Correspondências 
    de Louis Claude de Saint-Martin
    CORRESPONDÊNCIA 
    INÉDITA DE L.-C. DE SAINT-MARTIN
    CHAMADO O FILÓSOFO DESCONHECIDO e
    KIRCHBERGER, BARÃO DE LIEBSTORF
    Membro do Conselho Nacional da República de Berna
    DE 22 DE MAIO DE 1792 A NOVEMBRO DE 1797
    OBRA COLIGIDA E PUBLICADA por L. SCHAUER E ALP. CHUQUET
    Editores-Proprietários de DES NOMBRES e L'ÉCLAIR SUR L'ASSOCIATION 
    HUMAINE
    
      SUMÁRIO
      Prefácio......................................................................................................................................................... 
      1
      Introdução ao estudo da vida, da Ordem e da Doutrina do FILÓSOFO 
      DESCONHECIDO....................... 1
      O Que é o Martinismo...................................................................................................................................2
      CAPÍTULO I - LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN E O MARTINISMO.......................................... 
      3
      Quadro Cronológico da Vida e os Escritos de Louis Claude de Saint-Martin.............................................. 
      3
      CAPÍTULO II - LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN E SEUS MESTRES..........................................5
      CAPÍTULO III - EXISTÊNCIA HISTÓRICA DA ORDEM MARTINISTA..............................................8
      CAPÍTULO IV - O ESPÍRITO DA ORDEM MARTINISTA......................................................................9
      CAPÍTULO V - A DOUTRINA MARTINISTA - MÉTODO E DIALÉTICA..........................................10
      Cartas.......................................................................................................................................................... 
      14
      Prefácio
      Senhor L. Schauer, homem de letras, Paris: Tenho, Senhor, de agradecer-vos 
      muito por vos haverdes lembrado em mim
      para ler este escrito de Saint-Martin. Sempre nutri por ele grande veneração 
      e senti-me atraído por seu pensamento, embora
      nesses assuntos seja eu um dos mais profanos. Vejo que, graças a 
      vós a ao Senhor Matter, vou aprender ainda mais sobre
      ele. Dignai-vos aceitar, Senhor, a expressão de minha mais distinta 
      consideração. SAINTE-BEUVE
      Paris, 6 de dezembro de 1861.
      Senhor L. Schauer, homem de letras, Paris: Senhor: Expresso-vos meu reconhecimento 
      pela bondade que tiveste em enviarme
      vosso interessante volume1 e pela amável carta com que o acompanhstes. 
      Considero essa publicação como um serviço
      importante prestado à história do misticismo francês 
      e agradeço-vos antecipadamente pela edição completa 
      das obras de
      Saint-Martin que nos prometeis em vosso Prefácio Saint-Martin não 
      é somente uma bela alma: é uma uma nobre inteligência
      e uma das penas2 mais finas que já se consagraram ao se rviço 
      do espiritualismo, do qual o misticismo é uma das formas
      mais elevadas. Experimentei um grande encanto ao reler, em vossa bela edição, 
      o Écair sobre a Associação Humana.
      Recebei por isso, Senhor, meus agradecimentos e felicitações, 
      com a certeza de meus mais distintos sentimentos. AD.
      FRANCK Paris, 17 de janeiro de 1862
      1 Des Nombres (Sobre os Números), de L. C. de Saint-Martin. E.Dentu, 
      livreiro e editor, Palais-Royal.
      2 Sentido figurado: pena (ou caneta) do escritor. (N.T.)
      LOUIS CLAUDE DE SAINT MARTIN E O MARTINISMO
      Introdução ao estudo da vida, da Ordem e da Doutrina do FILÓSOFO 
      DESCONHECIDO
      1
      ADVERTÊNCIA
      Seguidamente confundem-se sob a denominação de Martinistas, 
      os discípulos de Martinez de Pasqually e os de Louis
      Claude de Saint-Martin. Se bem que as teorias sejam as mesmas, uma diferença 
      profunda separa as duas escolas. A de
      Martinez, restringiu-se ao plano da Maçonaria Superior, enquanto 
      que a de Saint-Martin estendeu-se aos profanos; a
      segunda, ainda, recusou-se às práticas e às cerimônias 
      às quais a primeira dava uma importância muito acentuada. É
      exclusivamente no sentido da doutrina e dos discípulos de Saint-Martin 
      que, as palavras Martinismo e Martinistas, serão
      empregadas no transcorrer das páginas que se seguem. Assim se fala 
      do Spinozismo de Spinoza, do Bergsonismo de
      Bergson. Em particular, a expressão "Ordem Martinista", 
      que será lida uma ou duas vezes, não implica nenhuma referência 
      à
      Ordem dos Elus-Cohen, fundada por Martinez e que se perpetua até 
      os nossos dias; ela se aplica ao "Círculo Íntimo" 
      dos
      Amigos de Saint-Martin. Chamará atenção do leitor o 
      grande número de citações de Saint-Martin apresentadas 
      nesta obra.
      Talvez elas o surpreendam. Entretanto, acreditamos que não nos devemos 
      desculpar por isso. Nosso único desejo é dar do
      Martinismo a idéia menos infiel possível. Pareceu-nos que 
      os textos se impunham, cada vez que uma paráfrase tentava trair
      o pensamento do Filósofo Desconhecido. Algumas vezes, foi-nos necessário 
      interpretar, deduzir certas conseqüências dos
      princípios estabelecidos. Disto não nos desculparemos mais, 
      tentaremos justificar tal medida. A nossa idéia diretriz, aquela
      doutrina viva, responde ao pensamento do filósofo. Mas o trabalho 
      de desenvolvimento que se nos impõe, terá sido sempre
      conduzido no sentido em que Saint- Martin o teria levado? Disto não 
      podemos nos vangloriar. Para alcançar semelhante
      objetivo, teria sido necessário o próprio Ph Desc, ou, pelo 
      menos algum iniciado adiantado, algum "homem de desejo" mais
      evoluído. E é por esta traição involuntária, 
      cuja multiplicação dos fragmentos de Saint-Martin nos pareceu 
      limitar a
      importância que nós devemos, em definitivo, pedir perdão 
      ao leitor. No curso do presente trabalho, as obras de Saint-Martin
      são citadas da seguinte maneira: "Erreurs" designa os Erros 
      e a Verdade (Des Erreurs et de la Verité) refere-se à edição 
      de
      Edimbourg 1782, 2 volumes, indicando o tomo e a página. "Le 
      Tableau Naturel", é citado segundo a reedição 
      da "Biblioteca
      da Ordem Martinista", Paris, Chamuel, 1900. "Le Cimitière 
      d'Amboise" e as "Stances sur l'origine et la destination de
      l'homme", são citadas segundo a reedição da "Petite 
      collection d'auteurs mystiques", Paris, Chacornar 1913. Para os outros
      escritos de Saint-Martin, utilizamos, salvo indicações contrárias, 
      o texto e a paginação da primeira edição. Enfim, 
      lembramos
      uma vez por todas que, as indicações complementares sobre 
      as outras de que citamos na Biblioteca de M. Chateaurhin ou
      no suplemento bibliográfico, estão no final do presente estudo, 
      na página 67.
      O Que é o Martinismo
      "É preciso que um homem esteja oculto, escreveu Dostoiewsky, 
      para que se possa amá-lo. Desde que mostre o seu rosto, o
      amor desaparece". (1) Não é certamente a Louis Claude 
      de Saint-Martin, o "Filósofo Desconhecido", que estas palavras
      podem ser aplicadas. Ignorado, sem dúvida, do grande público, 
      Saint-Martin nunca enganou aqueles que se inclinaram sobre
      a sua tão curiosa personalidade e se aprofundaram na sua doutrina 
      espiritual. Mestre da vida espiritual, assim se apresenta
      aquele que as histórias da Filosofia rejeitam, às vezes, em 
      notas de rodapé. É porque sua obra se endereça aos 
      homens de
      boa vontade, que em nossos dias como em todos os tempos procuram a verdade 
      e a salvação, este modesto trabalho foi
      projetado. Poder-se-ia, se não tivéssemos temor de ver superestimada 
      sua importância, intitulá-lo: Iniciação ao Martinismo.
      Tal foi, exatamente, a razão destas linhas. E, como nossa intenção 
      era de apresentar uma introdução ao estudo e à prática
      de uma doutrina, tentamos explicar a tarefa que se nos apresenta. Assim 
      compreenderemos melhor e mais rapidamente, o
      que se pode entender por "Martinismo". Tratou-se, em síntese, 
      de apresentar um esboço do pensamento do Ph... Desc... .
      Porém, mais que aos amadores de reconstituições históricas, 
      ou aos curiosos de debates metafísicos, era preciso dirigir-se
      àqueles para os quais o Martinismo é um fermento de vida espiritual, 
      e, Saint-Martin, um Guia Fraternal, um Mestre e um
      Amigo. Fixar para os "homens de desejo e de boa vontade", os próprios 
      ensinamentos dos quais eles se alimentam ou fazêlos
      conhecer aqueles que se saciarão dos mesmos; oferecer um quadro vivo 
      de uma doutrina viva: tal deve ser e tal foi nossa
      constante preocupação ao redigir este trabalho. Não 
      se encontrará aqui, propriamente falando, a exposição 
      didática da
      filosofia de Saint-Martin. O Teósofo de Amboise pode, certamente, 
      reivindicar um honrado lugar entre os filósofos. Poderá
      ser, sobre este particular, objeto de um trabalho detalhado.(2) Sua obra 
      suporta a prova de um exame minucioso. Determinar
      precisamente as influências que exerceram sobre Saint-Martin, seguindo 
      os efeitos através de suas diferentes obras.
      Reconhecer em determinada página do Tableau Naturel, uma reminiscência 
      platônica, ou, em tal parágrafo do Ecco Homo, a
      lembrança de uma conversação com Madame de Boecklin; 
      situar enfim, após haver dissecado, o sistema que elaborou no
      século XVIII, um pensador denominado Louis Claude de Saint-Martin, 
      são tantas tarefas úteis, apaixonantes mesmo é
      próprias para dar um novo brilho à figura do Mestre. Mas não 
      queremos reconstituir um esqueleto, nem queremos erguer
      uma estátua de pedra. As condições já enunciadas 
      e nas quais este livro foi elaborado, nos justificarão, sem dúvida, 
      de ter
      abandonado todo aparato de erudição. Somente figurarão 
      as indicações necessárias para compreender a doutrina 
      definitiva,
      porque existe um aspecto perfeito no pensamento Martinista. Está 
      além das palavras, aquele que o entrevê; permite
      perceber a coerência e o fundamento das aplicações que 
      deles se tiram. O que se chama Martinismo é, ao mesmo tempo,
      uma sociedade de homens continuando os estudos místicos do Mestre 
      e, um sistema filosófico e metafísico que alguns
      denominam uma teologia. Mas é também um método que 
      permite reconhecer, à luz deste próprio ensinamento, o que 
      em
      todos os domínios é especialmente tradicional e iniciático. 
      (3) Se é uma especulação abstrata, o martinismo é 
      logo uma
      2
      vivência, um estado de espírito, um espírito. É 
      um conhecimento superficial, uma luz que dá a sua cor aos objetos 
      que
      envolve, e, que, misturando sua nuança aqueles que lhes é 
      próprio, funde-os sem os confundir, numa doce harmonia.
      Pudessem estas páginas, escritas com simpatia e respeito, incitar 
      aqueles que se uniram numa admiração comum por Saint-
      Martin, a partir da leitura, para encontrar o espírito. Talvez o 
      maior dos filósofos da Unidade perseguisse, sem cessar, um
      esforço de síntese. "É um excelente casamento 
      para fazer, disse este, da nossa primeira escola com o nosso amigo
      Böehme. É para isso que eu trabalho".(4) Nesta inspiração 
      consiste o verdadeiro ensinamento do Teósofo. Aí encontra-se
      expressa a grande idéia que norteou toda a sua vida. E não 
      é mostrarse um fiel discípulo de Saint-Martin o buscar nos 
      seus
      livros a idéia que os ditou? "Os livros que fiz, ele mesmo declarou, 
      só tiveram por meta convencer os leitores a abandonar
      todos os livros sem respeitar os meus". (5) A própria Bíblia, 
      o livro dos livros, não é suficiente para fundamentar uma
      verdade. "Por mais avantajadas que sejam as descobertas que se possa 
      fazer nos livros hebreus, elas não devem ser
      empregadas como provas demonstrativas das verdades que dizem respeito à 
      natureza dos homens e sua correspondência
      com o seu Princípio, porque estas verdades subsistem por si mesmas; 
      o testemunho dos livros não deve jamais servir senão
      como confirmação". (6) Por isso, convidamos todos os 
      homens, nossos irmãos, a recolher, independentemente das fórmulas
      e das demonstrações, a exaltação mística 
      do Teósofo, e restabelecer o cânon, segundo o qual ele julgava 
      o homem e o
      Universo, e acima de todas as coisas, a reencontrar a espontaneidade do 
      impulso que o levava a Deus. Tal é o convite que
      este pequeno livro pode lançar. O objetivo do autor será plenamente 
      alcançado, se graças a ele, só uma minoria
      compreender o apelo dos Mestres Passados, e reconhecer o verdadeiro Caminho 
      da Reintegração; a Rota Interior que lhe
      traçou o Ph Desc , pela voz grave e amável de Louis Claude 
      de Saint-Martin.
      CAPÍTULO I - LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN E O MARTINISMO
      Alguns dados históricos
      Uma nova exposição da vida de Saint-Martin, para apresentar 
      algum interesse, deverá apoiarse em documentos inéditos,
      elucidar certas dificuldades históricas que ainda oferece a existência 
      do Ph Desc. Mas esta delimitação precisa no tempo e
      no espaço da personalidade de Saint-Martin, não é, 
      já se sabe, a finalidade desta obra. Parece inútil apresentar, 
      sob uma
      forma diferente, a bibliografia de Saint-Martin, tal como foi escrita por 
      vários autores. É deles que nos socorremos e, em
      particular, aos estudos de Matter e de Papus, assim como os livros de Moreau, 
      de Caro e as diversas notas das
      enciclopédias e dos jornais. (7) Entretanto, para bem captar a doutrina 
      Martinista, talvez seja útil possuir os elementos
      essenciais de sua formação. Também daremos um sumário 
      dos homens e dos livros cujo contato influenciou Saint-Martin.
      Mas, antes, recapitularemos em um simples quadro, as grandes épocas 
      da vida do Teósofo de Amboise, as datas essenciais
      sobre sua passagem pela terra, a menos que, para qualquer outro, parece 
      que o destino e o pensamento de um homem de
      desejo, como o foi Saint-Martin, devem ter sofrido a influência de 
      circunstâncias exteriores. Foi sublinhado o curioso contraste
      que existe entre as preocupações místicas das quais 
      testemunhou a correspondência com Kirchberger e os trágicos
      episódios, que agitaram, ao mesmo tempo, a França no terror. 
      Entretanto, está fora de dúvida que a Revolução 
      Francesa e a
      corrente de idéias que a aureolou, ficaram longe de deixar indiferente 
      o autor de l'Eclair sur l'association humaine. Sua atitude
      a respeito da Franco-Maçonaria, explica-se sem dúvida, por 
      uma evolução pessoal, mas também, pela degenerescência 
      da
      própria Maçonaria. E como compreender o sistema Martinista 
      sem levar em conta as relações com Martinez e a viagem a
      Strasbourg? Cremos, pois, mantermo-nos fiel ao nosso assunto, que é 
      o estudo do Martinismo, lembrando, sucintamente,
      seus fundamentos históricos; por um lado, a pessoa de Saint-Martin, 
      por outro, a sociedade que se apregoa, criada
      diretamente por ele.
      Quadro Cronológico da Vida e os Escritos de Louis Claude de Saint-Martin
      (Com os principais sincronismos literários, políticos e Martinistas)
      Ano Vida de Saint-Martin - Sincronismos Martinistas - Sincronismos Literários 
      - Sincronismos Políticos
      · 1730 Lyon. Nascimento de Willer-moz.
      · 1741 Guerra da Sucessão na Áustria.
      · 1743 18 de Janeiro. Nascimento de Saint-Martin, em Amboise.
      · 1748 Montesquieu: "OEspírito das Leis".
      · 1750 Rousseau: "Discurso sobre as Ciências e as Artes". 
      Palissot: "Os Filósofos".
      · 1754 Martinez de Pasqually funda em Montpellier os "Juizes 
      Escoceses". Viagens na França. Formação e Iniciados.
      · 1758 Helvetius: "Do Espírito".
      · 1760 Revês em Touluse. Em Foix, Pasqually inicia Grainville 
      e funda um Templo.
      · 1761 M. de Pasqually em Borde-aux afilia-se à Loja "La 
      Fran-çaise" que ele procura reno-var. Rousseau: Do Contrato
      Social".
      3
      · 1762 Rousseau: "L' Emile".
      · 1764 "La Française" se associa a um Capítulo 
      Cohen "La Française Elu Ecossaise". Voltaire: Dicionário 
      Filosófico.
      · 1765 Carta Patente de Oficial do Regimento de Foix.
      · 1766 Suspensão do Capítulo Co-hen. M. de Pasqually 
      em Paris. Instrui Bacon de la Chevalerie, Lusignan Gra-inville, du
      Guers, Willermoz. Iniciação de Willer-moz.
      · 1767 21 de Março, Equinócio da Primavera. Constituição 
      de um Capítulo Cohen e do Tri-bunal Soberano, Bacon de la
      Chevalerie, substituto Uni-versal. Abril; M. de Pas-qually em Bordeaux, 
      após Amboise Blois, Tours, Poi-tiers. Casamento
      de Pas-qually. Ocupações de Guers.
      · 1768 Agosto, Setembro. Saint-Martin é iniciado Elu Co-hen 
      por Grainville e Bal-zac. Saint-Martin reencontra Martinez. 13
      de Março, Willermoz é ordenado Rose-Croix. Ele encontra Saint-Martin 
      pela primeira vez. 20 de Junho, nascimento do
      filho de Pasqually. Negócios em Guers. Boulanger: l' Antiquité 
      dé-voilée. Negócios em Guers.
      · 1770 D'Holbach: "Sistema da Natureza".
      · 1771 Saint-Martin abandona as armas para melhor seguir a espiritualidade. 
      Saint-Martin, secretário de Pasqually em
      Bordeaux. "Tratado da Reintegração dos Seres Criados".
      · 1772 Primavera: Saint-Martin obtém "Passes" no 
      transcurso da Operação do Equinócio. 17 de Abril: é 
      ordenado Rose-
      Croix. Equinócio da Primavera: Willermoz fracassa nova-mente. Sucesso 
      de Saint-Martin e Deserre. 17 de Abril:
      ordenação Rose-Croix de Saint-Martin e Deserre. 5 de Maio: 
      Pasqually embarca para São Domingos. Termina a
      publicação da Enciclopédia.
      · 1773 Setembro: Saint-Martin em Lyon, junto com Willermoz.
      · 1774 Outubro: viagem a Itália com o médico Jacques 
      Willermoz.
      · 20 de Setembro: morte de Pasqually em São Domingos. Caignet, 
      Grande So-berano. Morte de Louis XV. Posse de Louis
      XVI.
      · 1775 "Dos Erros e da Verdade". Abril: Saint Martin em 
      Paris.
      · 1776 9 de junho: Saint-Martin encontrase com o abade Fournié 
      em Bordeaux. 12 de julho: Saint-Martin par-te para
      Toulouse. Voltaire: A Bíblia Explicada. 4 de Agosto: nascimento de 
      Ballanche.
      · 1777 Início: Saint-Martin em Paris.
      · 1778 25 de Novembro, Conven-to de Gaules em Lyon. J. de Maistre, 
      Gran Professo por Willermoz. 30 de Maio: morte de
      Voltaire. 3 de Julho: morte de Rousseau. Guerra na América.
      · 1779 19 de Dezembro: morte de Gainet de Lesterre. S. de Las Casas, 
      Gran Soberano.
      · 1780 Novembro: Las Casas aconselha a dissolução dos 
      Cohen e a guarda dos arquivos aos Filaletes.
      · 1782 "Quadro Natural das Rela-ções que existem 
      entre Deus, o Homem e o Uni-verso". 16 de julho: Convento de
      Wilhemsbad. Rosseaux: "Confissões".
      · 1783 Mémoire à l'Académie de Berlim.
      · 1784 Janeiro: Saint-Martin presta juramento à Sociedade 
      de Mesmer. Recusa-se a participar no Convento dos Filaletes.
      20 de Outubro: Cagliostro em Lyon.
      · 1785 30 de junho. Partida para Lyon com sua Bíblia He-braica. 
      24 de Agosto: embastilha-mento de Cagliostro (pro-cesso
      de Collier). Primave-ra: Manifestação do "Agente Inconnu" 
      em Lyon.
      · 1786 12 de Janeiro: retorno a Paris com Zimovief.
      · 1787 10 de Janeiro: Chegada a Londres com Galitgin. Reencontro 
      de Law e de Divone. Setembro: partindo para a Itália
      com Galitgin, se detém em Lyon.
      · 1788 Fevereiro: retorno da Itá-lia, permanece em Lyon. Abril: 
      em Paris (Amboise, Montbéliard). 6 de Junho: Strasbourg.
      Reencontros: Turkheim, Madame de Boeklin e Salzmann lhe revelam Boheme. 
      Swedenborg: Resumo em Francês de
      suas obras.
      · 1789 5 de Maio: Estados Gerais em Versalhes.
      · 1790 "O Homem de Desejo". 4 de Julho: manda riscar seu 
      nome dos registros maçônicos desde 1785. Goethe: Fausto -
      1ª parte.
      · 1791 Julho: deixa Strasbourg por Amboise. Em Paris re-encontra 
      a duquesa de Bourbon. Volney: Les Ruines. 20/22. Fuga
      do Rei Varennes. 1º de Outubro: Legislativo.
      · 1792 "Ecce Homo". "O Novo Homem", escrito em 
      Stras-bourg, 28 de maio: 1ª carta de Liebisdorf a Saint-Martin.
      · 1793 Janeiro: morte do pai de Saint-Martin. Abril: chamado à 
      presença das autoridades revolucionárias de Amboise.
      Agosto-Outubro: curta estada junto à duquesa de Bourbon em Petit- 
      Bourg. Outubro: Amboise. Lê Böehme e Law.
      Gleichen: "En-saios Teosóficos". 21 de Setem-bro: Proclamação 
      da República.
      · 1794 Saint-Martin em Paris re-torna a Amboise. Fim do ano: é 
      chamado à Escola Normal. 20 de Julho: morte de André-
      Marie Chenier. 21 de Janeiro: morte de Luis XVI. 2 de Junho: o Terror. 16 
      de Outubro: morte de Maria Antonieta.
      · 1795 27 de Fevereiro: Controvérsia com Garat. Permanece 
      em Paris, corrige l'-Eclair e escreve as "Reve-lações 
      Naturais".
      16 de Abril: um decreto, proíbe aos nobres de deixar Paris. 27 de 
      Ju-lho: queda de Robespierre. Fim do Terror.
      4
      · 1796 Memórias à Academia sobre os "Signes de 
      la Pen-sée". "Lettre à un ami", ou "Considérations 
      Philoso-phiques et
      religieuses sur la Révolution Française". Maio, em Amboise. 
      27 de Outubro: O Diretório.
      · 1797 Junho: curta estada em Petit- Bourg em Champlâ-treaux. 
      Julho/Setembro: Amboise. Eclair sur l'association humaine.
      Réfletions d'un observateur sur la question proposée par l'Institut, 
      quelles sont les institutions les plus propes à fonder la
      morale d'un peuple. En Sonbreuil en-contro com Gassicourt. Chateubriand: 
      "Ensaios sobre a Revolução".
      · 1798 "O Crocodilo" ou "A Guerra do Bem e do Mal", 
      escrito sobre o reinado de Louis XV. Condenação do livro: 
      "Dos Erros
      e da Verdade" pela Inquisição da Espanha.
      · 1799 "De l'influence des Signes sur la pensée", 
      primeira-mente no "Crocodilo". Nascimento de Balzac. 9 de Novembro:
      Bonaparte substitui os Diretores.
      · 1800 "O Espírito das Coisas". Tradução 
      da "Aurora Na-cente" de Jacob Boehme.
      · 1801 O Cemitério d'Amboise. Ballanche: "Du Sentiment". 
      Constituição do ano VIII. Bonaparte: 1º Cônsul.
      · 1802 "O Ministério do Homem Espírito". 
      Tradução: "Dos Três Princípios da Essência 
      Divina", de Jacob Boehme.
      Chateaubriand: Gênio do Cristianismo.
      · 1803 Termina a tradução "Das 40 Questões 
      sobre a alma" e "Da Tríplice Via do Ho-mem" de Böehme. 
      Entre-vista com
      Chateaubriand no "la Valle aux Loups" (Janeiro). 13 de Outubro: 
      em Aulnay na Casa de Le-noir- Laroche, morte de Saint-
      Martin.
      · 1804 18 de Maio: Bonaparte imperador
      · 1806 No Grande Convento dos Ritos do Grande Oriente, Bacon de La 
      Chevalerie representa os Elus Cohens.
      · 1807 "Obras Póstumas" - "40 Questões 
      sobre a Alma", "Da Tríplice Via do Homem".
      · 1812 7 de Outubro: morte de Salzmann.
      · 1821 Joseph de Maistre: Soirées de Saint-Petersbourg.
      · 1824 Lyon, 29 de Maio: morte de Willermoz.
      · 1843 "Os Números", Litografia de Chauvin.
      · 1862 "Correspondências inéditas com o Barão 
      de Liebisdorf.
      CAPÍTULO II - LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN E SEUS MESTRES
      "Se eu não tivesse encontrado Deus, jamais meu espírito 
      teria podido fixar-se em algo sobre a terra". (Portrait nº 290, 
      pág.
      37)
      Se bem que o Martinismo possa definir-se como sendo a doutrina conforme 
      o espírito e não somente à letra de Saint-Martin,
      a personalidade e a obra do Filósofo Desconhecido, permaneceu, entretanto, 
      como base desse ensinamento. Depois de tê-lo
      situado na sua época e em seu país, vejamos que tipo de homem 
      foi Saint-Martin e como se modelou o seu espírito. Ele
      deixou-nos sobre sua vida e sobre suas afeições, páginas 
      deliciosas e profundas. Melhor que quaisquer comentários, elas
      saberão delinear seu rosto bondoso num sorriso enigmático. 
      O conhecimento "por simpatia" do Teósofo, permitirá, 
      talvez,
      perceber melhor sua profunda elasticidade que é, exatamente, a mesma 
      do Martinismo. Nas primeiras páginas de seu
      Portrait, entre esses esboços tão delicadamente puros de estilo 
      e de pensamento, o próprio Saint-Martin nos diz que tinha
      "pouco de astral", e acrescenta: "A Divindade me recusou 
      um máximo de astral porque queria ser meu móvel, meu elemento
      e meu termo universal"(8). Sua alma sensível e meditativa, seu 
      próprio corpo do qual recebeu somente um "projeto", (9)
      predispunha Saint-Martin a seguir o caminho interior. Ele próprio 
      nô-lo afirma: "Na minha infância não consegui persuadir-me
      de que os homens conhecedores das doçuras da razão e do espírito, 
      pudessem ocupar-se, por um momento, das coisas da
      matéria". (10) Acima de tudo Saint-Martin buscava Deus. Teria 
      em si, incessantemente, esta sede do Bem, do Belo, do
      Verdadeiro que só Deus pode saciar. "Todos os homens podem ser-me 
      úteis, escreveria um dia, mas nenhum deles poderia
      jamais, satisfazer-me: Deus me basta". (11) A estes pendores naturais, 
      juntaram-se, para os acentuar, a primeira educação e
      as primeiras leituras. Uma madrasta, inteligente e piedosa, substitui junto 
      a Louis Claude, a mãe desaparecida muito cedo.
      Seu filho adotivo, que ela concebeu segundo o espírito, dela falou, 
      nestes termos gratos e ternos: "Eu tenho uma madrasta a
      quem devo, talvez, toda a minha felicidade, pois foi ela quem me deu os 
      primeiros elementos de uma educação doce, atenta
      e piedosa que me fez amar Deus e os homens".(12) A influência 
      desta mulher sobre Saint-Martin, foi considerável. A religião
      íntima que lhe ensinou, permaneceu sempre gravada no coração 
      do Filósofo Desconhecido. O exemplo e as palavras da
      primeira mulher que influenciou a vida de Saint-Martin, juntou-se à 
      escolha das leituras. Foi graças a ela, sem dúvida, que
      Saint-Martin pode ler Abbadie. As obras de Jacques Abbadie, "ministro" 
      protestante de Genebra, iluminaram as longas horas
      do Colégio de Pontlevoi. Elas se endereçavam ao homem, não 
      somente ao intelecto - correspondia assim às aspirações 
      do
      jovem Louis Claude. A arte de conhecer-se a si mesmo, reforçou em 
      Saint- Martin, o gosto pelo estudo de si próprio, não da
      análise, decepcionante e estéril, mas da reflexão fecunda 
      da marcha do caminho do Coração. Pela feliz inclinação 
      que
      ajudou a despertar em sua alma, Abbadie bem merece ser chamado o "iniciador" 
      de Saint-Martin. (13) Também Pascal
      exerceu uma influência precoce sobre o Filosofo Desconhecido e, veremos 
      que ele acentuou sua concordância moral e
      metafísica. Deste modo, se constitui e frutifica em Saint-Martin, 
      o tesouro da verdade que permanecerá sempre com ele e
      5
      cujo valor, jamais deixará de conhecer. "Quando tinha 18 anos, 
      disse-me, no meio das confissões filosóficas que os livros 
      me
      ofereciam: existe um Deus, eu tenho uma alma, não é necessário 
      mais nada para ser sábio e, foi sobre essa base que se
      ergueu todo o meu edifício". (14) Dir-se-á que o vigário 
      Saboiano não falará de outro modo. Entretanto, nada seria 
      mais falso
      que ver nesta frase a profissão de fé de um deísta. 
      "Dou mais valor a um idólatra do que a um deísta, diz 
      ainda Saint-Martin,
      porque este abjura e proscreve toda comunicação entre Deus 
      e o homem, enquanto o outro, apenas se engana sobre o
      órgão e a maneira da comunicação". (15) 
      Nessa época, conformando-se com a vontade paterna que o destinou 
      à
      magistratura, estudou direito. Foi assim que tomou contato com o meio filosófico 
      e literário da época. Este contato não se fez
      sem lhe deixar alguns traços. Leu os autores da moda que, segundo 
      Matter (16) foram: Voltaire, Rousseau, Montesquieu,
      todos escritores pouco místicos. Entretanto, Saint-Martin tinha a 
      capacidade de pensar por si mesmo. Sobretudo a
      Providência velava sobre ele, por meio da Proteção ele 
      reivindicava freqüentemente, cuja Presença e cuja Virtude celebrava.
      Saint-Martin conheceu o Erro, mas sem aderir a ele. Não cedeu à 
      sedução da "Encyclopédie" nem ao encanto 
      irônico do
      "Dictionnaire Philosophique". Podia, sem remorso, lembrar-se dos 
      tempos de sua juventude. Transpõe a corrupção sem
      sofrer seus golpes mortais. "Li, vi e escutei os filósofos da 
      matéria e os doutores que devastam o mundo com suas
      instruções; nenhuma gota de seus venenos penetrou-me; nem 
      mesmo as mordidas de uma só destas serpentes me
      prejudicaram". (17) Certamente, Saint-Martin não compartilhava 
      as idéias de Helvetius e de Condillac; permanecera sempre
      adversário irreconciliável deles. Assim, ele apreendeu a conhecer 
      seus inimigos, os "Filósofos". Sua familiaridade, mesmo
      enquanto não foi mais que um livresco, transparecia em seu propósito. 
      O julgamento que fizeram deles traiu, talvez, uma
      certa indulgência e, encerrou, em todo caso, uma justa compreensão 
      de sua doutrina. "Se fosse possível dar-mos conta dos
      primeiros passos que esta filosofia tinha feito..., talvez fosse preciso 
      agradecer à inteligência humana por ter adquirido as
      altas verdades das trevas onde os instituidores as haviam reunido". 
      (18) Saint-Martin, não condena, de modo algum, à razão;
      ao contrário, ele a exalta e o veremos atribuir-lhe a tarefa de conquistar 
      a verdade. Mas ela deve admitir os seus limites e
      reconhecer aquilo que a ultrapassa. Essa preocupação de um 
      lugar certo para cada coisa, essa distinção de planos, são
      constantes em Saint-Martin. Elas iluminarão sua vida e suas opiniões. 
      Veremos o Teósofo julgar Voltaire. Admitir-lhe o
      talento, a virtude intelectual, como também as fraquezas. Talvez 
      seja mais difícil não se admirar Voltaire do que estimá-lo 
      ou
      amá-lo, porque a sutileza do espírito não pode substituir 
      o sentido moral. E o cuidado desse senso moral, dominou em Saint-
      Martin, uma vez que ele tocou, pelo filósofo, a própria essência 
      do homem capaz de discernir o bem e o mal. Saint-Martin
      concluiu também de Voltaire: "Talvez um homem sensato fizesse 
      melhor em recusar totalmente seu espírito, se com isso,
      fosse obrigado, ao mesmo tempo, a aceitar sua moral". (19) No que diz 
      respeito a Rousseau, Saint-Martin tinha com ele
      muitos pontos em comum, conforme ele os assinala: "Á leitura 
      das Confissões de Jean-Jacques Rousseau, impressioneime
      com a semelhança de meu pensamento com o dele, tanto pelas nossas 
      maneiras tomadas às mulheres como pelas nossas
      tendências, ao mesmo tempo racionais e infantis, na facilidade com 
      a qual nos julgaram estúpidos no mundo, quando não
      tínhamos uma liberdade plena em nosso desenvolvimento". (20) 
      Algumas divergências separam, portanto, os dois autores,
      acentuadas aliás, pelo próprio Saint-Martin. (21). É 
      bem certo que jamais concordou com Rousseau quanto à inocência 
      do
      homem ao nascer, pois tinha sobre o pecado (original), um sentimento profundo. 
