Ecce Homo
por
Louis Claude de Saint Martin


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Capítulo VI

Na categoria das falsas missões encontram-se aquelas que transportam datas e desejam aplicar a movimentos políticos modernos as várias profecias contidas na história judaica. Estas referiam-se somente aos povos ligados a interesses ou a rivalidade com a Judea, segundo planos divinos insondáveis. Realizados tais planos as profecias utilizadas para anunciá-las exauriram o espírito que nestas se encontravam.

Estes mesmos judeus serão obrigados a elevarem-se até regiões superiores para obter os frutos que lhes foram prometidos, regiões nas quais tal espírito se retirou para aguardá-los. Leiamos portanto em Jeremias 30:24: "A ardente ira do Eterno não se acalmará até que tenha realizado e executado os propósitos de seu coração. No fim dos dias compreendereis estas coisas".

Leia-se ainda em Isaias 60: 18-22, onde a consolação e a alegria com as quais devem ser preenchidos são transferidas a um dia no qual: "não terás mais o Sol como luz do dia, nem o clarão da noite te iluminará......O teu Sol não voltará a por-se, e a tua Lua não minguará".

Leia-se ainda em Joel 4: 1-2 onde diz que: "depois do retorno da escravidão do povo de Juda e de Jerusalém o Senhor diz que reunirá todos os povos no vale de Josafá para julgá-los". (Tais expressões dirigem a inteligência a elevar-se acima do vale terrestre). O Senhor promete à estirpe de Judá no versículo 21: "purificarei (vingarei) então o sangue deles, que não purifiquei antes; e o Senhor habitará em Sion". Sobre estas ultimas palavras recordemos a frase pronunciada por São Paulo em I Cor 15:50: "A carne e o sangue não poderão receber por herança o reino de Deus". Dizemos pela mesma razão que o reino de Deus não pode co-habitar com a carne e com o sangue.

Será necessário portanto, que a carne e o sangue desapareçam para que possam realizar-se as profecias de paz do antigo testamento.

Se tais profecias forem aplicadas à reintegração do povo de Israel no seu reino temporal e terreno isto quer dizer diminuí-las, certamente querer aplicá-las hoje aos movimentos sociais e políticos significaria desconhecê-las.

Atribuiríamos à estes funções que o espírito não lhes havia conferido.. Não podemos esquecer o estado de nossas sociedades políticas que infelizmente estão abandonadas a simples potências humanas, das quais não podemos esperar nenhum futuro. O reino do homem não é deste mundo, e o Reparador nosso verdadeiro regulador, não se ocupou da ordem política dos reinos da terra, mas os deixou às potências que os dirigem.

Estes aparecem também como se estivessem privados do espírito e mesmo assim no seu agir desordenado a luz espiritual jamais os perde de vista.

As missões das quais ora se fala, não são certamente menos falsas do que quando se anunciam sob o nome humano da Virgem ou sob aquele de outras criaturas privilegiadas. A tendência do homem a santificar os próprios impulsos sentimentais e a divinizar os objetos, bastou para que as simples orações e as simples invocações dirigidas àqueles seres privilegiados, assumissem no seu íntimo um caráter de maior dignidade e imponência. O homem encontra-se como que apoiado quase que exclusivamente no auxílio que tais seres podiam efetivamente dirigir-lhe, enquanto Deus quer favorecer-nos ao ponto de permitir a estes seres orar conosco à Ele.

Pelo contrário nos transpusemos o seu culto com facilidade e imprudência. De fato, quanto mais o homem encontrava naqueles seres escolhidos a paz, a alegria, o apoio do qual havia necessidade, menos se sentia levado a buscar o próprio conforto na própria fonte.

De fato, quantas pessoas orando a tais seres auxiliadores, se surpreendem acreditando orar à própria Divindade sem conseguir mais estabelecer a diferença? Quantos se surpreendem adorando-os acreditando apenas estar orando. Este tipo de idolatria é muito perigosa, porque nasce da nossa sensibilidade do nosso amor e também das nossas virtudes se não das nossas mentes.

O Príncipe das trevas aproveitando dos falsos passos que a nossa sensibilidade mal instruída nos faz cometer nos conduz facilmente em direção à todos os outros chamados desviados que para ele são bem conhecidos. Sob a veneração de nomes transformados em sagrados para nós, ele pode preparar anunciar e operar acontecimentos e maravilhas tão planejados que poderiam enganar os próprios eleitos. Qual a razão então para que o próprio Príncipe das trevas se esforce para conferir a tais nomes uma influência tão considerável com poderes quase divinos se não para esconder o quanto possível o nome do verdadeiro Deus que não lhe permitiria mover-se e o relegaria aos abismos? Pois se é verdade que existem fogos que produzem irradiações e nuvens sobre as quais a imagem de qualquer objeto pode formar reflexos aparentes, é ainda mais verdadeiro a existência de um fogo vivo que opera no silêncio e que oculto como aquele da natureza, produz sem parar os mesmos objetos mostrando toda a regularidade de suas formas e fazendo desvanecer perante a si todas as disformidades.

Certamente o Príncipe das trevas com os nomes dos quais se serve, pode simplesmente executar obras inferiores e ilusórias. Ele tem porém, a capacidade de substituir em um grande número de casos distintos obras autênticas pelas suas semelhanças com uma analogia doutrinal que fundamentada sobre a nossa perigosa sensibilidade ilude o coração com uma sedutora doçura e o espírito com a maravilha da conformidade da missão e a correspondência dos fatos.

Se fossemos menos imprudentes, esta mesma uniformidade não deveria deslumbrar-nos muito mais. Efetivamente o mesmo agente influindo sobre tais missões dirige todas estas maravilhas, se num ou noutro caso é animado pelo escopo de deslumbrar-nos ao invés de instruir-nos e se deve operar sempre sobre as mesmas bases: conhecendo a nossa fraqueza e a nossa ávida curiosidade (que assim tomam as tonalidades das nossas verdadeiras necessidades) é natural que ele deva obter sempre os mesmos resultados.

Na uniformidade destas profecias e destas missões pode haver uma semelhança com aquelas sacras: de fato ambas nos anunciaram os mesmos eventos e mantiveram a mesma linguagem. Tudo isto não quer dizer que não podemos ser enganados pelas tonalidades aparentes e que o erro não possa, como a verdade, Ter uma linguagem assonante e testemunhos uniformes.

Existem sinais por meio dos quais podemos guardar-nos dos enganos. Basta pensar nos elogios que os agentes destas diversas missões fazem abundantemente àqueles que são chamados e as promessas sobre os brilhantes papeis que realizarão. Sabemos por outro lado que os verdadeiros profetas são pouco elogiados e que o Homem que redimiu nossas culpas prometeu aos próprios discípulos somente ultrajes e perseguições.

