tal qual a do sangue. Essa cor é, ela própria, um composto de três cores: o branco dado à linha, o amarelo dado ao enxofre, servindo de invólucro ao veículo, e o veículo eixo fogo central, ou fogo incriado, que é da mais bela púrpura.

Observai, rogo-vos, meus irmãos a perfeição desse glóbulo por seu número; como o círculo, ele não tem valor senão por seu centro, que, como o sabeis, se divide em seis raios. Ora, do mesmo modo, essa divisão não pode se fazer senão pelo centro, que é o gerador, o sustentáculo e a vida do círculo, assim como o glóbulo do centro comunica sua cor, o movimento e a vida aos seis outros, dos quais estariam privados sem sua união. Sabemos que Deus não empregou senão seis pensamentos para a criação deste universo, e que consagrou o sétimo. O que teria ocorrido com todo o universo sem a bênção do Eterno? Ele teria permanecido sem vida. Igualmente, os seis glóbulos linfáticos são desprovidos de vida, privados da união de seu setenário que lhes comunica o calor, o movimento e a vida.

Vamos mais longe. Este universo, concebido pelo pensamento do Pai, a vontade do Filho e a ação do Espírito Santo, unamos esse número inefável 3 com os sete pensamentos que Deus empregou para a criação deste universo: teremos o número 10, dado à Divindade. Do mesmo modo, uni o número setenário dos glóbulos compondo um glóbulo sangüíneo com os três princípios, ou cores, o branco dado à linfa, o sangue ao enxofre, formando o envoltório do veículo, e o veículo púrpura. Adicionai esses três números, 3 com o número setenário: tereis o número denário, 10, dado à Divindade. Essas provas, que todo homem que tem olhos pode verificar por si mesmo e que temos mil vezes observado, devem te convencer, oh! homem!, que o Eterno colocou sua imagem nas menores, como nas maiores partes da forma, para que todo homem tivesse sem cessar, diante de seus próprios olhos, de sua forma, a prova convincente da existência de um Deus vingador e remunerador. Não há nenhum ser sob o céu que possa duvidar da existência dessa grande Divindade. O próprio demônio está convencido disso, e não tem o poder de por em dúvida esse fato a qualquer ser que seja.

Todo ser espiritual, seja bom, seja mau, possui o pensamento, que a própria Divindade não lhe pode suprimir. O pensamento é, certamente, sem extensão; ele se desenvolve e aumenta tanto quanto quer; percorre todas as belezas da criação, engendra seres de toda espécie e os faz existir, os faz agir. Ora, as faculdades do pensamento não são outra coisa do que a semelhança inefável da fonte Divina de onde emanam. O Eterno, sendo pensante, e existindo necessariamente por si mesmo, transmitiu a todos seus filhos sua semelhança, pois vemos que o pensamento de cada ser pode engendrar: assim como Deus criou os seres. A Divindade lhes dá a existência dando-lhes leis, e o pensamento lhes dá a existência pelas dimensões que lhes dá; a Divindade os faz agir, o pensamento do mesmo modo faz agir os seres que gerou. A semelhança do pensamento do homem com a Divindade é perfeita. A diferença que existe é que Deus, sendo todo poderoso, não pode ter nenhum pensamento que não tenha sua realização; ao passo que o homem, sendo um ser limitado, não pode realizar senão um pequeno número de seus pensamentos. Mas enquanto ele tiver o pensamento, como qualquer outro ser, terá sempre dentro de si uma prova convincente da existência de um Deus. O ser mais perverso da terra pode, pela insinuação do mau demônio, dizer que de modo algum existe Deus, mas, no mesmo instante que o diz, passa nele um pensamento que lhe prova a existência necessária desse ser Divino, que imprimiu nele mesmo, em sua alma, caracteres indeléveis. Todo mau pensamento do homem pode, pois, se reduzir a dizê-lo, mas não há ninguém neste universo que possa vir a crê-lo, porque seria necessário para tal que pudesse destruir seu pensamento; coisa impossível a todo o ser emanado, uma vez que, destruir o pensamento, é destruir o próprio ser espiritual; ora, nenhum ser eterno de sua natureza pode se destruir. Ele pode tornar-se bom ou mau, mas não destruirá jamais seu pensamento, ou sua faculdade pensante.