      Quanto às idéias políticas do Contrato
      Social, estas foram equilibradas no espírito do jovem jurista pelo 
      descobrimento de Montesquieu e, sobretudo, no de
      Burlamaqui: Sábio Burlamaqui, exclamará o Teósofo errante 
      na sua obra Le Cimitère d'Amboise: Sábio Burlamaqui, não
      estás longe destes lugares Que tu santificaste na aurora de minha 
      vida, Com fogo sagrado, saindo de tua profunda lida,
      Perturbando todo meu corpo com santos estremecimentos, Da justiça 
      assentou-se-me todos os fundamentos...(22) Tais eram
      as disposições de Saint-Martin quando se deu um encontro que 
      deveria marcar sua vocação: o encontro com Martinez de
      Pasqually, seu "primeiro mestre". Ele não conheceu de imediato 
      Martinez, mas entrou, primeiramente, na sua irradiação. Esta
      se manifestou num grupo de discípulos constituídos em corporação, 
      da qual, Martinez era o Grande Soberano: "A Ordem dos
      Cavaleiros Maçons Elus Cohen do Universo". Depois de "sorrir 
      por muito tempo de tudo aquilo a que se referia a Ordem",
      (23) Saint-Martin foi iniciado no rito Elu Cohen em 1768. Os "três 
      poderosos Mestres", Grainville e Balzac, também oficiais do
      regimento de Foix, procederam à sua recepção no seio 
      da fraternidade. Durante algum tempo, ele foi um partidário zeloso,
      (24) e no seguinte, em Bordeaux, Saint-Martin apresentou-se a Martinez de 
      Pasqually. O que poderíamos dizer desta
      estranha personalidade do "Taumaturgo" do século XVIII? 
      Um "meteco", judeu espanhol, supõem-se que alterava o francês
      nas suas cartas ou no seu Tratado; de caráter irritável e 
      inconstante, conservava, por seu encanto e suas promessas, os
      descendentes de algumas das grandes famílias da França. O 
      que dizer deste cabalista cujas elucubrações teosóficas
      encantavam um grupo de jovens mundanos e cultos? O que poderemos dizer, 
      enfim, deste profeta, cujo Verbo tem até o
      poder de subjugar um negociante Lyonês? Saint-Martin também 
      foi envolvido pelo encanto emanante de Martinez. Sua
      afeição, nascida durante o dia de seu encontro, jamais deveria 
      terminar. Suas relações com a "Ordem dos Cohen" 
      refletiam
      uma evolução interior que o afastava das operações 
      teurgicas. Mas Saint-Martin, jamais abandonaria os princípios da
      Reintegração dos Seres. No fim de sua vida, Saint-Martin prestou 
      homenagem à sua "primeira escola": "Martinez de
      Pasqually possuía a chave ativa... mas não acreditava que 
      nos pudesse conduzir a essas altas verdades". (25) Quando
      discute a respeito da Virgem com Liebisdorf, faz uma nova alusão 
      ao Mestre da sua juventude: "Quanto à Sofia e ao rei do
      mundo, ele (Dom Martinez) nada nos revelou... Não queremos dizer 
      com isso que ele nada soubesse do assunto e, estou
      convencido que, se dispuséssemos de mais tempo, poderíamos 
      ter falado sobre isso".(26) Convertido ao Martinesismo,
      Saint-Martin integrou-se plenamente. Não somente a doutrina que permanecerá 
      a sua, ao menos em linhas gerais, mas
      ainda, as realizações mágicas e teúrgicas, receberiam 
      a adesão total do filósofo. Périsse du luc, lembrar-se-á 
      deste período,
      quando escreverá a Willermoz, após a leitura do Homem de Desejo: 
      "Vi belas coisas, as mais obscuras e místico - poéticas
      6
      (sic) que o autor, em outros tempos, detestava enormemente".(27) Entretanto, 
      assim como Voltaire ou Diderot, não tinham
      tornado Saint- Martin incrédulo, a experimentação de 
      Martinez não o fez perder de vista o verdadeiro caminho, que é 
      o
      interior. Enquanto seu companheiro, o abade Fournié, oscilava entre 
      Swedenborg e Madame Guyon, Saint-Martin soube
      manter-se no caminho do meio. De vez que os nomes Swedenborg e Madame Guyon 
      acabam de nos aparecer, como os
      símbolos de dois excessos, releiamos a apreciação que 
      Saint-Martin nos faz deles: "Nunca vi Madame Guyon", declara ele
      em 1792 e após ter estudado suas obras: "Apreciei esta leitura, 
      como a fraca inspiração feminina em relação 
      à masculina".
      (28) Quanto a Swedenborg, convém afastar para o domínio das 
      lendas a pretensa formação que ele teria dado a Saint-
      Martin. O papel do místico sueco foi de pouca monta na carreira do 
      Filósofo Desconhecido. Quando era teurgo - "a
      verdadeira meta dos teurgistas é menos a ciência da alma do 
      que a dos espíritos".(29) É preciso não esquecer 
      que o livro
      dos Erros e da Verdade não era, originalmente, destinado ao grande 
      público, mas, somente à seita dos Martinistas. - V.
      Rijnberk, I pág. 163 (em 1775 não se trata do Martinismo de 
      Saint-Martin). A obra, aliás, foi projetada, amadurecida, discutida
      e escrita em Lyon junto a Willermoz. (A. Joly: Un mystique Iyonnais, pág. 
      58) e, enfim, que expôs, conferida pela brilhante
      inteligência de Saint-Martin, a doutrina de Martinez. Portanto, pouca 
      coisa tem para mudar, e estas mudanças, referem-se a
      meros detalhes por ter a expressão perfeita do pensamento de Saint-Martin. 
      Saint-Martin censurava Swedenborg de ter
      "mais do que se chama a ciência das almas do que a dos espíritos". 
      A frase é cruel para o conquistador dos mundos
      angélicos, o confidente dos bons e dos maus gênios. Ela demonstra 
      que ao menos, Saint-Martin não se deixava impressionar
      por toda a eloquência, toda a imaginação e todo o esplendor 
      Swedenborgiano: ele teria antes, subscrito o julgamento de V.E.
      Michelet: "Swedenborg não era um filósofo, mas um engenheiro 
      de grande mérito".(30) Mesmo nesta ciência da alma, que
      iria, mais tarde, revestir-se de grande importância, Saint-Martin 
      apreciava pouco Swedenborg. "Sobre este aspecto, escreveu
      ele, ainda que não seja digno de ser comparado a J. Boehme pelos 
      verdadeiros conhecimentos, é possível que convenha a
      um grande número de pessoas". (31) Isso não é 
      muito lisonjeiro. O Teósofo de Amboise percorreu, portanto, durante 
      algum
      tempo, o caminho exterior e fecundo.(32) Ele o seguia com êxito e, 
      em poucos anos, colheu os elogios, pelos quais
      Willermoz esperou onze anos. Entretanto, Saint-Martin sentia renascer em 
      si os impulsos da infância, o desejo de expansão
      mística. O cerimonial Cohen lhe pareceu inútil, seus resultados 
      falazes: "Mestre, disse ele um dia a Martinez, por que são
      necessários tantas coisas para orar a Deus?". Esta tendência 
      tornou-se cada vez mais forte e o entusiasmo. Foi então que
      aconteceu a revelação que transformou a sua vida: Saint-Martin 
      descobriu Jacob Böehme. Ele mesmo nos relatou sua
      viagem a Strasbourg e as relações que travou com Rodolphe 
      de Salzmann. Este lhe confiará mais tarde, "a chave de
      Böehme" (33) que ele possuía. Mas foi por intermédio 
      de Madame Charlotte de Boecklin que conheceu a obra do iluminado
      sapateiro alemão, enquanto recebia dela o apoio de uma alma compreensiva. 
      "Eu tenho no mundo, escreverá em seguida
      quando se separar, eu tenho no mundo uma amiga como ninguém possui, 
      só com ela minha alma podia expandir-se à
      vontade e conversar sobre os grandes assuntos que me ocupavam, porque só 
      ela consegue adaptar-se à medida dos meus
      desejos, e ser-me extremamente útil". (34) Podemos perceber 
      a ajuda preciosa que proporcionou a Saint-Martin, o amor
      "puro como o de Deus" de seu caríssimo Böehme. Quanto 
      a Jacob Böehme, é impossível descrever em frase melhor 
      do que
      esta, a descoberta que ele representa para o Teósofo francês: 
      "Não são minhas obras que me fazem lamentar sobre a
      negligência daqueles que lêem sem compreender, são aquelas 
      de um homem do qual não sou digno de desatar o cordão do
      sapato, meu caríssimo Böehme. É preciso que o homem tenha 
      se transformado inteiramente em pedra ou demônio para não
      tirar proveito deste tesouro enviado ao mundo há 180 anos". 
      (35) Estas entusiásticas expressões são encontradas 
      nas obras
      de Saint-Martin. Cada página da correspondência com Kirchberger 
      é um grito de reconhecimento e de louvor à glória de
      Jacob Böehme. Não hesitemos neste capítulo onde deixamos 
      falar Saint-Martin, em rever seu itinerário filosófico, como 
      ele
      mesmo resumiu: "É devido à obra de Abbadie intitulada 
      l'Art de se connaitre que devo meu afastamento das coisas
      mundanas... é a Burlamaqui que devo minha inclinação 
      pelas bases naturais da razão e da justiça dos homens. É 
      a Martinez
      de Pasqually que devo meu ingresso nas verdades superiores. É a Jacob 
      Böehme que devo os passos mais importantes que
      dei nos caminhos da verdade". (36) Daí em diante, Saint-Martin 
      encontrou o caminho interior. Entrada pela senda que
      entrevia, mas da qual, apenas galgara o limiar. Agora, se dirigia para a 
      Unidade por meio do Caminho do Espírito e do
      Coração. Descobriu o verdadeiro sentido das tradições 
      Cohen. Conciliando, ao mesmo tempo seus dons congênitos, os
      ensinamentos de Martinez e Böehme, tão próximos de seu 
      pensamento, Saint-Martin constitui o Martinismo. E essa doutrina
      filosófica e mística, ele a viveu, não recolhido sobre 
      si mesmo, mas no meio mundano. "Seduziu a alta sociedade parisiense,
      escreveu um historiador moderno, através da doçura de seus 
      costumes, a austeridade de sua vida e a gravidade de suas
      palavras". (37) Permaneceu no mundo e prosseguiu sua grande aventura 
      espiritual. "O espírito mundano o aborrece, mas ele
      ama o mundo e a sociedade". (38) Segundo as maravilhosas palavras de 
      São Paulo "Ele está no mundo, como se não
      estivesse".(39) A divisa que um inspirado ancião lhe atribui, 
      dirige sua conduta: "Terrena reliquit".(40) Pela sabedoria que
      ensina e vive pela própria existência, Saint-Martin tende à 
      Suprema Unidade e só visa a Reintegração Universal. 
      A máscara
      de sua doçura, de sua graça tímida e de sua benevolência, 
      não consegue dissimular o Mestre. "O mais elegante dos
      teósofos modernos", também é o Filósofo 
      Desconhecido. (41) Em 1795, um correspondente do professor Körter, 
      que se
      fizera amigo de Saint-Martin, o descreve assim: "Ele possui uma iluminação 
      e um conhecimento, de tal maneira superior, que
      não teriam causado admiração, se não houvessem 
      sido plantados num coração cheio de humildade e amor". 
      (42) Não está
      aí realizado em seu venerado Mestre, o Filósofo Desconhecido, 
      todo o ideal do Martinismo?
      7
      CAPÍTULO III - EXISTÊNCIA HISTÓRICA DA ORDEM MARTINISTA
      "As Iniciações individuais de Saint-Martin, são, 
      verdadeiramente, uma realidade".
      1. Van Rijnberk: Martinez de Pasqually, t. II, pág. 33.
      "A existência de uma "Ordem Martinista" fundada por 
      Saint-Martin, é negada por todos os autores sérios". 
      (43) Tal é a
      conclusão das pesquisas filosóficas efetuadas pelo Sr. Van 
      Rijnberk. Não podemos taxar este autor de parcialidade, pois ele
      mesmo se declara "inclinado a admitir" o fato controverso. Mas, 
      é preciso reconhecer a ausência de todo estudo aprofundado
      da questão, devido talvez, à falta de suficiente documentação. 
      O Sr. Van Rijnberk, preencheu esta lacuna e encerrou a
      discussão. Com efeito, num segundo estudo, o Sr. Van Rijnberk, resume-se 
      assim: "As iniciações individuais de Saint-Martin,
      consideradas por muitos como simples lendas, são uma realidade patente".(44) 
      Enviaremos, para todas as discussões de
      documentos, as criticas de testemunhos, etc., os relatórios do Sr. 
      Van Rijnberk, conduzido segundo o mais sadio método
      histórico. Indicaremos textos aos quais ele se refere para provar 
      a existência de uma ordem Martinista, de uma ordem de
      Saint-Martin. 1º) Entre os documentos que poderíamos qualificar 
      de exteriores, encontramos: 1 - Um texto das Memórias do
      Conde de Gleichen, o qual relata que Saint-Martin tinha estabelecido uma 
      pequena escola em Paris. (45) 2 - Um artigo de
      Varnhagem von Ense, datado de 1821, onde se lê: "Ele (Saint-Martin) 
      decidiu ... fundar uma sociedade (comunhão), cuja
      meta seria a espiritualidade mais pura, e pela qual começou a elaborar 
      à sua maneira, as doutrinas de seu mestre Martinez".
      (46) 3 - Uma carta, cujo autor é desconhecido e que foi endereçada 
      em 20 de dezembro de 1794 ao professor Köster. Nela
      se fala de "Saint-Martin e dos membros de seu círculo íntimo". 
      (47) Trata-se, em termos apropriados, de uma "Sociedade de
      Saint-Martin" e de uma filial Strasburgiana desta mesma sociedade. 
      Anexemos a estes documentos, muitas vezes inexatos
      nos detalhes, mas, unânimes em afirmar a existência de uma sociedade 
      de Saint-Martin, a sucinta nota necrológica do
      Journal des Débats. Está assim redigida: "Paris 13 Brumário... 
      o Sr. de Saint-Martin, fundador na Alemanha de uma seita
      religiosa conhecida com o nome de Martinista, acaba de falecer em Aulnay 
      próximo a Paris, na casa do senador Lenoir
      Laroche. Ele adquirira alguma notoriedade por suas exóticas opiniões, 
      sua dedicação aos devaneios dos iluminados e seu
      livro ininteligível "Dos Erros e da Verdade". (48) Notar-se-á 
      que se menciona uma seita religiosa e não maçônica. 
      A
      Sociedade a qual o redator do Journal des Débats atribui a formação 
      do Filósofo Desconhecido, não tem, pois, nada em
      comum com o pretenso rito maçônico de Saint-Martin. (49) Nenhum 
      dos documentos indicados acima, sugere, aliás, esta
      identificação. Citemos, enfim, a curiosa estória do 
      Cavaleiro d'Arson. Acha-se narrada na sua obra "Appel à l'humanité".
      Preciosa para entender o espírito da Ordem Martinista, fornece, também, 
      um documento histórico sobre a Sociedade de
      Saint-Martin em 1818. Vê-se, com efeito, nesta obra, que naquela época, 
      os discípulos do Teósofo liam suas obras,
      aconselhando à sua leitura e agiam em torno delas como verdadeiros 
      Superiores Desconhecidos. (50) 2º) Mas o Sr. Von
      Rijnberk, recebeu outras informações do Sr. Augustin Chaboseau, 
      até a época inéditas, sendo publicadas no tomo II de
      Martinez de Pasqually. Elas comprovam a existência de uma iniciação 
      transmitida por Saint-Martin, diferente da iniciação
      Cohen. A seguir, reproduzimos o quadro da filiação Martinista 
      de Saint-Martin, até nossos dias: Deste quadro resulta que a
      iniciação dos Martinistas atuais, iniciados pelo Sr. Augustin 
      Chaboseau, é, incontestável, e aliás, incontestada. 
      A dos
      Martinistas de Papus, à medida que se unam à única 
      subdivisão de Chaptal-Delaage, e, na medida em que o próprio 
      Papus
      se liga a esta única subdivisão, está obscurecida por 
      uma dúvida. Chaptal, com efeito, morreu em 1832 e não pôde 
      iniciar
      Delaage, que nascido em 1825, tinha, então, sete anos. O próprio 
      Papus diz "que um dos alunos diretos (de Saint-Martin), o
      Sr. de Chaptal, foi avô de Delaage" (51), mas não indica 
      com precisão que ele deveria tomar a posição paterna. 
      (52) De fato,
      a regularidade Martinista de Papus é certa, porque ele não 
      possuía somente a hipotética filiação de Delaage. 
      Augustin
      Chaboseau, assinalou num artigo inédito este ponto na história 
      do Martinismo contemporâneo. Ele relata que Gérard
      Encausse e ele, trocaram suas iniciações, conferindo-se, reciprocamente, 
      o que cada um deles havia recebido.(53) Pode-se,
      pois, dizer que se Papus era validamente detentor da iniciação 
      da Saint-Martin, ele o devia a Augustin Chaboseau. Certas
      tradições e outros fatos, ligam Saint-Martin e a Ordem Martinista 
      à Companhia dos Filósofos Desconhecidos.(54) Saint-
      Martin, estaria unido pelo canal de uma iniciação cerimonial 
      a Salzmann, a Boehme, a Sethon e a Khunrath. O que se poderá
      pensar desta genealogia? Não é nossa tarefa fazer-lhe a crítica; 
      é trabalho para um historiador. De resto, a questão pouco
      nos importa. Se Saint-Martin criticou todas as peças da iniciação 
      Martinistas, ninguém poderá discutir sobre seu direito e seu
      poder. Se a iniciação de Saint-Martin leva em si o influxo 
      de Martinez ou do Cosmopolita, isto é totalmente supérfluo. 
      Porque
      a originalidade de Saint-Martin é tal, e tal é a força 
      de sua personalidade que ocultariam e removeriam as relações 
      anteriores.
      Saint-Martin pôde ser visto de uma iniciação já 
      praticada com os seus discípulos, como denominamos aqueles Superiores
      Desconhecidos, sem lhes dar nenhuma prerrogativa administrativa e honorífica, 
      primitivamente ligadas a este título. Mas a
      concepção que Saint-Martin tinha da iniciação 
      e do Superior Desconhecido, eis o que o Teósofo transmitiu e o que 
      é
      essencial. Qualquer que seja o veículo, a iniciação 
      Martinista está totalmente penetrada pelo espírito de Saint-Martin. 
      É
      necessário e suficiente que ela se refira, efetivamente a ele. Tais 
      são os fatos mais seguros no que diz respeito à questão 
      tão
      longamente debatida da Ordem Martinista. Resta depois da prova de sua existência, 
      pesquisar sua natureza, sua
      organização, seu espírito, em uma palavra, as ligações 
      do Martinismo, como nós o definimos, e da Ordem Martinista, que
      pretende ser sua continuadora.
      8
      CAPÍTULO IV - O ESPÍRITO DA ORDEM MARTINISTA
      "Saint-Martin induzido a formar uma espécie de agrupamento, 
      essencialmente espiritualista, desligado das cerimônias
      ritualísticas e das operações mágicas".
      J. Bricaud: Notice historique sur le Martinisme. Nova Edição, 
      1934, pág. 7.
      Saint-Martin foi Franco-Maçom, foi Elu-Cohen e aderiu ao Mesmerismo; 
      prestou-se, de boa mente, aos ritos e aos usos
      destas sociedades; conduziu-se como membro irrepreensível de fraternidades 
      iniciáticas. Mas este comportamento
      representa uma época de sua vida. Vimos como o temperamento de Saint-Martin 
      e toda a sua formação o afastavam do
      caminho exterior. Podemos entender, tanto as operações teúrgicas 
      ou mágicas visando resultados sensíveis, como as
      associações maçônicas ou ocultistas, nos seios 
      das quais elas são praticadas. Quando Saint-Martin solicitou a sua 
      exclusão
      dos registros da Franco-Maçonaria, onde, somente figurava nominalmente, 
      exprimiu seu desejo e sua convicção de
      conservar seus graus Cohen. Mas a idéia que até então 
      fazia dos Elus-Cohen, parece bem próxima de sua concepção
      pessoal da Ordem iniciática. O verdadeiro elo entre os irmãos, 
      é um elo moral e espiritual. Também vimos Saint-Martin
      repudiar a sociedade, desculpar-se de haver fundado uma: "Minha seita 
      é a Providência; meus prosélitos, sou eu, meu oculto
      é a Justiça".(55) Mas, o Teósofo, sabia também 
      que os seus profundos conhecimentos lhe impunham uma missão. Sabia
      auxiliar os homens que o cercavam, proporcionar-lhes conselhos, tentar insuflar-lhes 
      o Espírito. Por possuir o "alimento
      espiritual", os "aspirantes" se lhe aproximavam. Assim o 
      círculo íntimo de Saint-Martin se constituiu de discípulos 
      escolhidos
      e de amigos fiéis. Somente o valor intelectual e o zelo pela busca 
      da Verdade, permitiam ingressar nessa sociedade. Nem a
      idade, nem a posição social eram levadas em consideração, 
      as mulheres eram convidadas a participar. "A alma feminina não
      sai da mesma fonte que aquela revestida de um corpo masculino? Não 
      tem ela a mesma tarefa a cumprir, o mesmo espírito a
      combater, os mesmos frutos a esperar?" (56) Entretanto, recomendava 
      Saint-Martin, insisto na opinião de as mulheres
      devem ser em pequeno número e, acima de tudo, escrupulosamente examinadas". 
      (57) Talvez seja necessário procurar aí, a
      razão deste aforismo de Portrait: "A mulher me parece ser melhor 
      que o homem, mas, o homem me parece mais verdadeiro
      do que a mulher". (58) Finalmente, colhemos no que diz respeito às 
      mulheres, uma delicada e graciosa observação de Saint-
      Martin. Ela ajudará também, a reconstituir a atmosfera do 
      Martinismo, segundo a vontade de seu fundador. "As grandes
      verdades só se ensinam bem no silêncio, enquanto que toda a 
      necessidade das mulheres é que se fale, e que elas falem;
      então tudo se desorganiza como já o provei várias vezes". 
      (59) A personalidade do Filósofo Desconhecido, tal como se
      manifesta nas suas obras e em seus atos, impede atribuir à sua sociedade 
      um aspecto rígido, solidamente organizado e
      hierarquizado. Ninguém crê mais na autenticidade do rito maçônico, 
      dito de Saint-Martin. E a única ação importante do
      Teósofo, no seio da Maçonaria, foi tentar quebrar a armadura 
      das Lojas regulares, dispersar seus membros e arrastá-los, na
      sua corrida para o Absoluto, para fora, dos quadros e dos agrupamentos. 
      Admitamos, pois, que os discípulos de Saint-Martin,
      formavam antes uma espécie de "clube", do que uma verdadeira 
      sociedade iniciática. Admitamos que o elo que ligava esses
      discípulos ao Mestre e entre si, eram de natureza espiritual. Resta 
      saber o que se fazia nessa escola e como se trabalhava
      nela; o que transmitia o Mestre e como se era admitido na cadeia. Estas 
      duas últimas frases nos parecem resumir a
      finalidade e o princípio da sociedade de Saint- Martin, nela instruía, 
      mas também conferia uma iniciação, no sentido exato 
      do
      termo. Sobre a maneira de Saint-Martin instruir, possuímos um testemunho 
      de primeira mão, são as explicações dadas por
      Saint-Martin a um discípulo que o interpela. São as inestimáveis 
      cartas a Kirchberger, barão de Liebisdorf. A primeira carta de
      Kirchberger, solicitava alguns esclarecimentos sobre o autor e o fundamento 
      "Dos Erros e da Verdade". O Filósofo de
      Amboise lhe respondeu cortesmente, e assim nasceu uma troca de idéias 
      que durou quatro anos. Encontramos ao longo das
      páginas, um apreciável número de concessões 
      doutrinárias. A que descobertas convida a belíssima parábola 
      do jardineiro! E
      quais revelações, Saint-Martin não hesita comunicar! 
      O Filósofo Desconhecido, na sua primeira obra, esboçara
      alegoricamente o estado do homem antes da queda. O homem original, nela 
      se lia, tirava todo o seu poder da posse de uma
      lança maravilhosa, composta de quatro metais diferentes. Saint- Martin 
      não oculta até que ponto é importante descobrir a
      verdadeira natureza dessa lança simbólica. E responde, assim, 
      a Kirchberger, que lhe reclama o segredo: "A lança composta
      de quatro metais não é outra coisa do que o grande nome de 
      Deus, composto de quatro letras".(60) Pode-se exigir algo mais
      claro? Compreendemos a fecundidade das relações do Mestre 
      e dos discípulos, quando uma tal vontade de ensinar, anima
      aquele que sabe. A seqüência da revelação feita 
      a Kirchberger sobre a significação metafísica da lança, 
      mostrará ainda,
      Saint-Martin orientando aqueles que o solicitam. Liebisdorf, com efeito, 
      tirou desse símbolo, conclusões demasiado
      arbitrárias. Comparou, por exemplo, a liga dos quatro metais com 
      os quatro evangelistas. (61) Saint-Martin taxou tais
      conclusões de "convencionais" e, escreveu a Kirchberger 
      "que os quatro evangelistas são, talvez, cinqüenta".(62) 
      Assim se
      exerce o primeiro ministério do Filósofo Desconhecido entre 
      os membros de sua Ordem; repara e enriquece sua inteligência.
      Ele lhes expõe sua verdadeira doutrina. Acrescentemos, também, 
      a essas demonstrações, as técnicas místicas, 
      as chaves
      cabalísticas de meditação, de respirações 
      que Saint-Martin ensinava a seu grupo. O barão de Turkhein, acreditava 
      que várias
      passagens dos "Erros e da Verdade", "eram tiradas literalmente" 
      das Parthes, obra clássica dos Cabalistas. (63) Não existe
      uma parte da Cabala que pode ser intitulada "a yoga do Ocidente"? 
      Tais eram alguns ensinamentos transmitidos por Saint-
      Martin aos membros de sua Sociedade. O que dissemos da concepção 
      Martinista da "Ordem iniciática", deixa bem entendido
      a possibilidade de ser Martinista, sem estar materialmente, socialmente, 
      ligado a Saint-Martin. Certamente é fácil se mostrar
      Martinista, como esses homens superficiais que Mercier descreve no seu "Tableau 
      de Paris" e que fazem do Filósofo
      9
      Desconhecido, uma moda. Não há nenhuma necessidade de ligar-se 
      à "Ordem Martinista". Pode-se ter aderido à doutrina
      instaurada pelo Teósofo de Amboise, colocá-la em prática, 
      esforçar-se em seguir o caminho que ele indica, sem ter recebido
      a iniciação por meio de outro iniciado. Ou por outra, extrapolemos 
      a noção da Ordem Martinista. A religião cristã 
      julga salvos
      todos que se incorporam a ela pelo "batismo do desejo". Será 
      preciso ver o Martinismo recusar a iniciação do Homem
      Espírito a todo "Homem de Desejo"? Reconheçamos, 
      todavia, que a iniciação ritual é o meio mais comum 
      e o mais fácil de
      ingressar na "Ordem Martinista". Ela proporciona a todo aquele 
      que a recebe, uma poderosa ajuda. Um auxílio místico, em
      primeiro lugar, dos Irmãos passados ou presentes na comunhão 
      dos quais, nos permite entrar, mais facilmente. Ajuda moral
      e também material dos membros contemporâneos. Auxílio 
      intelectual pelo socorro que solicita no estudo da doutrina, seja por
      trabalhos em comum, seja pela voz dos adeptos mais adiantados, seja, principalmente, 
      pelas tradições dos quais esses
      adeptos são o reflexo e que dormem no seio da Ordem, não esperando 
      senão um Príncipe, cujo amor virá despertá-los. 
      Mas,
      a iniciação possui em si mesma um valor exato. Saint-Martin 
      instruía os membros de sua sociedade, dessa sociedade que a
      história confirmou-nos a sobrevivência através dos séculos. 
      Mas, o Filósofo Desconhecido lhes dava também, um misterioso
      viático, (64) uma chave mais estranha do que as clavículas: 
      a iniciação. Extraordinário encanto do influxo Divino 
      que emana
      de suas mãos, que faz o sacerdote ou o adepto, que dá o poder 
      ou a facilidade das ciências. Virtude mágica ao limite
      extremo do natural e do sobrenatural. Prodigioso e impalpável auxiliar 
      que se dá sem dividir-se, que se transmite de homem
      a homem; guarda seu efeito próprio e infalível, mas não 
      desenvolve inteiramente seu poder, senão no espírito pronto 
      a
      conservá-lo. Singular fascinação dessa corrente sutil, 
      desse fluído vital que anima o membro do corpo místico. Saint-Martin
      soube discernir o papel da iniciação e entendeu que seu mecanismo 
      não ultrapassava "as leis da natureza corporal". "Vós
      tendes razão, escrevia a Willermoz, de crer que a nossa sorte depende 
      de nossas disposições pessoais, tendes ainda razão
      de crer que o grau... dá ao iniciado um caráter, nada é 
      mais verdadeiro que a perfeita harmonia dessas duas coisas e não
      deve ter um efeito real que, sem dúvida, aumenta com o tempo, pelas 
      instruções e pelos cuidados que cada um pode
      acrescentar-lhe".(65) Louis Claude de Saint-Martin transmitiu a seus 
      discípulos o depósito da iniciação, a fim de 
      que germine
      naquele que é digno de recebê-lo e que purifique aquele que 
      ainda não o é. "Se o poder da iniciação 
      não opera
      sensivelmente pela visão, opera, não obstante, infalivelmente, 
      como preservativo e prepara a forma daquele que se mantém
      puro, para receber instruções salutares quando o espírito 
      o julga conveniente". (66) Assim, sem aventais e sem fitas, sem
      vaidade e sem orgulho, a iniciação que Saint-Martin confere 
      à sua Ordem, será a primeira etapa da única iniciação, 
      da
      iniciação última, "a santa aliança que 
      só se pode contrair após uma perfeita purificação". 
      (67)
      CAPÍTULO V - A DOUTRINA MARTINISTA - MÉTODO E DIALÉTICA
      "Os princípios naturais são os únicos que se devem, 
      primeiramente, apresentar à inteligência humana e, as tradições 
      que se
      seguem, por mais sublimes e profundas que sejam, jamais devem ser empregadas, 
      senão como confirmações, porque a
      existência humana surgiu antes dos livros".
      Portrait n.º 319 (Obras Póstumas vol. I, pág. 40, 41).
      O Martinismo é uma maneira de viver, mas seus princípios de 
      ação estão subordinados a uma determinada maneira de
      pensar. A soberania da inteligência e do senso moral deve ser respeitada. 
      Nenhum vulgar oportunismo e nenhum utilitarismo
      poderiam ser admitidos. As verdades essenciais e exatas que os livros só 
      podem confirmar, regem nossa existência e nossa
      atividade total. Qualquer que seja o plano sobre o qual o homem aja, sua 
      conduta decorre de suas certezas profundas,
      intelectuais, digamos a palavra: filosóficas. É porque sabe 
      de onde vem e para onde vai que o homem poderá orientar sua
      ação política e dar-lhe um sentido. A resposta ao problema 
      capital do destino humano, contém a solução de todas 
      as
      questões que se apresentam ao homem. Antes de possuir a lógica 
      desta dedução, antes de expor as conseqüências 
      morais
      ou políticas da doutrina Martinista, perguntemos, inicialmente, qual 
      é seu fundamento. Quais são, no espírito de Saint-Martin,
      as verdades primeiras e como as adquiriremos? "É um espetáculo 
      bem aflitivo, quando se quer contemplar o homem e vê-lo,
      ao mesmo tempo, atormentado pelo desejo de conhecer, não percebendo 
      as razões de nada e, entretanto, tendo a audácia
      de querer dá-las a tudo".(68) Essas primeiras linhas da obra 
      inicial de Saint-Martin, fornecem o ponto de partida e o plano de
      toda a doutrina Martinista. "O homem é a soma de todos os problemas. 
      Ele próprio é um problema, o enigma dos enigmas. A
      questão que ele coloca, a que a sua própria natureza encerra, 
      nos obriga a solucioná-la. Uma teoria que não visasse, em
      primeira instância, o bem do homem, seria totalmente inútil". 
      (69) E esse bem só pode resultar da resposta à interrogação
      humana. A existência dessa interrogação será 
      a primeira certeza. Com efeito, uma constatação se impõe: 
      o estado do
      homem. Ora, este estado se caracteriza pela angustia, o sentimento de limitação 
      e de imperfeição. O fato de que o homem
      possa ignorar e assombrar-se por isso, é um mistério inicial 
      que ocasiona, logicamente, a conclusões sobre a origem e o
      destino do homem. Mas é somente pelo estudo do homem, pelo aprofundamento 
      do problema, pela reflexão sobre os termos
      do problema que encontraremos a solução do mesmo. Tal é 
      o método de Saint-Martin. Precisamos explicar "não o 
      homem
      pelas coisas, mas as coisas pelo homem". (70) "Aquele que possuir 
      o conhecimento de si mesmo terá acesso à ciência do
      mundo, dos outros seres. Mas o conhecimento de si, é somente em si 
      que convém buscar. É no espírito do homem que
      devemos encontrar as leis que dirigiram a sua origem".(71) O homem 
      que é o enigma, é também a chave do enigma. Dir-seá
      que temos aí uma tautologia? E que não se poderia provar o 
      valor do espírito ou a eminente natureza do homem por um
      10
      método que os pressupõe? Mas não se trata de utilizar 
      um método para demonstrar a superioridade da faculdade intelectual.
      Não se trata mesmo de uma idéia diretriz apropriada para estabelecer 
      as bases dessa faculdade. Diante de sua situação que
      é também, seu enigma, o homem é naturalmente levado 
      a examinar-se. Ele quer julgar os elementos do enigma. Seu reflexo
      normal (se assim podemos afirmar) será olhar para si mesmo, pois 
      aí reside o problema. Também é uma infelicidade para 
      o
      homem ter necessidade de provas estranhas à sua pessoa "para 
      conhecer-se e crer em sua própria natureza, porque ela traz
      consigo, testemunhos bem mais evidentes que aqueles que podem concentrar 
      nas observações dos objetos sensíveis e
      materiais". (72) É, somente após ter-se reconhecido por 
      aquilo que ele é, que o homem convencido de sua Divindade e de
      sua situação central, decide tomar-se por medida das coisas, 
      ou, ao menos, por princípio de explicação. Afirmar 
      que da
      verdadeira natureza do homem deve resultar "o conhecimento das leis 
      da natureza e dos outros seres" (73), não é um
      postulado, é uma certeza; a conclusão de uma experiência. 