Um outro sinal revelador do engano, nos é dado pela divergência das missões extraordinárias com respeito ao caráter das missões fundamentais do Reparador que é a única sobre a qual se pode modelar todas as missões verdadeiras.

As missões mais próximas de nós no tempo se afastam do espírito do Reparador quando localizam sobre a terra o ponto focal das graças divinas que ele prometeu às Nações e para os quais não estabeleceu nenhum lugar baseado nas palavras que disse á Samaratina. João 4: 21-23: "Vem a hora em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis ao Pai...... Vem a hora e já chegou em que os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade e são estes os adoradores que o Pai deseja".

As missões se afastam do espírito do Reparador, quando sujeitam os seus agentes à regras humanas e ascéticas discutíveis que o Reparador não as tenha instituído de fato e que sendo fundamentadas somente sobre um caráter convencional e figurativo, nos oferecem a possibilidade de dar uma opinião sobre o Príncipe oculto que opera a confusão das próprias missões. Se não for o Príncipe das trevas que as dirige e que se serve de normas inconsistentes para sufocar a verdadeira piedade, pode ser que sejam entidades que já partiram deste mundo e que estariam incorporadas naquelas instituições convencionais ou figurativas, durante suas vidas terrenas. Estes, detidos nas regiões inferiores que ainda não ascenderam às regiões de sua perfeita renovação, podem conservar relações terrenas na ordem da piedade inferior e nestas relações sabem ensinar somente doutrinas reduzidas e limitadas nas quais foram instruídos sobre a terra e que ainda não tiveram tempo de separar-se.

O terceiro sinal revelador para manter-nos atentos quanto a um possível aspecto negativo das missões extraordinárias, consiste em analisar o motivo pelo qual as mulheres, dada a sua sensibilidade são preferidas ao invés dos homens para serem preenchidas de todos os favores da glória que tais missões prometem à seus agentes e para reinar nesta espécie de império. De fato, Isaias nos esclarece bem este ponto quando repreende o povo por "deixar-se dominar pelas mulheres" (3:12).

Para alguns homens que exercem papeis representativos no âmbito das realizações extraordinárias e de manifestações de força ligadas ao nome da Virgem e de muitas outras criaturas privilegiadas, as mulheres se prestam em massa a desenvolver em qualquer lugar a função de anunciadoras e de missionárias.

Não falo aqui das instituições religiosas que a ignorância, a superstição e a má fé consolidaram sob o amparo daqueles nomes fascinantes, dirigindo sem limites o entusiasmo das populações ignorantes. As desarmonias que daí derivam são comparáveis aquelas que derivam de um abuso análogo na ordem das manifestações.
Para convencer-nos é suficiente deter a atenção sobre os princípios já expostos. Antes de mais nada nós fomos eleitos a sermos o sinal e o testemunho da Divindade e de nenhum outro ser. Alem disso as Sagradas Escrituras, que são o arquivo fiel dos nossos títulos e do nosso destino, nos dizem do Reparador em Atos 4:12 : "Em nenhum outro há salvação, pois nenhum outro nome foi dado sob o céu aos homens por quem possamos ser salvos".

Em vão os defensores de nomes novos e diferentes se apoiam nas palavras do próprio Reparador que no Apocalipse 2:17 promete: "dar aos vitoriosos o maná sagrado, e uma pedra branca sobre a qual será escrito um novo nome desconhecido à todos exceto àquele que o recebe".

Tais palavras são dirigidas contra os mesmos partidários de nomes novos, porque como não se espera que sejam vitoriosos para oferecer à eles um novo nome, demonstrou-se que a promessa não se refere àquelas manifestações.

Alem disso estes novos nomes não são conhecidos somente daqueles que os recebem mas também daqueles que não os recebem, enquanto o novo nome prometido pelo Reparador não é conhecido de nenhum outro a não ser daquele que o recebe. Este mesmo Reparador diz no Apocalipse 3:12 : "Quanto ao vencedor, farei dele uma coluna no templo de meu Deus. E ele nunca sairá fora do templo e escreverei sobre ele o nome de meu Deus e o nome da cidade de meu Deus da nova Jerusalém, aquela que desce do céu de meu Deus, e meu novo nome".

Estas promessas anunciam que ainda haverão favores para aqueles que aproveitaram os dons já trazidos pelo Reparador. Consequentemente anunciam um incremento àquele nome libertador que ele já nos ensinou. Ora, dado que as manifestações da emotividade apressada e inconsciente, em base a um pretenso aumento, oferecem no fundo um nome de criaturas simples, que abusam de nós, contradizem os verdadeiros princípios do nosso ser, injuriam as Escrituras a abolem as promessas pretendendo falsamente aboli-las.

Quanto ao que diz respeito às manifestações e as missões que se apresentam sob o nome do próprio Reparador, não só não nos dão um verdadeiro novo nome, mas atribuem ao Reparador um papel e uma linguagem na qual o próprio Reparador não se reconheceria.

Capítulo VII

O Príncipe das trevas possui o poder funesto mas infelizmente verdadeiro de apoiar suas falsas doutrinas e suas manifestações arbitrárias nos diversos testemunhos das Sagradas Escrituras. Com armas análogas ousou tentar o Reparador e todos aqueles que, sob o exemplo de homens superficiais e crédulos, estão mais submetidos às tradições do que a lei e não se nutriram do espírito para defender-se das ciladas da letra. Assim, o Príncipe das trevas desvia habilmente nosso pensamento do único ser que devemos adotar, do único ser que deve iniciar-nos no seu culto, afim de que tal culto desça sobre seres e nomes inferiores: destes nos separamos com grande pesar, pois os frutos que nos oferecem são mais fáceis de obter, e freqüentemente nos custam somente a adesão passiva, sem nenhuma análise, seguindo o impulso do desejo. Desta forma ele consegue esconder de nós o nosso título humilhante de Ecce Homo, dizendo-nos que as obras de misericórdia do Senhor acrescem em nós; anunciando-nos com muita facilidade que estas obras de misericórdia de difundem por nosso intermédio; e exaltando aos nossos olhos a grandeza de nossa santidade e o poder de nossas orações. Ele retarda assim qualquer ação direta e pessoal verdadeiramente dirigida à nossa ressurreição. De fato, o príncipe das trevas favorece o nosso orgulho e a ambiciosa sede de elevar-se e resplandecer somente através de nossas próprias forças. Assim ele transforma-se na "verdadeira e insidiosa figuração da serva" capaz de exaltar o nosso amor próprio como aquela que seguindo São Paulo não cessava de levar com a sua adivinhação grandes vantagens aos seus patrões (Atos 16: 16-17). O Príncipe ainda engana as nações como enganou aos Judeus dizendo à eles por meio de seus falsos profetas: a paz, a paz quando não existia absolutamente nenhuma paz, assim como repreendia aos Judeus Jeremias em 6:14. Enfim o Príncipe abusa da superficialidade das pessoas anunciando através dos vários oráculos que surgem em toda parte uma pretensa regeneração terrena que muitos consideram como certa e próxima.