É sobre esse pensamento que o Eterno opera e operará sem cessar. Se o pensamento é bom, ele ali manifestará sua glória e, se ele é mau, ali manifestará sua justiça, uma vez que tudo que se afasta de Deus está no sofrimento infinito da privação. Deus sendo a própria luz, nenhum ser qualquer pode participar da luz senão na medida em que se uniu a Ele. Todo o ser torna-se tenebroso no momento em que se afasta dessa luz; visto que essa luz sendo necessária para a felicidade, a vida e a proteção de todo o ser, as trevas não fazem senão a infelicidade, a morte e a destruição das faculdades de todo o ser que teve a infelicidade de se separar dela. Todo ser tem em si um fogo Divino, desde sua emanação suscetível de estabelecer comunicação com essa luz eterna. Esse fogo é a fé, que não é outra coisa senão a união perseverante do pensamento do ser particular com o Ser todo-poderoso. É a resistência desse pensamento bom ao choque contínuo do mau pensamento que forma o que chamamos fé. É por esse fogo Divino que nos unimos à luz eterna, do qual resulta necessariamente a vida de nossa alma e de nosso corpo. Separar-se desse fogo é cair nas trevas que não são senão a desgraça daquele que ali mergulhou, visto que essas trevas não contém em sua essência nenhum princípio de felicidade, de satisfação, nem de realidade física. Elas não são todas senão ilusão, senão erro e mentira, e não produzem senão a infelicidade eterna daquele que se deixou seduzir, porque o verdadeiro bem é Deus.

Ora, toda felicidade existindo necessariamente na Divindade, não pode haver ali (nas trevas) senão infelicidade eterna em tudo o que da Divindade se separou.

Como o dia mais belo é o mais claro, igualmente a noite mais escura é aquela que tem a maior privação. Se o homem presta atenção, vendo com os seus olhos, observa durante o dia os objetos da natureza das formas, para a utilidade, a precisão e a necessidade da manutenção de sua forma. Suponhamos agora que este homem extirpe os olhos; como poderia distinguir os objetos da natureza no mais belo dia? Ele estará cego, tropeçará, cairá, morrerá de fome e sede senão tiver ninguém próximo de si. É o mesmo caso de um homem que faz um mau uso das faculdades de sua alma. Ela tem olhos mais clarividentes que aqueles do corpo, que a conduzem na senda da luz. Sua má vontade, o mau uso de seu livre arbítrio, é o que lhe arranca os olhos da alma e a faz correr às cegas atrás dos objetos falsos de ilusão e de mentira, e a precipita definitivamente na morte eterna, que não é senão a separação total da luz.

Qualquer homem sob o céu, por mais estúpido, tenebroso ou mentiroso que seja, não pode duvidar dessas verdades sem dar uma nova prova do que antecipo. É que ele se separou por seus crimes da luz. Tudo o que ali contém será igualmente convencido que Deus, sendo a unidade existente necessariamente por si mesma, contém em si a plenitude de todos os seres; que cada um desses seres tem suas leis que tem uma relação com o ser necessário, uma vez que fora dele nada existe, e, por outro lado, o nada é também impossível, como a não existência do ser. Todo o ser tendo, pois, necessariamente sua relação absoluta com a Divindade, aquele que está mais unido a ela é o mais venturoso. A felicidade existindo necessariamente na Divindade, o ser mais desgraçado é aquele que está mais afastado da Divindade; não que o ser possa algum dia dela se separar, estando sempre sujeito pela lei da sua emanação do Ser necessário, que lhe serve de freio, de sujeição e de barreira intransponível a todas as suas operações nocivas, uma vez que está sempre sob a cadeia da justiça do Eterno se ele for mau, e sob a lei da liberdade se for justo.