      Se o Martinismo nos faz encontrar a explicação do Universo 
      e a
      visão de Deus, é porque ele tem sua fonte na "arte de 
      conhecer-se a si mesmo". Saint-Martin, mestre do Ocidente,
      reencontra-se aqui com a luz da Ásia. O Buda, premido pela urgência 
      de nosso estado, condenou energicamente as
      reflexões sem proveito. Elas nos desviam de nosso verdadeiro interesse. 
      Com efeito, que loucura seria procurar, em primeiro
      lugar, saber se o princípio da vida se identifica com o corpo ou 
      é algo diferente! Seria como se um homem, tendo sido ferido
      por uma flecha envenenada e, cujos amigos ou companheiros, chamassem um 
      médico para tratá-lo, dissesse: "não quero
      que retirem esta flecha antes que eu saiba qual foi o homem que me feriu, 
      se foi nosso príncipe, cidadão ou escravo", ou,
      "qual o seu nome e a família a que pertence", ou, "se 
      é grande, pequeno ou médio"... Certo é que esse 
      homem morreria
      antes de estar ciente de tudo isso. (74) Nossa situação exige 
      uma resposta exata. Os outros problemas são acessórios. Mas,
      Saint- Martin, não os baniu, por isso, do campo da pesquisa humana. 
      A investigação filosófica não foi proibida. 
      Ele considera
      absurdo que nosso espírito, sendo havido de conhecimento, não 
      possa satisfazer tal sede. (75) Simplesmente estabelece
      esta curiosidade intelectual. Quando o homem reconheceu o Caminho que o 
      leva à Verdade, pode entregar-se à meditação
      sobre os mistérios de Deus e do Universo. Mas não se podem 
      combinar os jogos do espírito, ou mesmo os seus processos
      abstratos com a prioridade sobre a direção de nossa vida. 
      Aliás não existe defazagem entre essas duas ordens de pesquisa,
      mas apenas, prioridade e dialética entre uma e outra. É digno 
      de nota que, por conspiração universal, tudo esteja ligado, 
      e
      que a solução do primeiro enigma conduza, também, à 
      dos outros. Primeiramente é necessário tratar o ferimento 
      e retirar a
      flecha. Mas, corresponde à necessidade imperiosa de nos salvar, descobrirmos 
      a natureza do ferimento, a qualidade do
      dardo e, por assim dizer, sua marca de fábrica. A questão 
      de sua origem e procedência é esclarecida de imediato, mas 
      a
      cura terá que ser procurada e os remédios terão que 
      ser receitados em primeiro lugar. O Humanismo de Saint- Martin (76)
      não é coisa a priori, mas, procede da experiência mais 
      exata e imediata que o homem possa realizar: a experiência própria
      da consciência de seu estado. Persistamos um pouco sobre o caráter 
      a priori que acabamos de negar no Martinismo.
      Convém não deixar alguma dúvida. É a natureza 
      íntima de Saint-Martin que aqui está em causa. Pode-se dizer 
      que sua
      filosofia é, a priori, porque explica o inferior pelo superior, o 
      baixo pelo alto, os fatos por seu princípio. O materialismo seria,
      então, a posteriori, porque explica a matéria pela matéria, 
      explica o que parece transcender à matéria, reduzindo o homem 
      à
      própria matéria. Superando-a, encontraríamos aqui a 
      fórmula de W. James: "O empirismo é um hábito 
      de explicar as partes
      pelo todo". Todo espiritualismo é, pois, a priori - e o Martinismo 
      mais do que qualquer outro sistema. O livro "Dos Erros e da
      Verdade", procura mostrar a fraqueza e a insuficiência de uma 
      visão materialista do mundo. Essa oposição não 
      é, em
      nenhuma parte, mais sensível do que na crítica do sensualismo 
      perseguida por Saint-Martin durante toda sua vida. (77)
      Saint-Martin disse a um amigo que o qualificava de espiritualista: "Não 
      é o suficiente para mim ser espiritualista - e se ele me
      conhecesse, longe de restringir-se a isso, ele chamar-me-ia deísta: 
      porque é o meu verdadeiro nome". (78) O Martinismo é
      espiritualista e seu objetivo principal é, portanto, um "a priori 
      gigantesco", segundo a palavra de Henri Martin. (79) Mas que
      essa explicação, a priori, seja dada, a priori: que seja apresentada 
      como um postulado, que se mostre inverificável e que se
      possa julgá-la o fruto de uma imaginação, eis aí, 
      o contrário da essência da filosofia de Saint-Martin. Porque 
      essa filosofia
      está baseada totalmente numa sentença e numa dialética 
      que iremos examinar. Por não ser apoiada na matéria ou no
      sensível aos sentidos físicos, ela não é menos 
      exata. Diríamos quase ao contrário. Saint-Martin não 
      proclamou e não somos
      instados a experimentar junto a ele, a acharmos em nós provas mais 
      convincentes, que não encontraríamos na Natureza
      inteira? (80) Essas breves reflexões sobre o método Martinista 
      não tem a pretensão de determinar a sua essência. Esta,
      depreende-se da própria exposição da doutrina de Saint-Martin. 
      Após fornecer algumas explicações da doutrina,
      destacaremos algumas características principais da mesma. Entretanto, 
      convinha explicar, nitidamente, a base da reflexão
      Martinista. "Saint-Martin deseja crer, escreveu Matter, (81) mas com 
      inteligência, apesar de ser um filósofo místico". 
      A
      teosofia de Saint-Martin não é uma obra de imaginação, 
      uma teia de afirmativas inverificáveis, nem de devaneios místicos.
      Para atingir os píncaros da metafísica e da espiritualidade, 
      o pensador de Amboise, não se estabelece no plano das
      especulações abstratas, inacessível ao vulgar. Ele 
      nos alcança no nosso nível - no nível do homem. Daí, 
      nos reconduzirá até
      Deus, do qual nos sentimos tão cruelmente afastados. O itinerário 
      desse percurso, eis o que precisamos, agora, determinar
      com exatidão, Poderemos constatar assim, a coerência do sistema 
      Martinista. Em seguida, examinaremos, sucessivamente,
      as diferentes partes, que sem este trabalho preliminar, correriam o risco 
      de parecer desprovidas de fundamento. Esbocemos,
      pois, o esquema de uma dialética Martinista. O homem, inicialmente, 
      toma consciência de seu estado. Entendemos pelo que
      foi dito supra, que o homem se conhece tanto em espírito como em 
      corpo, ou, mais explicitamente, constata nele e fora dele,
      manifestações variadas. Na medida em que estas manifestações 
      lhe pertencem ou lhe afetem - e como as conheceria sem
      ser por elas atingido - na proporção onde estas manifestações 
      o afetam, de alguma maneira, elas contribuem para constituir
      seu estado. "Ora, àqueles que não tivessem sentido a 
      sua verdadeira natureza, só lhes pediria que se precavessem contra
      11
      os desprezos. Porque no que eles chamam homem, no que denominamos moral, 
      no que chamam ciência, enfim, no que se
      poderia chamar o caos e campo de batalha de suas diversas doutrinas, eles 
      encontrariam tantas ações duplas e opostas,
      tantas forças que se degladiam e se destroem, tantos agentes, nitidamente 
      ativos e tantos outros, nitidamente passivos e isto
      sem buscar fora de sua própria individualização, talvez, 
      sem poder dizer, ainda, o que nos compõe, concordariam que,
      seguramente, tudo em nós não é semelhante e que não 
      existimos senão numa perpétua diferença, seja conosco, 
      seja com
      tudo que nos circunda e tudo o que possamos atingir ou considerar. Apenas 
      seria necessário, em seguida, auxiliar com
      alguma ciência essas diferenças, para perceber seu verdadeiro 
      caráter e para colocar o homem no seu devido lugar". (82)
      Saint-Martin convida, pois, o homem a considerar-se e a analisar, com cuidado, 
      a realidade que houvera atingido. Assim o
      homem descobrirá o seu verdadeiro lugar e, perceberá a harmonia 
      do mundo de acordo com o famoso adágio de Delfus:
      "Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo e os Deuses". 
      A convite de Saint-Martin, procedamos pois, fazendo o
      exame que ele preconiza, o exame do homem. O simples exame de sua presente 
      situação lhe revela que esse estado assim
      se resume: a coexistência de elementos aparentemente contraditórios, 
      ambos, objeto de uma experiência, igualmente exata.
      I - O homem descobre em si um princípio superior. Observa seu pensamento, 
      sua vontade, todos "estes atos de gênio e de
      inteligência que o distinguem sempre por características impressionantes 
      e indícios exclusivos". (83) Por que, pois, o homem
      pode afastar-se da lei dos sentidos? (84) "Por que o homem é 
      dirigido por um maravilhoso senso de moral, infalível em seu
      princípio? Não é senão porque é essencialmente 
      diferente devido ao seu Princípio intelectual (85) e é o único 
      favorecido aqui
      em baixo por essa sublime vantagem... "(86) A consciência de 
      si dá ao homem uma certeza primordial. "Quando sentimos
      uma só vez nossa alma, não podemos ter nenhuma dúvida 
      sobre suas possibilidades". (87) Mas, o que lhe surge, antes de
      tudo, é o sofrimento necessário de sentir-se exilado, é 
      a nostalgia de uma morada edênica. "O homem, na verdade, na
      qualidade de Ser intelectual, leva sempre sobre os Seres corporais, a vantagem 
      de sentir uma necessidade que lhe é
      desconhecida". (88) O Filósofo reuniu então essas múltiplas 
      provas, esses testemunhos irrecusáveis e o espetáculo de sua
      alma inspira a Saint-Martin esta revelação: "Cidadão 
      imortal das regiões celestes, meus dias são o vapor dos dias 
      do Eterno".
      (89) Não atribuamos, de momento, nenhuma importância metafísica 
      a este verso do Teósofo. Nele, não temos senão a
      afirmação de nossa grandeza, à qual Saint-Martin, vai 
      opor o espetáculo de nossa miséria. II - Ao mesmo tempo, que,
      reconhece a transcendência do seu espírito, o homem percebe 
      o conjunto dos males e das desgraças dos quais está
      cercado. A realidade do sofrimento de nos impõe, com efeito, da maneira 
      mais trágica. Inútil é pintar o quadro das fraquezas
      e das desgraças dos homens. Nenhum, entre eles, os ignora porque 
      ninguém pode viver sem tomar parte nelas. "Não existe
      uma pessoa de boa fé, disse Saint-Martin, que não considere 
      a vida corporal do homem uma privação e um sofrimento
      contínuo". (90) A aproximação entre essa evidência 
      e essa certeza anteriormente adquirida, se evidência, ao mesmo tempo,
      inevitável e surpreendente. "Tanto é verdade que o estudo 
      do homem faz-nos descobrir, em nós, relações com o 
      primeiro de
      todos os princípios e os vestígios de uma origem gloriosa, 
      quanto o mesmo estudo deixa-nos perceber uma horrível
      degradação". (91) Saint-Martin explicou na sua belíssima 
      análise da miséria espiritual, como a união destas 
      duas conclusões
      caracteriza o nosso estado. Para explicar uma passagem do Ecce Homo, o Filósofo, 
      põe em questão a ambivalência do
      homem, a dualidade de sua natureza. "A miséria espiritual, diz 
      ele, é o sentimento vivo da nossa privação Divina aqui 
      na
      terra, operação que se combina: 1º com o desejo sincero 
      de reencontrar nossa pátria; 2º com os reflexos interiores que 
      o sol
      Divino nos irradia, algumas vezes, a graça de enviar-nos até 
      o centro de nossa alma; 3º com a dor que experimentamos
      quando, após ter sentido alguns desses Divinos reflexos tão 
      consoladores, recaímos em nossa região tenebrosa, para aí,
      continuarmos nossa expiação". (92) Retomando outra formula 
      de Saint-Martin: "Existem seres que só são inteligentes;
      existem outros que só são sensíveis; o homem é 
      ao mesmo tempo, um e outro, eis aí a palavra do enigma". (93) 
      A
      contradição brota desse aspecto, desse duplo aspecto da existência 
      humana, como surge entre o desejo de saber e o
      fracasso freqüente das tentativas para chegar até aí. 
      "O homem, um Deus! Verdade; não é uma ilusão? 
      Como o homem,
      esse Deus, esse prodígio espantoso, definharia no opróbrio 
      e na fraqueza! (94) O problema está apresentado. Os dados
      estão expressos. O encontro das duas experiências, sua simultaneidade, 
      eis o ponto de partida da dialética Martinista. A
      tristeza de nosso destino não forneceria material para alguma reflexão 
      se não houvesse, justamente aí, o espírito para tomar
      conhecimento. "O temor, disse Aristóteles, é o começo 
      da filosofia". Ele entendia que a atenção se dirigia 
      assim para os
      problemas que o vulgo ignora. Mas, o temor é, também, objeto 
      de meditação. Por sua própria existência o temor 
      ou a
      angústia, se quisermos, assinala uma oposição entre 
      aquele que se espanta e aquilo do qual ele se espanta. É a mais
      irretorquível réplica ao materialismo. Ele impede de considerar 
      o mundo material como única realidade, autosatisfazendo-se,
      existindo só, porque existe sempre o mundo e aquele que o julga. 
      O mundo não pode ser uma máquina noturna, porque
      encontrará o homem para observá-lo girar. Destarte, seu assombro, 
      que é indiscutível e parece um nó de contradições, 
      faz
      parte da situação do homem. Miséria humana, experiência 
      de todo momento. Grandeza do homem que se sabe infeliz.
      Grandeza e miséria humana se interpenetrando. A primeira permitindo 
      a segunda e a segunda levando o espírito a se elevar
      à instrução da primeira. Que ambivalência de 
      nosso ser induz a dividir os seres e as coisas em duas classes que a crença
      em um princípio mau e poderoso, embora submetido ao Princípio 
      do Bem, tenha surgido da mesma reflexão. Isto é certo e
      confirma a importância desta consideração. Aqui só 
      examinamos as arestas da doutrina Martinista. Antes de tudo, destinada
      a instruir o homem sobre si próprio, poderá, em seguida, ensinar-lhe 
      a Ciência do Mundo e de Deus. Mas é, primeiramente, o
      método do seu próprio estudo. O homem, inicialmente, se interessa 
      por ele mesmo. Se o auto conhecimento permite abordar
      as pesquisas das leis que regem o Universo, se este conhecimento nos eleva 
      até Deus, não tem menos por objeto a solução
      do problema do homem. É deste problema que é necessário, 
      em primeira instância, ocupar-se, porque ele é, em essência, 
      o
      único. Nunca o homem se aperceberá demasiadamente disso. Admitamos, 
      pois, como base da doutrina Martinista, esta
      12
      contradição, esta dualidade da pessoa humana. Será 
      ai que reside a originalidade de Saint-Martinº Absolutamente não.
      Numerosos foram os pensadores que descobriram na condição 
      humana um tema rico em ensinamentos. Aristóteles após
      Platão, sabia bem que a essência do homem, sua alma, era algo 
      de Divino. De São Paulo a Pascal, a luta das duas leis a da
      carne e a da alma, constituíram argumentos clássicos para 
      a apologia cristã. "Sinto nos meus membros, disse São 
      Paulo,
      uma outra lei que se opõe à lei do Espírito e me aprisiona 
      na lei do pecado que está nos meus membros".(95) "A grandeza
      do homem é grande na medida em que ele se reconhece miserável", 
      lemos nos Pensamentos. (96) A descoberta pelo
      homem de sua queda e a consciência de sua filiação Divina, 
      para explicar seu atual estado, é exposto em várias etapas 
      da
      história da filosofia. E, aliás Saint-Martin não procura 
      inovar em toda sua doutrina. Ao contrário, se felicita por reencontrar,
      sem cessar, os ensinamentos tradicionais ou as descobertas dos filósofos. 
      A tradição ocupa lugar muito importante para ele.
      E, se de bom grado, citamos Pascal, é que sua doutrina se mescla, 
      às vezes, ao pensamento Martinista. O próprio Saint-
      Martin assinalou estes parentescos intelectuais: "Lede, nos diz num 
      texto pouco conhecido, os Pensamentos de Pascal... Ele
      disse com termos próprios o que vos disse e o que publiquei: saber 
      que o dogma do pecado original resolve melhor nossas
      dificuldades que todos os reacionários filosóficos".(97) 
      Com efeito, chegamos, tanto com Saint-Martin como com Pascal, a
      resolver o enigma que o homem traz consigo. Após ter pintado o homem 
      e, subtilmente tê-lo analisado, competiu ao Teósofo,
      deduzir de acordo com seu método, as conseqüências dos 
      fatos que acabou de conhecer. Vemos manifestar aqui o seu
      esforço de síntese. Saint-Martin vai conciliar os elementos 
      opostos que formam o homem, mostrar que eles podem ser
      resolvidos numa explicação. O método será sempre 
      o aprofundamento destas contradições que constituem o homem. 
      III -
      "Pelo sentimento de nossa grandeza, concluímos que somos senão 
      Pensamentos Deus, ao menos, Pensamentos de Deus".
      (98) Pelo sentimento doloroso da horrível situação 
      que é a nossa, podemos formar uma idéia do estado feliz onde
      estivéramos anteriormente". "Quem se acha infeliz por não 
      ser rei, diz Pascal, senão um rei destronado".(99) E Saint- 
      Martin:
      "Se o homem não tem nada é porque tinha tudo". (100) 
      De uma parte, a certeza de nossa origem sublime, quer que nós
      tenhamos a intuição da nossa faculdade essencial ou quer que 
      a deduzamos da nossa miséria atual; de outra parte, essa
      própria miséria. Só a queda pode explicar essa posição, 
      essa passagem. Só uma doutrina da queda explicará o fato do
      homem ter caído. Pois que, tanto o estado primordial de felicidade 
      é uma certeza que adquirimos e que a miséria na qual nos
      debatemos é uma realidade não menos evidente, é preciso 
      admitir uma transição de um estado para outro. Tal é 
      a queda.
      Sugerimos uma análise mais sutil do sublime estado que tornava o 
      homem tão grande e tão feliz. Compreendemos como
      Saint-Martin, que ele podia nascer do conhecimento íntimo e da presença 
      contínua do bom Princípio. Conseguiremos a
      terceira norma do que se pode chamar dialética Martinista. Podemos 
      então resumir o desenvolvimento dessa dialética
      utilizando as próprias palavras do Teósofo: 1. "O homem 
      um Deus! Verdade". 1. "Como o homem esse Deus, esse prodígio
      espantoso, definharia no opróbrio e na fraqueza". 3. "Por 
      que esse homem definharia, presentemente, na ignorância, na
      fraqueza e na miséria, se não é porque está 
      separado deste princípio que é a única luz e o único 
      apoio de todos os
      Seres?(101) Tais são os princípios. Tal é o caminho 
      pelo qual o homem chega à compreensão de seu estado. Pode-se
      construir sobre esse esquema a doutrina Martinista completa. Ele é 
      o fundamento psicológico indispensável da múltiplas
      explicações que inspirará o pensamento do Filósofo 
      Desconhecido. Não está esclarecido daí em diante o 
      destino do homem?
      "Acorrentado sobre a terra como Prometeu", (102) exilado do seu 
      verdadeiro reino, que meta poderia propor senão a de
      reconquistar e de reintegrar-se em sua pátria? E o meio de reencontrar 
      o paraíso perdido, não o possuímos também?
      Sabemos como o homem foi banido. Ora, a mera descrição desse 
      éden, mostrar-nos-á que está disposto "com tanta
      sabedoria que, retornando sobre seus passos, pelos mesmos caminhos, esse 
      homem deve estar seguro de recuperar o
      ponto central, no qual, apenas ele pode gozar de alguma força e de 
      algum repouso". (103) E a teoria da Reintegração deve,
      necessariamente, girar em torno da figura central do Reparador. É 
      todo o Martinismo, magnificamente coerente e sólido, que
      se desenvolve no entendimento, a partir das intuições fundamentais. 
      Vimos a dialética de Saint-Martin e, descrito sob este
      termo, o percurso do homem na direção do conhecimento de sua 
      origem e de seu destino. É interessante notar que essa
      marcha do pensamento, reproduz a própria marcha do ser. Comparemos, 
      com efeito, a apreensão do homem por si mesmo
      com suas conseqüências e a aventura humana que esta apreensão 
      permite reconstituir. 1º - O Homem goza, inicialmente, da
      felicidade edênica. O menor toma consciência de sua imperfeição 
      atual e da aspiração de seu espírito, em uma palavra, 
      a
      idéia da beatitude original. Ele se recorda disso em primeiro lugar. 
      2º - Depois medita sobre o sofrimento que é seu quinhão
      nesta vida. Descobre o estado após a queda. Assim o Homem no seu 
      périplo cai do Céu, para vir à Terra. 3º - Enfim, 
      o
      Homem miserável compreende o mistério da passagem, a distância 
      que separa os dois estados. Assim, o Homem decaído
      transporá novamente a distância infinita, refará o trajeto 
      que conduz à Felicidade e obterá sua Reintegração. 
      Tese, antítese,
      síntese. Felicidade primordial, queda e reintegração. 
      O menor espiritual possui o traçado de seu destino. Ele reconheceu,
      seguramente, através de um procedimento lógico baseado sobre 
      sua curva ontológica. Cada homem reencontra em seu
      espírito a eterna epopéia do Homem. "Tenho por verdadeiro 
      o que me é dado por verdadeiro no fundo íntimo de minha alma".
      (104) Assim, Salzmann define a verdade. Sem dúvida, Saint-Martin 
      não teria negado essa profissão de fé de um iluminado.
      Mas teria ele julgado suficiente para fundar uma doutrina, para presidir 
      uma iniciação, isto é, a um começo? É 
      o que se
      pretendeu por várias vezes. Alguns quiseram construir o conjunto 
      do sistema Martinista sobre esse único critério subjetivo. 
      E
      é porque o quadro do qual tentamos traçar as grandes linhas, 
      parecerá, talvez, muito intelectual, muito intelectualista.
      Censurar-nos-ão, talvez, por termos insistido sobre o aspecto racional 
      do Martinismo. Seria fácil responder que este aspecto
      é o único que se pode expor ou discutir e que além 
      de tudo, a pura mística não se descreve nem se prega, que 
      a exortação,
      pelo próprio fato de ser formulada, sofre o impacto da razão 
      e, reconhece implicitamente o seu poder. Dir-se-á que Saint-
      Martin é um místico. A doutrina Martinista é uma doutrina 
      mística. Certamente, mas seria trair a memória de Saint-Martin,
      13
      apresentá-lo como um puro discípulo de Madame Guyon. Balzac 
      critica violentamente certos escritos místicos: "São 
      escritos
      sem método, sem eloqüência e, sua fraseologia é 
      tão bizarra que se pode ler mil páginas de Madame Guyon, de
      Swedenborg e, sobretudo de Jacob Böehme sem nada depreender daí. 
      Vós ides saber porque, aos olhos destes crentes,
      tudo está demonstrado". (Prefácio do livre Mystique. 
      Obras completas, Calmann Levy, XXII, 423). Se essas censuras podem,
      a rigor, aplicar-se a Jacob Böehme, elas não atingem Saint-Martin. 
      Os impulsos do Homem de Desejo repousam sobre as
      considerações filosóficas Dos Erros e da Verdade, ou 
      do Tableau Naturel. (105) É preciso nos entendermos sobre a
      expressão mística. A palavra mística, como a hindu 
      yoga, serve para designar duas idéias diferentes: por um lado, união 
      com
      Deus, a vida que os cristãos chamam unitiva, de outra parte, um caminho, 
      um método, uma técnica (às vezes, muito próxima
      do plano físico como na Hatha Yoga) que conduzem a essa união. 
      De um lado a meta, de outro os meios para atingi-la. (106)
      Para retomar a terminologia Martinista, diferenciamos: a Reintegração 
      e o Caminho Interior que conduz a ela. No esboço do
      caminho para Deus, podem figurar aspectos racionais que não terão 
      mais vez na existência do homem reintegrado. Quanto à
      ascese, quanto a essa preparação moral à vida unitiva, 
      ela ocupa lugar no quadro dos elementos racionais. Ainda melhor,
      apoia-se neles. Convém, pois, tratar dos mesmos em primeiro lugar. 
      Encontraremos em Saint-Martin, a idéia de Deus
      sensível ao coração. Mas, esta relação, 
      apenas constitui mais seguidamente, um ideal ou fruto do amor e seu coroamento. 
      O
      conhecimento de Deus, corolário do conhecimento do homem, pode também 
      ser adquirido através do caminho intelectual.
      "No que se refere às duas portas, o Coração e 
      o Espírito, creio, escreve o filósofo, que a primeira é 
      muito mais preferível do
      que a outra, sobretudo, quando se tem a felicidade de participar dela. Mas 
      ela não deve ser, absolutamente exclusiva,
      principalmente quando é necessário falar a pessoas que só 
      possuem a porta do Espírito apenas entreaberta, e é preciso 
      ser
      muito escrupuloso sobre esse ensinamento, até que surja a luz". 
      (107) O método é, em ambos os casos, de inspiração
      idêntica. É no homem que encontramos Deus. Mas enquanto a descoberta 
      mística se revela estritamente pessoal e às vezes
      infrutífera, o procedimento racional reverte-se de um valor universal. 
      O Tableau Naturel, por exemplo, mostrará que o exame
      do espírito, a formação das idéias, em uma palavra, 
      que a psicologia supõe Deus. (108) Descobrir-se-á, assim, 
      um novo
      elemento a integrar-se na dialética Martinista e que justificará 
      o empréstimo da senda interior. Por mais inesperada que
      pareça essa aproximação, o iluminismo de Saint-Martin 
      se acha bem caracterizado pelas observações de um Maurice
      Blondel. O que é mística? Interroga esta autor, e responde: 
      "A mística não nos conduz para o que é obscuridade 
      e
      iluminismo, para o que é subliminal ou supraliminal, para um jogo 
      de perspectiva subjetiva, mas para um modo determinado
      positivamente e metodicamente determinável da vida espiritual e da 
      luz interior, isto quer dizer que ela implica no emprego
      prévio e concomitante de disposições intelectuais e 
      inteligentes, um querer muito consciente e muito pessoal, uma ascese
      moral segundo graduações observáveis e reguláveis". 
      (109) Reprovamos, como Maurice Blondel, esse falso iluminismo. O
      próprio Saint-Martin, denunciou-o, vigorosamente em Ecce Homo. E 
      nós o reprovamos porque ele está em contradição 
      com o
      verdadeiro iluminismo, do qual, o Martinismo representa o tipo acabado. 
      Uma palavra não deve lançar o descrédito sobre
      uma doutrina que ela não designa senão por confusão. 
      "Em geral, olham-me como um iluminado, dizia Saint-Martin, sem que
      o mundo saiba, todavia, o que se deve entender por essa palavra". (110) 
      J. de Maistre observará, também, nos seus Soirées
      de Saint-Petersbourg, (111) até que ponto esse nome foi desviado 
      de seu verdadeiro significado. "Chamam de iluminados a
      delinqüentes que ousaram, hoje, conceber e mesmo organizar na Alemanha 
      a mais criminosa associação, medonho projeto
      de extinguir o Cristianismo e a Monarquia na Europa. (112) Dá-se 
      esse mesmo nome ao discípulo virtuoso de Saint-Martin,
      que não professa somente o Cristianismo, mas que trabalha para elevar-se 
      às mais sublimes alturas dessa lei Divina". O
      iluminismo é, em resumo, o sistema, a maneira de agir do espírito, 
      que oferece a salvação na iluminação. Mas que 
      o
      iluminismo pressupõe essa iluminação, nada de menos 
      seguro. Sem dúvida, Deus poderá manifestar-se, precocemente 
      e
      sem preparação. A certeza será manifestada, e mais 
      do que a certeza de uma doutrina, a meta será alcançada. Mas, 
      Saint-
      Martin possui a mais fiel e a mais exata imagem do homem. Nós o vimos 
      extrair dessa percepção aguda da essência
      humana seus mais fortes argumentos. A busca de Deus, o caminho para a reintegração; 
      ele admite que nós possuímos a
      sua chave para uma revelação imediata. É preciso procurá-la, 
      pedi-la, solicitá-la. É por meio dessa finalidade, para responder
      a essa necessidade racional que erguer-se-á hostil senão a 
      satisfizermos, que o Martinismo usa uma dialética. Saint-Martin
      declara que o maior erro do homem seria desinteressar-se pela verdade, e 
      também de julgá-la inacessível. "Tu não 
      me
      buscarás se tu já não tiveres me encontrado", 
      disse Pascal. E Santo Agostinho, demonstrava que à base do pedido 
      de graça
      havia já uma graça que permitia formular a oração. 
      Mas qualquer que seja a gratuidade da salvação, da Reintegração, 
      não
      permanece menos, no início, um movimento voluntário. O Martinismo 
      não desconhece a vontade mesmo quando ela procura
      identificar-se com a vontade de Deus. Porque é lá que encontra 
      sua plena expansão. No primeiro passo que conduz ao
      Caminho, o Homem deve contribuir com o seu esforço. E como não 
      age sem razão e sem motivação, cabe à dialética
      Martinista, lhe indicar a estrela que o conduzirá até Deus, 
      seu Princípio. Feliz daquele que verá a iluminação 
      esclarecer a
      conclusão racional com os raios da certeza. Estará próximo 
      da meta. A dialética terá conduzido à mística, 
      pois terá revelado
      o homem a si mesmo. "Nosso ser, sendo central, deve encontrar no centro 
      onde estão todos os socorros necessários à sua
      existência". (113) Que ele aí se encontre com o segredo 
      de seu destino e da sua origem, com os meios de realizar um,
      retornando à outra. Tal é o grande ensinamento do Martinismo.
      Cartas
      14
      Primeira Carta Berna, Suíça, 22 de maio de 1792
      Senhor: Que não vos seja surpresa receber uma carta de um desconhecido: 
      foram as vossas obras e o vosso mérito pessoal,
      ao qual não sou totalmente estranho, que me fizeram tomar da pena. 
      Enquanto a maior parte dos pensadores se ocupa com
      interesses que agitam as nações, emprego minhas horas de lazer 
      no estudo das verdades que influem mais diretamente na
      felicidade dos homens do que as revoluções políticas 
      e nos assuntos que engrandecem a esfera dos conhecimentos
      humanos ao nos indicarem quão pouco, até o presente, já 
      pudemos aprender, e a importância das coisas que ainda nos
      restam saber. Confessarei, senhor, com a sinceridade e a franqueza de um 
      suíço, que o escritor mais ilustre na minha
      opinião e o mais profundo deste século, é o autor de 
      Des Erreurs et de la Verité3 e que corresponder-me com ele seria 
      uma
      das maiores satisfações de minha vida. Nessa obra, senhor, 
      encobriste com um véu algumas verdades importantes para não
      expô-las à profanação daqueles que têm 
      um coração pervertido e os olhos fascinados pelos preconceitos 
      do vulgo ou pelas
      sofisticações dos pretensos filósofos. Porém, 
      ouso crer, e até mesmo com alguma certeza, que o autor de Dos Erros 
      e da
      Verdade não se furtará a alguns esclarecimentos destinados 
      às pessoas que de boa fé buscam essa verdade e que, a
      exemplo do maior modelo, busquem expandir a luz tanto quanto possível. 
      Cada página desse livro admirável respira um
      sentimento de benevolência que me deixa seguro quanto à minha 
      asserção. Creio haver adivinhado o que entendeis sob a
      denominação da causa ativa e inteligente na obra Des Erreurs 
      e de de la Vérité; creio haver compreendido, da mesma forma,
      em que sentido foi tomada a palavra virtudes4 no Quadro Natural5. Sobre 
      essa terminologia, não me resta mais dúvida
      alguma; na minha opinião, a causa ativa é a verdade por excelência 
      e, se alguém perguntar como Pilatos: Quid est veritas?6,
      eu lhe direi que transponha as letras da pergunta para achar a resposta: 
      Est vir qui adest7. Mas é o conhecimento físico
      desta causa ativa e inteligente, conhecimento que não esteja sujeito 
      a ilusão alguma, que me parece o maior núcleo da obra
      Dos Erros, repito, conhecimento que não esteja sujeito a ilusão 
      alguma, pois o próprio sentido interno pode algumas vezes
      estar sujeito a erros; porque nossos sentidos e nossa imaginação 
      costumam falar tão alto e nosso sentimento pode algumas
      vezes estar tão multiplicado, sobretudo no turbilhão dos negócios, 
      que nem sempre estamos em condições de ouvir a doce
      voz da verdade. Entretanto, nada mais importante do que discerni-la com 
      alguma segurança, pois "se essa causa ativa e
      inteligente não pudesse jamais ser conhecida sensivelmente pelo homem, 
      ele jamais poderia ter certeza de haver encontrado
      a melhor rota e de possuir o verdadeiro culto; uma vez que é essa 
      causa que tudo deve operar e tudo manifestar, é
      necessário então que o homem tenha a certeza da qual falamos 
      e que não seja o homem que a dê; é necessário 
      que essa
      própria causa ofereça claramente, à inteligência 
      e aos olhos do homem, os testemunhos de sua aprovação; é 
      necessário, por
      fim, se o homem pode ser pelos homens, que ele tenha meios de não 
      enganar a si próprio e que tenha ao alcance da mão
      recursos dos quais possa esperar socorros evidentes." É sobre 
      esse ponto essencial que os esclarecimentos ser-me-iam
      infinitamente preciosos. Como chegar com segurança a esse conhecimento 
      físico da causa ativa e inteligente? As virtudes do
      Quadro Natural são auxílios para esse conhecimento físico?
      E como o conhecimento físico das virtudes do mesmo modo se torna 
      possível? Eis aqui perguntas sobre as quais eu
      aceitaria tudo o que julgardes adequado transmitir-me com reconhecimento 
      e respeito, pois há somente motivos bem
      respeitáveis que possam levar-vos a ter esse trabalho. Ouso ainda 
      rogar-vos que acrescenteis um outro favor: o de me
      informar quais são os livros que partem realmente de vossa pena e 
      quais são aqueles que expõem os vossos sentimentos
      sem mescla de opiniões estrangeiras. Podeis ver, senhor, com que 
      confiança dirijo-me a vós e, aguardando de vossa parte
      uma palavra de resposta, à qual serei muito sensível, rogo-vos 
      receber a homenagem sincera de meus mais distintos
      sentimentos. KIRCHBERGER, Barão de Liebistorf, Membro do Conselho 
      Soberano da República de Berna
      3 Dos Erros e da Verdade, obra existente em português.
      4 Itálico da tradutora.
      5 Tableau naturel des rapports qui existent entre Dieu, l'homme et l'univers.
      6 "Que é a verdade?" - Evangelho segundo São João, 
      18:38. Tradução para o port uguês de JOÃO FERREIRA 
      DE
      ALMEIDA. Sociedade Bíblica do Brasil, 1969. Edição 
      revista e atualizada no Brasil. Esta tradução será 
      adotada no presente
      trabalho, com exceção dos trechos pertencentes aos livros 
      deuterocanônicos, para os quais foi usada a Bíblia de Jerusalém.