Os profetas e apóstolos disseram sim que a hora estava próxima e que o Reino de Deus estava próximo, mas falavam de uma proximidade em espaço e não em tempo. Por outro lado eles não cessavam de repetir que esta hora e este reino seriam atingidos somente por aqueles que o houvessem conquistado a preço do próprio sangue. De resto este abriam aos homens os tesouros da esperança somente depois de tê-los induzidos a abandonar-se ao combate com a mais firme resolução.

Praticamente nenhum homem conhecerá as doçuras prometidas para o reino futuro sem que ele mesmo não se precipite no cadinho da regeneração, de onde sai renovado.
Enfim o Reparador, que é o próprio Reino, predicava simplesmente a penitência e prometia paz às almas somente depois que estas tivessem obtido o próprio jugo sobre ele. Ao contrário os profetas modernos que são simplesmente homens, anunciam a conquista do Reino como uma coisa tão fácil e segura que parece quase poder conquista-lo por isenção, por solicitação ou pelo simples apropriar-se de iluminações independentemente do nosso completo sacrifício e do esforço de todo o nosso ser.

De qualquer maneira não é necessário temer os oráculos modernos, com suas semelhanças gerais, como uma ameaça do Príncipe das trevas. Este com efeito, sabendo que um dia chegará o reino da glória, tem a perspicácia de recordar-nos esta verdade para adquirir credibilidade de nossa parte, mas ao mesmo tempo pouco evidencia as lutas árduas que é necessário em primeiro lugar sustentar, fazendo tudo isto para impedir-nos atingir aquele reino glorioso do qual ele mesmo nos fala.

Não se comportava assim no tempo de Jeremias? Lamentações 2:14: "Teus profetas viram para ti vazios em aparência; não revelaram tua falta para mudar tua sorte, serviram-te oráculos de vazio e sedução". Não governava assim os Judeus no tempo de Isaias? Como atestam as repreensões que Deus dirige à eles através deste profeta em 30:10, de serem como crianças que dizem aos videntes: "Não queirais ver" e aos seus profetas: "Não procureis ter visões que nos revelem o que é reto. Dizei-nos antes coisas agradáveis, procurai ter visões ilusórias...."

Não me surpreenderia se todas estas profecias, em uma sucessiva regeneração, fossem somente instrumentos da astúcia adotados pelo nosso inimigo para retardar o processo de ascensão do homem.

É verdade que Deus está perto de nós, mas quase todos nós estamos longe de Deus; e operar de modo tal a reaproximar-nos dele é tão fatigante que quase ninguém pode tomar este caminho. Como poderia a nossa fé não ser facilmente seduzida pela nossa preguiça quando algumas profecias nos mostram a regeneração sob aspectos menos terrificantes? Certamente o inimigo, que tem somente o objetivo de retardar o nosso caminho, não deixaria de oferecer esta atraente idéia a todos aqueles que percorrem caminhos extraordinários. Ele sabe que suscitando neles uma doce esperança, a falsa alegria recebida antecipadamente parece dizer aos homens que obterão a verdadeira alegria sem esforço e sem o pesado rigor da privação universal, isto é sem aquele terrível mas salutar sentimento de nosso deplorável estado de Ecce Homo. Naturalmente o erro é fácil de enraizar-se na nossa frágil e necessitada humanidade. A apoiar quanto sustento, noto que é necessário constatar como para algumas pessoas estas promessas ilusórias animam a coragem e a atividade, mas sobre outros tem o efeito contrário. Efetivamente, se a maior parte daqueles que se abandonam a esta opinião, quisessem analisar a si mesmos veriam que seu entusiasmo se apoia em parte sobre sua preguiça interior e sobre a secreta esperança que os tempos felizes chegarão rápido e facilmente e suas culpas pessoais serão diminuídas ou aliviadas pelos esforços de todos os eleitos admitidos na regeneração. Penso que aqueles seres acreditarão ter a sensação de serem arrastados pela torrente geral neste grande mar e creio que a esperança tão sedutora de tal viva felicidade, adormeça um pouco nestes a contemplação das duras provas e das terríveis lutas, preço com o qual cada indivíduo deve conquistar a vitória. Quanto mais a esperança mostra à eles o fim consolador, o qual todos nós podemos aspirar, mais ocultos são os difíceis caminhos que os conduzem, de forma tal, que estes consideram já terem chegado ao invés de percorrer os mais horríveis desertos e de destruir os covis mais perigosos.

Portanto não é para maravilhar-se que estes alegrem-se tanto contemplando semelhante perspectiva de prazeres pois o seu espírito atrai a alegria antecipadamente, e a alma se sente de qualquer forma como se estes já possuíssem tal alegria.

Mas se é verdade que nós podemos obter uma coroa semelhante somente a preço do nosso suor e do nosso sangue, é claro que o espírito que nos nutre de tais promessas é um espírito que abusa de nós e busca adormentar-nos e distrair-nos dos verdadeiros sacrifícios que devemos cumprir. Deste modo, aliviando os nossos sacrifícios e trabalhos rumo ao alto, nos coloca em condição de ver diminuída a nossa recompensa quando chegar o momento de recebe-la. O espírito da sedução adotará todos os meios para operar este efeito sobre os seres humanos, e quanto mais tenhamos sofrido e merecido obter o nosso prêmio mais ele estará encerrado e atormentado nos abismos da privação.

O reino dos mil anos ao qual se refere o Apocalipse no capítulo 20, é a base sobre a qual se apoiam todos aqueles que confiam em determinadas promessas. Essas teriam uma aparência razoável, segundo o texto, sim que se soubesse deter no momento certo onde são postos limites no próprio texto: "Vi então um anjo descer do céu trazendo na mão a chave do abismo e uma grande corrente. Ele agarrou o dragão, a antiga serpente - que é o diabo, Satanás - acorrentou-o por mil anos e o atirou dentro do abismo, fechando-o e lacrando-o com um selo para que não seduzisse mais as nações até que os mil anos estivessem terminados. Depois disso, ele deverá ser solto por pouco tempo. Vi então tronos, e aos que neles se sentaram foi dado poder de julgar. Vi também as vidas daqueles que foram decapitados por causa do testemunho de Jesus e da palavra de Deus, e dos que não tinham adorado a besta, nem a sua imagem, e nem recebido a marca sobre a fronte ou na mão: eles voltaram à vida e reinaram com Cristo durante mil anos" (20:1-4).