Essa liberdade consiste no aumento de suas faculdades por ter feito o bem. Uma vez que seu crescimento é infinito, ele pode, pois, desenvolver toda a liberdade de seu pensamento em um campo tão imenso como as obras do Eterno, sem receio de ser detido, uma vez que eles são infinitos, ao passo que o mau fixa-se na privação, ou no padecimento eterno, uma vez que se ele quer trabalhar sobre qualquer coisa, é preciso que ele trabalhe sobre o nada. Ele não pode, pois, atacar senão as obras do Eterno que são infinitas. Seu padecimento deve, pois, ser infinito, uma vez que não poderá jamais destrui-las nem destruir a si mesmo. Que Deus esteja com vosso pensamento e o nosso, para sempre.
Amém!

Figura dos seis glóbulos do sangue, que tiram o seu movimento do glóbulo do centro, que encerra o veículo do eixo fogo central, ou fogo incriado.

Instrução 09: Da Reintegração das Formas.

Meus irmãos,
Tudo o que começou adquiriu princípio, e tudo o que foi criado deve terminar. É um axioma inabalável, geralmente aceito, tanto pelos homens espirituais Divinos, temporais, como pelos homens materiais temporais. Mas, como a averiguação é bem diferente, vou vos falar da reintegração das formas, com o auxílio do Eterno.

Já vimos como o número ternário, 3, é o do corpo, por suas três essências espirituais; o senário, 6, é o de sua divisão, representando aquele dos seis pensamentos que o Criador empregou para a criação universal geral e particular. O número novenário, 9, é o da reintegração. No princípio da produção de um corpo, tal como aquele da formação de uma criança no corpo de sua mãe, esse seminal reprodutivo nos representa no seu primeiro princípio a matéria em sua indiferença, as três essências não tendo ainda nenhuma distinção, e estando em aspecto umas com as outras, sem forma; mas, tão logo elas estejam na matriz, recebem um movimento que parte do grau de fogo que ali se encontra, e que é produzido pela ação dos espíritos do eixo fogo central e dos espíritos elementares que, acionando sobre o veículo da mulher, começam a trabalhar, modificar e distinguir as essências. No momento em que são distinguidas, o embrião toma forma; o que ocorre no fim de 40 dias, por um número de experiências reiteradas, para repetir sempre a toda a posteridade de Adão o pecado de seu primeiro Pai, cometido na quarta hora do dia, para lhe repetir sua penitência de 40 dias, sua reconciliação ao fim de quarenta anos, o que foi repetido por Noé, Abraão, Moisés e definitivamente por nosso Divino Mestre Jesus-Cristo quando jejuou 40 dias sobre a montanha do Tabor. No quadragésimo dia, o espírito menor desce no corpo, ou envoltório, ou na prisão, que acaba de lhe ser feita, e começa, desde este instante, a experimentar um sofrimento, porque a maior pena que um espírito possa sentir é a de estar limitado em sua ação. Consideremos um momento a posição desse ser. Ele tem os dois punhos apoiados sobre os olhos; envolvido no âmnio (a mais interna das membranas que envolvem o feto), nada em um fluído de corrupção, privado do uso de todos os seus sentidos espirituais, Divinos e corporais; ele recebe o alimento pelos abismos de sua forma, submetido a uma tão grande privação que ele não se agarra à vida senão por aquela de um ser quase tão fraco quanto ele; que ele participa de todas as suas penas, seus sofrimentos e seus males. Oh! Crime de nosso primeiro Pai! Eis o justo castigo que tu mereces. A justiça do Eterno submeteu toda a posteridade de Adão a passar pelas mesmas vias.

Consideremos aqui, meus irmãos, que o ser espiritual Divino que está no corpo da mulher está encerrado sob três véus espessos: o primeiro, sua própria forma; o segundo, aquele de sua mãe; e o terceiro, aquele do universo. No momento que sai do corpo de sua mãe, ele não está preso senão a dois véus: aquele de sua forma e o do universo; e, no instante que faz a sua feliz reintegração, não lhe resta mais senão aquele do círculo universal. Eis um belo ternário: o menor, no corpo de sua mãe, 1; o menor neste universo, 2; e o menor reintegrado, 3; o que prova ainda a feitura deste universo, ou os seis pensamentos, pela adição destes três números que dão 6. Em seu primeiro princípio, Adão, revestido de sua forma gloriosa, dominava acima de todo este universo, sem estar subjugado. Por seu crime, mergulhou toda a sua posteridade abaixo da escada que ela ficou obrigada a ascender.