      7 "É o homem que está presente."
      Carta 2 Paris, 8 de fevereiro de 1782
      Senhor: Não deixarei de vos agradecer, por minha própria conta, 
      pelos elogios que tivestes a bondade de dirigir-me em
      vossa carta de último 22 de maio. Vou esquecer-me de mim mesmo apenas 
      para render graças ao Autor de toda a
      sabedoria, o qual permitiu que vossa bela alma sentisse a necessidade de 
      aproximar-se dessa fonte de todas as nossa
      venturas. Vejo que apreendeste perfeitamente o sentido da causa ativa e 
      inteligente e o da palavra virtudes, e creio que nela
      está o germe radical de todos os conhecimentos. Quanto aos frutos 
      que dele devem resultar, só podem nascer segundo as
      justas leis da vegetação, na qual somos brigados a participar 
      desde a queda, e esses frutos só podem ser conhecidos à
      medida que vão brotando. Parece que sois bastante instruído 
      para desconhecer que a alma do homem é a terra em que esse
      germe é semeado e onde, por conseguinte, todos os frutos devem ser 
      manifestados. Acompanhai a comparação de São
      Paulo, na Primeira Epístola ao Coríntios, capítulo 
      15, sobre a vegetação espiritual e corporal, e verei com clareza 
      a verdade
      desta palavra do Salvador: "Se alguém não nascer de novo, 
      pode ver o reino de Deus." Evangelho de João, 3:3. A isso
      acrescentai somente que o nascimento de que fala o Salvador pode ser feito 
      durante a nossa vida, enquanto que São Paulo
      15
      falava apenas da ressurreição final. Esta é a obra 
      na qual todos deveríamos trabalhar e, se ele é tão 
      laboriosa, está também
      repleta de consolações pelos socorros que dela recebemos quando 
      nos determinamos com bastante coragem a empreendêla.
      Independentemente do grande jardineiro que semeia em nós, existe 
      um grande número de outros que regam, que podam
      a árvore e que lhe facilitam o crescimento, sempre sob os olhares 
      da divina sabedoria que pretende ornar seus jardins, como
      todos os outros cultivadores, mas que só pode orná-los conosco 
      porque somos as suas mais belas flores. Compreendo bem
      que é sobre a natureza desses jardineiros que recaem vossa pergunta 
      e vossa incerteza em saber discerni-los; mas não
      esqueçamos a o suave caminho das progressões. Comecemos por 
      tirar proveito dos pequenos movimentos de virtude, de fé,
      de preces e de trabalho que nos são dados. Esses nos atrairão 
      outros que trarão também sua luz consigo, e assim por
      diante, até o complemento da medida particular de cada indivíduo, 
      e veremos que a única razão pela qual os homens sofrem
      embaraços e inquietudes é que eles ultrapassam sempre as épocas 
      de sua vegetação, ao passo que, se se ocupassem com
      bastante prudência e resolução da época e do 
      grau em que se encontram, a marcha lhes pareceria natural e fácil, 
      e veriam
      nascer de si mesmos a resposta ao lado de suas perguntas. Não vos 
      surprendais, pois, senhor, por eu não possa enviar-vos
      esclarecimentos mais positivos sobre um objeto que consiste apenas no exercício 
      e na experiência. Eu vos enganaria se vos
      oferecesse outra coisa, eu me enganaria a mim mesmo e ofenderia àquele 
      que me honro de reconhecer altamente entre os
      homens como o único mestre que devíamos ter e o único 
      que devemos seguir. Desejais saber, senhor, quais são as obras
      que saem da mesma pena de Dos Erros e da Verdade. São, até 
      o presente, o Quadro Natural, impresso em 1782, e o
      Homem de Desejos, impresso há dois anos. A edição teve 
      uma tiragem muito pequena e já se esgotou, mas eu soube que
      um livreiro chamado Grabit, da rua Mercière, em Lyon, acabava de 
      fazer uma reimpressão por conta própria. Além disso,
      atualmente estão no prelo duas obras da mesma pena: uma, intitulada 
      Ecce Homo, com a finalidade de prevenir contra as
      maravilhas e as profecias do momento, um pequeno volume in-doze; o outro, 
      intitulado O Novo Homem8, de tamanho bem
      mais considerável, e com a finalidade de retratar o deveríamos 
      aguardar de nossa regeneração, um volume in-oitavo. Este
      último tem precisamente grandes relações com o objeto 
      que vos interessa e sobre o qual acima vos expus as minhas idéias
      resumidas. As duas obras estão sendo impressas em Paris na tipografia 
      do Circulo Social, à rua do Teatro Francês, no 4.
      Não estou absolutamente envolvido nas despesas pecuniárias 
      desse empreendimento nem quero estar envolvido nos lucros,
      se os houver. Deixo tudo àquele que, por haverem feito o pagamento 
      adiantado, é deles o legítimo proprietário. Assim, 
      se
      vossa intenção é de adquiri-los, sabeis aonde deveis 
      dirigir-vos. Ecce Homo será impresso dentro de um mês, O Novo
      Homem não o será antes de dois ou três. O Novo Homem 
      já foi escrito há dois anos. Eu não o teria escrito, 
      ou tê-lo-ia escrito
      de outra forma, se tivesse tido então o conhecimento que adquiri 
      desde as obras de Jacob Böhme, autor alemão, cuja
      existência certamente conheceis. Não sou mais jovem, estando 
      bem perto dos cinqüenta anos, e foi nessa idade avançada
      que comecei a aprender o pouco de alemão que sei, unicamente para 
      ler esse incomparável autor. Há alguns meses
      consegui uma tradução inglesa de grande parte de suas obras, 
      pois o inglês me é um pouco mais familiar. É com franqueza,
      senhor, que reconheço não ser digno de desatar os cordões 
      das sandálias9 desse homem surpreendente, que considero a
      maior luz que já surgiu sobre a terra depois dAquele que é 
      a própria luz. Como sua língua não vos deve ser estranha,
      embora ele escreva com pouca regularidade, e sobretudo com pouca clareza, 
      exorto-vos, se para isso tiverdes tempo, a vos
      lançardes nesse abismo de conhecimentos e de profundas verdades, 
      e assim vereis como é real sincero o interesse que
      tomo por vosso progresso. Devo prevenir-vos, no entanto, que ainda há 
      dois pontos de sua doutrina sobre os quais não
      estou inteiramente seguro; mas não me pronuncio sobre isso até 
      que sejais iniciado na profundeza de seus princípios. Há
      uma edição alemã de suas obras feita em Amsterdam em 
      1682, extremamente rara. Mas no ano passado eu soube em
      Estrasburgo que estava sendo feita uma em Leipzig, a qual no momento deve 
      estar concluída. Se me derdes a honra de
      escrever-me, senhor, podeis endereçar vossas cartas à senhora 
      duquesa de Bourbon, em Paris. Mas, rogo-vos que
      suprimais de uma vez por todas o título de autor. Cabe-me apenas, 
      senhor, oferecer-vos a homenagem de meus sentimentos
      mais respeitosos. SAINT-MARTIN
      8 Le Nouvel Homme.
      9 João Batista, falando de Jesus: "mas no meio de vós 
      está quem vós não conheceis, o qual vem após 
      mim, do qual não sou
      digno de desatar-lhe as correias das sandálias." ( João, 
      1:26-27.)
      Carta 3 Morat, cantão de Berna, Suíça, 30 de junho 
      de 1792
      Senhor: Foi com a maior satisfação que recebi a carta que 
      tiveste a bondade de remeter-me no dia 8 deste mês. Os
      conselhos nela contidos e a esperança que me dais de continuarmos 
      a correspondência despertou-me o mais sincero
      reconhecimento. Creio que há graus medianos e subalternos em que 
      os conselhos e as indicações, assim como os livros
      escritos pelos eleitos, podem ser de mui grande utilidade, como instrumentos 
      secundários escolhidos pela Providência para o
      progresso dos homens. Por isso, tende a certeza de que sempre os respeitarei 
      os motivos que tiverdes para não transmitirme
      ainda a solução das perguntas que eu puder dirigir-vos. Há, 
      por exemplo, uma enorme quantidade de pontos importantes
      nos capítulos10 17 e 19 do Quadro Natural , sobre as quais, se um 
      dia o perm itirdes, tomarei a liberdade de fazer-vos
      diversas perguntas. Mas rogo-vos que a nossa correspondência não 
      dependa disso; um simples silêncio sobre esses pontos
      será uma resposta suficiente e não impedirá que o resto 
      de vossa carta tenha um preço mui alto para mim. A indicação 
      das
      obras saídas de vossa pena foi muito interessante para mim; confirmou 
      minhas próprias idéias sobre tais assuntos. Espero
      com ansiedade o Ecce Homo e o Novo Homem, que acabo de solicitar por carta 
      aos editores da tipografia do Círculo Social.
      16
      Irei a Berna no dia primeiro para tentar descobrir as obras de Jacob Böhme. 
      O que dissestes de bom sobre elas fará com que
      eu as leia com cuidado; sua língua é a minha língua 
      materna; e, durante alguns meses de permanência no campo, aqui, em
      Morat, espero encontrar tempo suficiente para lê-las com atenção. 
      Jamais as vi, a não ser por acaso, na juventude, mas sem
      as compreender e, o que não deveria ser mérito algum, sem 
      as julgar. Antes de entrar nas ocupações da vida pública,
      dediquei uma parte do meu tempo ao estudo da natureza, e é por esse 
      quadro natural que aprendi que os fenômenos físicos
      podem algumas vezes servir de tipo às verdades intelectuais. Relatarei 
      duas observações semelhantes, que servirão pelo
      menos para expor-vos as idéias que faço da regeneração 
      do homem, idéias sobre as quais peço-vos apresentar-me vosso
      julgamento. Quando queremos unir duas substâncias que por sua natureza 
      estão por demais afastadas para se unirem, é
      necessário juntar a elas uma terceira que tenha afinidade e analogia 
      com ambas. Assim, se quisermos unir óleo e água, é
      necessário juntar-lhes um álcali fixo, e então o óleo 
      e a água se misturam intimamente. Esse fato parece-me o tipo dos
      agentes intermediários; é necessário que os agentes 
      participem na natureza dos seres que devem unir e sejam a ela
      assimilados. O principal, o mais sublime, e, em certo sentido, o único 
      agente intermediário, é a causa ativa e inteligente. (I
      Carta a Timóteo, 2:5.)11 Além disso, creio-o eu, e fundo a 
      minha crença não apenas na analogia da natureza, mas nas
      Sagradas Escrituras mesmo, que a sabedoria divina serve-se ainda de agentes 
      ou de virtudes para que as palavras do Verbo
      sejam ouvidas no nosso interior. Uma das passagens mais marcantes sobre 
      este assunto é o versículo 20 do Salmo 103,
      que, segundo creio, é o de número 104 na versão da 
      Igreja católica romana12. A doutrina dos agentes intermediários 
      é, na
      minha opinião, tratada de maneira superior no Quadro Natural, e também, 
      mas não de maneira tão detalhada como nas
      obras de uma senhora francesa que, durante a vida, foi cruelmente perseguida, 
      ridicularizada e caluniada por ter sido amiga
      de Monsieur de Fénelon13, arcebispo de Cambrai, cuja retidão 
      e talentos feriam a ambição de Madame de Maintenon14 e o
      amor-próprio do Monsieur de Maux.
      Essa mulher extraordinária diz coisas admiráveis sobre as 
      virtudes no oitavo volume de sua Explicação do Novo Testamento,
      p. 114, obra bem pouco conhecida. Como a ação dos agentes, 
      ou das virtudes, é necessária para preparar nossa alma para
      a união total com o Verbo, prova-se, segundo creio, ainda muito bem 
      por uma passagem do profeta Malaquias, 3:1; item,
      pela Epístola ao Hebreus, 1:14 e pelo versículo 12 do Salmo 
      90, segundo vossa versão. Mas creio que seja principalmente
      em nossos corpos que eles exercem seus poderes; pois, se agem em nossos 
      espíritos, é também por causa da união da
      alma e do corpo que podem produzir, nas almas que lhe são unidas, 
      efeitos próprios a favorecer a eficácia da graça: uns 
      nos
      fornecendo pensamentos, os outros mostrando sua presença em nosso 
      coração, tomado no sentido físico, através de 
      uma
      sensação agradável, um calor suave que traz calma e 
      tranqüilidade à alma. Há pessoas que chamam a essa sensação 
      de
      sentimento da presença de Deus. Poderíamos chamá-lo, 
      penso eu, com mais precisão, de sentimento da presença dos
      agentes intermediários que fazem a vontade de Deus. Creio que nos 
      apercebemos dessa reação das virtudes também
      quando buscamos o Verbo, não fora de nós, mas dentro de nós 
      mesmos, e lançamos um olhar intelectual no templo que ele
      habita. João, 14:20; I Coríntios, 6:19. Creio que com o tempo, 
      continuando nessa adesão ao Verbo, podemos, com a ajuda
      dessas mesma virtudes, ultrapassar a sensação da presença 
      percebida e nos unirmos ao próprio Verbo. I Cor., 6:17. Creio
      também que, durante os momentos da presença percebida, não 
      seríamos capazes de fazer qualquer coisa que pudesse
      desagradar à causa ativa e inteligente e que esse exercício 
      nos ofereça a nutrição da alma, que nos vem pelo canal 
      das
      virtudes. Para nos facilitar o mais possível nossa união com 
      os agentes intermediários que são nossos amigos, nosso auxílio
      e nossos condutores, creio que é necessário haver uma grande 
      preza do corpo e da imaginação, um distanciamento de todo
      o que possa degradas nos organização, assim como uma grande 
      sobriedade física e moral, que todo homem sensato já se
      esforça em observar por hábito, enquanto que, por outro lado, 
      um uso prudente dos objetos da natureza aumente, talvez, as
      nossas faculdades da alma em vez de determiná-las. Por exemplo: a 
      respiração do ar puro, vital e deflogístico que sai 
      das
      folhas de uma árvore iluminada pelo sol da manhã reanima nosso 
      ser; além do fato de que sempre me pareceu a luz natural
      elementar podia talvez tornar-se o envoltório dos agentes benfazejos 
      em algumas de suas manifestações; mas a respeito
      disso apenas balbucio. Se julgardes conveniente, dai-me vossa opinião 
      a respeito desse objeto. Ao lado dos cuidados físicos,
      há qualidades habituais da alma que me parecem ser as disposições 
      mais essenciais para entrar em ligação com os seres
      benfeitores que, desde a queda do homem, tornaram-se tão necessários 
      à sua reabilitação. A principal parece-me ser uma
      aniquilamento profundo diante do Ser dos seres, não conservando outra 
      vontade além da sua, entregando-nos a ele com um
      abandono se limites e uma confiança sem fronteiras; não tendo 
      senão um único mas indestrutível desejo de superar 
      todos
      esses obstáculos que há entre a luz e nós. Podeis ver, 
      senhor, que vos faço uma profissão de fé ao vos expor 
      minhas idéias
      sobre o caminho a ser feito para atingir nosso grande alvo. Vossa experiência, 
      que vos torna capaz de conhecer os escolhos
      da estrada, vossos sentimentos respeitáveis e vosso desejo de estender 
      o reino de nosso Chefe, asseguram-me que não vos
      recusareis a indicar-mos e considerarei cada uma de vossas cartas como um 
      favor. Vossa imagem dos jardineiros, daquele
      que planta e dos que regam é consoladora e sublime porque, para felicidade 
      da humanidade, é verdadeira. Reservo para
      outra carta, pois esta já vai um tanto longa, uma segunda observação 
      sobre a natureza elementar, que forma um tipo mais
      impressionante ainda para produzir um efeito oposto, ou seja: para dividir 
      o que está unido, e pode tende a separar o homem
      do zero no qual está encravado. Aguardando ma palavra de vossa parte, 
      permiti-me que vos diga que minha alma sente-se
      atraída para a vossa e que nada é mais sincero do que os sentimentos 
      de respeito que sempre nutrirei por vós.
      KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      10 Ou capítulos,
      11 "Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre 
      Deus e os homens, Cristo Jesusm homem."
      17
      12 Há uma diferença de numeração na Vulgata, 
      entre os salmos X e XX. Os Salmos A e B vêm unidos e o Z é 
      divido em Y e
      Z. Na igreja católica, usa-se a numeração N. o Barão, 
      como suíço, deveria ser calvinista, ou de qualquer modo ter
      conhecimento da diferença citada.
      13 Prelado e escritor francês (1651-1715). Conhecido por sua ação 
      apostólica e seu Traité de l'éducation des filles (Tratado
      sobre a educação das moças). Suas Maximes de saints 
      (1697), favoráveis ao quietismo foram condenadas pela Igreja. O
      quietismo é uma doutrina mística baseada nas obras de Molinos, 
      padre espanhol, a qual fazia consistir a perfeição cristã 
      no
      amor de Deus e na quietude passiva e confiante da alma. Foi difundido na 
      França por Madame de Guyon.
      14 (1635-1719) Preceptora dos filhos do rei Luís XIV, casou-se com 
      ele após a morte de Maria Teresa, em 1684. Morto o rei,
      retirou para a casa de Saint-Cyr, que fundara para a educação 
      de jovens nobres e pobres.
      Carta 4 Paris, 12 de julho de 1792
      Certamente, senhor, há graus medianos em que os conselhos e os livros 
      são úteis, mas eles o são somente para descobrirnos
      o lugar que ignoramos; compete em seguida aos nossos esforços e à 
      nossa experiência conduzir-nos a ele. Farei tudo o
      que estiver em mim para responder às vossas perguntas e minha reserva, 
      se um dia a tiver, será sempre para o vosso maior
      bem. Não tenho diante de mim o Quadro Natural, mas tende a bondade 
      de citar por inteiro as passagens sobre as quais
      desejais esclarecimentos. Encanta-me saber que estais ocupado com as ciências 
      naturais. É uma excelente introdução às
      grandes verdades. É por esse meio que elas transpiram e, além 
      disso, as ciências naturais acostumam o espírito à precisão
      e à exatidão, o que é muito importante nos objetos 
      superiores que, pelo distanciamento em que nos encontramos no mundo,
      podem expor-nos a equívocos bem perniciosos. Vossa lei de afinidade 
      química é uma lei universal que já sentistes muito
      bem para que eu tenha necessidade de fazer-lhe o desenvolvimento. A natureza, 
      o espírito, o reparador, eis os diferente
      álcalis fixos que nos são dados para nossa nova união 
      com Deus, pois o nosso pecado primitivo fez de nós uma substância
      bem heterogênea para o supremo princípio. Creio como vós, 
      senhor, que a sabedoria divina se serve de agentes e de
      virtudes para que seu verbo seja ouvido no nosso interior; também 
      devemos acolher com cuidado todo o que é dito em nós.
      Madame Guyon15, de quem me falais, escreveu muito bem sobre isso, segundo 
      que se diz, pois não a li. Acreditais que é
      principalmente no nosso corpo que eles agem. Há alguns desses agentes 
      e virtudes para essa parte interior de nós mesmos,
      mas a obra deles detém-se aí, devendo limitar-se à 
      preservação e à manutenção da forma em 
      bom estado, coisa na qual os
      ajudamos muitos pelo nosso regime de sabedoria física e moral. Mas 
      evitemos depender por demais neles, pois possuem
      vizinhos que agem também nessa mesma região e que só 
      deejam é apoderarem-se de nossa confiança, coisa que estamos
      bem dispostos a outorgar-lhes em razão dos socorros exteriores que 
      nos fornecem, ou que, com mais freqüência ainda,
      contentam-se em nos prometer. Não considero, pois, tudo o que se 
      relaciona a essas vias exteriores senão como prelúdios
      de nossa obra, pois como nosso ser é central, deve encontrar, no 
      centro em que nasceu, todos os socorros necessários à
      sua existência. Não vos escondo que caminhei outrora por essa 
      via fecunda e exterior pela qual me abriram a porta da
      carreira. O que aí me conduzia tinha virtudes mui ativas e a maior 
      parte daqueles que o seguiam comigo receberam
      confirmações que podiam ser úteis à nossa instrução 
      e ao nosso desenvolvimento. Apesar disso, sempre senti em mim um
      pendor muito grande para a vida íntima e secreta, já que a 
      via exterior de outra forma não me havia seduzido, mesmo em
      quando eu era muito jovem, pois foi na idade de 23 anos que tudo sobre isso 
      me foi revelado. Assim, no meio de coisas tão
      atraentes para os outros, entre os meios, as fórmulas e os preparativos 
      de todo gênero, aos quais nos entregavam, por
      várias vezes aconteceu-me dizer ao nosso mestre: Como, mestre, é 
      necessário tudo isso para chegar ao bom Deus? E a
      prova de que tudo aquilo não passava de substituição, 
      é que o mestre nos respondia: É preciso contentar-se com o 
      que se
      tem. Sem querer, pois, desprezar a ajuda que podem vir de tudo o nos cerca, 
      cada uma em seu gênero, exorto-vos somente
      a classificar as potências e as virtudes. Todas têm o seu departamento. 
      Somente a virtude central estende-se por todo o
      império. O ar puro, todas as boas propriedades elementares são 
      úteis ao corpo, mantendo-o numa situação vantajosa 
      às
      operações de nosso espírito. Mas depois que o nosso 
      espírito conquistou, pela graça do alto, suas próprias 
      medidas, de
      simples servidores que eram anteriormente, os elementos tornam-se seus súditos, 
      e até mesmo seus escravos. Vede o que
      eram o apóstolos. Não creio como vós, senhor, que a 
      luz elementar se torne o envoltório dos agentes benfeitores em suas
      manifestações; eles têm a sua própria luz, que 
      está escondida nos elementos. Nosso amigo Jacob Böhme nos dá 
      sobre isso
      tão grandes perspectivas que vos remeto a ele com confiança, 
      estando bem certo que elas vos satisfarão. É um dos pontos
      de sua obra que maior prazer me causou e que concorda perfeitamente com 
      as instruções que recebi outrora em minha
      Escola. Mas concordo inteiramente convosco sobre as disposições 
      essenciais para progredir na carreira, as quais, como
      muito bem dizeis, consistem num aniquilamento profundo diante do Ser dos 
      seres, não conservando outra vontade senão a
      sua, entregando-nos a ele com um abandono sem limites e uma confiança 
      sem fronteiras. E acrescentarei, suprimindo em
      nós qualquer boa tendência do homem e reduzindo-nos (permiti-me 
      a comparação) ao estado de um canhão que espera que
      alguém lhe venha colocar a mecha. Quanto ao assunto de Böhme, 
      senhor, presumo que tereis alguma dificuldade em
      acompanhá-lo no que ele chama de primeiro princípio: ainda 
      mais que ele se anuncia para falar como criatura de uma coisa
      que não é criatura e que, além disso, expõe 
      algumas vezes esse primeiro princípio de uma maneira que me pareceu
      revoltante. Mas, para ajudar-vos, eu vos rogo, quando estiverdes em dificuldades, 
      para reler sua obra Von den drey
      principien16, cap. I §§ 4, 5 e 6. Estes três números 
      costumam ser-me são muito úteis e imagino que o serão 
      também para
      vós, e é por isso que vo-los indico. Receberei com prazer 
      a carta que me prometeis, com a vossa segunda observação sobre
      a natureza elementar. Darei a minha opinião sobre ela, como sobre 
      a primeira, submetendo o todo ao vosso bom e sábio
      18
      julgamento. Estou feliz de ver que minha alma encontra uma amiga agradável 
      junto à vossa. Retribuo-vos com toda
      sinceridade. Adeus, senhor, deixo-vos sem cerimônia para indicar, 
      no pouco espaço que me resta, duas obras sobre o
      caminho íntimo e secreto. São ambas escritas em vossa língua, 
      e ambas estão na Histoire de l'Église e des Hérétiques,17 
      de
      Arnold, 3 volumes, in-fólio. O primeiro chama-se Récit de 
      la Direction spirituelle d'un grnd témoin de la vérite, qui 
      vivait dans
      les Pays-Bas, vers l'an 1550, et qui, par ses écrits, est connu sous 
      le nom hébreu de Hiel18. Tomo II, de Arnold, 3 a parte,
      cap. 3, §§ 10, 27, p. 343. O segundo chama-se Discurso de Jane 
      Leade19 (de nacionalidade inglesa) sobre a Difere nça das
      revelações verdadeiras e das revelações falsas, 
      encontrando-se no prefácio do dito Puits du Jardin20 (Gartenbrunn), 
      que
      apareceu em Amsterdam em 1697. Tomo II, de Arnold, 3a parte, cap. 20, p. 
      519. Foi um conhecimento fraternal que fiz em
      Estrasburgo quem me enviou essas duas obras traduzidas em francês 
      por sua própria mão. Não sou muito forte em alemão
      para lê-las no original. Causaram-me grande prazer, sobretudo a última.
      15 Jane-Marie Bouvier de la Motte (1648-1717), mística francesa, 
      acusada de quieti smo quando da publicação de sua obra
      Moyen court et très facile por l'oraison (Meio curto e muito fácil 
      par a oração). Defendida algum tempo por Fénelon, foi 
      presa
      em 1698 e exilada em 1703.
      16 Dos três princípios . Há títulos que são 
      ditados ora em frandes, ora em alenao. O ptou-se pela tradução 
      em português,
      exceto de Gartenbrunn/Puitos du Jardin (A Fountain of Gardens, jamais citada 
      em inglês.).
      17 Em francês no original. O título completo é: História 
      imparcial das Igrejas e das Heresias . Arnold, Gottfried, pastor e
      historiador alemão (1665-1714).
      18 Idem: Narrativa da Direção espiritual que uma grande testemunha 
      da verdade, que viveu nos Países Baixos cerca de
      1550 e que, por seus escritos, é conhecido pelo nome hebraico de 
      Hiel
      19 O original traz Jeanne, tradução de Jane para o francês. 
      O título também vem tr aduzido para o francês. O sobrenome
      aparece cmo Leade, mas nas edições inglesas é Lead.
      20 Fonte do Jardim. Saint-Martin cita-o em francês (Puis du Jardin) 
      e Kirchberger em alemão (Gartenbrunn). O original inglês
      chama-se A Fountain of Gardens.
      Podeis escrever-me diretamente a Paris, para o endereço que já 
      vos dei, sem que as cartas passem por Lyon. Datei como
      Paris, embora neste momento esteja no campo. Enviovos também esta 
      carta a Berna, embora a vossa esteja datada de
      Morat. Se for preciso corrigir isso, dizei-mo por favor. SAINT-MARTIN
      Carta 5 Morat, 25 de julho de 1792
      Recebei meus agradecimentos, senhor, pela interessante carta que houvestes 
      por bem enviar-me no dia 12 deste mês.
      Fiquei extremamente tocado pela presteza com a qual respondestes à 
      minha. A indicação de um país novo pelo qual se pode
      passar para se atingir o alvo é já uma benefício muito 
      grande para o viajor. Certamente cabe-lhe superar os obstáculos que
      encontra no caminho, sendo por demais feliz se esses lhe foram anunciados 
      da mesma forma que os encorajamentos que
      pode esperar. Creio que se, segundo as indicações de um observador 
      experimentado e profundo, o viajor que empreender a
      passagem da Baía de Hudson para Nootka-Sund, a princípio encontrará 
      gelos que deverá romper a golpes de machado, ou
      talvez bancos de areia, dos quais só conseguirá afastar-se 
      com alavancas; mas, uma vez que estiver em plenas águas, terá
      apenas que abrir as velas para vogar. Todo o risco que correr serão 
      ainda alguns pequenos escolhos e ventos que são
      quase como o verdadeiro bom vento e que poderiam desviá-lo; mas, 
      com a ajuda das indicações recebidas, com um bom
      piloto e uma bússola, saberá discerni-los. Falei-vos das obras 
      de Madame Guyon, sem as quais creio não me teria sido de
      modo algum possível compreender várias passagens de Dos Erros 
      e da Verdade e do Quadro Natural. Isto é tanto mais
      notável por jamais as haverdes lido; mais que isso: encontra-se um 
      conformidade perfeita ente a explicação importante do
      quadro de Elias, pp. 7 e 8, Tomo II do Quadro Natural, e várias passagens 
      de Madame Guyon. Eis como é explicado o
      Quadro Natural: "Estando Elias na montanha, reconheceu que o Deus do 
      homem não estava no vento violento, nem no
      tremor do ar, nem no fogo grosseiro e devastador21, mas numa brisa22 doce 
      e suave, que anuncia a calma e a paz cuja
      sabedoria preenche todos os lugares de que se aproxima; e realmente é 
      um dos mais seguros sinais para se desenredar a
      verdade da mentira." Ora, isso é o resumo do tudo o que Madame 
      Guyon diz de melhor sobre a instrução de Elias. Existe a
      mesma conformidade sobre outros pontos essenciais entre Madame Guyon e Jacob 
      Böhme, do qual consegui descobrir um
      volume in-quarto. Tal semelhança me surpreendeu muito, pois estou 
      moralmente certo de que Madame Guyon jamais soube
      uma palavra de alemão e que é impossível que nosso 
      amigo Böhme tenha lido Madame Guyon, pois ela nasceu uns vinte
      anos após a morte de nosso filósofo teutônico. Existem 
      pessoas para quem a leitura das obras teosóficas seria um alimento
      por demais forte, e às quais se poderia, caso haja ocasião, 
      indicar as obras de Madame Guyon para fazê-las amar o espírito
      do cristianismo; mas creio que as obras começam a tornar-se raras 
      na França. Fiquei sabendo que pessoas bem
      intencionadas, na Suíça, mandaram reimprimir uma edição 
      completa há dois anos, encontrada na L. Luguiens, uma livraria
      em Lausanne. Parece-me que suas obras principais são suas cartas, 
      sua explicação do Antigo e do Novo Testamentos e sua
      vida, escrita por ela própria. Um intervalo ainda mais ao alcance 
      das pessoas do mundo do que as obras de Madame Guyon
      parecem ser as Cartas Espirituais de Fénelon, impressas em quatro 
      volumes, em 1767, encontradas em Paris e Lyon.
      Essa coleção contém algumas cartas do duque de Borgonha23 
      ao duque de Beauvilliers, que, s egundo minha opinião, são
      obras-primas para que aqueles que estão no meio do mundo e dos negócios 
      amem e pratiquem a religião. Monsieur de
      19
      Fénelon não foi canonizado pela cúria de Roma, mas 
      sê-lo-á no coração de todas as pessoas decentes 
      que lerem suas
      obras. Tivestes a gentileza, senhor, de dizer-me em vossa última 
      carta coisas muito interessantes sobre as potências e a
      necessidade de classificá-las; mas, para classificá-las, seria 
      necessário enumerá-las. Ora, isso para mim é um domínio
      inteiramente novo no qual não conheço ninguém. Assim, 
      receberia com reconhecimento todos os ensinamentos que
      julgásseis adequados transmitir-me sobre tais assuntos. A observação 
      sobre as visões surpreendeu-me sobretudo. Não
      duvido de que, na escola de que me fazeis menção, o mestre 
      não tenha dado idéias suficientes para se discernirem as
      potências favoráveis daquelas que não o são. 
      Imagino que haja manifestações exteriores e interiores e que 
      em ambas
      podem as visões insinuar-se; assim é importante poder discerni-las 
      são. Creio que o melhor remédio para nos pormos ao
      abrigo de qualquer influência desfavorável é a confiança 
      total no amor e no poder do grande princípio, confiança diante 
      da
      qual as visões desaparecerão como as sombras diante da aproximação 
      do sol. A escola pela qual passastes durante vossa
      juventude lembra-me um conversa que tive, há dois anos, com uma pessoa 
      que vinha da Inglaterra e que tinha relações com
      um francês, Monsieur de Hauterive, que lá habitava. Esse Monsieur 
      de Hauterive, de acordo com o que ela me disse, gozava
      do conhecimento físico da causa ativa e inteligente, que atingia 
      depois de uma seqüência de diversas operações
      preparatórias, e isso durante os equinócios, mediante uma 
      espécie de desorganização na qual via seu próprio 
      corpo sem
      movimento, como que desligado da alma; mas que essa desorganização 
      era perigosa por causa das visões que têm então
      mais poder sobre a alma assim separada de seu envoltório que lhe 
      servia de escudo contra a ação delas. Poderíeis dizer-me,
      pelos preceitos de vosso antigo mestre, se os procedimentos de Monsieur 
      de Hauterive são erro ou verdade? Outro fato é o
      da senhora marquesa de Lacroix, que deve ter apresentado manifestações. 
      Disseram-me que elas lhe aconteciam mesmo
      em sociedade e que ela interrompia a conversa para escutar o que lhe era 
      dito por amigos de outro círculo. Certamente já
      ouviste falar de Madame de Lacroix. Estava ela na ilusão ou na verdade? 
      Estou inteiramente de acordo convosco: "Como
      nosso ser é central, deve achar no centro em que está todos 
      os socorros necessários à sua existência." O alvo 
      de nossos
      desejos é nos aproximarmos desse centro nesta vida mesma; entre esse 
      centro e nós, há intermediários, obstáculos 
      a vencer
      e socorros a receber. A voz íntima e secreta, certamente é 
      essa a grande questão. Uma disposição que me parece 
      propícia a
      isso é encarar as virtudes secundárias como agentes, e não 
      como distribuidoras das graças, receber o que nos dão com
      reconhecimento pelo grande doador, mas dirigir nossa alma e nosso culto 
      à fonte, ao próprio grande princípio. Um dos
      grandes meios de reconciliação, segundo penso, que ele nos 
      indica, é fazer-lhe a vontade. Ora, fazer-lhe a vontade é
      precisamente assimilar-se aos seus agentes, facilitandolhes com isso as 
      suas operações em nós. Quanto às manifestações,
      sejam interiores ou exteriores, considero-as como meios para aumentar a 
      nossa fé, nossa esperança e nossa caridade, que
      são as vantagens de um preço inestimável; mas, ainda 
      a respeito disso, entreguemo-nos à vontade suprema. Se ela julgar
      adequado abrir-nos os olhos, fá-lo-á; caso contrário, 
      o caminho da fé sem uma luz distinta não pode desagradar ao 
      grande
      princípio. Felizes daqueles que não viram e creram. Dizeis-me 
      extremamente bem: "Depois que o nosso espírito conquistou,
      pela graça do alto, suas próprias medidas, de simples servidores 
      que eram anteriormente, os elementos tornam-se seus
      súditos; e até mesmo seus escravos." Nosso espírito 
      conquista suas próprias medidas, o que me parece, quando não
      vivemos mais de nossa própria vida e o Verbo vive em nós em 
      toda a sua plenitude, absorvendo todas as nossas faculdades,
      que nosso espírito se perde, por assim dizer, no seu.24 É 
      o grau mais elevado atingido pelo homem a que podemos chamar
      consumação em unidade. Então não mais somos 
      nós que agimos, mas é o Criador quem age por nós, quem 
      comanda os
      elementos. Que esse estado apostólico se torne possível ainda 
      em nosso tempo é coisa de que não duvido um só instante;
      não somente a razão, mas também a experiência 
      no-lo prova. Citarei apenas um exemplo: Quando o padre Lacombe
      atravessava o lago de Genebra, ergueu-se uma tempestade tão violenta 
      que os barqueiros não tinham esperança alguma.