Está claro em base a estas palavras que existem duas razões distintas pelas quais se cumprirão estas diversas promessas. Uma é a terra visível e poderá encontrar um pouco de alívio pelas suas provas e pelas suas tentações, durante o período no qual a serpente será acorrentada. A segunda é a razão espiritual e invisível ao homem terrestre, onde serão reunidos os justos sob o seu chefe divino para julgar os mortos, os quais ainda não retornaram à vida e não tomaram parte na primeira ressurreição.

Por causa daquele estado de alívio passageiro que, em base a profecia, a terra visível provará não é necessário que os céus sejam percorridos novamente como um manto comum por que à terra não será devolvida a pureza original. De resto, malgrado o aprisionamento do seu inimigo, os homens ainda conservarão em si mesmos muitos aspectos negativos para que o Reino de Deus possa estabelecer-se por intermédio deles.

O seu alívio será todavia alimentado por aquela assembléia santa e invisível que haverá por mil anos nas regiões superiores a do homem, que por um lado manterá o inimigo no abismo, e por outro lado comunicará mais diretamente aos seres terrestre os raios divinos sob os quais cada coisa será visível. Mas os homens em vez de aproveitarem todas estas vantagens, permitirão a todos que aspirações perversas fermentem em seu íntimo, e assim se tornarão tão culpados e incitarão a cólera divina, tornando-se incapazes e desperdiçando os últimos auxílios enviados pela misericórdia suprema. Quando for preenchida a medida, o inimigo será libertado das correntes por algum tempo e fará tantas obras de devastação quanto mais os homens houverem estabelecido relações com ele.

Será então atingido tal excesso de desordem que, derramando as injustiças sobre a terra, atrairá sobre esta o fogo do céu enviado por Deus para operar a destruição (20:9). "Vi depois um grande trono branco e aquele que nele se senta. O céu e a terra fugiram de sua presença, sem deixar vestígios. Vi então os mortos, grandes e pequenos, em pé diante do trono, e abriram-se livros. Também foi aberto outro livro, o da vida. Os mortos foram então julgados conforme sua conduta, a partir do que estava escrito nos livros" (20: 11-12). "A morte e o inferno foram jogados no tanque de fogo. Esta é a Segunda morte, o tanque de fogo. Todo aquele que não foi encontrado escrito no livro da vida, foi lançado no tanque de fogo" (20: 13-15). Em fim: "descerá a nova Jerusalém" (21: 1-3).

Todas as tribulações que antecedem a estas horríveis desordens do fim dos tempos, são somente o "início dos sofrimentos" (Mateus 24) e portanto não produzirão a destruição do mundo visível. Representarão pelo contrário uma tentativa do amor divino dirigida aos homens, para persuadi-los à penitência através dos flagelos à eles enviados. Estes flagelos serão depois suspensos por um tempo que se define como mil anos, não somente para que o homem possa trabalhar sobre esta terra e voltar ao caminho da justiça mas também em analogia aquilo que aconteceu na história universal e espiritual do homem e aquilo que acontece na ordem da sua vida física.

Antes do dilúvio, as Nações viviam em paz, "os homens tomavam as mulheres e as mulheres tomavam os maridos". Todavia as abominações da raça de Enoc haviam devorado a terra e estabeleceram o reino do demônio, e a cólera de Deus a destruiu. Ao final da guerra de Antioco e Pompeo, os Judeus estiveram em paz durante algum tempo sob Augusto, no nascimento do Salvador e durante a sua missão, se bem que os Sacerdotes e os Doutores fossem somente instrumentos de injustiça, segundo os Profetas, não obstante este mesmo povo estivesse a ponto de ser exterminado pelos Romanos.

Segundo a ordem física, freqüentemente se nota que as dores e os sofrimentos param alguns momentos antes da morte. Isto acontece seja por um enfraquecimento da ação do mal, seja para dar a alma a possibilidade de reconhecer e assegurar a própria sorte com a penitência, aceitando um sacrifício livre e voluntário. Ë provável também que no momento em que as dores do doente aliviam, se estabeleça visivelmente sobre ele um pequeno "reino dos mil anos". Isto eqüivale a dizer, uma espécie de juízo ou de confronto entre o seu livro da vida e o seu livro da morte. Tal juízo pode manter antecipadamente, como a primeira morte particular, a imagem daquela primeira morte geral que será poderosamente pronunciada no momento do verdadeiro "reino dos mil anos". Se o homem particular escapa a esta primeira morte preparatória, é provável que a segunda morte parcial - ou seja a primeira morte do Apocalipse - não terá efeito sobre ele.

Os verdadeiros sofrimentos terão lugar quando o inimigo seja libertado, e virá para devastar a terra até a destruição, assim como vemos que no homem físico as angústias da morte o apanha e o destrui depois do intervalo da suspensão momentânea. Estes sofrimentos, ao invés de levar os homens culpados ao renovamento de si próprios e ao reino da paz, lhes conduzirão sob a espada do juízo final, que terá lugar somente depois da definitiva abolição das coisas visíveis e materiais. De resto, somente depois deste decretado final do domínio da materialidade, os justos obterão a completa liberação das regiões das aparências, a imitação do povo judeu, que saiu do Egito ao entardecer (Deuteronomio 16:6 ).

Capítulo VIII

Ressaltando como fiz, as precauções a tomar no que diz respeito às missões extraordinárias dos tempos modernos, não pretendo culpar os agentes que são utilizados. Na maioria são pessoas que se devem estimar e respeitar suas virtudes. O exemplo deles são certamente mais úteis que nocivos àqueles que buscam alimentar a intensidade de sua fé ao invés de avançar na luz. Mas dado que podem também serem perigosos para aqueles que não se limitam a esta sábia medida, acreditei ser o meu dever prevenir contra as sedutoras maravilhas que os operadores de missões extraordinárias anunciam, e mostrar que não é bom confiar cegamente em seus inspiradores.

Independentemente do que dissemos sobre tais inspirações, não é necessário esquecer que o pensamento, a palavra e as obras do homem preenchem e preencherão o Universo, de uma infinidade de obras e de resultados destinados a conservar o seu caráter original e a compor múltiplas e diversas regiões onde se encontram os idiomas, as iluminações, as descobertas e os verdadeiros conhecimentos que os homens puderam trazer à luz. Nestes porém se encontram também em grande medida as ilusões, os erros, e as hipocrisias emanadas quotidianamente de todos os aspectos humanos: estas irradiações negativas aumentam de tal forma as trevas entorno do indivíduo, que com o passar do tempo estes terminam com o "não ver mais claro" dos Egípcios na hora da libertação do povo de Israel.