O número novenário, 9, é o da reintegração e da destruição, porque subdivide as três essências que, em seu princípio, não continham senão um número ternário por sua união: mercúrio, enxofre e sal, 3. Mas como na parte mercurial existe um misto, visto que tudo o que tem forma é misto, na parte mercurial se encontram enxofre e sal, 3; na parte sulfurosa se encontram sal e mercúrio, 3; e na parte do sal se encontram enxofre e mercúrio, 3/9. O que os faz denominar mercúrio, enxofre e sal, é que essas três partes dominam em cada um desses mistos; mas, no instante em que o homem alcança, degrau por degrau, a sua formação perfeita, ele organiza e aperfeiçoa o que se pode denominar vegetação; ele começa a sua reintegração, insensível, antes de tudo como tinha sido sua formação, até o momento em que, enfim, começa a sua reintegração inteira pela dissolução ou a divisão das essências.

No primeiro princípio, o germe contendo as três essências dá início à produção da forma. No momento em que o homem nasce, os alimentos das três essências, 3, lhe dão a vida, e todo o tempo de sua duração aqui em baixo. Mas, assim que as três essências cessam a sua produção e a vegetação, elas começam a sua reintegração, 3, subdividindo-se, isto significa que sua união no primeiro princípio determinou sua produção, sua divisão pela parte alimentar originou a sua vegetação, sua subdivisão produziu sua reintegração, porque nenhum corpo dos três reinos, vegetal, mineral e animal, pode subsistir sem estar, todo o tempo que tem forma, em um desses três estados de produção, vegetação e reintegração.

Entrarei agora na demonstração da reintegração. No momento em que o veículo eixo fogo central, que formava a vida da forma, residindo no sangue e tendo a sua fonte no coração (da qual se dará a demonstração anatômica na seqüência), fez a sua reintegração, desde então, a forma começa a sua reintegração pelo que segue:
A forma do homem contém o germe de uma turba de animais répteis ou de insetos que começam o seu crescimento pelo trabalho de reintegração, que se faz pelo úmido grosseiro do cadáver que, por seu movimento, trava combate nos ovários dos animais rastejantes que existem no cadáver. Os espíritos elementares, agentes das formas conjuntamente com o fogo terrestre, ou do corpo geral, batendo seus fogos espirituais, entrechocam os ovários desses répteis, e, por sua reação, descobrem o envoltório ovário que os mantinha contidos. Esses insetos possuindo existência em cada uma das três essências, mercúrio, 1, enxofre, 1, e sal, 1/3, e contendo em si mesmos essas três essências - aqueles que viveram na parte do mercúrio, 3, aqueles que viveram na parte do sangue, 3, aqueles que viveram na parte do sal, 3. A reintegração desses insetos dá a cessação de toda a espécie de aparência da forma do cadáver, o que forma a reintegração perfeita da forma humana. É pouca a diferença de tempo do crescimento, da produção e da reintegração desses insetos que chegam aproximadamente à duração da reintegração da forma humana, o que prova que o número 9, ou novenário, é o da reintegração.

Observemos aqui, meus irmãos, a analogia que o corpo do homem, denominado "pequeno mundo" tem, com razão, com o universo. Como o universo, ele contém 3 partes: o universal, o geral e o particular; a imagem do universal pelo número inumerável de fibras que formam sua parte cartilaginosa e que não é possível calcular, senão enumerando os espíritos do eixo fogo central; o geral, ou a terra, como ela, ele é triangular. Como ela, ele dá a vida a três gêneros de seres de forma, como acabado de demonstrar, o que nos representa os três reinos, vegetal, mineral e animal; como ele, enfim, contém o particular pelo número inumerável de pequenos vasos capilares sangüíneos, não mais sendo possível de enumerar esses pequenos vasos senão enumerando as estrelas que compõe o firmamento.