      Então o padre Lacombe ordenou que as ondas se acalmassem, e ao mesmo 
      tempo elas se acalmaram. Esse fato foi
      relatado por uma testemunha ocular, cuja probidade está acima de 
      qualquer suspeita.25 V. a vida de Madame G., que não
      está comigo agora, mas creio que se encontre no segundo volume. Destes-me 
      conhecimento de uma idéia muito
      interessante informando-me de que os agentes benfeitores se servem de uma 
      luz deles mesmos para suas manifestações,
      luz que está oculta nos elementos. O pouco de conhecimentos físicos 
      que tenho proporciona-me essa abertura que não se
      poderia desejar mais verossímil. Tende a bondade de indicar-me o 
      tratado particular de J. B.26 onde se enco ntra tal
      asserção. Recebei meus agradecimentos mais sinceros pela indicação 
      de suas obras. Mais acima eu vos indiquei que havia
      descoberto um volume in-quarto de suas obras, numa edição 
      de 1675; mas no momento em que escrevo, acabo de receber
      ainda três volumes in-oitavo de uma bela edição de 1682. 
      Transcreverei os títulos de cada tratado que possuo para que
      possais buscar referências neles para os esclarecimentos que julgardes 
      adequado transmitir-me, e também, caso encontreis
      algumas linhas ou expressões que vos chamem a atenção, 
      que eu vos possa, da melhor maneira possível, traduzi-las em
      francês, embora para bem traduzi-las seja difícil e talvez, 
      em vários aspectos, acima de minhas forças.
      21 O livro de I Reis, 19:11-12 fala de um forte vento, terremoto e fogo.
      22 Um cicio, em outra versão.
      23 Fénelon foi seu preceptor.
      24 Observação da tradutora: Este trecho remete a São 
      Paulo: "
logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo 
      vive em mim, e
      esseviver que agora tenho na carne, vivo pela fé no filho de Deus
" 
      (Gálatas, 2:20.) E em Atos: "Pois nele vivemos, nos
      movemos e existimos." 17:28.)
      25 Veja-se o ocorrido com Jesus. (Mateus, 8:23-27; Lucas, 8:22-25.)
      26 Jacob Böhme.
      20
      EDIÇÃO DE 1675, PUBLICADA POR FRANCKENBERG
      I. Jacob Böhme Lebensbeschreibung.
      II. Weg zu Christo in sechs Büchern.
      III. Pforte von göttlicher Beschauligkeit. Was Mysterium Magnum sey, 
      etc.
      IV. Trost-Schrift. Von der Vier complexionen.
      V. Send-Brief: 1o Was ein Christ seye; 2o Von Tödtung des Anti-Christs 
      in uns selbst.
      VI. Zwey von Chisti testamenten: 1o Von der Heil. Tauffe; 2o Von dem heil. 
      Abendmalhle.
      VII. Von sechs Puncten. Hohe und tieffe Gündung. Eine offene Pforte 
      aller Heimligkeiten des Lebens.
      VIII. Clavis oder Schlüssel etlicher wornehmen Puncten und Wörter, 
      so in Allen des Authoris Bücheren zu finden.
      IX. Tabula principiorum, von Gott und von der grossen und kleinen Welt. 
      (Vêm anexadas três tabulas.)
      X. Weissagungen as der glorwürdigen Jesu-Monarchie, aus L Böhmes 
      Schriften gezogen von Kulman.
      XI. Beschreibung des dreyfachen Lebens des Menschen.
      XII. Dialog zwischen einer dürstenden Seelen nach der Quelle des Lebens 
      und einer erleuchteten Seele. (Este último tratado
      parece ser de Franckenberg.)
      EDIÇÃO DE 1682, DA QUAL SÓ TENHO PRESENTEMENTE 3 VOLUMES 
      IN-QUARTO.
      I. Von der Genade-Wahl, das ist: wie der Mensch zu göttlicher Erkanntnüss 
      gelangen moege.
      II. Von den sechs Puncten.
      III. Die kleine Puncten.
      IV. Vom irdischer und himmlischen Mysterio, in 9 Texte.
      V. Betrachtung göttlicher Offenbarung in 177 Teosophischen Fragen vorgestelt.
      VI. De signatura rerum.
      VII. Clavis oder Schlüssel etlicher wornehmen Puncten und Wörter, 
      so in Allen des Authoris Bücheren zu finden.
      VIII. Einige speziale claves velche J. B. senen vertrauten Freuden mitgethteilet 
      hat.
      IX. Tabula principiorum.
      X. Viertzig Fragen von der Seelen.
      XI. Vom Dreyfachem Leben des Menschen, (Muito mais extenso do que na edição 
      de 1675.)
      XII. Teosophische Send-Briefe.
      XIII. Bedencken über Esaiae Stiefel Büchlein.
      XIV. Apologien wider Es: Stiefel, wider Balthasar Tilken, wider Gregorius 
      Richter
      O pouco que vi nessa obras me surpreendeu. Encontrei, sobre pontos diferentes, 
      uma solidez e uma clareza notáveis; sobre
      outros assuntos, uma obscuridade que me teria detido imediatamente se não 
      houvésseis encorajado. É verdade que Jacob
      Böhme é o homem mais espantoso de seu século. Falta-me 
      ainda a 1a Aurora, sua obra Von den 3 Principien, recomendada
      por Arnold como a verdadeira introdução às suas obras; 
      - Die 3 Bücher von der Mensch werdung Jesu-Christi27. Encarreguei
      alguém na Alemanha para descobrir para mim. Hiel e Jane Leade, que 
      tivestes a bondade de indicar-me, são dois novos
      conhecimentos pelos quais peço que aceiteis meus agradecimentos. 
      Além disso, Arnold contém coisas muito notáveis em
      sua História da Igreja e dos Hereges; ele próprio era um homem 
      muito interessante e instruído. Já li uma de suas obras com
      o título Die Geheimnisse der Göttlichen Sophia28, 1700, in-oitavo, 
      que me parece ter saído de boa fonte. Sua História da
      Igreja é incomparavelmente mais fácil de ser compreendida 
      por um estrangeiro do que os escritos de nosso amigo B. minha
      edição de sua História da Igreja, que adquiri por indicação 
      vossa, é em 4 volumes, in-fólio, 1700. O quarto tomo contém
      documentos e tratados, seja por inteiro ou em citações. Nesse 
      4o. tomo, seção 3, § 9, encontra-se um resumo de várias
      obras de Hiel, cujo nome verdadeiro é Henri Janson, nascido nos Países 
      Baixos. Viveu por volta de 1550. Toda esta parte
      dos conhecimentos humanos é tão interessante que proponho-me 
      destinar-lhe todo o tempo que me for possível; e se não
      deixardes de me proporcionar vossas orientações, espero que, 
      com a ajuda de Deus, isso não deixe de ter resultado. Vós
      aprovais a regra que creio ser a mais essencial para prosseguir na luz; 
      é esta a porta estreita pela qual pouca gente passa.
      Madame Guyon chama o que se opõe a essa supressão de propriété29, 
      e nosso amigo B. de Die selbheit30. Peço-vos
      observar que há sem elhança entre essas duas terminologias 
      sem que eles tenham sabido quem quer que coisa um do
      outro. Receberei com reconhecimento tudo o que quiserdes indicar-me sobre 
      esses assuntos e os caminhos que a eles
      conduzem. Minha presente carta já está tão longa que 
      deixarei as citações do Quadro Natural e minha segunda observação
      sobre a natureza elementar para outro correio. Hoje entreguei-me ao prazer 
      de conversar convosco.
      Não conheço outro maior, senão o de receber vossas 
      cartas. Dada a bondade com a qual entrais em cada detalhe que tomo
      a liberdade de vos propor, ouso esperar que nossa correspondência 
      não termine tão cedo. Sinto-me feliz igualmente por
      acalentar com um esperança bem doce, a esperança de que "o 
      mesmo centro nos aproximará cada vez mais", com a certeza
      de que as verdadeiras ligações e as únicas duráveis 
      neste mundo, são aquelas que se fundam no amor do grande princípio,
      que adoramos a ambos. P.S.: Tende a gentileza de endereçar vossas 
      cartas a Morat. Permaneço aqui durante a primavera e
      o verão. E até o fim do outono, somente assuntos essenciais 
      é que me farão deixar este local e isso nunca tomará 
      mais do
      que por um pequeno intervalo de três ou quatro dias. KIRCHBERGER DE 
      LIEBISTORF
      21
      27 Os Três Livros sobre a Encarnação de Jesus Cristo.
      28 O Misterio da Divina Sophia. Em alemão no original.
      29 Propriedade.
      30 Individualidade. A ortografia de vem respeitada Böhme, deixando-se 
      em minúsculo as inicias dos substantivos e só as
      empregando quando ele as emprega.
      Carta 6 Paris, 11 de agosto de 1792
      Só posso escrever-vos uma palavra, senhor, nas circunstâncias 
      presentes que o rumor público certamente fará chegar ao
      vosso conhecimento.31 Encontro-me sem poder sair de Paris, tendo vido aqui 
      para prestar assistência a uma irmã que tenho
      e que aqui passava, e não sei quando sairei daqui nem se sairei. 
      Preciso de todas as minhas faculdades para enfrentar à
      tempestade. Também não tenho tempo para responder à 
      vossa carta de 25 de julho, o que ficará para outra ocasião. 
      Dir-vosei
      somente que conheci Monsieur de Hauterive e que fizemos um curso juntos. 
      Também conheci Madame de Lacroix. Ambas
      são pessoas de grande mérito. Quanto ao assunto da luz oculta 
      nos elementos, lede a epístola de no 47 de Böhme, 13, 16.
      Quando tiverdes os Três Princípios, lede o cap. 15, nos 48, 
      52 e caps. 10, 41. Adeus, senhor, em outra ocasião falarei mais
      longamente sobre isso. Podeis, no entanto, escrever-me se tiverdes qualquer 
      coisa a e comunicar, e receberei vossas cartas
      com prazer. Mas nelas falai apenas do nosso objeto. SAINT-MARTIN
      Carta 7 Sábado, 25 de agosto de 1792
      A última carta que tivestes a bondade de enviar-me livrou-me de grande 
      inquietação. Tende a certeza, senhor, de que senti
      todo o valor do momento em que a escrevestes. Eu estava pouco a pouco acostumando-me 
      a receber notícias vossas quase
      à mesma época, de modo que cada remessa de correio que não 
      me trazia nada teria aumentado ao infinito a minha
      inquietação. Não tenho necessidade de dizer-vos, senhor, 
      quantas preces fiz por vós e pelos vossos. Iniciarei a presente
      carta com uma segunda observação sobre a natureza elementar. 
      Minha primeira observação exprimia uma lei que indica a
      junção de duas coisas separadas; a segunda parece-me ser o 
      tipo da separação de duas coisas unidas. Quando queremos
      decompor uma substância cujas partes integrantes então em união 
      íntima e em proporção completa, então essa união 
      resiste
      a todos os meios analíticos usuais, parecendo uma exceção 
      às leis conhecidas das afinidades. Em semelhante caso, não
      resta ao artista tomar outra atitude senão alterar as proporções 
      dando preponderância prévia a uma de suas partes
      constituintes. Feita a alteração, são aplicadas as 
      afinidades e executada a decomposição. Eis um exemplo: o vidro, 
      como
      todos sabem, compõe-se de álcali fixo e de terra vitrificável. 
      Embora o álcali tenha um afinidade bem maior com os ácidos 
      do
      que com a terra vitrificável, seria, no entanto, em vão que 
      exporíamos o vidro à ação dos ácidos 
      com a intenção de decompôlo.
      Porque essas duas partes integrantes adquiriram, através da ação 
      do fogo, uma proporção exata e uma ligação tão 
      íntima
      que ele resiste a todos os meios ordinários. Para se conseguir êxito, 
      é preciso alterar as proporções pulverizando-se o vidro,
      cozendo-o e macerando-o em óleo de tártaro. Pouco a pouco 
      o álcali torna-se fosco com o vidro, então aproximamos os
      ácidos e a decomposição se faz porque a proporção 
      original foi alterada. O ácido se apodera não somente do álcali
      adicionado, mais ainda daquele que se encontrava primitivamente no vidro, 
      de modo que todas as partes salinas separam-se
      da terra que as mantinha como que acorrentadas. O meio, aliás, é 
      assaz pouco conhecido e não há, talvez, quatro químicos
      franceses que tenham ouvido falar nesse assunto, pelo menos jamais encontrei 
      qualquer vestígio a respeito disso. Deixo
      para vós a aplicação às verdades intelectuais 
      e vossa explicação me dará grande prazer. Quanto às 
      perguntas sobre o
      Quadro Natural, começo a perceber que ainda sou por demais ignorante 
      para fazê-las, deixando a vossa bondade para
      outras ocasiões. Como ainda não recebi os Três Princípios, 
      de nosso amigo B., não pude comparar as passagens sobre a luz
      oculta nos elementos, que tivestes a gentileza de me indicar. Mas, nessa 
      ocasião, encontrei, epístola no 46 de B. 37, 38, um
      artigo que me parece muito importante: é uma espécie de eucaristia 
      intelectual que me impressionou muito porque encontrei
      vestígios dela em outros locais. É a fome e a sede da alma 
      que, havendo entrado na graça do reparador, e sendo por ele
      recebida, tornou-se substancial. B. chama a essa substância de Sophia, 
      a sabedora essencial ou o corpo do reparador.
      Pordage, médico inglês e discípulo de B., cujas obras 
      recebi acidentalmente quando indagava acerca das obras de nosso
      amigo, crê que essa sabedoria substancial é o precursor de 
      Jesus Cristo na alma, uma virtude separada do ternário sagrado,
      que, no entanto, só age pela vontade desse sagrado ternário, 
      e, em conseqüência, age somente por essa sabedoria. Essa
      sabedoria, diz Protage, não é um anjo, mas uma virtude angélica, 
      e ultrapassa todas as virtudes dos anjos e dos homens. É
      ela que destrói nossas impurezas, nossa vaidade nossa propriedade. 
      É ela que nos regenera. Tem origem diretamente no
      princípio eterno. É o espírito reparador do qual nos 
      fala São Paulo (Romanos, 8:9)32. Rogo-vos dizer-me o que pensais
      dessa passagem de B., epístola 46, §§ 37,38, edição 
      de 1682. Tivestes a bondade de dar-me esclarecimentos referentes a
      Monsieur de Hauterive e Madame de Lacroix que me deram grande prazer, porque, 
      de acordo com opiniões recebidas, havia
      concebido uma alta estima por Madame de Lacroix. A partir da minha carta 
      de 25 de julho tive uma grande satisfação. Recebi
      o Ecce Homo; ao lê-lo, agradeci do fundo do coração 
      à boa Providência por haver posto em vosso coração 
      escrever-me, e
      gostaria de agradecer-vos em nome de meus irmãos aos homens, por 
      lhes terem tão bem detalhado seu aviltamento e sua
      vergonha. De todo o mal que haveis falado sobre a espécie em geral, 
      tomo de muito boa vontade o que me toca, achando
      que dissestes a verdade e toda a verdade. Permiti-me que vos peça 
      esclarecimentos sobre algumas passagens: a facilidade
      22
      que tendes para dizer muitas coisas com poucas palavras, unida ao vosso 
      hábito de remissões, seja às vossas próprias
      obras, seja às de nosso amigo B., talvez tornem minhas perguntas 
      menos indiscretas.
      1º: Qual é o sentido preciso em que tomais o termo espírito 
      na acepção desta palavra, às pp. 54, 68, 78 e 79º
      2º: Quais são os escritores zelosos e veementes, p. 65º
      3º: Quais são os juízes, p. 129, e como podemos tomar 
      conhecimento de seus julgamentos?
      4º: Esta é a mais importante de todas as perguntas: Em que consiste 
      nosso principal trabalho para nos reaproximarmos de
      Deus? Qual é o caminho que nos conduz aos deleites que podemos tirar 
      de nosso próprio fundo e, de nossa parte, qual é a
      principal causa que nos torna tão fatigante esse caminho? Quais são 
      as precauções para abrir em nós a via direta de nosso
      interior? Como podemos ler na nossa sublime fonte e como pôr em atividade 
      e desenvolvimento os germes diversos que nos
      constituem? Em suma, em que podemos contribuir para que o dia comece a surgir 
      e a estrela da manhã se erga no coração
      do homem? pp. 20, 61, 109, 110, 154.
      5º: Como o conhecimento íntimo e perfeito do desnudamento espiritual 
      é da mais absoluta importância, ouso perguntar-vos
      em que sentido exato tomais esse termo. A isso junta-se a questão 
      subseqüente: podemos desnudar-nos por nós mesmos?
      p. 56.
      6º: Para nos despojarmos, é suficiente ter o sentimento salutar 
      de nossos lamentável estado? O homem não pode ter o
      sentimento de seus defeitos sem que possa livrar-se dele? Não pode 
      perceber que é vão e cheio de si e que sempre como
      tal permanece? p. 110.
      7º: Supondo que a pessoa que me falou sobre o procedimento de Monsieur 
      de Hauterive haja dito a verdade, esse
      procedimento pelo qual Monsieur de Hauterive se despoja de seu envoltório 
      corporal para gozar da presença física da causa
      ativa e inteligente não seja uma obra figurativa que indica a necessidade 
      de um despojamento interior para chegar um dia à
      presença da palavra inata em nosso centro?
      Aqui estão, certamente, perguntas bem importantes que vos rogo perdoar 
      por causa de meu desejo de me instruir. Presumo
      que várias dessas perguntas serão tratadas em O Novo Homem. 
      Peço que me informeis as adjunções ou as mudanças
      referentes a essas perguntas que teríeis desejado fazer depois da 
      leitura das obras de nosso amigo B. Ouso ter a esperança
      de que jamais deixareis extinguir-se o interesse que tomais por meu adiantamento 
      e que estareis, a vida toda, certo de meus
      sentimentos de respeito e reconhecimento. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      31 Estamos em plena Revolução Francesa (1789-1795).
      32 "Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, 
      se de fato o Espírito de Deus habita em vós. E se alguém 
      não tem o
      Espírito de Cristo, esse tal não é dele."
      Carta 8 25 de agosto de 1792
      Quando de meu último bilhete, senhor, não me foi nada possível 
      escrever-vos mais longamente. As ruas que cercam o hotel
      em que me hospedo eram um campo de batalha; o próprio hotel era um 
      hospital para o qual eram trazidos os feridos e, além
      disso, estava ameaçado de ser invadido e pilhado a qualquer momento. 
      No meio de tudo isso, era preciso que eu fosse, com
      risco de vida, ver minha irmã e cuidar dela, a uma meia légua 
      do lugar onde moro. Felizmente a Providência me susteve de
      maneira forte em todo esse caos. Há alguns dias, saí para 
      retornar ao campo, de onde é com verdadeiro prazer que retomo
      nossa correspondência. Não vos surpreendais, senhor, com as 
      semelhanças que percebeis entre minhas idéias e as de
      Madame G., e até mesmo entre as dela e as de nosso amigo B. A verdade 
      é uma só, sua língua também é uma só, 
      e todos
      os que marcham nesta carreira dizem a mesma coisa sem se conhecerem e sem 
      se verem, embora, uns digam coisas
      maiores ou menores coisas do que os outros, segundo o caminho maior ou menor 
      que percorreram. Tomai como exemplo as
      nossas Sagradas Escrituras. Vemos nelas, por toda parte, a mesma idéia 
      e a mesma doutrina, apesar da diversidade dos
      tempos e lugares onde viveram os autores sagrados. Posso garantir que eu, 
      indigno, inseri em minhas obras grande número
      de germes cujos desenvolvimentos eu mesmo não conhecia e dos quais, 
      todavia, sentia a verdade; esses mesmo germes
      encontro-os eu todos os dias em plena relação em meu caro 
      B., o que me cumula de alegria: 1º, por causa da semelhança;
      2º, porque isso me proporciona fazer prazerosas colheitas que eu jamais 
      poderia ter feito sem ela. Há cinco ou seis anos que
      recebi de maneira bem natural em minhas especulações uma abertura 
      sobre a geometria e os números, o que me causou
      um transporte do mais vivo êxtase. Muito bem! Um ano depois, descobri 
      esse raio de luz esboçado ao longo das tradições
      chinesas relatadas nas cartas edificantes de nossos missionários. 
      Isso fora escrito há quatro mil anos e a quatro mil léguas
      longe de mim, relação que não fez mais do que decuplicar 
      meu êxtase, em vez de humilhar-me, pois a primeira coisa que
      havia a saber é que nada podemos inventar e que tudo recebemos. Creio, 
      como vós, que as diferentes obras das quais me
      falais podem ser uma excelente introdução. Mas as introduções 
      verbais das pessoas experientes pareciam-me ser ainda
      mais proveitosas do que os livros, a menos que eles sejam da ordem dos de 
      meu amigo B.; ainda assim eu preferiria escutálo
      a lê-lo. Estou em uma casa onde Madame G. está muito em voga. 
      Deram-me a ler algum texto de sua autoria. Nessa
      leitura percebi como a inspiração feminina é frágil 
      e vaga se comparada à inspiração masculina, tal como 
      a de J. B. Em uma,
      encontro hesitações, moral e misticismo em lugar de luzes; 
      algumas interpretações felizes, mas muitas outras que são
      forçadas, enfim, mais afeto e sentimentos do que demonstrações 
      e provas, medida que serve à verdadeira instrução daquele
      que a busca. Em outra, encontro um equilíbrio de uma solidez inabalável; 
      encontro-lhe uma profundidade, uma elevação,
      uma substância tão plena e constante que, confesso-vos, creria 
      estar perdendo tempo se buscasse em outro lugar. Assim,
      23
      abandonei as outras leituras. Entretanto, deixo-as às pessoas da 
      casa que delas se ocupam, escondendo-lhes mesmo meu
      autor predileto, porque elas não seriam capazes de segui-lo e porque, 
      além disso, eu teria trabalho demais em traduzi-lo. Se
      a enumeração das potências e a necessidade de classificar 
      é para vós um domínio novo, o amigo B. vos será 
      de grande
      ajuda nesses assuntos, e não duvido nada de que, se continuastes 
      a lê-lo, já tenhais dados alguns passos a respeito disso
      desde a vossa última carta. A Escola pela qual passei deu-nos também 
      uma boa nomenclatura nesse gênero. A de B. é mais
      substancial do que a nossa e conduz mais diretamente ao alvo essencial; 
      a nossa é mais brilhante e mais detalhada, mas
      não a considero tão proveitosa, tanto mais que ela é 
      somente, por assim dizer, a língua do país que é preciso 
      conquistar, e
      falar línguas não deve ser o objeto dos guerreiros, mas na 
      verdade submeter as nações rebeldes. Por fim, a de B. é 
      mais
      divina, a nossa é mais espiritual; a de B. pode e deve tudo fazer 
      por nós, se soubermos com ela nos identificar, a nossa exige
      um operação prática e operativa que lhe rende frutos 
      mais incertos e talvez menos duráveis; ou seja: que a nossa está
      voltada para operações nas quais nosso Mestre era competente, 
      ao passo que as de B. estão inteiramente voltadas para a
      plenitude da ação divina, que em nós deve ocupar o 
      lugar de tudo; e é sob esse aspecto que ela arrasta todas as faculdades
      de meu ser, nunca havendo eu sentido grande gosto nem grande talento para 
      as operações. Monsieur de Hauterive, que
      teve o mesmo mestre que eu, entregou-se mais do que eu a essa parte operativa 
      e, embora tenha colhido dela mais frutos
      do que muitos de nós, confesso-vos, no entanto, que nunca vi frutos 
      de sua autoria que me tenham levado a mudar de idéia.
      A meus olhos, ele possui muitos outros méritos. Madame de Lacroix 
      é também uma pessoa mui recomendável, tida por muita
      gente como detentora de dons espirituais eficazes. Tentou exercê-los 
      diante de mim, mas de sua parte tive somente provas
      negativas. Porém, senhor, o capítulo das comunicações 
      livres não é uma coisa suficientemente rara para não 
      abrir todas as
      probabilidades sobre as comunicações forçadas pelas 
      operações. O mundo está cheio dessas duas ordens de 
      fatos e não
      duvido de que Madame de Lacroix não as tenha podido ter como tantas 
      outras pessoas. Mas seria uma imprudência tola de
      minha parte tentar discernir todos esses fatos estranhos a mim. Independentemente 
      das inúmeras dificuldades que neles
      seriam encontradas, somente as que nos são próprias e pessoais 
      é que nos realmente importam, e creio já vos haver dito
      que nesse gênero a luz deve acompanhar-nos em todos os passos se soubermos, 
      por nossa humilde e atenta simplicidade,
      ser fiéis aos nossos progressos se não dermos passadas grandes 
      demais. Quanto à persuasão da existência de todas essas
      coisas, ela se baseia na persuasão de nossa natureza espiritual e 
      de todos os direitos e relações que esse título de 
      Espírito
      estabeleceu em nós e ao nosso redor. Tendo uma vez sentido a nossa 
      alma, não podemos ter qualquer dúvida sobre todas
      essas possibilidades e é nas provas desse divino caráter de 
      nosso ser que a Escola pela qual passei era preciosa, porque
      oferecia-nos as demonstrações mas convincentes. Mas como já 
      ultrapassastes essas dificuldades que detêm a tantos, segui
      o movimento de vossa fé; dirigi, como costumais fazer, vossa alma 
      e vosso culto à fonte e ao próprio grande princípio; 
      ele
      não vos dará serpentes quando lhe pedirdes pão33, e 
      podereis comer em paz e com confiança o alimento que ele vos der.
      Todos os fatos e todas as maravilhas parecer-vos-ão simples, porque 
      isso não será para vós mais do que uma seqüência 
      na
      natureza de nosso ser, do qual somos uma digressão, e porque a mão 
      divina só podia restabelecer através do órgão 
      do
      Reparador, profundezas sobre as quais eu estaria apenas balbuciando em comparação 
      com nosso amigo B., ao qual vos
      remeto. Dizeis-me, senhor, que Arnold é mais fácil de entendido 
      do que B., mas eu nem seria capaz de fazer essa
      comparação aqui. Tentei-o em Estrasburgo e via que B. me embaraçava 
      com menos freqüência. Isso advém, talvez, do fato
      de que, tratando sempre o mesmo objeto, ele fica circunscrito a um certo 
      número de palavras, ao passo que Arnold é mais
      variado e emprega mais palavras diversas. Quando possuirdes a obra dos Três 
      Princípios de Böhme, eu vos ficarei grato se
      me disserdes o que significa o vocábulo Rähs, que encontro no 
      cap. 25, nº 27, sexta linha. Em inglês traduz-se como
      predominante, mas não sei se o vocábulo alemão quer 
      dizer alguma coisa mais. Tenho apenas um pobre dicionário alemão
      que não traz o vocábulo Rähs. Quanto ao vocábulo 
      Selbheit, que Madame G. traduz como propriedade, ele traduz
      perfeitamente, nas duas línguas, os obstáculos que nós 
      mesmos colocamos ao nosso progresso. Mas penso, nesse ponto,
      que Madame G. tendia a uma posição que me parecia excessiva 
      (talvez por não ser digno de compreendê-la). O amigo B.
      torna-me a coisa simples e sensível mostrando-me todas as cadeias 
      sobre nós colocadas por aquele que ele chama de
      espírito deste mundo. Eis a verdadeira morte que é preciso 
      sofrer, a verdadeira propriedade [auto-propriedade - N.T.] que é
      preciso expulsar de nós. Mas quando a propriedade divina se digna 
      substituí-la em nós, énos permitido conservá-la 
      com
      grande cuidado, e é sobre isso que não acho Madame G. nem 
      clara nem equilibrada. A via das operações parciais e
      espirituais está muito próxima do espírito deste mundo, 
      e sobretudo da região astral onde ele tem sua morada e que é 
      quase
      universalmente empregada pelas operações, sem excetuar o mestre 
      que tive e os discípulos que seguiram essa via
      operativa. Ela é, por isso, mui suscetível de aumenta em nós 
      essas propriedades das quais devemos defender-nos, vistas as
      vantagens e os prazeres que nos proporciona. Também estou certo de 
      que é esta a principal das Selbheit contra a qual
      devemos estar em guarda, um sentido que eu jamais teria compreendido sem 
      as aberturas do amigo B. Adeus, senhor,
      recomendo-me às vossas preces. Se encontrais, como dizeis, algum 
      bom sentimento em nossas relações, quanto a mim
      posso garantir-vos que o encontro bastante, e espero que isso aumente para 
      nós dois, graças ao alimento que ambos nos
      propusemos tomar. Ouso até mesmo ter a certeza antecipada do direito 
      à vossa amizade por causa dos bens que para vós
      fui capaz de conseguir na leitura em questão. No meu bilhete eu vos 
      rogava me falardes apenas desse assunto porque em
      Paris as cartas estavam sendo abertas e eu não gostaria de perder 
      as vossas se quisésseis falar de outra coisa. Porém,
      confesso-vos que, excetuando-se o meu assunto, além do meu assunto, 
      envolvome muito pouco com o resto. pois não
      passod de cidadão, De agora em diante, peço-vos suprimir o 
      título e até mesmo o nome de minha anfitriã nos endereços, 
      e
      não me envieis mais cartas a Paris até novo aviso. Este é 
      o meu endereço do momento: Castelo de Petit-Bourg, près de 
      Ris,
      em Ris, estrada de Fontainebleau. SAINT-MARTIN
      24
      33 Referência a Mateus, 7:9-10: "Ou qual dentre vós e'o 
      homem que, se porventura o filho lhe pedir pão, lhe dará uma
      pedra? Ou se lhe pedir um peixie, lhe dara uma cobra?" - Imagem tirada 
      do Sermão da Montanha. E Lucas 11:11-12: "Qual
      entre vós é o pai que , se o filho lhe pdir [pão, lhe 
      dará uma pedra, ou se pedir] um peixe, lhe dará em lugar de 
      peixe um
      cobra? Ou, se lhe pedir um ouvo lh dará um escorpião?" 
      (Algumas traduções trazem serpente em vez de cobra.)
      Carta 9 7 de setembro de 1792
      Vi com grande satisfação, senhor, pela vossa carta de 25 de 
      agosto, que, no mesmo dia em que eu pensava em vós,
      pensáveis em mim. Se por acaso não recebestes minha carta, 
      escrita nesse mesmo dia 25 de agosto, tende a bondade de
      informar-me. De qualquer forma, o mal não será muito grande 
      nem difícil de reparar. As mesmas razões que causaram
      embaraços também me impuseram obstáculos que me impediram 
      de ler nosso amigo B. Não obstante, de maneira bem
      completa, o pouco que li dele confirma o vosso julgamento sobre ele e a 
      comparação que fazeis entre seus escritos e os de
      Madame Guyon. Nele encontro uma precisão, uma firmeza e uma solidez 
      inabaláveis. Adoto, como vedes, o vosso
      julgamento, todo o vosso julgamento, e nada mais que o vosso julgamento. 
      Sem a luz do alto, esse homem, desprovido de
      instrução e de estudos, seria incompreensível. Ignoro 
      se a vida de nosso amigo é relatada na edição que possuís; 
      se ela aí
      não se encontra, eu vos informarei sobre as principais épocas 
      e minha afirmação sobre seus talentos inconcebíveis 
      tornarse-
      vosá lúcida. Presumistes muito bem as perguntas que tentei 
      fazer-vos sobre o Quadro Natural; mas como sou obrigado a
      concentrar minhas faculdades em um único ponto, somente no único 
      necessário, no grande mistério que São Paulo confiou
      ao Colossenses, cap. 1, versículo 2634, reservo minhas perguntas 
      para uma outra ocasião. Enquanto espero, sou realmente
      grato para convosco pelos esclarecimentos sobre vossas duas nomenclaturas 
      e prevejo que terei bastante perguntas a fazervos
      sobre a nomenclatura de nosso amigo quando posto em paralelo com as vossas. 
      Creio nas comunicações livres, mas
      meu gosto não pode estar mais distante daquilo que se refere às 
      comunicações forçadas, isto é: às que 
      não são uma
      seqüência natural e espontânea do estado de nossa alma 
      quando atingiu os graus superiores. E depois, quando sentimos
      muita sede da fonte, nem pensamos em nos determos nos caminhos agradáveis 
      que parecem conduzir a ela, sem falar dos
      perigos para o nosso pobre ser interior que podem acompanhar esses tipos 
      de comunicações, perigos que muito bem
      descrevestes em Ecce Homo, p. 24. Uma obra talvez interessante de se compor, 
      e à qual se pudesse dar um cunho histórico
      para ser lida com avidez por todos os homens de desejo, seria a vida de 
      um amigo da verdade, que faríamos passar pelo
      labirinto de todos os erros modernos que dizem respeito à falsa maçonaria 
      e à incredulidade, antes de fazê-lo conhecer um
      eleito respeitável que o conduzisse no bom caminho. Poríamos 
      na boca desse eleito a quintessência de vossas obras e das
      de nosso amigo B., que, entre os homens de letras e os homens do mundo, 
      são atualmente tão pouco conhecidas como e
      ele as houvesse escrito nos confins da Arábia há 4000 anos. 
      Os barões de Homed, os Schroepfer, os Gregomas, os
      Gabrielis, os Sarpelli, os Cagliostro, e como se chamam todos esses prestidigitadores, 
      serviriam de enchimento à falsa
      maçonaria; os Nicolai, os Biester, os Gedicke, os Voltaire e os Boulanger 
      às falsas idéias religiosas e filosóficas, e
      conduziríamos nosso biógrafo até que a sede e a fome 
      da verdade houvessem assumido maior proporção no seu espírito.