Ora a menos que a chave divina não abra por si a alma dos homens, no momento em que esta será aberta por uma outra chave, se encontrará no centro de alguma daquelas regiões e poderá involuntariamente transmitir-lhe a linguagem. Esta linguagem, por mais que nos pareça extraordinária, pode ser falsa e enganadora; e mais, pode ser uma linguagem verdadeira mas não pronunciada com espírito de verdade e consequentemente os frutos não serão verdadeiramente vantajosos.

Portanto, creio oferecer um conselho salutar aos meus irmãos, dizendo-lhes: Homens, meus amigos, desconfiem daquelas alegrias e daqueles entusiasmos que vos provocam as missões de seres escolhidos, nas quais encontrais amparo benevolente. Por que não estais ainda seguro que aqueles anúncios lhes darão tanto bem quanto prazer, já que não estais seguro de haver ante a vós o remédio para ser aplicado às verdadeiras feridas do vosso ser; enfim, não estais seguro que as alegrias que vos prometem e que vos fazem saborear antecipadamente, não retardam as alegrias duradouras que poderíeis obter do vosso interior mais profundo.

De resto, se os anunciadores das missões houvessem atingido o repouso sereno do qual nos falam, vós ainda não estaríeis prontos para isto. Talvez pelo contrário, seria funesto para eles e para vós se a hora conclusiva chegasse assim antecipadamente, se vós e eles não tivessem tido a preocupação de purificar-se antes para não temer nenhuma das terríveis catástrofes que precederão o reino glorioso que vos prometem.

Ouso repeti-lo: permanecei em um estado de prudência entre os prodígios e as predições que vos circundam; recordai-vos do que diz o Senhor através de Jeremias 23:31-32: Eis que estou contra os profetas, diz o Senhor, que usam sua língua para dizer: "Eis o que diz o Senhor: Eis que estou contra os profetas que profetizam sonhos mentirosos, diz o Senhor, que os contam e seduzem o meu povo com suas mentiras e seus enganos. Mas Eu não os enviei, não lhes dei ordens, e não são de nenhuma utilidade para este povo".

Para mostrar-vos como os erros deste tipo são destruidores, e como as falsas missões e as promessas ilusórias de um reino terrestre glorioso vos engana, aprendei a qual preço o homem, aqui sobre a terra, pode obter qualquer iluminação e dar qualquer passo em direção à regeneração.

Depois do pecado, os raios da vossa essência divina encontram-se acorrentados a uma das potência da vossa matéria. Os elementos não cessaram desde aquele instante, de circular em torno de vós e de vos envolver como um grande numero de laços que se acumulam e se fecham a medida que gira a roda de vossos dias. As vossas negligências e fraquezas após o primeiro crime afundaram mais ainda os raios divinos nas trevas, e aumentaram o horror da vossa prisão. Ë necessário que a cada passo a cumprir para aproximar-nos à razão da luz, uma parte dos obstáculos materiais se desenrolam penosamente sobre nós, como as ataduras de uma ferida se desenrolam dolorosamente, quando é necessário vê-la e medica-la. É necessário que sobre esta parte dos obstáculos se encontrem impressos os traços do tipo de corrupção que vos coroe e da qual estais infectado. Então é necessário que se pronuncie em alta voz, aos olhos de tudo aquilo que vos contempla, um juízo severo e rigoroso, e vós humildemente reconheçais a justiça.

É necessário que estes obstáculos que vos aprisionam se afastem gradualmente e se manifestem na qualidade de outros tantos juízos contra vós.
É necessário que a longa serie dos obstáculos e juízos se estenda desde o vosso ser até aquele tempo de paz do qual o pecado vos afastou, pois tal encadeamento é que determina a distância.

Além disto é necessário que esta longa cadeia esteja presente aos vossos olhos, afim que tenhais continuamente perante vós o temível quadro do que custam ao homem os progressos da busca da verdade, afim que afrontais o caminho com prudência e confessais que cada passo custa uma dor e uma separação. De fato, o vosso ser hoje é composto da ciência do bem e do mal, e é necessário que vós adoteis a faculdade de esclarecer e de discernir os diversos campos; é este o verdadeiro sentido do Deuteronômio 16:3 : "....para que te lembres do dia que saíste da terra do Egito, todos os dias da tua vida".

Enfim, é necessário que os obstáculos materiais de todos os homens se desenvolvam assim, e que todos os juízos que estes tenham merecido sejam revelados e expostos na universalidade da vida, afim que as Nações conhecendo o veneno que infecta o indivíduo, possam dizer com horror e desprezo a sua vista: Ecce Homo. Só então o reino glorioso poderá descer até o coração do homem, só então, sem temor do engano o homem poderá aspirar à regeneração. Somente quando este título de Ecce Homo e o juízo que dele deriva, estarão esculpidos em todas as regiões do universo, a justiça estará completamente satisfeita.

Por uma espiritual analogia, o que acontecerá então ao homem universal deve ocorrer desde já a cada um de vós em particular, quem poderá proceder nesta ascensão?
Não podeis duvidar, é aquele que não colocou confiança nas vias artificiosas seguidas da generalidade; mas sentindo em si a dignidade da própria essência, se dirigirá somente em direção à fonte da qual descende, sendo somente esta a única que pode gera-lo novamente. Ele desconfiando de todas as esperanças que lisonjeiam a sua preguiça e o seu orgulho, não se deixará seduzir de fato pelas imagens e pelas obras que a ignorância e as trevas se esforçam para substituir Aquele que é o único caminho, a única verdade, e a única vida e que não pose ser substituído por ninguém.

Infeliz daquele que se deixará atrair por estas imagens e por estas obras materiais de visões instáveis. Ele estará tão angustiado neste separar-se, ao ponto de sentir-se como imerso em um estado de miséria, e o homem teme esta miséria mais do que a um veneno. Estejais pois atentos, no momento em que sentireis esta privação, para não dirigir-se à falsos deuses, e a não dizer como o povo judeu disse à Jeremias (44:17-18): "Porque continuaremos a fazer tudo o que prometemos: oferecer incenso à rainha do Céu e fazer-lhes libações, como fazíamos nós e nossos pais, nossos reis, e nossos príncipes, nas cidades de Judá e nas ruas de Jerusalém: tínhamos, então, fartura de pão, éramos felizes e não víamos a desgraça. Mas desde que cessamos de oferecer incenso à rainha do Céu e de fazer-lhes libações, tudo nos faltou e nós perecemos pela espada e pela fome".