O corpo do homem contém ainda uma correspondência puramente espiritual com o ser menor que ele contém em privação. É que ele (corpo do homem) representa aos olhos da forma todo o físico espiritual que se opera sobre a alma espiritual Divina eterna. Observando-se bem a um, ver-se-á que é o protótipo do outro: a alma, como o corpo, tem a necessidade de alimento de sua natureza Divina; esse alimento, tomado com moderação, a mantém à vida, como o corpo; o alimento envenenado lhe dá, como ao corpo a morte da privação; ela tem suas doenças como ele, mas não é jamais afetada por aquelas do corpo, que, assim como ela, participou, pelo mau uso de seu livre arbítrio da doença do corpo; por meio do qual podemos nos convencer pelos suplícios que tem sofrido os felizes eleitos do Eterno, cuja alma suplícios que tem sofrido os felizes eleitos do Eterno, cuja alma desfrutava da contemplação do Espírito Santo e, em virtude disso, estava nas delícias, no tempo em que se oprimia a forma por todos os suplícios que a malícia demoníaca pode inventar. A alma desses menores, muito longe de participar das dores do corpo não tinha deles nenhum conhecimento.
Aqueles que, tendo cometido qualquer crime, sentindo o justo castigo, não sentem os seus efeitos, ainda que por desígnios bem diferentes em sua alma o suplício do corpo; ao contrário, o suplício que sua alma experimenta é incomparavelmente superior àquele de seu corpo. Nesse estado de justiça, a alma não experimenta senão satisfação, ainda que o corpo sofra e, no estado do justo castigo que segue o crime, a alma sente incomparavelmente dores mais vivas que o corpo; o que faz ver a necessidade do castigo da alma, da pena do corpo e daquela do espírito, para readquirir os conhecimentos que tivemos a infelicidade de perder pelo pecado de nosso primeiro Pai, uma vez que os conhecimentos não são senão a recompensa de nossa resignação de suportar os diferentes sofrimentos aos quais a posteridade de Adão foi muito justamente condenada.

É pela mais santa virtude da paciência que se alcança a feliz reintegração de seu ser espiritual Divino no lugar do repouso, e de sua forma em seu princípio eixo fogo central. Que Deus conceda a todos nós essa graça.
Amém!

Instrução 10: Desejo, Paciência e Perseverança.

Meus irmãos,
O Eterno, todo-poderoso criador, cuja potência infinita se estende sobre o universo dos espíritos e dos corpos, contém em sua imensidade uma multidão inumerável de seres que ele emana quando quer, fora de seu centro. Ele dá a cada um desses seres, leis, preceitos e mandamentos, que são pontos de ligação desses diferentes seres com esta grande Divindade. Essa correspondência de todos os seres com o ser necessário é tão absoluta, que nenhum esforço desses seres pode impedi-la; eles não podem jamais, ainda que se esforcem, sair do círculo onde foram colocados, e cada ponto que percorrem desse círculo, não deixaria de estar, um só instante, sem relação com o seu centro; e, com forte razão, o centro não poderia jamais cessar de estar em junção, comunicação e relação com o centro dos centros.

A relação dos centros particulares com o centro universal é o Espírito Santo; a relação do centro universal com o centro dos centros é o Filho; e o centro dos centros é o Criador todo-poderoso. Deus, o Pai, criou os seres; seu Filho lhes comunicou a vida, e esta vida é o Espírito Santo. Podemos aí ver da demonstração pelo exame das três experiências físicas que vos apresentarei para servir de demonstração do que acabo de dizer.

A unidade, 1, encontra-se nos números 10, 7, 3, 4: ela se encontra em 10, em 7, em 3 e em 4; o que prova que é impossível poder alguma vez desnaturalizar a unidade, pela impossibilidade de encontrar um número onde a unidade não esteja, uma vez que ela é a geração, o sustentáculo e o fim de todos os números; já que após ter percorrido uma quantidade prodigiosa de números, se terminam por 9, não estão completos, pela ausência de sua unidade que os contém. Como em 10.000: se, ao invés dos zeros houvesse 9, esse número estaria incompleto uma vez que demonstraria que pode sofrer uma adição; enquanto a unidade unida aos zeros mostra sempre a emanação, a base e o complemento dos diferentes números: 1.000.000... Pode-se aumentar os zeros até o infinito, mas eles partem todos da unidade, e estão todos contidos pela unidade; o que se pode ver nos exemplos seguintes: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10.