      Então o eleito lhe indicaria a estrada do centro, sem qualquer desvio 
      e com todas as suas vantagens. Com isso seia
      colocado, nas mãos de muitas pessoas que não abordam com facilidade 
      as obras teosóficas, um livro essencial. Certamente
      é uma idéia que poderá sofrer muitas modificações, 
      de acordo com o alvo proposto. Graças a cuidados, e negociações
      mesmo, cheguei, não a possuir, mas a tomar emprestado o volume do 
      nosso amigo B., que contém os Três Princípios.
      Apenas nas casas dos pastores do Alpes é que se encontram suas obras.
      A princípio, procurei no cap. 23, nº 27, ao vocábulo 
      rähs. O escritor inglês que a traduziu como predominante confundiu 
      o
      gênero com a espécie. Todo o que é rähs, ou räss, 
      conforme escrevemos, é predominante35; mas nem tudo o que é
      predominante é räss. O sentido próprio e primitivo desse 
      vocábulo significa um pouco mais do que salgado, aproximando-se
      de schärfe que, para os objetos que afetam o sentido do gosto, quer 
      dizer âcre36; no sentido figurado diríamos ein rässes
      Weib (uma mulher rabugenta37). Parece-me que nosso amigo o adota num sentido 
      figurado que se aproxima do de cáustico
      (ätzend). O vocábulo ätzend é empregado para a sensação 
      produzida pela cristalização da prata no espírito de 
      nitro sobre a
      pele, despojada pela fusão de toda sua água de cristalização, 
      a que chamamos de pedra infernal. Räss é empregado muito
      pouco no estilo moderno, mas em nossa terra, afastados do centro da Alemanha, 
      temos conservado uma grande quantidade
      de vocábulos antigos, e rähs é muito usado entre nós. 
      Se alguma palavra vos causar dificuldades, dizei-me quais são que
      tentarei explicá-la. Em lugar de vocábulos, vós me 
      explicareis as coisas; então eu farei a mesma troca feita outrora 
      pelos
      europeus com os habitantes do novo mundo: em troca de lingotes de ouro, 
      davam-lhes pregos de ferro. Já que ficarei um
      pouco menos ignorante, eu vos pediria que mefalásseis de vossa descoberta 
      sobre os números que posteriormente
      encontrastes nas Lettres édifiantes38. Vossa observação 
      sobre Madame G., no tocante à sua expressão de propriedade, 
      é
      importante. Ela não teve o cuidado de tornar essa idéia principal 
      luminosa o suficiente para seus leitores, mediante o quê é
      provável que tenha ficado sem produzir frutos em muitos deles. Nesse 
      sentido, parece-me que jamais podemos ter luzes em
      demasia. Quando, em minha carta de 25 de julho, fiz menção 
      a luzes distintas que não me pareciam essenciais à nossa
      obra, eu falava das manifestações, das visões físicas, 
      das comunicações que incidem sob o sentido exterior, e acho, 
      assim
      como vós, que Madame G. não é bastante clara nem bastante 
      segura sobre a propriedade que é preciso conservar e sobre
      aquela da qual é preciso defender-se. Remissões ao nosso amigo 
      B. e explicações sobre o espírito do mundo e sobre 
      a
      região astral ser-me-ão muito preciosas. Conheço o 
      nome de uma obra francesa que fala muito do espírito astral, sem 
      que eu
      25
      jamais tenha conseguido descobrir de onde foi que o autor, que não 
      conhece alemão, tirou esse espírito astral. Parece que
      muita gente, em quase todos os países, ocupa-se de idéias 
      semelhantes. Não somente mereceis, senhor, o direito à minha
      amizade, mais também o direito ao meu reconhecimento. Ambos os sentimentos 
      estão em mim, não é preciso afirmá-lo,
      muito vivos e sinceros. Devo-vos mais do que poderia dizer e rogo todos 
      os dias ao nosso grande Benfeitor que vos
      recompense por tudo. Estou suprimindo de minha carta o título de 
      vossa anfitriã, assim como seu nome, mas permiti-me
      dizer-vos que tenho dela uma opinião muito elevada. É bem 
      raro haver pessoas de sua idade e posição que levem tão 
      a
      sério as ocupações. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      34 "O mistério que estivera oculto dos séculos e das 
      gerações; agora, todavia, semanifestou aos seus santos."
      35 Itálico da tradutora.
      36 Acre, áspero.
      37 Acariâtre.
      38 Cartas Edificantes.
      Carta 10 Petit-Bourg, 6 de setembro de 1792
      Talvez estejais aguardando uma segunda carta minha, senhor, antes de me 
      escreverdes, e por isso retomo a pena para
      responder à vossa de 25 de agosto. Nada mais correto do que a vossa 
      observação química sobre a alteração 
      das
      proporções. É por essa lei que a natureza caminha universalmente, 
      tanto a organizada quanto a não organizada. Não
      duvidamos de que o espiritual seja dirigido pela mesma lei. Podemos fazer 
      essa experiência em nós mesmos, seja para
      melhorar nossas afeições morais, seja para esparzir nossas 
      luzes. Em ambas as classes, é preciso que afastemos os objetos
      contrários e que fortaleçamos, pela aproximação 
      dos objetos favoráveis e análogos ao nosso desígnio, 
      as nossas faculdades
      que se encontram entravadas em obstáculos e obscuridades. O amigo 
      B. vos dirá muito sobre isso quando vos falar de vossa
      regeneração e da encarnação do Salvador, que 
      a ele posso confiar sem receio. Li a passagem dele que me citastes: Ep. 
      46,
      §§ 37 e 38. Quando houverdes lido os Três Princípios, 
      encontrareis muitas outras maravilhas sobre esse assunto; vereis com
      bastante clareza aquilo que se chama sabedoria, ou sophia, e não 
      tereis a mesma opinião de Pordage, que diz ser ela o
      precursor de Jesus Cristo na alma, uma vez que eles só podem vir 
      juntos, visto ser nela que ele está envolvido para
      incorporar-se no elemento puro e de lá descer à região 
      dos elementos mistos e corruptíveis ou ao seio de Maria, para em
      seguida, através da morte que todos trazemos em nós, arrebatar 
      consigo a alma humana purificada e regenerada em sua
      vida divina. Mas concordareis com Pordage quando representa essa sabedoria 
      como sendo não um anjo, mas uma virtude
      angelical, superior a todos os espíritos dos anjos e dos homens. 
      Assim, não posso considerá-la como o espírito do Reparador
      do qual fala Paulo em Romanos, cap. 8, versículo 939, pois esse espírito 
      de Reparador é Deus, assim como o próprio
      Reparador. Enfim, ele é a luz divina que ilumina todas as maravilhas 
      da imensidão divina, ao passo que sabedoria não é
      mais do que o vapor ou o reflexo dele. Ela deixa passar através de 
      si todas essas maravilhas e é propriamente a
      preservadora de todas as formas dos espíritos, assim como o ar é 
      o preservador de todas as formas materiais. Ela habita
      sempre com Deus e, quando a possuímos, ou antes, quando ela nos possui, 
      Deus também nos possui, já que os dois são
      inseparáveis em sua união, embora distintos em seus caracteres. 
      Vamos a Ecce Homo.
      p. 54: "Neste espírito" quer dizer: "neste sentido 
      ou nesta intenção".
      P. 68: "O testemunho de Espírito" significa aqui os espíritos 
      particulares, anjos ou homens, já admitidos às regiões 
      da outra
      vida.
      P. 78, Id. P. 79, Id.
      P. 65: Escritores Zelosos. Tenho em vista Monsieur Dutoit40 em sua obra 
      Abus e l'origine de la raison des religions et des
      superstitions41, título que traduzo talvez mal, mas que basta para 
      vos pôr no caminho. Essa obra me surpreendeu em alguns
      pontos, mas não me convenceu de tudo, longe disso, sem falar da dureza 
      de seu estilo. P. 129. Os juízes serão a própria
      justiça divina, como anunciado pelo Evangelho, quando do juízo 
      final; e os julgamentos, não duvidemos de que não sejam
      bastante claros para os entendermos quando nos forem pronunciados, uma vez 
      que serão as nossas próprias obras que
      farão as vezes de ouvidos.
      Pp. 20, 61, 109, 110, 154: sobre o trabalho interior e os meios de despojamento 
      e avanço. Em vão eu escreveria volumes
      para tornar mais claras estas coisas, uma vez que elas só podem ser 
      esclarecidas na atividade do desejo e na experiência de
      nossos progressos pessoais. Já vos disse o bastante em minhas cartas 
      anteriores para ter que precise voltar a elas. Além do
      mais, o amigo B. vos ajudará tanto nisso que posso confiar nele.
      os
      P. 56: O desnudamento espiritual é o sentimento vivo de nossa privação 
      divina neste mundo, operação que se combina, 1º:
      com o desejo sincero de nos encontrarmos em nossa pátria; 2º: 
      com os reflexos interiores que algumas vezes o sol divino
      tem a bondade de n enviar até o centro de nossa alma; 3º: com 
      a dor que experimentamos quando, depois de haver sentido
      alguns desses diversos reflexos tão consoladores, tornamos a cair 
      na região de trevas para nela continuarmos nossa
      expiação. Assim, não pretendo dizer que nós 
      mesmos podemos dar-nos essa vantajosa afeição, mas podemos 
      pedi-la por
      nossa conduta e nossos desejos, e tudo o que Deus quer é fazê-la 
      chegar às nossas almas.
      26
      P. 110: perguntais-me se não é possível que o homem 
      tenha a consciência de seus defeitos sem poder livrar-se deles.
      Certamente, se ele não continuar a pedir socorro; mas a mesma mão 
      que lhe enviar a consciência de sua miséria também
      poderá, se ele lha implorar, administrar-lhe os remédios curativos.
      Vossa 7ª pergunta, sobre Monsieur de Hauterive, força-me a dizer-vos 
      que existe algo de exagerado nas narrativas que ele
      vos fez. Ele não se despe do envoltório corporal: todos aqueles 
      que, como ele, gozaram, para mais ou para menos, dos
      favores que vos relataram sobre ele, também não saíram 
      desse envoltório. A alma deixa o corpo somente na morte, mas,
      durante a vida, a faculdades podem estender-se para fora da pessoa e comunicar-se 
      com seus correspondentes externos
      sem deixarem de permanecer unidas ao centro, assim como nossos olhos físicos 
      e todos os nossos órgãos correspondem a
      todos os objetos que nos cercam, sem deixarem de permanecer ligados ao seu 
      princípio animal, foco de todas as operações
      físicas. Não é menos verdade que se as experiências 
      de Monsieur de Hauterive forem de ordem secundária, só são
      figurativas com relação à grande obra interior de que 
      falamos; e se forem da classe superior, são a própria grande 
      obra. Ora,
      isso é uma questão que eu não resolveria, ainda mais 
      que ela de nada vos adiantaria. Creio prestar-vos mais serviço
      dirigindo vossa atenção aos princípios do que querendo 
      deter-vos nos detalhes dos feitos de outrem. Quanto a O Novo
      Homem, rogo-vos perdoar-me se eu não puder fazer o trabalho que me 
      pedis nem comunicar-vos os acréscimos ou
      alterações que creio lhes possam ser feitas desde que li B. 
      Vós mesmo fareis essa tarefa com facilidade à medida que
      avançardes em nosso caro B., que não devemos esperar conhecer 
      em pouco tempo e após uma leitura ligeira. Para mim, o
      trabalho que me propondes está acima de minhas forças. Já 
      permaneci por assaz longo tempo em meu escritório; não devo
      mais aprofundar-me nesse tipo de preocupação e de agora em 
      diante só gostaria de escrever sobre minha substância.
      Assim, com relação às obras, deixo hoje descansar a 
      pena. Além do mais, a obra em questão é mais uma exortação 
      e um
      sermão do que um ensino, embora aqui e ali haja algo a considerar. 
      Escrevi-o por solicitação de alguém que queria que 
      eu
      escrevesse nesse gênero exortativo. Fiz o trabalho às pressas, 
      que foi impresso a partir do rascunho, e regojizo-me por me
      haver livrado dele. Devia estar acabado, mas as ocupações 
      com meu país me fazem parar com tudo; assim, não sei quando
      o vereis. Adeus, senhor, felicito-vos por habitar em lugares onde reina 
      o repouso político. Embora comigo ocorra justamente
      o contrário, submeto-me, procurando louvar a Deus por tudo o que 
      ele me envia, seja satisfação ou contrariedades. Não 
      lhe
      peço senão a graça de fazer de ambas um emprego mais 
      justo e mais salutar para meu progresso. SAINT-MARTIN
      39 "Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, 
      se de fato o Espírito de Deus habita em vós. E se a lguém 
      não tem o
      Espírito de Cristo, esse tal não é dele."
      40 Dutoit, Jean-Philippe (1721-1793). Adepto do quietismo. Grande admirador 
      de Mme de Guyion, publicou uma edcao
      completa de seus escritos.
      41 "Abuso e origem da razão das religiões e das superstições."
      Carta 11 Amboise, 28 de setembro de 1792
      Mais um novo endereço, senhor. Depois de minha carta de princípio 
      de setembro, na qual eu vos falava da vossa de 25 de
      agosto, fui chamado por meu pai à minha terra natal e não 
      sei por quanto tempo ficarei lá. Estou passando por uma privação
      quase absoluta, mas o amigo B. e as nossas Sagradas Escrituras são 
      o meu consolo e o meu sustentáculo. A idade de meu
      pai não mais permitirá que eu me separe dele. Nossos acontecimentos 
      políticos não dão muita vontade de sair daqui e voltar
      para a capital a qualquer momento. Assim, senhor, dirigi vossas cartas de 
      agora em diante a Amboise, departamento do
      Indre-et-Loire, tendo a precaução de acrescentar ao meu nome 
      a palavra filho, para que vossas cartas não caiam nas mãos
      de meu pai. É uma graça da Providência o haver-me feito 
      conhecer B. antes de ser confinado no exílio em que hoje me
      encontro. Sem isso, eu só poderia esperar para mim a ruína 
      espiritual num lugar pequeno como esse, em que os espíritos
      estão a mil léguas daquilo que nos ocupa. Agradeço-vos 
      a oferta que me fizestes em vossa carta de 8 de setembro, com
      relação às diversas épocas da vida de B. Isso 
      pode ser encontrado na edição que possuo, que é a de 
      1682. Tendes razão
      em insistir no mistério confiado aos Colossenses, cap. 1:26. É 
      esse o unum necessarium. Quanto à obra que sugeris para
      facilitar aos olhos do mundo a idéia da verdade, creio-a útil 
      e me parece concebida de maneira sábia. Mas não estou em
      posição favorável para empreendê-la e, se usasse 
      o pouco de forças que me restam nesse gênero, empregá-las-ia 
      em outra
      coisa, seja para produzir algo de novo, como o que se encontra em germe 
      nas anotações diárias que tenho o costume de
      coletar desde que aprendi a pensar, seja para traduzir em minha língua 
      algumas obras de B., desconhecidas em minha
      nação. Mas em nada me preocupo a respeito de tudo isso. Por 
      um lado, espero que os movimentos sejam mais
      determinados para eu me entregar as minhas produções pessoais; 
      por outro, espero ter lido B. por inteiro para tornar-me
      mais familiarizado com sua doutrina. Estou deveras satisfeito com a explicação 
      que me destes do vocábulo rähs. Eu não
      estava errado em desconfiar do meu inglês; ele me falha em muitas 
      outras ocasiões e parece que o tradutor seguiu um outro
      texto diferente do que possuo, pois na tradução há 
      frases inteiras no passado e, além disso, a divisão dos números 
      é
      totalmente diferente; é o que me faz preferir o alemão. Tenho 
      um pouco mais de trabalho por não contar com o auxílio de
      ninguém, mas, pouco a pouco, habituar-me-ei a ele. A descoberta sobre 
      os números, da qual falastes, exigiria explicações
      verbais preliminares e as cartas dificilmente preencheriam nosso objeto. 
      Julgai por vós mesmo os elementos em que essa
      descoberta se baseia. São eles: 1º: nossa doutrina particular 
      sobre as causas finais da existência dos seres; 2.?: essa
      mesma doutrina demonstrada pela ciências dos números; 3º: 
      o conhecimento pelo menos dos primeiros princípios da
      geometria elementar; 4º: o conhecimento mais amplo e mais aprofundado 
      da geometria espiritual. Eis os ingredientes que
      27
      entram no desenvolvimento que recebi. Sabeis que Pitágoras mandou 
      imolar cem bois por haver descoberto a hipotenusa;
      afianço-vos, senhor, que se deveriam imolar mais de mil se ele houvesse 
      tirado dessa hipotenusa tudo o que ela já me deu.
      Mas deixemos isso para os tempos futuros. As montanhas não se encontram, 
      mas os homens não são montanhas e talvez
      um dia a estrela da paz e da liberdade se eleve sobre minha pátria 
      e minha existência. Então não vos digo o que farei, 
      mas
      meu coração o sabe e podeis confiar nele. Não conheço 
      a obra francesa que, segundo vós, fala muito do espírito astral, 
      a
      menos que seja a de Monsieur Dutoit, da qual vos falei em última 
      carta enviada do Petit-Bourg. Sei, realmente, que em quase
      todos os países muita gente se ocupa com semelhantes idéias. 
      Há certamente uma fermentação espiritual da qual deve
      resultar um explosão, mas qual será? É o que ignoro. 
      Para esse espírito astral, não tenho necessidade de dar-vos
      referências do nosso amigo B.: vós o estareis sempre encontrando. 
      Além disso, tomai o Zweytes register42, que está no fim
      do décimo volume da edição de 1682. Procurai aí 
      Geist, Sternen, Siegel43, etc., e cada um deles vos remeterá à 
      passagem
      do autor que desejardes e que vos satisfará.
      Tendes razão, senhor, de haverdes formado uma boa opinião 
      sobre a anfitriã44 que acabo de deixar. Não se pode elevar 
      a
      maior grau as virtudes da piedade e o desejo por tudo o que é bem. 
      Ela é verdadeiramente um modelo, sobretudo para uma
      pessoa de sua posição. Apesar disso, acreditei que nosso amigo 
      B. fosse um alimento por demais forte para seu espírito,
      sobretudo por causa do pendor que ela tem por tudo o que é maravilhoso 
      na ordem inferior, como os sonâmbulos45 e os
      profetas do momento. Assim, deixei-a como está, depois de haver feito 
      tudo o que acreditei ser de meu dever para adverti-la,
      pois o Ecce Homo foi um pouco dirigido a ela, assim como a algumas outras 
      pessoas entregues ao mesmo exercício. Adeus,
      senhor, agradeço-vos pelas preces dirigidas por minha causa ao grande 
      Remunerador. Retribuo-vos com a mesma
      sinceridade. Ainda não vos perguntei quais são as pessoas 
      a quem devo esse presente que é a vossa correspondência.
      Muito gostaria de saber como se deu o fato de nos encontrarmos. SAINT-MARTIN
      42 Second index.
      43 Espírito, Estrelas, Selo.
      Carta 12 Terça-feira, 16 de outubro de 1792
      Vossas duas cartas, uma do dia 6 e a outra do dia 28 de setembro, chegaram 
      bem às minhas mãos e recebi-as com o
      mesmo prazer que acompanha sempre a recepção das vossas. Eu 
      já teria respondido à primeira se não estivesse tão
      mergulhado numa quantidade enorme de assuntos causados por vossa nação 
      e isso, como prefiro acreditar, unicamente por
      causa de mal-entendidos. Se de uma vez para sempre vosso governo se cnvencer 
      de que os suíços são bem pouco
      inclinados a fazer uma incursão na França como na China, e 
      que tudo o que se comenta sobre uma coalizão com as
      potências são calúnias atrozes - pois disso posso falarvos 
      com conhecimento de causa - suponho que então nos deixariam, a
      nós e a nossos aliados, em paz. Queremos a neutralidade, toda a neutralidade 
      e nada mais do que a neutralidade. Mas a
      Suíça inteira está de pé para defender-se até 
      o último dos homens se quiserem tocar em nós ou em nossos 
      aliados. A
      Providência traçou-nos limites, que são intransponíveis 
      se nos quiserem expulsar deles; além do que, não vejo o que 
      a
      França ganharia tornando-se um inimigo a mais. Perdoai-me esta explosão 
      política; eu estava com o espírito cheio dela, era
      necessário aliviar-me. Em vossa primeira carta deixaste-me entrever 
      uma idéia muito apropriada para diminuir minhas
      preocupações, uma esperança lisonjeira para o porvir, 
      pois nesse momento, nenhum francês, de que partido seja, e mesmo
      que não seja de partido algum, poderia encontrar satisfação 
      no nosso país. Mas, se prouver a Deus, essas nuvens políticas
      dissipar-se-ão, permitindo que nos entreguemos tranqüilamente 
      às doçuras do estudo e aos encantos da amizade. Este
      momento, em que fazeis esperar com que eu tenha, talvez, a felicidade de 
      vos ver, será um dos mais felizes de minha vida.
      Agradeço-vos pelos esclarecimentos sobre Ecce Homo. Conheço 
      a obra de Monsieur Dutoit e formei sobre ela o mesmo
      julgamento que vós. Quanto ao artigo de Monsieur de Hauterive, ele 
      ainda é bem de acordo com as minhas idéias. A
      separação da alma e do corpo certamente não é 
      real; a idéia que tenho dela é como um sonho no qual podemos 
      muito bem
      ver nosso próprio corpo sem movimento. Dizeis-me que, caso os feitos 
      de Monsieur de Hauterive sejam da classe superior,
      eles são a própria grande obra. Eis aí, talvez, uma 
      verdade bem grande, é a te
46 dos antigos, e semelhante fato 
      bem
      averiguado equivale a um princípio. Se puderdes fazê-lo sem 
      indiscrição, dizei-me se conheceis, com certeza total, alguém
      que tenha atingido a esse grau. Ao lado disso, certamente os princípios 
      serão mais instrutivos para mim do que as façanhas
      dos outros. Vós me felicitais por habitar em lugares onde reina a 
      paz política. Neste exato momento, só vejo os dias
      ininterruptamente como batalhas e trens de artilharia que passam diante 
      de minha janela para irem defender sua pátria, caso
      seja ela atacada. Uma súplica em particular que tenho a fazer-vos, 
      cujo cumprimento vos ajudaria, talvez, com nosso amigo
      B., é traçar um paralelo entre a nomenclatura de vossa escola 
      e a terminologia de B. qual é o sentido, por exemplo, que
      atribuís à palavra lança composta de quatro metais? 
      (Dos Erros e da Verdade, p. 35.) Com que termo corresponde B. a essa
      lança? Em qual passagem corresponde B. à p. 38 de Dos Erros 
      e da Verdade, onde dizeis: "O homem extraviou-se ao passar
      de 4 para 9 e jamais poderá reencontrar-se a não ser passando 
      de 9 para 4. Esta lei é terrível, sei disso, mas não 
      é nada em
      comparação à lei do número cinqüenta e 
      seis, lei assustadora e espantosa para aqueles que a ela se expõem, 
      pois eles só
      podem chegar a 64 depois de se haverem submetido a ela em todo o seu rigor."47 
      A obra francesa que mencionei é a de
      Monsieur Dutoit, mas não vos falarei dela porque já estamos 
      de acordo nesse ponto Pedis-me contar como ocorreu nossa
      correspondência. São os sentimentos de benevolência espalhados 
      em vossa obras, os quais não podem ser ignorados
      quando na alma possuímos cordas, afinadas no mesmo tom, que me atraíram 
      para vós. Vosso nome não era mistério para
      28
      mim, pois gozais da reputação mais merecida junto aos verdadeiros 
      pensadores em toda a Alemanha. Vossa obra Dos Erros
      e da Verdade é não somente conhecida e estimada, mas também 
      comentada por um sábio anônimo, juntamente com o
      Quadro Natural sob o título: Das geheime system einer Gesellschaft 
      unbekannter Philosophen, unter einzelne Artikel
      geordnet, durch Anmerkungen und Zuzätze erläutert und beurheilet, 
      und dessen Verwandtschaft mit ältern un neuren
      Mysteriologen gezeigt, 2 Theilen 48 in-oitavo, 1784, em um volume. Se me 
      indicardes uma via conveniente, eu vo-la enviarei.
      Ela talvez vos interesse e vos facilite usar a língua alemã. 
      Tenho, além disso, na corte de Munique, um amigo que me disse
      já leu o Quadro Natural mais de vinte vezes, etc. Faz poucos dias, 
      quis a Providência que eu descobrisse no seio de minha
      cidade natal um velho eclesiástico que leva uma vida obscura e retirada 
      e que, ignorado de todos, há quarenta anos se
      ocupa com a leitura de nosso amigo B. Foi ele próprio que acabou 
      de entregar-me as obras Três Princípios e a Aurora, e que
      quer tentar completar os poucos tratados que ainda me faltam. Percebo também 
      todos os dias com que bondade e cuidado a
      providência me conduz em minha vida privada e pública. Dela 
      tenho tido provas recentes e tão marcantes que não pude
      deixar de vos participar isso para a glória de nosso grande Benfeitor, 
      diante do qual me prosterno em meu nada.
      KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      44 Duquesa de Bourbon.
      45 Médiuns que entram em transe.
      46 Talvez théorie, (abreviada como "thé..."), ou 
      mesmo alguma palavra que o autor queira deixar encoberta.
      47 - 48 Tradução minha, e não tirada da obra já 
      publicada.
      Carta 13 Amboise, 6 de novembro de 1792
      Se uma nação fosse tão pacífica como eu, senhor, 
      ela deixaria a vossa bem tranqüila. Além do mais, bastar-me-ia 
      ler o
      amigo Böhme, cap. 12, nº 40, da Vida Tríplice, para que 
      impedir-me de amar a guerra. Mas espero, assim como vós, que as
      coisas se arranjem. Felicito-vos de todo o coração pela descoberta 
      que fizestes. Dizei-me, rogo-vos, em vossa próxima carta,
      se vosso bom eclesiástico sabe francês tão bem quanto 
      vós e, sobretudo, se o fala como suponho que falais, pois é 
      difícil
      escrever francês da maneira como o fazeis sem o haver triturado através 
      da palavra falada. Julgai como essa descoberta
      desperta as idéias e projetos que meramente vos sugeri. Mas, independentemente 
      das dificuldades que vosso país pudesse
      oferecer hoje a um francês, nesse momento tenho outras bem me afligem 
      o coração. Meu pai sofreu nesses últimos dias um
      violento ataque de paralisia, que, se não parece ainda ameaçar-lhe 
      os dias, pelo menos não nos deixa qualquer esperança
      de restabelecimento, haja vista sua idade avançada. Minha vida está, 
      pois, de agora em diante, consagrada ao dever filial e a
      todos os cuidados que o estado de meu pai exige necessariamente. Em meio 
      às minhas tristes ocupações, vou responder da
      melhor maneira possível a todos os assuntos de vossa carta. Tive 
      a honra de informar-vos que não duvidava de que tivesse
      havido, e ainda houvesse, homens privilegiados que tenham tido, e ainda 
      tenham, vislumbres da grande obra. Não tenho
      dúvida alguma de que meu primeiro mestre e vários de seus 
      discípulos tenham desfrutado de alguns desses favores. Mas
      uma afirmação sobre isso não vos adianta grande coisa. 
      Entretanto, como poder fazer com que tais sejam fatos indubitáveis
      para um terceiro e para ele comprovados? As próprias histórias 
      que lhe fossem relatadas poderiam ocupar sua curiosidade
      por um momento, sem dar-lhe convicção. Volto, pois, aos princípios, 
      que prefiro, convidandovos a aprofundá-los, de maneira
      a que não mais fiqueis surpreso de que semelhantes fatos às 
      vezes existam; porém, ao contrário, com o fato de não
      existirem universalmente, já que tais são os direitos e os 
      elementos de nossa verdadeira natureza. Aliás, há graus
      inumeráveis na distribuição desses favores; aqueles 
      que conheci só usufruíram deles parcialmente, como fruto de 
      seus
      trabalhos. Os eleitos de uma outra ordem usufruem pela ação 
      gratuita e voluntária da sabedoria que está acima de nós;
      deveis sentir a diferença. Enfim, senhor, se quiserdes detalhes amplos 
      sobre esses objetos, abri as Sagradas Escrituras, que
      nada mais são do que uma reunião das obras do espírito 
      sobre os eleitos. E essas obras, ou comunicações, oferecer-vos-ão
      toda espécie de cores e de nuanças, sem receio das alianças 
      que com tanta freqüência se encontram entre os eleitos de
      classe menor. Vede o que foi recomendado a Böhme quando de sua eleição: 
      ler com cuidado as Escrituras. O paralelo que
      me pedis para fazer entre sua nomenclatura e a nossa seria um pouco longo 
      para ser dado por escrito. Vou limitar-me ao
      ponto que citais. A lança, composta de quatro metais, não 
      é outra coisa senão o grande nome de Deus composto de quatro
      letras. É o extrato desse nome que constitui a essência do 
      homem. Eis por que somos formados à imagem e semelhança de
      Deus, e esse quaternário que trazemos em nós, e que nos distingue 
      com tanta clareza de todos os seres da natureza, é o
      órgão e a marca da famosa cruz na qual o amigo Böhme 
      nos representa de maneira tão magnífica a eterna geração 
      divina, e
      a geração natural de tudo o que recebe a vida, seja neste 
      mundo ou no outro. Extraviado ao passar de 4 a 9 significa "ir do
      espírito para a matéria", que, segundo os números, 
      dá 9 na dissolução. Böhme dá ao 9 outro 
      significado ao considerá-lo
      como o primeiro número depois do 10. Nem ele nem nós nos enganamos; 
      ele representa esse número na ordem divina e
      nós, na elementar. E a inteligência aprova mui prazerosamente 
      todas essas diferenças de relações porque sabe que 
      cada
      número é universal, verdade das mais certas, mas que requer 
      concepções bem calmas para ser apreendida e que exigiria
      muitos volumes para ser desenvolvida. Böhme disse a mesma coisa que 
      os meus 4 e 9, em outros termos, quando disse que
      o homem extraviou-se ao passar do segundo princípio, que é 
      o amor da luz, para o primeiro, que é a angústia e as trevas.
      Quanto à lei 56, dela ainda não encontrei, numericamente, 
      qualquer vestígio em Böhme e confesso-vos que isso foi uma
      revelação que recebi pessoalmente quando das instruções 
      em Lyon, há vinte anos. Ela reside no conhecimento das
      propriedades e progressos do número 8, coisa que eu não creria 
      ser proveitoso falar-vos antes de estardes familiarizado com
      29
      a nossa língua numérica, familiaridade que não pode 
      ser adquirida através de cartas. Assim, deixemos esse ponto para 
      os
      tempos favoráveis que ouso esperar do porvir. Mas se Böhme não 
      fala deles numericamente, fala de maneira muito clara em
      sua doutrina. Pois, de que é que ele não fala? E quando nos 
      representa o ser perverso e todos aqueles que se assemelharão
      a ele, mergulhados para sempre depois deste mundo nos horrores do fogo do 
      Primeiro princípio acendido pelo próprio
      prevaricadores, ele me mostra tal o estado do número 56, no qual 
      os pecadores permanecerão, enquanto que os seres
      purificados e justos chegarão a 64, que é a unidade. Não 
      ouso aceitar o livro alemão que tivestes a bondade de me oferecer,
      a não ser sob a condição de que me indiqueis os meios 
      de vos enviar o montante, prevenindo-vos de que só temos
      assignats49 e que deveis ter a bondade de me declarar o preço do 
      câmbio, a fim de que isso não vos cause despesas.
      Possuo recursos pecuniários além das minhas necessidades; 
      assim, não me poupeis. Felicito-vos mais uma vez, senhor,
      pelas graças que me dizeis receber diariamente. Espero que a Providência 
      continue aumentando-as para vós, é o que peço
      a ela com grande empenho. Rogo-vos que procureis saber de vosso eclesiástico 
      se ele conhece o suficiente do sistema de
      Böhme sobre a geração da alma dos homens para não 
      ter dúvida alguma sobre esse assunto. Vejo que Böhme distingue
      bem a alma animal da alma divina, na natureza de ambas, mas não o 
      vejo distingui-las com muita clareza na geração delas.
      Ora, temos sobre isso grandes bases, o que me deixa com uma certa cautela. 
      É o único ponto sobre o qual tenho
      necessidade de escrutar esse divino autor. Estou aos pés dele em 
      todos os pontos de sua doutrina. Adeus, senhor, lembraivos
      de mim em vossas preces. SAINT-MARTIN
      Carta 14 M., 26 de novembro de 1792
      Vossa interessante carta de 6 de novembro causou-me ainda mais prazer porque 
      temia que a minha de 16 de outubro se
      houvesse extraviado. Perguntais se meu velho amigo eclesiástico, 
      que deixou o hábito há muito tempo porque seus
      confrades o magoaram, fala francês. Ele não o fala. Em nossa 
      capital, a língua francesa é a língua do mundo e da 
      sociedade;
      o alemão, a dos estudos, dos negócios e do governo. Quanto 
      a mim, falo francês; é um antigo hábito meu. Se executardes
      vosso projeto, que, segundo o que me fazeis esperar, torna-se o meu, encontrareis 
      não somente em cada cidade, mas quase
      em todas as casas, alguém que fale francês, e ouso gabar-me 
      de nosso país vos interessará. E se minhas esperanças 
      para
      o futuro se realizarem, ninguém conhecerá melhor do que eu 
      o preço da execução de vosso projeto. Sofreis por causa 
      de
      vosso pai e eu, por minha filha que, por causa de uma enfermidade ligada 
      ao seu sexo, já esteve algumas vezes à beira da
      morte. Muitas vezes fui obrigado a deixá-la durante semanas inteiras 
      para assistir às sessões de nosso grande Conselho na
      capital. Esse sacrifício custa-me muito porque ela confia inteiramente 
      em mim. Voltando à vossa carta, agradeço-vos pelo
      presente da lança composta de quatro metais e pela vossa grande idéia 
      de que cada número é universal. Esse pensamento
      da universalidade dos números germinou em mim e vou transcrever-vos 
      a seqüência das reflexões que me ocorreram a
      mente sobre esse assunto. Não é somente plausível, 
      mas, de acordo com as Sagradas Escrituras, é fora de dúvida 
      de a
      sabedoria divina tenha disposto todas as coisas de acordo com sua medida, 
      seu número e seu peso (Sabedoria, 11:24.50).