Se sujeitai-vos a preguiça de vosso coração, as vossas alegrias serão passageiras e terminarão com sofrimentos piedosos devido a vossas desilusões e a vossa cegueira. O mesmo Príncipe que vos induziu à estes sofrimentos, vos conduzirá triunfalmente em países distantes para manter-vos em escravidão "numa terra que vós e vossos pais não conhecestes; servireis lá a outros deuses, de dia e de noite, pois eu não usarei mais misericórdia convosco". Enquanto, sempre segundo Jeremia 15:19: "Por isso assim disse o Senhor e retornas, eu te faço retornar e estarás diante de mim. Se separas o que é valioso do que é vil, tu serás como a minha boca".

Quanto a vós, ministros da santa religião que fostes chamados a vigiar sobre o verdadeiro caminho da Aliança, que é o pensamento do homem, se não tomaram o lugar que lhes foi confiado, "se deixaram Deus sob tendas e não construíram nenhuma casa depois que ele tirou do Egito os filhos de Israel, baseado nas lamentações que o profeta Natan dirigiu à Davi"; sobre vós cairão diretamente as ameaças das quais os profetas procuraram alertar os servidores fiéis, e os prevaricadores. Se as missões da ilusão e das trevas devem ter conseqüências tão terríveis sobre os órgãos instrumentalizados e sobre as almas que estes arrastam, o que será das verdadeiras missões convertidas em missões da cobiça, da má fé e do sacrilégio voluntário? Sem dúvida não podeis elevar muito a dignidade da vossa pessoa, pois segundo Ezequiel e Malaquias, deveríeis ser os anjos do Senhor sobre a terra, os sentinelas de seu povo.

Mas em base ao vasto quadro que vos foi oferecido, podeis assegurar que jamais haveis desviado a inteligência das pessoas das próprias fontes mais instrutivas e confortantes? De não haver desejado jamais subjugá-la a uma doutrina humanizada e com interesses. De não haver jamais deixado aos povos somente a fé necessária para submeter-se ao vosso império? De não haver jamais retirado da frente de seus olhos, o cetro vivificante que a sabedoria eterna gerou na terra, como sol de todos os povos? De não haver jamais vós mesmos construído um gládio temível com o bastão de paz que vos havia sido confiado para governar-nos mais no amor do que na justiça? De não haver jamais abandonado o título de pastor quando era necessário instruir o vosso rebanho e conduzi-lo ao pasto; e de não estar investido somente quando se apresentava a ocasião de abandonar aquele rebanho à sorte fatal ou de devorá-lo vós mesmos?

Estais persuadidos que o espírito do homem deva contentar-se com as respostas que vós dais, quando buscam saber porque não nos ofereceis mais os dons e as iluminações das quais alegraram-se aqueles aos quais vós sucedestes no tempo? Ora, vós nos dizei que todas aquelas coisas eram necessárias para estabelecer a Igreja e que não são mais necessárias depois que esta foi constituída. Mas os direitos de nosso ser nos permitem de vos perguntar de qual igreja pretendeis falar. Pois, seguramente não se trata da igreja na qual se viu substituir o espírito conciliador do Evangelho, pelo furor, pelo sangue e pela carnificina; certamente não é aquela na qual se viu substituir os ensinamentos de seus fundadores, a quem o "espírito tudo ensinava", por doutrinas obscuras e contraditórias. Nem se trata da igreja na qual, no lugar do espírito do Senhor que deveria preservar as almas, se abriu a entrada aos falsos profetas que as fazem perder-se, e aos espíritos de Piton que as infectam.

Os direitos do nosso ser nos colocam também em condição de observar que os vossos "fundadores eram admitidos a conhecer os mistérios do Reino de Deus, que curavam os doentes, que preparavam a ceia do Senhor, e que perdoavam os pecados a quem deviam perdoar".

Ora, porque desses quatro mistérios haveis conservado somente os dois que são invisíveis, e pelos quais pedis ainda uma fé cega, enquanto afastais sempre mais dos olhos do nosso corpo e da nossa inteligência os outros dois dons que eram visíveis, e que longe de serem supérfluos para a nossa fé, poderiam ter guiado a fé do povo?

Estais seguros de serem irrepreensíveis aos olhos das nações dizendo à elas com certeza que crescem nos vossos pastos, enquanto vós haveis tanto diminuído o seu sustento? E também nas Nações com santas instituições que haveis conservado, não haveis jamais dado os meios pelo fim, as formas pelos meios, e a tradição pela lei como repreendia o Reparador aos doutores Judeus (Mateus 15)? Não temeis fazer as pessoas adormecerem em um repouso apático, e de talvez haver trabalhado vós mesmos para demolir aquela igreja que nos anunciais como bem consolidada?

Assim encontra-se esta igreja constituída, malgrado os danos por ela sofrido, sem os quais não haveria mediação entre o amor supremo e os pecados da terra. Assim encontra-se esta igreja constituída e nem a força do homem nem aquela do inferno prevalecerão sobre ela. Assim encontra-se esta igreja constituída somente para um dia depor contra aqueles seus ministros que não lhe foram fiéis, para servir à eles como vós de juízo e de condenação, quando se lamentará perante ao tribunal soberano, da injúrias que lhe causaram, transformando os seus hábitos de glória em hábitos de luto e de indigência. Dado que ela haverá patrocinado aqui sobre a terra a causa do amor, o próprio amor defenderá por sua vez a causa desta igreja perante o juiz eterno dos quais os seus ministros haverão suscitado os temíveis atos de justiça. Pensai como serão terríveis estes atos de justiça, pois serão aqueles do amor ultrajado e ferido até na sua misericórdia.

Se estes juízos futuros vos assustam, se por desgraça deveríeis dirigir a vós mesmos qualquer uma das repreensões das quais falamos, retornem o mais rápido possível aos caminhos do vosso sublime ministério e previnam aqueles terríveis atos de justiça dos quais estão ameaçados os apóstolos da mentira que freqüentemente encontram-se sentados sobre a cátedra da verdade. À eles se dirigia Davi S 94(93):20: "Pode o trono da destruição ser associado à Ti? Aqueles que talham o mal num estatuto?" À estes se dirigia Sofonias falando dos crimes de Jerusalém (3:3): "Seus príncipes, em seu seio, são leões que rugem; seus juizes são lobos da estepe que não deixam nada para a manhã".

Como fizeram aqueles ministros enganadores para atingir tal injustiça? Começaram com o fechar dos olhos sobre a santidade da nossa natureza, que nos chamava a ser os sinais e os testemunhos do Deus da paz do universo, e ainda mais fecharam os olhos sobre a terrível sentença que envolve toda a raça humana no humilhante significado de Ecce Homo. Portanto não perceberam mais aquele rio de amor sobre o qual havia-lhes estabelecido o seu ministério para saciar as Nações.