A unidade é aqui o princípio desses nove números, 1; após ele vem 2, onde há a unidade: 3, onde ela está também; e sucessivamente até 9, onde ela também está contida. Ora, 9 não podendo fazer um número completo, chega a 10, que nos mostra a unidade contendo todos os números, como a figura da página anterior.
Eis a prova física, matemática, do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Sabeis que os números são co-eternos. Deus não criou os números; eles existem de tempos imemoriais nele e é por eles que se fez todos os seus planos de criação dos diferentes seres. Vedes, pois, meus irmãos, que a unidade geradora é a imagem do Pai, 1; a unidade que segue todos os números 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 é a imagem do Filho, e porta seu número: 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9/44/8. Sabemos que através de todos os sábios do universo que o número 8 é o número da dupla potência dada ao Cristo, assim como terminastes de ver que ele é a vida de todos os seres que subsistem, tanto dos espíritos como dos corpos, visto que nenhum ser pode subsistir senão por um dos 8 números que acabamos de ver. Igualmente, o complemento de todos os números, que é 10, ou (1), nos mostra a imagem física do Espírito Santo, que contém tudo o que o Pai criou, tudo o que o Filho dirigiu, e forma desse modo a união eterna, inefável e indissolúvel das três unidades que compõe a tríplice essência da Divindade sem princípio nem fim, como podeis observar que a unidade, 1, sendo absoluta e necessária, tem, sem interrupção, emanado e criado seres, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9; que esses seres têm sempre sido dirigidos por sua ação direta, seu verbo Divino, seu Filho querido 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9/44/88, uma vez que ele completa por seu número todas as ações dos diferentes seres; e que eles estavam eternamente contidos pelo Espírito Santo, 10, ou, como a figura acima, como sendo o fim, o sustentáculo e o conservador de todo ser.

Essas grandes verdades, cuja demonstração está escrita em toda a natureza, são os arcobotantes (construção exterior em forma de meio arco, que serve para sustentar uma abóbada, uma parede), que devem sustentar o Homem de Desejo espiritual Divino bom em todas as suas operações espirituais temporais. Infeliz daqueles que se deixam seduzir pelos falsos prestígios dos intelectos demoníacos, para receber diante dos olhos de sua alma, que são o pensamento e a vontade, o véu abominável que lhes oculta essas três santas luzes feitas para serem conhecidas de todo homem! Mas, como a luz dissipa todas as trevas, da mesma forma as trevas, no mesmo instante em que o ser menor permite que elas tomem conta dele, dissipam nele toda a luz e o fazem errar como um cego procurando às cegas algum objeto que possa garanti-lo contra os perigos que o cercam; igualmente, a alma ofuscada pelo mau uso de seu pensamento procura objetos espirituais que possam dissipar o medo terrível que o espírito vingador do crime produz nela. Este terror, esse pavor, o estremecimento que a maior parte dos homens experimentam na obscuridade, constituem uma imagem perfeita do estado de sua alma. Esse medo que eles têm de encontrar nas trevas algum ser destruidor de seu corpo, deve acompanhar a alma daquele que procura nas trevas, pelo temor que ela possui de encontrar algum ser destruidor da pureza do seu ser Divino que a conduz à privação da luz eterna que é Deus.

Se retirarmos uma grande lâmpada de um homem, que o ilumina e lhe faz ver todos os objetos circunvizinhos, ele continuará nas trevas durante o tempo em que se separar dessa lâmpada; sua vista perderá, durante toda a separação, a visualização dos diferentes objetos. O sol, por exemplo que ilumina os olhos do homem, lhe faz ver as diferentes belezas da natureza; através dele ele vê as diferentes belezas das sucessões dos diferentes corpos aparentes; através dele, se instrui dos diferentes objetos que passam sucessivamente diante de seus olhos; e quanto mais ele visualiza, tanto mais será instruído da natureza dos corpos cuja luz mostra as dimensões.