      Não é somente possível, mas, de acordo com a nossa 
      razão, muito verossímil, que todas as coisas que formam juntas 
      uma
      mesma classe, um mesmo gênero mais ou menos extenso, levam um signo, 
      um caráter comum, pelo qual a soberana
      sabedoria julgou adequado distingui-los dos seres inteligentes, como pertencentes 
      a uma classe comum.
      Ainda é possível, pensei eu, que esse signo comum a toda uma 
      classe seja um número. Nessa hipótese, cada número 
      talvez
      designe uma idéia geral, ou seja: designe uma idéia que encerre 
      todas as outras da mesma classe. Tal hipótese tem uma
      bela qualidade a seu favor: o testemunho sucessivo de homens instruídos 
      e virtuosos de cada século, desde pelo menos dos
      mil e quatrocentos anos. Mas para mim ainda não passará de 
      uma hipótese até que eu tenha provas mais fortes do que a
      simples tradição. É preciso que a gente mesma tente 
      uma chave, antes de poder estar certa de que ela abra tantas portas.
      Para saber se os antigos tiveram uma chave semelhante, abro os versos dourados 
      de Pitágoras, onde descubro que ele jura
      pelo sagrado quaternário. Abro Hiérocles, seu comentador, 
      e vejo que Pitágoras, tendo aprendido no Egito o nome dos
      nomes explicado em quatro letras, havia-o chamado de Tetractis, quaternário, 
      que significava: fonte de toda a natureza, que
      flui continuamente. Precisaria mais do que isso para colocar-me no caminho? 
      Num momento de silencio e meditação,
      descubro que o número 4 bem poderia estar ligado a tudo o que sai 
      imediatamente dessa fonte, aplico-lhe minha hipótese e
      encontro o Reparador que surgiu na terra, depois de quatro vezes mil anos. 
      Quatro evangelistas e, o que ninguém parecia ter
      observado, 22 epístolas dos apóstolos, nelas incluído 
      o Apocalipse, dois mais dois são quatro. Profetas, 22 livros no Velho
      Testamento. Aplico minha hipótese às invenções 
      mais engenhosas e encontro 22 letras no alfabeto e os dez números 
      no
      quaternário: 1, 2, 3, 4. Não li de B. senão o início 
      da conversão e algumas epístolas. Ignoro a nomenclatura de 
      seus
      números. O velho eclesiástico também não mais 
      me falou de números. Ele me deu como resposta à vossa pergunta 
      uma
      hipótese por demais longa para que no momento eu possa falar dela. 
      O pequeno livro alemão do qual vos falei é raro, mas
      seu valor mercantil é mínimo e, para mim, nulo porque, acidentalmente, 
      possuo dele dois exemplares, e tomo a liberdade de
      enviar-vos um deles através de Lyon, por intermédio de Monsieur 
      Willermez. Remetê-lo-ei depois de amanhã à diligência 
      que
      passa aqui a caminho de Lyon. Graças aos cuidados de meu velho amigo 
      eclesiástico, estou de posse de um exemplar
      completo de nosso amigo B., e recebi da Alemanha um comentário interessante, 
      in-quarto, desse autor. Adeus, senhor,
      crede em minha amizade, em meu reconhecimento por vós, assim como 
      credes em vossa própria existência. Não me
      escrevais até receberdes outra carta de minha parte, pois sem isso 
      vossa carta correria o risco de perder-se.
      KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      30
      49 Tipo de papel-moeda da época da Revolução Francesa.
      50 "Sim, tu amas o que criaste, não te aborreces com nada do 
      que fizeste; se alguma coisa tivesses odiado, não a terias
      feito." (Bíblia de Jerusalém.)
      Carta 15 M., 14 de dezembro de 1792
      De volta de uma viagem, e ao lado do quarto de minha filha bem enferma, 
      continuo minha carta de 28 de novembro, que fui
      obrigado a interromper subitamente. Faríeis a gentileza de informar-me, 
      na vossa próxima carta, se me enganei sobre meu
      cálculo sobre 28 de novembro? A ligação das verdades, 
      a extensão surpreendente de algumas, a possibilidade de um
      aritmética universal, mais bela ainda do que a projetada por Leibnitz; 
      um Novum Organum para descobrir a verdade, melhor
      do que o do chanceler Bacon, tudo isso são perspectivas que, segundo 
      meu modo de ver, têm um fundo de realidade na
      ciência dos números naturais. Mas confesso-vos que meu coração, 
      ávido da fonte, sonha principalmente com o caminho que
      a ele conduz, e por causa disso, de boa vontade deixaria de lado todo o 
      resto. Os ensinamentos das diferentes passagens de
      B., que achastes mais equilibradas sobre esse assunto, dar-me-iam o maior 
      prazer. Na minha penúltima viagem a B., o velho
      eclesiástico, a quem chamarei de nosso abade, para abreviar, falou-me 
      de sua teoria sobre a origem da alma divina e animal
      do homem. Detalhou até às últimas nuanças essa 
      matéria, mas vos relatarei apenas os traços principais que 
      me restaram.
      Espero que com o tempo vós mesmo faleis com ele, que entende um pouco 
      de francês, embora não saiba expressar-se nele:
      servir-vos-ei de intérprete. Segundo ele, antes da origem do mundo 
      existiam três hierarquias: a primeira, de Michael51,
      formada segundo as propriedades do Pai, repleta de desejos, cheia de fogo 
      e devorada pela fome de Deus, buscando
      sempre aproximar-se dele cada vez mais. A segunda, de Lúcifer, formada 
      segundo as propriedades do Filho. O caráter dessa
      hierarquia era um pendor imperioso de penetrar em todos os mistérios 
      da divindade, uma sede inesgotável de conhecimentos
      e de luzes. A terceira, de Uriel, segundo as propriedades do Espírito 
      Santo. Seu caráter é um desejo insaciável de usufruir
      Deus e deleitar-se nele. Lúcifer caiu porque queria saber por experiência 
      e de maneira empírica o que eram o fogo e as
      trevas. Nem toda a sua hierarquia caiu inteiramente com ele, mas todos foram 
      expulsos, e é da parte restante e não tão
      culpada e nem tão degradada que foi formado o sopro divino que animou 
      nosso primeiro pai. O estado de encarnação devia
      servir de prova a essa classe de seres, e se Adão, pela obediência, 
      houvesse vencido a prova, então regressaria a todo o
      esplendor do qual Lúcifer gozava anteriormente. Depois da queda de 
      Lúcifer, foi criado um novo universo e desse universo
      Adão recebeu sua alma animal. Com a queda, ele perdeu a luz divina, 
      recebendo, no lugar dela, o espírito astral ou a razão
      como guia. Não cabe a mim, de maneira alguma, dar minha opinião 
      sobre essa hipótese, além do fato de que minha atenção
      e meus desejos estão voltados principalmente para outro lado, em 
      direção a um mistério bem mais importante, em direção 
      ao
      que São Paulo confia aos Colossenses. De todas as coisa, a mais necessária, 
      a mais sublime e talvez a mais rara, e o
      verdadeiro Cristianismo; e a maneira de atingi-lo e, segunda minha própria 
      terminologia, a grande obra. Os escritos de nosso
      amigo B., sobre os quais eu jamais deixaria de ter gratidão para 
      convosco, contêm coisas sublimes sobre esse assunto. As
      Sagradas Escrituras, que foram a fonte onde B. hauriu seu tesouro, e vossos 
      escritos encerram ainda, ao lado dos princípios
      de vossa escola que se inclinam para a obra das comunicações 
      físicas, verdades da maior importância sobre meu assunto
      predileto. Além de todas essas riquezas, só nos resta desejar 
      uma mão prestimosa que nos indique a ordem na qual
      devamos empregar e aproveitar esses materiais e, sobretudo, que dirija nossa 
      atenção para a ordem das partes integrantes
      que constituem a operação da grande obra, para que, na idéia 
      que formamos sobre essas operações, não caiamos num
      círculo vicioso. Se tiverdes a bondade de me escrever sobre isso, 
      já que nos entendemos, não será preciso mais do que 
      uma
      página. Espero que tenhais recebido o livrinho alemão que 
      vos enviei via Lyon. Dizei-me, por favor, o que pensais sobre o
      que o autor entrende, informai-me também sobre a edição 
      e a página da obra Cartas Edificantes, que confirmou vossa
      descoberta sobre a hipotenusa. Esse mesmo quadrado da hipotenusa proporcionou-me 
      certa vez uma satisfação do mesmo
      tipo, embora não da mesma espécie. Quando chegarão 
      os tempos felizes em que iremos trabalhar juntos na aritmética?
      Peço-vos fazer chegar a mim as vossas cartas sobre o primeiro endereço 
      em B. Continuai a vos lembrar de mim diante de
      nosso divino mestre e estejais certo de que ninguém é mais 
      ligado a vós do que eu. P.S.: Antes de fechar esta carta,
      sucedeu-me um fato que muito feriu minha sensibilidade. É a perda 
      de minha filha. Meu coração estava talvez muito ligado a
      ela e Deus tirou-me esse bem. Ela sofreu durante vários anos com 
      paciência e doçura angelicais. Seu sofrimento levaram
      seu caráter a um grau de bondade e amabilidade extraordinárias. 
      Perdoai-me a pressa com a qual fui obrigado a escrevervos
      essa carta. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      51 Arcanjo Miguel em alemão. Preferi deixar como está, pois 
      foi essa forma alemã que o autor usou no texto francês:
      Michael, e não Michel.
      Carta 16 Amboise, 1º de janeiro de 1793
      Recebi vossas duas cartas, senhor. A última causou-me tristeza ao 
      ver a aflição que vos aconteceu. A mesma dor aguardame
      a cada dia, poisnao há esperança de restabelecimento para 
      meu pai e até o presente ele só tem resistido à morte 
      que o
      assedia de todos os lados por causa da forte constituição 
      com a natureza o dotou; nisso somos totalmente diferentes, pois
      meu físico, embora sadio, é tão frágil quanto 
      foi bem cuidado o seu por nossa mãe comum. Certamente um de meus 
      desejos
      mais ardentes é o de ir até vossa terra, assim como às 
      margens do Reno, onde tenho preciosas amizades. Mas não posso
      31
      pronunciar-me sobre nenhum desses projetos enquanto estiver ligado, como 
      estou, seja pelos deveres sagrados que me
      mantêm aqui, seja pelos entraves que nosso governo opõe às 
      viagens dos cidadãos franceses. Esperemos que a
      Providência há de dispor tudo em sua sabedoria e entreguemo-nos 
      em suas mãos. A visão que me expondes sobre os
      números contém muito de verdade, particularmente no que se 
      refere às propriedades do universal quaternário, mas tem
      também algo de convencional, o que não deve haver nessa ordem 
      de coisas. Ora, o que há de convencional são as vossas
      relações dos quatro evangelistas, das vinte e duas epístolas 
      dos apóstolos, das vinte e duas letras, etc. A quantidade
      admitida dos evangelistas podia ser mais considerável do que é, 
      sem que o número quatro perdesse alguma coisa. Sabeis
      que houve talvez cinqüenta evangelistas; sabeis que se discute a autenticidade 
      de algumas epístolas; sabeis que a
      quantidade das letras hebraicas tem variado, etc. Mas o que é uma 
      base real é o surgimento do Reparador à época do 4º
      milênio. É, acima de tuso, a redução de 1, 2, 
      3, 4 ao denário, todas elas sendo coisas que nem volumes inteiros 
      bastariam
      para desenvolver completamente. O que me perguntais quanto às Cartas 
      Edificantes encontra-se no volume vinte e seis, in-
      12o, p. 146, edição de Paris, por Merigot, 1783. Não 
      posso citar com exatidão as citações de nosso amigo 
      B. sobre os
      números, mas, enquanto isso, procurai na Vida Tríplice, cap. 
      III, nºs 17 e 18, sobre o ternário e as seis e sete formas na
      natureza. O capítulo VI. Nº 65, sobre o Quaternário ou 
      a cruz; cap. XVI, nº 49. Sobre o número 9 e número 10; 
      cap. X, nºs 31
      e 32, sobre os dois senários e o numero 12. Cap. XI, nº 94, 
      sobre os turcos, que atingiram o número 1000 (coisa que me bem
      espantou, e que ainda não entendo muito bem para saber se devo crer 
      nela ou rejeitá-la), etc. Em vossas leituras vós mesmo
      fareis muitas descobertas desse gênero, visto que ele fala de tudo 
      em cada uma de suas obras, com maior ou menor
      extensão. Quanto à via que buscais para atingir o que é 
      verdadeiramente a grande obra, lede a décima segunda das
      Quarenta Perguntas, e do nº 12 ao nº 22, inclusive, e vereis então 
      a quem deveis dirigir-vos e se é possível mostrar aos
      homens, de maneira mais clara, o alvo, o caminho que a ele conduz e os tesouros 
      que aí nos aguardam, se tivermos
      coragem de nos renovarmos o suficiente para aí chegar. O que o abade 
      vos disse sobre as almas é uma citação literal da
      doutrina do autor sobre o Três Tronos; mas ainda não vi em 
      parte alguma, nesse autor, que é da foi da parte restante e
      menos culpada hierarquia decaída que que foi formado o sopro divino 
      que animou nosso primeiro pai. Copio vossas palavras
      e elas me parecem tão distantes do espírito do autor e dos 
      verdadeiros princípios que suponho que não as apreendestes 
      da
      boca do abade tal como ele vo-las disse, o que verificareis que puderdes. 
      De resto, tudo o que me expondes de sua parte
      não responde à minha consulta. Pergunto somente se o autor 
      dava provas convincentes daquilo que adianta sobre a geração
      sucessiva das almas humanas, que ele faz provir umas das outras e gerar 
      umas às outras como se isso acontecesse pela
      ordem física. Minha pergunta recai sobre as almas espirituais e não 
      sobre as almas animais. Disse-vos que o autor distinguia
      bem esses dois tipos de almas, quanto à sua natureza, mas que temia 
      que as confundisse quanto à lei de sua geração. É 
      um
      ponto que ainda não consegui esclarecer bem na doutrina de nosso 
      querido autor, tão profundo é o assunto. Contava com
      socorro de vosso abade, já que ele o lê há longo tempo, 
      mas aguardarei circunstâncias mais favoráveis, pois ireis ficar,
      parece-me distante dele, já que retornareis a Berna, e sabeis que 
      não podemos jamais tratar as coisas com tanto proveito
      através de cartas como através da conversação. 
      Ainda não recebi o presente que me fizestes do livro alemão. 
      Eis tudo o que
      sei sobre sua história até o momento. A pessoa que havíeis 
      encarregado de remetê-la à diligência de Lyon entregou-o 
      ao
      correio; a taxa foi de apenas 45 libras e 12 sous. Monsieur Willermez fez 
      representações que foram enviadas à nossa
      administração geral dos correios em Paris, a qual decidiu 
      que se o pacote não continha assignats nem outros artigos de
      valor, seria preciso aplicar-lhe a taxa ordinária de livros e folhas 
      impressas. Monsieur Willermez abriu o pacote na presença
      do diretor que, vendo apenas um livro, reduziu a taxa para 48 sous. De lá 
      ele mo enviou pela diligência, não para aqui,
      porque não sabia que eu aqui estava, embora o endereço que 
      lhe indicastes devesse servir-lhe de guia, mas para Paris,
      onde temo que lhe tenha acontecido algum problema, seja da parte dos funcionários 
      das diligências, que não são tão atentos
      nem tão experientes como os nossos distribuidores de correspondência, 
      seja por parte das pessoas da casa onde me
      hospedo em Paris, e que, para enviar-me aqui o pacote, tenham escrito, como 
      devem tê-lo feito, o meu endereço, isto é; que
      o terão escrito mal, pois a princesa está no campo com todo 
      a sua corte e só deixa em Paris os empregados de segunda
      categoria, que comumente não são hábeis no manejo da 
      pena. Vou ordenar que tomem informações sobre isso em Paris 
      e,
      tão logo o livro me alcance, acusarei seu recebimento. Adeus, senhor, 
      deixo-vos para voltar para junto de meu enfermo, mas
      não quero deixarvos sem formular-vos os votos de todas as satisfações 
      que podeis desejar, à frente das quais vós e eu
      certamente colocaremos todas as bênçãos divinas da qual 
      temos necessidade. Seria assim o bom ano que vos desejo.
      Desejai-me, em troca, a felicidade de poder um dia abraçarvos e travar 
      conhecimento convosco, e vos agradecerei
      antecipadamente. Não me dissestes se recebestes O Novo Homem. Ficai 
      à vontade sobre a opinião que fizerdes sobre ele.
      Sabeis o que eu mesmo penso disso. E sempre é bom rebaixar o amorpróprio 
      dos escritores. SAINT-MARTIN
      Cartas 17-35
      Carta 17 B., 23 de janeiro de 1793
      Se não tivesse tido uma multidão de ocupações 
      de todo tipo, eu não teria demorado até hoje, senhor, a responder 
      à vossa
      interessante carta de 1º de janeiro, recebida no dia 11, ao lado das 
      sessões de nosso Grande Conselho. Colocaram-me em
      dois comitês, um dos quais é da maior importância; o 
      trabalho tomou quase todo o meu tempo e absorve quase todas as
      minhas forças. A perda que tive é talvez mais sentida aqui 
      do que em Morat: a alma de minha filha estava intimamente ligada
      à minha. O que a princípio me deu forças para suportar 
      o choque foi a leitura de algumas passagens de B. Desde meu
      retorno a B. [Berna] havendo-me afastado dessa leitura, não tive 
      o mesmo socorro para combater as imagens dolorosas que
      32
      se apresentaram ao meu espírito; e se alguma vez em minha vida tive 
      o desejo de gozar das comunicações físicas de um
      certo gênero, essa idéia me teria vindo depois dessa triste 
      separação, tanto mais que nosso amigo B. acreditava que tal
      coisa fosse possível, embora difícil, numa passagem notável 
      das Quarenta Perguntas, pergunta 26, nº 13. O desejo de saber
      se seu espírito correspondia ainda aos sentimentos de meu coração, 
      o desejo se ser tranqüilizado sobre seu estado atual,
      etc., teriam com certeza predominado em mim, mas confiei-me à vontade 
      de Deus, que é ilimitada, e esforcei-me para perder
      nesse ponto, como em todos os outros, minha própria vontade para 
      aceitar somente a dele. Se puderdes prever o tempo em
      que estareis livre para executar vossos projetos de viagens que não 
      me saem do pensamento, tende a bondade de me avisálas
      sobre elas logo que possível. A parte essencial de minha visão 
      sobre os números naturais é a base, isto é, a idéia 
      de que
      a Providência quis ligar um número como um signo característico 
      a todas as manifestações, efeitos e resultados de uma
      mesma causa, o qual estaria à frente dessa classe de idéias 
      para que o homem atento pudesse, ao perceber esse número
      (já que não foi ele mas a Providência que o traçou 
      sobre o objeto), reconhecer que essa idéia pertence ao mesmo gênero. 
      É
      sobre isso que uma palavra de retificação de vossa parte me 
      daria o maior prazer. Eu também já fiz a observação 
      que tiveste
      a bondade de me transmitir sobre o que era convencional em alguns de meus 
      exemplos. A primeira Igreja, creio eu, guardou
      os quatro Evangelhos; a Providência, numa ocorrência essencial, 
      não teria orientado essa escolha, etc.? Sobre esse
      assunto, só me resta uma pergunta a vos fazer, a qual é: se 
      admitis minha maneira de calcular, ou seja, se admitis que 22
      seja igual a 4, o que serviria, em nossa aritmética, a fazer reduções 
      e talvez descobertas. Segundo esse cálculo, o 13, assim
      como 22, 31, 40. 112, 121, 202, 211, 301, 400, 1003, 1111, 1102, 1120, 1300, 
      4000, daria 4. Agradeço-vos muitíssimo pela
      indicação das Cartas Edificantes. Sua coleção 
      completa está tornando-se rara entre nós, de modo que não 
      consegui ainda o
      26º volume. Quanto ao número do amigo B., como ele se serve 
      de uma chave toda própria, sou obrigado a suspender mais
      uma vez nossas pesquisas sobre esse assunto. Devemos sempre ir o mais rápido 
      possível nessa curta vida, sobretudo a
      minha, partida em mil pedaços pela minha posição atual. 
      Agradeço-vos também de todo o coração pela indicação 
      dos nos de
      12 a 22, da 12ª pergunta das Quarenta Perguntas. A importância 
      desses poucos números exige um estudo profundo.
      Proponho-me a escrever, para uso pessoal, um resumo sobre esse assunto, 
      o qual submeterei ao vosso julgamento e à
      vossa correção. Enquanto isso, vou traçar-vos o primeiro 
      esboço dos contornos de minha hipótese. Dizei-me, por favor 
      - o
      que me lisonjeia - onde é que ele se afasta da verdade e se pode, 
      com algumas correções, aproximar-se de nosso amigo B.,
      que ainda não me é conhecido porque jamais consegui encontrar 
      tempo necessário para apreender o conjunto de suas
      idéias. Conheço-o somente por fragmentos bem distantes um 
      dos outros. Afigura-se-me que existe em nossa alma, no mais
      secreto de nossa razão, um santuário, um espelho que, apenas 
      ele, recebe os raios da luz celeste que ilumina cada homem
      que vem ao mundo. Essa luz celeste, esse sol, brilha sempre, sem interrupção: 
      é o verbo, o logos, que, em seu tempo,
      encarnou-se para manifestar-se de maneira mais admirável ainda aos 
      pobres mortais. No espelho que recebe seus raios
      vemos todas as coisas, até mesmo os objetos exteriores que, em estado 
      de vigília, nos são transmitidos pelos sentidos. Não
      é que tenhamos necessidade dos sentidos para ver os objetos exteriores 
      nesse espelho, a experiência prova o contrário; mas
      no estado ordinário e vígil do homem, os sentidos, enfraquecidos 
      ou destruídos, impedem que as impressões exteriores
      alcancem o espelho. Enquanto apenas virmos as coisas exteriores nesse vidro 
      e regrarmos a conservação de nosso corpo e
      de nossa vida temporal a partir dessa visão, as coisas irão 
      bem e o espelho permanecerá puro; mas, a partir do momento em
      que nossa vontade captar as imagens que se apresentam no espelho, que as 
      desejar, que quiser unir-se a elas e as vir como
      seu soberano bem ou que tiver medo delas, então nossa imaginação 
      as fixará, corporificando-as, por assim dizer, porque tem
      a mesma têmpera que o espelho. Essa corporificação cobre 
      o vidro de nuvens como se um hálito impuro houvesse passado
      por ele; e embora o sol resplandeça sempre acima, o espelho, obscurecido 
      e manchado, não reflete mais do que os objetos
      mais grosseiros dos sentidos. Somente desviando-nos dessas imagens e fixando 
      nossa atenção nas partes do espelho que
      não estejam sujas, desejando com ardor unirnos ao verbo que aí 
      resplandece, é que os vestígios do hálito impuro irão 
      pouco
      a pouco desaparecendo. E graças à nossa forte vontade, pelo 
      nosso desejo de união, os raios do sol, fixando-se assim como
      as imagens dos objetos exteriores e sensuais, se fixaram pelo nosso desejo 
      de união. Então esses raios, havendo-se tornado
      substanciais, unem-se à nossa alma e lhe servem de alimento, indo 
      pouco a pouco iluminando-a não somente por esse
      espelho, mas imediata e diretamente e em toda a sua plenitude. Minha hipótese, 
      para a qual muito desejaria vossas
      observações, tem alguma relação distante com 
      o sistema do P. Malebranche52 em sua Recherche da la vérité53, 
      no início
      de sua moral, e nas suas Meditations chrétiennes. As passagens de 
      São Paulo em I Coríntios 13:1254 e Cor. II 3:1855
      parecem confirmar minhas idéias sobre esses assuntos. No capítulo 
      33 do livro do Êxodo, versículo 20, diz o Senhor a
      Moisés: "Homem nenhum verá a minha face, e viverá." 
      "Quando só tememos a Deus e se desejamos intensamente somente
      a ele, quando não estivermos mais vivos com relação 
      ao mundo, e se o espelho de nosso coração for puro, poderemos
      esperar essa felicidade." Mateus, 5:8.56 Estou muito aborrecido com 
      os contratempos acontecidos ao livro alemão; espero
      que ele chegue logo ao seu destino. Encarreguei o livreiro Luguiens, de 
      Lausanne, de trazer-me a Paris O Novo Homem e
      todos os dias o aguardo. Adeus, senhor, estais mais próximo de meu 
      coração do que o podeis imaginar; e rogo que divino
      Mestre vos cumule com suas bênçãos. No curso desse ano 
      que acaba de escoar-se vós me revelastes tesouros. O pouco
      que deles já pude fruir bastaria para sustentar-me numa perda à 
      qual eu poderia, talvez, ter sucumbido sem esse socorro,
      por causa das circunstâncias. Espero que a Providência permita 
      que um dia nos encontremos para que eu possa gozar em
      paz de vossa amizade e de vossas luzes.
      KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      33
      52 Malebranche (Nicolas de), orador e metafísico francês, nascido 
      em Paris (1638-1715). Sua metafísica idealista, saída do
      cartesianismo, resolve o problema da comunicação da alma e 
      do corpo pela visão em Deus e as cuasa ocasionais.
      Devemos-lhe De la recherche de la vérité (1674-1675) e Entretiens 
      sur la métaphysique e la religion (1688).
      53 A Busca da Verdade.
      54 "Porque agora vemos como em espelho, obscuramente, então 
      veremos face a face: agora conheço em parte, então
      conhecerei como também sou conhecido."
      55 "E todos nós com o rosto desvendado, contemplando, com espelho, 
      a glória do Senhor, somos transformadores de glória
      em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito."
      56 "Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão 
      a Deus." (Sermão da Montanha.)
      Carta 18 Amboise, 13 de fevereiro de 1793
      Não tive pressa em responder-vos, senhor, crendo que dentro em pouco 
      receberia uma segunda carta vossa agradecendome
      por um presente que vos enviei através da pessoa do senhor conde 
      Divonne. Esse jovem está mais adiantado que eu
      nos favores interiores e divinos, porque vale mais do que eu, porque merece 
      um tratamento melhor. Não vos contarei sua
      história, porque ele mesmo o deve ter feito. Aguardo com impaciência 
      saber se vos encontrastes; enquanto aguardo, vou
      responder à vossa carta de 23 de janeiro. Lamento as tristes privações 
      que sofreis. Quanto a mim, a Providência também me
      trouxe aflições levando-me o mais terno e mais respeitável 
      dos pais. Perdi-o mês passado. Desde esse momento, vivo
      extremamente ocupado e assim não sei quando terminarão meus 
      negócios, haja vista mil tropeços, cujos detalhes
      enfadonhos vos pouparei. Se estivesse livre, iria por minha vontade de preferência 
      a Berna, coisa que expliquei claramente
      ao amigo Divonne, mas nossas dificuldades dentro do país interiores 
      sobre os certificados e passaportes são um obstáculo.
      Além disso, ignoro se nós outros, os franceses que não 
      emigraram, podemos gabar-nos de sermos bem vistos no estrangeiro
      depois do que se passou aqui. Lembrai-vos do que vós mesmo me dizíeis, 
      há dois ou três meses, e tende a bondade de
      dizerme com franqueza o que me aconselharíeis a fazer ou não, 
      nestas circunstâncias. A Providência não ligou o número 
      aos
      seres como signo. Ela deu a cada ser a propriedade, propriedade que se manifesta 
      pelo número que, como vedes, é fruto
      dela, a língua interna e natural, em vez de ser apenas a seu selo. 
      Sem isso, os números seriam uma coisa externa e morta. É
      possível que a Providência haja presidido à conservação 
      dos 4 evangelhos, como não se pode negar que haja presidido a
      tudo, mas não creio que haja presidido diretamente a essa conservação 
      e insisto em não ter confiança nessa relação. 
      Vossa
      redução dos números 22, 31, etc., está muito 
      bem baseada nos princípios, mas devemos abster-nos de confundir-lhes 
      os
      resultados, uma vez que os seus elementos são diferentes. Assim, 
      admito que o número 4 governe na série que me
      ofereceis, mas vejo-o governando em toda parte com um caráter diferente; 
      esta é uma das atenções indispensáveis que é
      preciso ter se não quisermos tudo desnaturar. Tudo se assemelha e 
      nada é igual - eis um axioma fundamental. Vossas idéias
      sobre o espelho da alma parecem-me muito sólidas e sê-lo-ão 
      ainda mais quando tiveram passado pelo crivo da
      regeneração. Lede a primeira parte de Encarnação, 
      cap. 13, v. 1º, e vereis de onde devemos tirar nossas instruções. 
      Assim,
      desde que li nosso delicioso Böhme, considero tudo o que escrevi como 
      brincadeiras de minha infância na sabedoria, embora
      já seja cinqüentenário e me proponha, para o futuro, 
      caminhar com mais circunspecção. Há um mês recebi 
      vosso livro
      alemão. Passei-lhe a vista no que pude, em meio às minha ocupações 
      e com meu parco conhecimento de vossa língua. O
      autor pareceu-me um homem de bem e bastante erudito. Creio que ele faz mais 
      caso da obra em questão do que ela o
      merece. Mas além disso, como me vejo em circunstâncias mais 
      favoráveis para estudá-lo com mais proveito, recebei meus
      agradecimentos por este presente, duplamente caro pelo fato de me vir de 
      vossas mãos. Já que estamos tratando de livros,
      tende a bondade de procurar no volume que possuís da História 
      Eclesiástica, de Arnold, in-fólio, 2º volume, 3! parte, 
      cap. 26,
      pp. 556, 558 e 559, onde encontrareis coisas que vos surpreenderão, 
      com relação aos acontecimentos que acabam de
      passar-se em nosso país, e particularmente sobre a queda de nossa 
      dinastia real. Joachim Greulich previu-a em 1653, e há
      quase um século que foi impresso. A vós que gostais de encontrar 
      tais testemunhos em favor das comunicações, sinto
      grande prazer em indicar-vos esta como das mais impressionantes que já 
      vi. Adeus, senhor. Possa a Providência fazer com
      que eu tenha a oportunidade de aproximar-me de vós, o que será 
      para mim um dos maiores sinais de sua bondade. Envio
      mil recomendações a Monsieur Divonne. SAINT-MARTIN
      (Falta a carta de Kirchberger de 
 de fevereiro de 1792 57.)
      57 1793º
      Carta 19 Amboise, 6 de março de 1793
      Ireis achar-me talvez bem difícil de agradar, senhor, mas as 36 L. 
      impressionam-me menos do que ao vosso abade. O
      cálculo romano tem algumas bases verdadeiras, como tudo o que ocorre 
      nesse mundo, mas está tão misturado ao que é
      convencional que pouco rende. Tudo o que dele tirais por vossa operação 
      são os 18 séculos; e pela soma de 3 e 6, de 1 e 8,
      o número 9 que, segundo a figura, é o quadro58 das duas coroas, 
      ou antes, das três cruzes. Enfim, vejo somente uma época
      de tempo, e nenhuma abertura sobre a ação do espírito 
      que deve concorrer com essa época. O cálculo arábico 
      vai mais
      longe, sendo assim um guia melhor. Ele nos descreve as passagens fielmente: 
      mil anos são como um dia, pelos três zeros
      que seguem a unidade e nada mais são do que a imagem desse mundo 
      passageiro e aparente, que está como que nulo
      34
      diante da viva e eterna unidade. Descreve-nos com isso o desenvolvimento 
      da obra de seis dias, o que induziu vários sábios
      a não atribuírem mais do que 6000 anos de duração 
      a esse transitório fenômeno, conduzindo-nos à 7! operação 
      que, quando
      da criação do mundo foi apenas o sabbat do espírito, 
      enquanto que no fim ela será o sabbat de Deus. Creio, pois, que o
      cálculo arábico vai um pouco mais além do cálculo 
      romano em questão, estando convencido de que os grandes golpes só
      serão desfechados depois do nosso sexto milênio, ou seja: depois 
      dos dois mil anos da nossa época atual. Não estou menos
      convencido de que as coisas já tenham começado e nisso o vosso 
      cálculo romano tem uma espécie de coincidência com os
      acontecimentos de nosso tempo, o que é sempre uma visão que 
      não prejudica nada, contanto que seja mantida dentro de
      limites. Mas quanto às três coroas, parece-me não existir 
      aí relação alguma e, para achar-se o sentido delas, 
      creio ser
      preciso ir acima do cálculo romano, e mesmo acima do cálculo 
      arábico. É necessário erguer os olhos até a 
      marcha do
      Espírito de vida que, desde o início das coisas procura entrar 
      novamente em todos os reinos que deixamos perder e nos
      quais só pode reentrar de maneira progressiva. Esses três reinos 
      eram descritos em minha primeira escola com os nomes de
      natural, espiritual e divino, e, no homem, com os de pensamento, vontade 
      e ação. Böhme nolos descreve com os nomes do
      fogo, da luz e da natureza, pelos nossos três princípios, nossa 
      tríplice vida; é somente aí que podemos encontrar o 
      sentido
      das três coroas. O reino natural e figurativo durou até Jesus 
      Cristo e o espírito que atravessou esse reino recebe aí sua
      primeira coroa. De Jesus Cristo até ao 7º milênio, é 
      a época do reino espiritual ou da luz, segundo Böhme, e é 
      nesse
      intervalo que se obtém a 2! coroa. A terceira só pode ser 
      mostrada pela conquista do reino de Íris ou do fogo, e tudo parece
      anunciar que essa terceira, ou tríplice, coroa somente pode aparecer 
      no sabbat de Deus, tanto em geral quanto em
      particular, porque sabeis que tudo se repete tanto no indivíduo como 
      na espécie, desde que sejamos homens de desejo.
      Sobre isso o amigo Böhme diz coisas tão profundas, e ao mesmo 
      tempo tão surpreendentes, que podeis nele beber em
      longos haustos.
      Lede os números que se seguem ao 44, cap. 30, do Mysterim Magnum, 
      lede em geral tudo o que ele diz dos progressos da
      Igreja de Enoque, e vereis como ele mesmo nos põe no caminho e, ao 
      mesmo tempo, como nossas instruções e as suas têm
      laços de parentesco. Não posso, numa carta, estender-me sobre 
      esses grandes assuntos, pois confesso-vos ser isso uma
      senda que é um abismo de maravilhas. Passemos à comunicação 
      física da causa ativa e inteligente. Creio que ela seja
      possível, e vós também, senhor, assim como todas as 
      outras comunicações. Quanto ao meu testemunho pessoal, não 
      teria
      grande peso, uma vez que esses tipos de provas devem ser-nos próprios 
      e pessoais para obtermos seu efeito pleno e inteiro.