Suas inteligências ofuscadas não mais reconheceram as confirmações da verdade reportadas em todas as linhas da Sagrada Escritura. Consequentemente, não podendo explicar as Escrituras com a única e verdadeira chave justa, esforçaram-se em explicar primeiro com a chave falsa da sua ignorância, depois com aquela da ambição e finalmente com aquela das paixões. Os ministros se tornaram assim os exterminadores das nossas inteligências, e segundo Isaias 5:20: "Ao mal chamam de bem e ao bem chamam de mal, transformam as trevas em luz e a luz em trevas, mudam o amargo em doce e o doce em amargo". Estes sempre segundo o mesmo profeta 5:18: "se apegam a iniquidade, arrastando-a com as cordas da mentira e o pecado com os tirantes de um carro. Estes são os opressores que saqueiam o povo.......os teus condutores te desencaminham, baralham as veredas em que deves andar" (3:12).

Em vão, diz Jeremias: "queriam justificar a sua conduta para retornar na graça com o Senhor, porque estes mesmos ensinaram aos outros o mal que fizeram, pois foi encontrado em suas mãos o sangue daqueles que assassinaram". Estes atacaram a verdade até no seu santuário, que é o pensamento do homem e o verdadeiro depositário ao qual devem responder.

Capítulo IX

Vós homens de paz, homens de desejo, não vos desencorajeis. Existem entre os ministros do nosso Deus, homens que ainda seguem os caminhos dos verdadeiros Profetas, s santa caridade de nosso mestre e as iluminações de seus Discípulos.

Uni o vosso destino a estes homens eleitos cuja beatitude consiste em haver fielmente respondido à sua eleição. Estes vos conduzirão pelos humildes caminhos de Ecce Homo, à regeneração que é o objetivo do vosso destino de origem.

Longe de conduzir-vos pelos caminhos do despotismo e da tirania, vos dirão que todos nós temos um cordeiro por mestre e que somente quando nos tornarmos cordeiros como ele, ele nos reconhecerá como seus discípulos e como seus irmãos.

Longe de cavar perante vós precipícios de trevas e de ignorância, vos dirão que a alma do homem é feita para abraçar no seu pensamento todas as obras que a origem das coisas gerou desde o seu seio. Pois se é verdade que o homem deve ser o testemunho universal de Deus, como poderá identificar-se em tal papel, sem ter o conhecimento e a visão de todos os fatos a favor dos quais está encarregado de depor?

Longe de vos deixar adormecer em uma funesta letargia, e de vos apresentar como uma empresa fácil para cumprir o seu alto destino, vos dirão que podeis ser testemunhos do vosso Deus, somente quando sereis verdadeiros e confirmados na justiça. Vos citarão por exemplo os tribunais humanos onde se faz jurar, as testemunhas, para dizer a verdade, mas onde não se recebem, como testemunhas, pessoas difamadas; instrução simples mas profunda que pode ampliar a vossa visão seja sobre a vossa natureza primitiva seja sobre a entidade dos vossos deveres.

Longe de vos delinear a regeneração do homem como fácil de conseguir, vos dirão que a obtereis somente alimentando o vosso espírito diariamente com o pão da aflição, como os Israelitas comiam o pão ázimo para preparar-se para suas solenidades, e como ensina a seguinte recomendação dirigida aos primeiros cristãos na carta aos Coríntios, I Coríntios 11:26: "Todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que ele venha".

Vos dirão que no nosso íntimo mais profundo, existe um homem exterior bem mais perigoso para nós e muito mais difícil de derrotar que o homem material. Vos dirão que procedereis no caminho rumo a regeneração, somente quando sentires desprezo contra aquele homem exterior invés de murmurar contra os vossos semelhantes.

É necessário expor aqui uma nova verdade útil e fundamental. Se os homens analisassem a própria conduta e os murmúrios de uns em relação aos outros não haveria uma única repreensão dirigida aos seus semelhantes, das quais estes não seriam culpados. De fato, quem é aquele que não comete a imprudência de censurar as pessoas que o circundam? Quem pode dizer que esta imprudência não seja a verdadeira fonte das faltas daqueles dos quais ele se lamenta e das injustiças que deles recebe? De resto, quem de nós, colocado de fronte a si mesmo, se considera irrepreensível sob todos os aspectos, quem preencheu a medida dos dons que lhes foram concedidos e dos deveres que lhes foram impostos, para poder superar todos os obstáculos para manifestar as virtudes divinas, e de estar tão ligado ao Senhor para operar na qualidade de seu justo e potente instrumento? Se não atingirmos este ponto, não devemos censurar aos outros homens pelas qualidades da qual estão privados, pois era o nosso dever preencher as suas deficiências com o desenvolvimento de todas as faculdades do nosso ser.

Alem disso, se a negligência e a cobiça foram o fundamento dos diversos atos de nossa conduta devemos imputar à nós mesmos as conseqüências. Ora dado que estes males são quase universais. Invés de declamar contra as injustiças, incoerências e ações desagradáveis de nossos semelhantes, devemos bater diariamente no peito, pedir reciprocamente perdão e confessar publicamente uns aos outros que a causa de todos os erros dos quais nos lamentamos, deve ser atribuída a nós mesmos. Portanto para retornar na ordem da justiça e da verdade cada palavra de qualquer componente do gênero humano deveria ser uma contínua confissão geral. "Confessai os vossos pecados uns aos outros" dizia Tiago (5:16).

Longe de querer submeter-vos a sua opinião, os verdadeiros ministros de Deus (os quais ainda existem) procederão sempre, colocando a si mesmos a parte, de forma a permitir brilhar a única chama que nos deve guiar. Tomarão por exemplo, o príncipe dos apóstolos que malgrado houvesse escutado o que foi dito ao Reparador na montanha santa: "Este é meu filho bem amado em quem pus minha afeição escutai-o", não queria que nos baseássemos somente sobre as instruções que ele comunicava, e não temia ao acrescentar: "Assim demos maior crédito ainda à palavra dos profetas, a quem fazeis muito bem em entender, como a uma lâmpada que resplandece nas trevas até despontar o dia e surgir a estrela da manhã em vossos corações. Pois, antes de tudo deveis saber que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação pessoal....".

Os vossos instrutores vos colocarão em guarda contra todas aquelas manifestações nas quais agentes particulares se apresentam como necessários a salvação das almas e ao renovamento da terra. Assim vem oculto o vulto do único agente que devemos seguir, havendo em si mesmo consumado todas as coisas, pois todas as profecias sobre regeneração foram expressas em Jesus Cristo, e portanto não resta outra coisa a cumprir que as profecias em torno ao juízo, isto é aquelas sobre recompensa e condenação.