Suponhamos agora que esse homem seja encerrado em um horrendo calabouço que o priva da comunicação do astro solar: o medo diminui conforme o número de dias de sua privação. Quanto mais tempo ficar encerrado nas trevas, privado da luz do sol, mais sua vista enfraquece, e mais a lembrança de sua visão diminui; de modo que, se permanecer um certo número de anos sem ver a luz do sol, é preciso ter um cuidado especial para reconduzi-lo à luz, para evitar que, ao transportá-lo bruscamente à vista do sol de meio dia, as membranas de seus olhos, pouco exercitadas aos movimentos flexíveis que devem ter para estar em comunicação com este astro, e se encontrando em um estado de tensão, de rigidez e de dureza, e recebendo um grande número de raios aos quais não conseguem obedecer, e opondo-se por sua resistência uma nova força a seus raios, eles não dissolvem enfim, o próprio obstáculo, rompendo-se alguns vasos grossos do corpo e matando a forma daquele que desejou muito cedo aproximar-se do princípio da vida.

A aplicação do que acabo de dizer aos objetos espirituais é simples e fácil. Temos, sobre o assunto, um grande número de exemplos na Escritura Santa. Quando Moisés foi procurar a Lei que o Eterno lhe deu sobre a montanha do Sinai, foi preciso dizer ao povo que ninguém se aproximasse do pé da montanha e que, tanto homem, quanto animal, seria fulminado. Não é o mesmo que mostrar à Israel, que ele não tinha mais a visão suficientemente exercitada, suficientemente pura e limpa, para poder ver os objetos que estavam na montanha? Não é ainda mostrar o respeito que devia ter por todos os santos objetos que ali estavam, dos quais ele não devia aproximar-se senão de longe e trêmulo?

É, pois, absolutamente necessário usar da maior circunspecção, moderação e discrição sobre todos os objetos que a Ordem possui e caminhar com a maior consideração no caminho que conduz ao fim; por que cada senda que ali conduz tem espinhos, dificuldades e obstáculos que é preciso dissipar, extirpar, afastar. Ser conduzido ao caminho sem ter desviado esses obstáculos, constitui uma dificuldade ainda maior para superá-los.

Desse modo, a prudência, tão recomendada pelo próprio Jesus-Cristo, deve ser o alicerce de nossos passos. Um grande número de forças dadas a um general pouco experimentado não fazem senão aumentar sua derrota. É necessário, antes de lhe dar um corpo grande, que ele saiba ao menos dominar um corpo pequeno. O mesmo ocorre com nossa alma: é necessário que ela tenha se exercitado por muito tempo nos pequenos combates antes de resistir aos grandes; as maiores forças que se lhe dá aumentam seus combates. Assim, é preciso saber moderar o desejo de avançar, pelo medo de cair. Vimos que o uso dos alimentos, tão necessários à vida do corpo, utilizados em quantidades muito grandes, e sobretudo em convalescença, são freqüentemente mortais aqueles que os empregam. É, pois, indispensavelmente necessário acostumar pouco a pouco o seu estômago às carnes antes de fazer grandes refeições cuja digestão é sempre difícil. As diferentes provas que se deve submeter aos sujeitos para certificar-se de seu desejo, fidelidade e perseverança são desse gênero.

Um sujeito tem hoje um grande desejo e amanhã não tem mais, porque mudou de pensamento. É, pois, necessário dar-lhe mais tempo antes de admiti-lo, para saber se possui um desejo verdadeiro. Se possuir, seu desejo aumenta em razão das dificuldades, e, se não o tem, as dificuldades o aniquilam; o que sempre é um grande bem: 1º, é um homem de desejo superficial: se tivesse entrado na Ordem, teria sido um mau sujeito; é, pois, um grande bem que não entre; 2º seu desejo é verdadeiro, o tempo não faz senão aumentá-lo; 3º, os diferentes obstáculos que lhe são colocados e que supera lhes darão um mérito ainda maior, que tem a sua recompensa.
Desejo, paciência e perseverança. São três virtudes que rogo ao Eterno de nos conceder a todos e de nos manter para sempre sob sua santa guarda.
Amém!

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