Longe de vos prometer uma paz segura, após a vossa liberação carnal, sereis chamados e este juízo, os homens eleitos vos dirão que se não haveis testemunhado a favor da nossa origem ou da nossa primeira revelação - a qual iluminou os seres perdidos mais divinamente do que as revelações da natureza e do espírito - deveríeis ser obrigados a dar outros testemunhos em favor de todos os outros vínculos que o amor e a misericórdia não cessaram, mesmo depois do antigo pecado, de querer ligar a vós, para vos oferecer a tradução fiel daquele texto original que vós não poderíeis mais ler.

Vos dirão que sereis julgados em base aquelas primeiras relações com a Divindade, pois as sucessivas alianças possuem também seus testemunhos, e o objeto destes testemunhos é a punição de todos aqueles que são legitimamente culpados.

Eis porque a aparição de Moisés e Elias reveste de grande importância e aumenta o peso da condenação dos Judeus. Estes dois profetas depuseram sobre dois fatos dos quais foram testemunhas oculares: Moisés pela publicação da Lei e a promessa do povo de adequar-se a esta. Elias pela prevaricação do povo infiel, e pelos favores distribuídos por parte do céu em favor deste mesmo povo no momento do desespero.

No final dos tempos estes dois profetas retornarão e estarão ao lado do grande Juiz. Lá trarão cada um duplo testemunho: a promulgação da primeira e da segunda Lei, ou das duas alianças, e do abuso que delas fizeram os homens. Ora, como poderão os judeus e todos os outros homens resistir ao duplo depoimento destas duas testemunhas?

Além disso, os homens terão contra si os testemunhos de todas as manifestações da natureza sem que estes tenham delas usufruído, e que terão mostrado sensivelmente aos homens as maravilhas emanadas continuamente do magnífico manifestar-se da vida. Terão contra si os abundantes messes que as Sagradas Escrituras fizeram germinar no ânimo dos justos que as escutaram, analisaram e seguiram. As Escrituras de fato são uma Santa semente que Deus colocou na terra dos homens, ou seja em sua alma, e da qual a Sabedoria espera a cada dia uma colheita para nutrir-se. Dado que a fome desta sabedoria aumenta inconscientemente em proporção a privação na qual a negligência dos homens a constringe esta rejeitará no momento do juízo final aquele que não soube sustentá-la, e a ele oporá o testemunho da colheita que a alma dos justos lhes tenha fornecido.

Além disso os homens terão contra si os testemunhos das próprias injustiças de suas colheitas feitas de ilusões e mentiras. Assim tudo aquilo que deveria sustentá-lo servirá para condená-lo, seja o que deste procede, seja o que virá da natureza, seja o que virá das duas Alianças e finalmente o fruto da colheita dos justos.

De resto, não existe nenhum homem em particular a quem não se possa dirigir estas terríveis verdades, pois não existe nenhum homem no qual estas verdades não podem realizar-se.

Despertai portanto homens imprudentes e displicentes, tremei e orai para não serem surpreendidos pelo depoimento de tantas testemunhas, e dos justos reclamos da sabedoria no momento da colheita. Porque ressoará então sobre vós aquele terrível Ecce Homo, e não será mais para abrir-vos a porta da penitência. Aquela porta já foi aberta por aquele que veio para vos conferir este nome. Este nome será pronunciado para comprimir-vos sob um severo juízo na profundidade do abismo.

Se não existe nenhum homem no qual não podem realizar-se todas estas importantes verdades, convencei-vos portanto - homens de paz, homens de desejo, que cada indivíduo nasceu para ser testemunha de todas as outras obras realizadas pela Sabedoria eterna em favor daquele ser estimado que é a sus imagem. Convencei-vos que cada um de nós deveria oferecer um testemunho ativo dos dons e dos favores que esta sabedoria derrama continuamente sobre a terra, e nós deveremos depor, ativa e concretamente, em favor de todas as alianças que Deus contraiu conosco desde a origem das coisas. Não devemos protelar em cumprir uma obrigação tão importante.

Devemos ao invés, temer sair deste mundo antes de ter sido realmente testemunhas dos pactos supremos que esperam o nosso depoimento e o nosso testemunho efetivo e demonstrativo. Devemos temer por não haver satisfeito as condições como podíamos, antes de comparecer de fronte a este tribunal superior, onde se efetua uma relação fiel de todos os testemunhos que foram prestados à eterna e serena generosidade do nosso Deus. Não deixemos de considerar que quando descemos do nosso lugar sublime, arrastamos tudo conosco em nossa funesta e ilusória aparência, e consequentemente estamos sempre em condição de reencontrar tudo entramos nos caminhos que se seguiram a nossa queda e que não cessam de colocar-se perante nós. Não bastaria que o Reparador tivesse trazido para nós aos olhos de todos o título humilhante de Ecce Homo. Não seriam suficientes todos aqueles tesouros de iluminações e de valores que ele abriu para os homens com os seus ensinamentos e com o seu exemplo. Ele teria realizado somente metade de seu escopo, o grande objeto da nossa regeneração, se houvesse agido somente sobre a superfície terrestre na qual habitamos, e nos laços de sua forma material.

Mas após ter permitido imolar aquela forma, que é o verdadeiro sinal da nossa prevaricação, e o invólucro do Adão prevaricador, subiu as regiões superiores circundado por uma forma pura; quando do seio daquela forma tão santificada, foi confirmada a escolha dos apóstolos, aos quais tinha sido dado o encargo de apascentar as suas ovelhas e de difundir a Boa Nova; quando enfim foi enviado do alto do seu trono celeste o Espírito Santo que devia ensiná-los todas as coisas e quando se verificou esta pregação por intermédio do dom das línguas, não faltava mais nada ao quadro da história universal da humanidade que o divino Reparador tivesse vindo a expor aos nossos olhos.

Homens, meus irmãos que podeis ler neste Reparador a história universal do homem, qual agente pode vos ensinar outra coisa? Onde podeis alcançar os ensinamentos que esta fonte não tenha apresentado? Se depois de haver nos mostrado na sua pessoa a execução daquela detenção rigorosa que nos condenava a portar ignominiosamente, mas humildemente, o título de Ecce Homo, ele levou completamente a termo a sua obra. Ele nos mostrou como, seguindo as sua pegadas e os caminhos que nos abriu, podemos estar seguros de ascender novamente um dia em direção às regiões da luz, e se dirá de nós gloriosamente a nossa chegada nos planos superiores, aquilo que se disse a nossa origem: Ecce Homo. Eis o homem, eis a imagem e semelhança de nosso Deus, eis o sinal e o testemunho do princípio eterno dos seres, eis a manifestação vivente do axioma universal!

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