      Todavia, como creio estar falando a um homem comedido, calmo e discreto, 
      não vos esconderei que na escola pela qual
      passei, há mais de vinte e cinco anos, as comunicações 
      de qualquer tipo eram numerosas e freqüentes e nelas tive minha
      participação, com em muitas outras, e que nessa participação 
      estavam compreendidos todos os sinais indicativos do
      Reparador. Ora, não mais ignorais que esse Reparador e a causa ativa 
      são a mesma coisa. Apesar disso, como para aí eu
      fora conduzido através de uma iniciação, e como o perigo 
      das iniciações é o de entregar-nos aos violentos espíritos 
      do
      mundo, o que sucedeu a Adão quando se iniciou em sua própria 
      imaginação, Encarnação (3! parte, cap. 6, nº 
      1) e como seu
      desejo não era totalmente de Deus, não posso responder que 
      as formas que se comunicam comigo não fossem formas
      enganadoras, pois a porta está aberta a todas as iniciações, 
      e é o que torna essas vias tão errôneas e suspeitas. 
      Sei que a
      Alemanha está cheia dessas iniciações, sei que o gabinete 
      de Berlim só é conduzido, e só conduz ao seu rei, por 
      esse meio.
      Ora, até o presente ele não tem do que se gabar. Sei, por 
      fim, que a terra inteira está coberta desses prodígios, mas 
      repitovos
      que, a menos que as coisas partam do próprio centro, não confio 
      nelas. Posso garantir-vos que já recebi, através do
      caminho interior, verdades e alegrias mil vezes acima do que já recebi 
      do exterior. O interior, ou o centro, é o princípio de
      tudo; enquanto esse centro não estiver aberto, as maiores maravilhas 
      externas podem seduzir-nos em vez de nos fazer
      progredir. E, até ouso dizê-lo, é o nosso interior que 
      deve ser o verdadeiro termômetro, a verdadeira pedra de toque do que
      se passa fora de nós. Se nosso coração estiver em Deus, 
      se estiver realmente divinizado pelo amor, pela fé e pelo ardor da
      prece, ilusão alguma nos tomará de surpresa. Se Deus é 
      por nós, quem é contra nós?59 Não teremos senão 
      as
      comunicações úteis, senão aquelas que devemos 
      ter; ao passo que pelas iniciações temos aquelas das quais 
      não sabemos
      o que fazer, e isso porque não há mais iniciação 
      além da de Deus e de seu Verbo eterno que está em nós 
      e porque tudo
      deve manifestar em nós e por nós, segundo sua vontade. Ocupemo-nos 
      apenas em fazê-la renascer. Há muito tempo não
      tenho tido notícias do conde D. Raramente escrevemos um ao outro. 
      Devo prevenir-vos de que ele se acha entre o número
      dos emigrados a fim de agirdes de acordo. Quando lhe escrevo, dirijo minhas 
      cartas aos cuidados de Madame Rasumuski,
      em Lausanne, a quem conheço muito bem. Além do mais, ele está 
      ligado, creio-o, a uma princesa russa que não conheço - e
      até mesmo reside com ela - mas que, sem me conhecer, dá-me, 
      assim como vós, a honra de ter um pouco de amizade por
      mim. Foi com ela que ele veio a Berna e sei que algumas vezes ele viaja 
      até aqui, mas sei também que ele espera muito ver
      mudar sua triste sorte, este mês, sem que nem ele nem eu saibamos 
      como. Essas poucas informações podem ajudar-vos a
      descobrir, se o desejardes, e podereis escrever-lhe, se vossa prudência 
      o permitir. Quanto aos meus projetos de viagem à
      vossa pátria, estou sempre ocupado com eles, mas sem poder prometer-me 
      nada de positivo, nem sobre o tempo, nem
      sobre o modo de executá-los, talvez nem mesmo sobre sua execução. 
      Nossas convulsões políticas influem de maneira grave
      sobre os meus negócios familiares, cujo termo é-me impossível 
      prever.
      Os oferecimentos generosos que me fazeis aumentam minhas queixas sobre todas 
      essas dilações e os aborrecimentos que
      tenho com as incertezas que me acabrunham neste momento; mas eu só 
      poderia tirar proveito disso quando arranjásseis as
      coisas de maneira a que eu não vos fosse motivo de embaraço, 
      já que meus meios pecuniários permitem-me a possibilidade
      de assumir a despesas. Estou encantado por a união estar restabelecida 
      entre vossa nação e a minha. Também não tenho
      dúvida alguma de que teria tido muito prazer em percorrer vosso país, 
      do qual só conheço uma parte bem pequena, a região
      35
      de Vaud. Mas para mim tudo está subordinado aos acontecimentos e 
      ao tempo. Não vos perturbeis em nada com
      preparativos, terei mais do que o tempo necessário para prevenir-vos 
      em caso de possibilidade; serei fiel ao anonimato que
      me recomendais. Entretanto, são menos as intrigas dos emigrados que 
      me deixariam em guarda do que as suas
      importunações. Sou conhecido por um grande número deles. 
      Alguns seguiriam aos tropeções as nossas atividades; milhares
      de outros perseguiriam minha bolsa e me seria duro deixar sem recursos pessoas 
      que já conheci. E no entanto, elas são tão
      numerosas que eu me arruinaria sem chegar a ser-lhes muito útil. 
      Eis, para o momento, o estado das coisas. O tempo me
      ensinará talvez mais. Adeus, senhor, recebei a garantia de minha 
      inviolável afeição e conservai-me no lugar honroso 
      e
      lisonjeiro que tivestes a gentileza de dar-me em vossa amizade. SAINT-MARTIN
      Falta uma carta [Kirchberger de Liebistorf] de 15 de março de 1793, 
      que começava assim:
      Foi dito que devo sempre ter obrigações. Vós me pondes 
      em contato com o senhor conde Divonne, etc. (Isso parece
      espantoso, pois o correspondente suíço, na carta 21, responde, 
      ao mesmo tempo, às cartas nºs 19 e 20.)
      58 À revisão: quadro ou quadrado?
      59 Paulo: Carta aos Romanos, 8:31. 57 1793º
      Carta 20 Amboise, 26 de março de 1793
      Fico encantado, senhor, por estardes contente com o conhecimento que vos 
      prometi. Quanto a vós, também lhe fostes
      bastante conveniente, o que me causa infinita alegria por haver feito algo 
      tão bom. Gostaria de ter liberdade suficiente para
      responder ao vosso convite e ir encontrar-me convosco. Mas, independentemente 
      das razões de negócios que vos aleguei
      em minha última carta, atualmente estamos, na região da França 
      em que habito, em estado de requisição permanente60 por
      causa das perturbações manifestadas nos departamentos vizinhos. 
      Ninguém pode ter passaporte, nem mesmo para viajar na
      França. Creio que nossos reveses na Bélgica multipliquem ainda 
      os impedimentos para viajar ao exterior. Começo a crer que
      vão realmente ocorrer os deploráveis tratamentos com os quais 
      Joachim Greulich ameaçou meu país.
      Vede minha impotência e consolai-me nessas tristes vicissitudes que 
      se opõem aos meus desejos. Visto o estado de
      agitação em que nos achamos, serei breve nas respostas às 
      vossas perguntas. Aliás, minhas cartas anteriores vos teriam
      ajudado, quando não a resolver as dificuldades, pelo menos a não 
      encontrar tantas.
      1º: Creio, como vós, que os pontos de proposição 
      podem estender-se a muitos objetos, uma vez que é verdade não 
      haver
      um ponto que não esteja ligado ao infinito. Cabe a cada um haurir 
      dessa fonte segundo suas forças e a nela enxergar
      segundo seu modo de ver. Creio que já vos indiquei algumas passagens 
      de Böhme que teriam podido ampliar vossas idéias
      sobre o número 12 e suas correspondências. Procurai-as em minhas 
      cartas, pois não me lembro mais.
      2º: O trigo, o vinho, o óleo. Senhor, se pelo caminho simples 
      de vosso coração chegardes a considerar a sublimidade da obra
      universal e particular de Deus, vereis que esses conhecimentos não 
      podem jorrar senão de sua própria fonte. Eu mesmo
      estou bem longe de os possuir em sua integridade e espero com paciência. 
      Meu primeiro mestre, a quem na juventude eu
      fazia perguntas semelhantes, respondia-me que, se ao sessenta anos eu houvesse 
      atingido o termo, não mais deveria
      queixar-me. Ora, por enquanto só tenho cinqüenta. Procurai sentir 
      que as melhores coisas são aprendidas, e não ensinadas,
      e sobre elas ficareis sabendo mais do que os doutores. Além disso, 
      remeter-vos-ei sempre a Böhme que, em todos os
      pontos, está dez milhões de vezes acima de um escrevinhador 
      como eu, e eu, quando escrevi, escrevia pior do que hoje.
      3º: Os números. É possível que cada autor haja 
      bebido isso em sua fonte e que, entretanto, eles se expliquem de maneira
      diversa. O único meio de não aceitar a linguagem deles é 
      recorrer aos princípios. É aí que se encontra o espírito 
      e, como
      conseqüência, o meio de retificar a letra. Compete ao princípios 
      conduzir os números e não aos números conduzir os
      princípios. Por exemplo: leio todos os dias no amigo Böhme que 
      há quatro elementos e, no entanto, estou geométrica,
      numérica e fisicamente certo de que só existem três. 
      Isso não impede que ele e eu nos entendamos, porque vejo que nossa
      diferença só está na expressão e que ele mesmo 
      concorda comigo pelos soberbos princípios que expõe. Repito, 
      portanto,
      que é no estudo e na instrução sobre os princípios 
      que se pode encontrar um regulador. E enquanto não formos conduzidos
      até ele por alguns exames severos, será uma atitude sábia 
      não nos aproximarmos demais dos resultados decorrentes,
      porque, não lhes sendo conhecida a ligação, eles poderiam 
      alterar a fé nas bases alterando a coragem, que não tem chama
      própria.
      Convido-vos, pois, a tomar de todas as coisas aquilo que se apresentar naturalmente 
      ao vosso espírito, a nada esconder
      nessa ordem de ciência antes de haverdes recebido socorros, mas a 
      buscar continuamente na renovação de vosso ser, que
      vos tornará capaz de tudo ver quando tudo vos for apresentado. Esse 
      trabalho e a leitura do eleito Böhme pode preencher
      grandemente o vosso tempo até que as circunstâncias me permitam 
      ir transmitir-vos os frágeis socorros de que for capaz, e
      que até mesmo não serão nada, pois tereis aproveitado 
      das belas lições de nosso amigo B. Convido-vos a ler o seu 
      Sechste
      Büchlein vom übersinnlichen Leben61 e o Siebende Büchlein 
      von göttlicher Beschauligkeit 62. Creio que neles encontrareis
      amplas messes a colher, tanto pela simplicidade da via como pela sublimidade 
      dos termos. Adeus, senhor, deixo-vos por
      agora e, não podendo por hoje conversar por mais tempo convosco, 
      peço que não vos esqueçais de mim. Se por acaso
      encontrardes Monsieur Di., transmiti-lhe minhas recomendações. 
      SAINT-MARTIN
      36
      60 Leva em massa, decretada a 23 de agosto de 1793 pela Convenção 
      (assembléia que estabeleceu a república na França
      em 1792, durante a Revolução, e que exerceu plenos poderes 
      até 1795).
      61 Sexto tratado, sobre a vida suprasensual.
      62 Sétimo tratado, sobre a contemplação divina.
      Carta 21 B
, 5 de abril de 1793
      Eu já teria respondido, senhor, à vossa importante e interessante 
      carta de 6 de março se não tivesse sido obrigado a fazer
      uma viagem a serviço de nossa república, da qual só 
      retornei há poucos dias. Apesar da aquiescência do abade, não 
      dou à
      minha observação mais valor do que ela merece e acho que vossos 
      comentários sobre esse assunto não podem ser mais
      justos e o que dizeis sobre as três coroas é muito profundo 
      e interessante. Passo à parte importante e confidencial de vossa
      carta, a que trata da comunicação física da causa inteligente, 
      isto é, do Reparador. Não duvideis um instante sequer do peso
      de vosso testemunho pessoal com relação a mim: os fatos acontecidos 
      em vossa escola, os quais tivestes a bondade de me
      citar, não me deixam qualquer vestígio de dúvida quanto 
      à sua existência e a todos os sinais indicativos que os
      acompanham. Mas uma observação essencial, e que em mim continua 
      a ser importante até me convencerdes do contrário, é
      que as manifestações que se comunicavam com vossa escola eram 
      provavelmente formas enganadoras. Eis o motivo em
      que me baseio: desde o momento em que essas comunicações caem 
      no sentido externo da visão, creio que podem tomar
      contornos tão superiormente delineados, de formas tão imponentes 
      e sinais tão augustos que não é absolutamente possível
      não admiti-las como verdadeiras, mesmo sendo apenas contrafações. 
      Um exemplo marcante nesse gênero, e que aprendi
      há alguns anos, é o que aconteceu na consagração 
      da loja da maçonaria egípcia em Lyon, a 27 de julho de 5556, 
      segundo o
      cálculo deles, o qual me parece errado. Havia vinte e sete membros 
      reunidos. Assim como não basta ter probidade e nem
      mesmo religião para nos resguardarmos do erro nesse gênero, 
      a maior felicidade que poderia acontecer a um mortal seria,
      sem a menor dúvida, a comunicação física da 
      causa ativa e inteligente, mas vós admitis juntamente comigo que 
      a ilusão e o
      erro tomam quase sempre as formas da verdade em uma manifestação 
      tão importante. E como distinguir a verdade das
      formas enganadoras? Vós me dizeis: "A menos que as coisas partam 
      do próprio centro, não confio nelas." Sobre essa
      afirmativa, que me parece tão veraz e importante, tomo a liberdade 
      de fazer-vos uma única pergunta: há manifestações
      visíveis que possam partir do centro? Ou, em outras palavras, estando 
      o centro aberto, somos ainda capazes ter
      comunicações visíveis? Não poderíamos 
      nomear como natural, astral e divino os três reinos designados por 
      vossa escola
      como natural, espiritual e divino? Todas as manifestações 
      que se seguem a uma iniciação não seriam do reino astral, 
      e,
      desde que colocamos os pés nesse domínio, não entramos 
      em contato com todos os seres que o habitam, dos quais a maior
      parte - se em semelhante assunto me é permitido servir-me de uma 
      expressão trivial - são má companhia? Não entramos 
      em
      contato com seres que podem atormentar, até o excesso, o operador 
      que vive nessa multidão a ponto de provocar nele o
      desespero e inspirar-lhe o suicídio, conforme testemunham Schröpfer 
      e o conde de Cagliostro? Na certa aos iniciados
      restarão meios com maior ou menor eficácia para eles se protegerem 
      das visões, mas em geral parece-me que essa
      situação, que está fora da ordem estabelecida pela 
      providência, pode antes ter conseqüências mais funestas 
      do que
      favoráveis para o nosso progresso. Repito minhas perguntas: credes 
      nas comunicações físicas emanadas pelo centro ou
      produzidas por ele? Em minha nomenclatura limitada, chamo centro ao interior 
      de nossa alma, porém ignoro ainda se o
      sentimento, seja qual for, pode ou não penetrar até ele. Encaro 
      essa parte divina de nós mesmo como o veículo, o berço 
      do
      Reparador que deve ser gerado em nós. Uma vez gerado em nós 
      o Verbo, creio que é por ele que temos comunicação 
      com
      o Pai e que é pelo fluxo e o refluxo de comunicação 
      entre o Verbo e o Pai que é feita em nós a procriação 
      do Espírito Santo,
      que então nos introduz em toda a verdade. Assim, penso eu, tudo depende 
      do único necessário, do nascimento do Verbo em
      nós. Daí a importância de todos os meios que podem facilitar 
      e preparar esse nascimento; daí a importância de não 
      nos
      enganarmos sobre o significado da palavra centro; daí a necessidade 
      de nos recolhermos em nós mesmos; daí a
      necessidade de nossa cooperação ao aspirar com nossa alma 
      em direção ao Pai, mergulhando novamente em direção 
      ao
      centro, em direção ao coração junto ao Verbo. 
      Nosso amigo B. diz em favor de minha última opinião uma coisa 
      bem profunda
      e geralmente pouco conhecida: "Imagination macht Wesenheit (Drey-fach 
      Leben)63, cap. 10: 48; cap. !IV: 45. Encarnação,
      parte 1, cap. 3: 6,68." Ou seja, que a imaginação transforma 
      as idéias em substâncias. Isso é diametralmente oposto 
      à
      opinião vulgar, a qual crê que a imaginação toma 
      as idéias por substâncias e que é por isso que se torna 
      uma fonte de erros
      e ilusões. Como conseqüência desses princípios, 
      ao nos ocuparmos constantemente de Deus e desejando somente a ele,
      devo crer que o Verbo nascerá em nós e que a correspondência 
      inefável da Santíssima Trindade operar-se-á em nossa
      alma.
      Na passagem da Encarnação., parte 3, cap. 4:1, que tivestes 
      a bondade de citar-me em vossa carta do dia 6, há uma linha
      que confirma muito bem minha asserção. Diz nosso amigo B.:
      "Denn die Lust ist eine Imaginirung, da die imagination sich in alle 
      Gestalten der Natur einwindet, dasz sei allda geschwängert
      werden mit dem Dinge daraus dei Lust entstehet."
      [A luxúria é um modo de imaginar, onde a imaginação 
      serpeia ou se insinua em todas as formas da natureza, de modo que
      todas ficam impregnadas com isso, e por isso existe a luxúria.] Como 
      o espírito exterior do homem é uma figura do interior,
      creio que é também o caso e o modo da condição 
      de permanência do Verbo do qual acabo de falar. Informais-me que pela
      via do interior recebestes verdades e alegrias acima daquilo que havíeis 
      recebido pelo exterior. Para a glória de Nosso
      Senhor, não oculteis de mim os prazeres que recebestes pela via do 
      interior. Peço, pela vossa amizade, informar-me quando
      37
      e como atingistes o centro e se tivestes manifestações exteriores 
      a partir daí. Acabo de receber vossa carta de 26 de março.
      As circunstâncias desfavoráveis que vos cercam ter-me-iam causado 
      muita inquietação por vós se minha confiança 
      na
      Providência tivesse limites. Continuo esperando que a calma renasça 
      em vosso país: o estado de guerra é um estado tão
      pouco natural que obrigatoriamente os homens se cansam dele. Rogo que vos 
      esforceis para cumprir vossa promessa, tão
      obsequiosa para mim, logo que os acontecimentos o permitam. Estejais certo 
      de que com a execução de nosso projeto e
      hospedando-vos em minha casa, não me impondes outro encargo além 
      da gratidão que terei para convosco. Como na Suíça
      vivemos sem luxo e os próprios chefes de nossas repúblicas 
      habitam em pequenas casas burguesas, nossas posses,
      embora limitadas, bastam para proporcionar-nos grande comodidade. São 
      excelentes os vossos conselhos no fim da carta do
      dia 26. Ser-me-á muito fácil segui-los, pois nesse gênero 
      o que propriamente me interessa é somente meu grande alvo, e eu
      sacrificaria de boa vontade todos os conhecimentos que não ajudam 
      ou que não conduzem a ele, assim como não buscaria
      objeto algum sem auxílio, desde que esse objeto me lançasse 
      na circunferência. Voltando-me com todas as minhas forças
      para aquele que é a fonte da vida, terei feito o pouco que posso 
      fazer para a renovação de meu ser. No mais, rendo-me ao
      nosso grande Benfeitor. Se devo permanecer na obscuridade, que seja feita 
      a sua vontade. Não peço luz, mas somente a
      ele. Lerei com cuidado os dois Tratados de B. que tivestes a bondade de 
      indicar-me. Eles já me haviam atraído sem que eu
      os conhecesse; até aqui, não os havia lido. Recebei meus agradecimentos 
      sinceros pelo interesse que demonstrais pelo meu
      progresso e pelos testemunhos de vossa amizade. Tende a certeza de que conheço 
      todo o valor de vossos conselhos, de
      que farei tudo o que me for possível para segui-los. Adeus, senhor, 
      rogo-vos não vos esquecerdes de mim em vossas
      preces. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      63 A imaginação traz a essência?
      Carta 22 Amboise, 5 de abril de 1793
      Tomo da pena, senhor, para rogar-vos um pequeno favor. Gostaria de ter, 
      em inglês, as obras de Jane Leade, da qual se fala
      em vosso Arnold, tomo II, parte 3, cap. 20, p, 519. Segundo fui informado, 
      essas obras, traduzidas em alemão, são o Le Puits
      du JardimI [A Fountain of Gardens - N.T.], in-oitavo, e, além disso, 
      três volumes do diário de todas as suas visões, cuja 
      leitura
      recomendaram-me com muito empenho. Mas como nossas relações 
      com as potências inimigas estão todas interditadas, e
      sendo-me o inglês mais familiar do que o alemão, ouso dirigir-me 
      a vós pedindo que empregueis todos os meios que
      estiverem ao vosso alcance para que vos enviem de Londres as obras em questão; 
      em seguida, tende a bondade de enviarmas
      a Berna. Não façais economia, pois satisfarei a todas as despesas, 
      quaisquer que sejam. Vossa posição política e
      vossas relações científicas vos permitem conseguir-me 
      essas obras que dizem ser um tesouro, pelo que vos ficarei
      inteiramente agradecido. Rogo-vos além disso, fazer chegar o bilhete 
      anexo à pessoa cujo conhecimento vos proporcionei e
      cujo endereço seguramente possuís. Perdoai-me se tomo essa 
      liberdade, mas não posso mais servir-me da via costumeira
      para escrever-lhe, e depois, pretendo que isso não seja muito freqüente. 
      Adeus, senhor, felicito-vos mais do que nunca por
      respirardes o ar da paz política. As circunstâncias querem 
      que eu respire outra; submeto-me e adoro. Então, encontro uma
      paz que vale bem a da terra, mas é preciso velar para que ela me 
      seja duradoura. SAINT-MARTIN
      Carta 23 B
, 18 de abril de 1793
      Recebi, senhor, vosso bilhete de 5 de abril. Podeis ter a certeza de que 
      não pouparei qualquer esforço para conseguir-vos as
      obras de Jane Leade. Tenho motivos para crer que a pessoa que vos teceu 
      elogios sobre elas deu-vos uma excelente
      indicação. Jane Leade era amiga do doutor Pordage e o que 
      dela se encontra em Arnold é somente um trecho do prefácio 
      do
      Gartenbrunnn [A Fountain of Gardens - N.T.]. Esse Puits du Jardin contém 
      três partes que formam um diário de todas as
      comunicações e manifestações de que ela usufruiu. 
      No fim do prefácio mencionado, ela indica e louva uma obra intitulada 
      le
      Mystère des manifestations et révélations64, de um 
      médico inglês. Julguei que esse médico só podia 
      ser Pordage.
      Efetivamente, encontrei o tratado em questão na coleção 
      alemã que possuo desse autor. Nessa obra, Pordage montra a
      importância e as diferentes espécies de comunicações 
      e manifestações. Faz menção do estado de enfraquecimento 
      em que
      a Igreja se viu quando esse gênero de revelação foi 
      suspenso e interrompido e fala de várias manifestações 
      com grande
      respeito. Eis o título das obras compostas por Jane Leade, além 
      do Puits du Jardin, ou de eu diário, o que é a mesma
      coisa.65
      1º. La Nuée Celeste [A Nuvem Celeste], ou L'Échelle de 
      la Résurrection [A Escada da Ressurreição], impressa 
      na Inglaterra
      em 1682. In-quarto.
      2º. La Révélations des révélations [A Revelação 
      das Revelações]; in-quarto, 130 p.
      3º. La Vie Hénochienne [A Vida de Enoque] e le Cheminemnt avec 
      Dieu [O Caminhar com Deus]; in-quarto, 1694. 38
      páginas.
      4º. Les Lois du Paradis [As Leis do Paraíso], 1695. In-oitavo, 
      69 páginas.
      5º. Les Merveilles de la création divine, en huit mondes différents, 
      tels qu'ils on été montrés à l'auteur [As Maravilhas 
      da
      Criação Divina, em oito mundos diferentes, tais como foram 
      mostrados à autora]. 1695. In-oitavo, 89 p.
      6º. Un Message pour la commune de Philadelphie [Uma Mensagem para a 
      Comunidade de Filadélfia]. 1696. In-12, 108
      páginas.
      38
      7º. L'Arbre de foi [A Árvore da fé], ou ou a L'Arbre 
      de vie, qui croît dans le Paradis de Dieu [A Árvore da Vida, 
      que cresce no
      Paraíso de Deus]. In-12, 122 páginas.
      8º. L'Arche de la foi [A Arca da fé]. 1696. 33 páginas.66
      Todos esses tratados foram traduzidos em alemão em Amsterdam, em 
      1696, e é de acordo com os títulos alemães que vos
      indico os títulos franceses. Certamente já tereis recebido 
      minha longa carta de 29 de março. Desde então, li nos livros 
      de B.
      por vós indicados (sabeis como amo e respeito B.), a passagem que 
      deve a passagem que deve servir de explicação para a
      figura que está no início do tratado, Vom übersinnlichen 
      Leben, é, na minha opinião, uma obra-prima; e mesmo no início 
      do
      tratado B. remete à melhor de todas as provas: a experiência. 
      Mas com isso sempre há grandes dificuldades, não tenho
      necessidade de vo-las indicar. Deus quer que as superemos. Jane Leade, no 
      trecho de discurso que se encontra em Arnold,
      3! parte, cap. 20, § 23, diz, em poucas palavras, uma coisa bem profunda: 
      "Precisamos zelar pela abertura de cada centro,
      pois a serpente tem sempre uma sutilieza pronta para introduzir-se em toda 
      parte onde puder." ["We need to watch the
      opening of each centre, for the serpent has always some subtilty ready, 
      to introduce himself wherever he can."- N.T.] Isso é
      geral, mas Jane Leade acrescenta uma observação particular 
      que se refere à grande questão inserida em minha carta de 
      29
      de março: "De todas as manifestações, a mais segura 
      é a manifestação intelectual e divina que se abre nas 
      profundezas do
      centro. Entretanto, isso não deve significiar que devamos permanecer 
      sempre nesse ponto e aderidos a ele sem irmos além,
      pois existe um outro centro mais profundo ainda no qual a Divindade, despojada 
      de qualquer figura e de qualquer imagem,
      pode ser conhecida e vista em seu próprio ser e em toda sua simplicidade. 
      Esse modo de se manifestar é a mais pura e, sem
      exceção, a menos sujeita a erros, na qual nossos espíritos 
      podem repousar eternamente, como no centro deles, e gozar de
      todas as delícias das quais se nutrem os Anjos, mesmo diante do trono 
      do Eterno." ["Of all manifestations, the safest is the
      intellectual and divine manifestation which opens in the depths of the centre. 
      Nevertheless, that does not mean that we should
      suppose that we ought always to remain glued to this point and advance no 
      further, for there is another centre, still deeper, in
      which the Divinity, divested of all figure, and without image, may be known 
      and seen in His own being, and in all His simplicity.
      This manner of manifestation is the purest, and, without exception, the 
      least subject to error, in which our minds may repose
      as in their centre, eternally, and enjoy all the joys of angels, even before 
      the throne of the Eternal."] Vede até que ponto vai a
      sublimidade de Jane Leade! Na incerteza sobre qual dos tratados dessa autora 
      eu conseguiria em Londres, encomendei
      todas: uma exemplar de cada uma eles para vós e outro para mim; podeis 
      deixar para mima aqueles que não vos
      interessarem. Tomo a liberdade de rogar-vos que soliciteis ao vosso correspondente 
      em Estrasburgo, o que vos recomendou
      as obras de Jane Leade, pelo amor da boa causa, que dê a um livreiro 
      dessa cidade a ordem de enviar-me todas as obras
      Jane Leade que possua em alemão. Poderá enviá-las a 
      Basiléia, à viúva do livreiro Auguste Serini, recomendando-lhe 
      que
      as faça chegar a mim. Soube com pesar do dissabor acontecido a uma 
      de vossas conhecidas, a cidadã B. Sabeis por minhas
      cartas anteriores que tomei interesse por ela. Ela tem um parente próximo 
      que prova realmente que as virtudes nem sempre
      são os melhores guias de nossas ações, mas mui provavelmente 
      as ciências eram de uma espécie muito má. A partir disso,
      não poderíamos concluir que a natureza das virtudes que se 
      aproximam de nós está em razão direta da nossa pureza?
      Adeus, senhor, lembrai-vos de mim em vossas preces. Encerrais vossas cartas 
      com um conselho admirável, o da vigilância.
      Quoniam non est nobis colluctatio adversus carnem et sanguinem, sed adversus 
      principes et potestates, adversus mundi
      rectores tenebrarum harum, contra spiritualia nequitiæ in celestibus.67 
      KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      64 Em francês no original, embora a autora seja inglesa.
      65 Os títulos serão citados em português com os títulos 
      franceses entre parênteses. Não temos os títulos originais 
      em inglês
      nem os títulos das traduções alemãs.
      66 Respectivamente, no original: La Nuée celeste ou (l'Échelle 
      de la Résurrection; La Révélation des révélations; 
      La Vie
      Hénochienne, Le Cheminenent avec Dieu; Les Lois du Paradis; Les Merveilles 
      de la création divine, en huit mondes
      différents, tels qu'ils ont été monstrés à 
      l'auteur; Un Message pour la commune de Philadelphie; L'Arbre de foi, ou 
      l'Arbre de
      vie, qui croît dans le Paradis de Dieu; L'Arche de foi. Títulos 
      ingleses:
      67 "Porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, 
      e, sim, contra os principados e potestades, contra os dominadores
      deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões 
      celestes." Paulo aos Efésios, 6:12.
      Carta 24 Amboise, 24 de abril de 1793
      Realmente recebi, senhor, vossa excelente carta de 29 de março e, 
      para responder a ela, esperava esta que acabo de
      receber. Passo em seguida à vossa pergunta: Há comunicações 
      físicas emanadas do centro ou por ele produzidas?
      Descubro que não somente Jane Leade responde a isso de maneira perfeita 
      na passagem que me enviastes, mas que vós
      mesmo não deixastes de responder igualmente bem a essa pergunta ao 
      dizerdes que tudo dependia do único necessário, do
      nascimento do Verbo em nós. Acrescentaria minha opinião pessoal: 
      é que, por si só, esse centro profundo não produz forma
      física alguma, o que me fez dizer, no homem de desejo68, que o amor 
      íntimo não possuía forma e que, assim, homem algum
      jamais vira Deus. Mas o Verbo íntimo, quando desenvolvido em nós, 
      influi e aciona todas as potências de segundas,
      terceiras, quartas, etc., fazendo-as produzir suas formas segundo os planos 
      que tem com relação a nós: eis, na minha
      opinião, a única fonte das manifestações. No 
      entanto, não direi por isso que todas aquelas que não venham 
      por essa sendas
      sejam formas enganadoras, porque cada espírito produz a própria 
      forma a partir da essência de seu pensamento, mas diria
      que são formas de imitação que buscam arremedar as 
      verdadeiras. Ajuntai a isso tudo o que o astral puder introduzir-lhe e
      39
      tudo o que a serpente opera nesse astral, e vereis mais do que nunca que 
      esse centro é o nosso único porto e a nossa única
      fortaleza. Eu sabia por escrito de todos os acontecimentos de Lyon dos qual 
      me falais e não hesito em situá-los na classe
      das coisas mais suspeitas, embora as boas almas lá presentes tenham 
      podido receber felizes transportes como frutos de sua
      piedade e de seus verdadeiros desejos; Deus está sempre tirando o 
      bem do mal. Sabia também das histórias de Schröpfer e
      de muitas outras desse tipo, sobre as quais o julgamento definitivo foi 
      dado há muito tempo. Quanto às manifestações 
      que
      aconteceram em minha escola, creio-as muito menos falsificadas do que as 
      citadas. Ou, se o eram, havia em todos nós um
      fogo de vida e de desejo que nos preservava e que até esmo nos fazia 
      caminhar na graça, mas então conhecíamos pouco o
      centro. O que eu tive de conhecimento desse centro, e sobre o quê 
      me questionais, limita-se a transportes interiores
      deliciosos e a bem mais doces instruções esparsas em meus 
      escritos, quer impressas, quer em manuscrito. Estou bem longe
      de estar muito adiantado nesse centro, que até agora mais percebi 
      do que toquei. Assim, não permaneci preso a ele, como
      espero estar um dia pela graça de Deus. Também tive comunicações 
      físicas desde essas afeições centrais, mas em menor
      abundância do quando seguia os procedimentos de minha escola; e ainda, 
      quando dos procedimentos de minha escola, eu
      tinha menos das comunicações físicas do que maior parte 
      de meus camaradas. Pois foi-me fácil reconhecer que minha parte
      estava mais na inteligência do que na operação, o que 
      B. me fez compreender em seu Fünffter Punct, sobre a magia, no qual
      vi claramente a diferença entre magus e magia. Esse parte física 
      que tive, embora raramente desde minhas afeições
      centrais, não atrai mais a minha confiança do que o resto, 
      dou-lhe pouca atenção. Assim, seja sobre isso, seja sobre 
      minhas
      aberturas centrais, não satisfaria vossa curiosidade. Além 
      do mais, já vo-lo disse mil vezes, é a vossa obra pessoal 
      que vos
      importa mais. A obra dos outros não pode entrar em vossa substância 
      nem sair dela e tudo o que não for de vossa
      substância é para vós perda de tempo, e repito-vos essas 
      verdades com tanto mais prazer porque vejo vós mesmo que
      estais convencido delas, uma vez que buscais atirar-vos de corpo e alma 
      nos braços de nosso Benfeitor e Salvador. Amém.
      Vamos à vossa carta de 18 de abril. Não recusarei nenhuma 
      das obras de Jane Leade e rogo que me indiqueis os meios
      para vos reembolsar. A via de Monsieur Willermez parece-me mais cômoda, 
      pois tenho dinheiro investido com ele, do qual
      me entrega juros, e é certo que ele tem relações com 
      banqueiros ou negociantes de vosso país. Não deixeis, suplico-vos, 
      de
      dizer à pessoa que vos fiz conhecer que ela tenha a prudência 
      de não me escrever se não me quiser expor. Se tiver qualquer
      coisa a me informar, escrevei vós mesmo o que ela vos ditar. Além 
      disso, seja em seu nome ou no vosso, quando me
      escreverdes, não digais uma palavra sobre nossos assuntos políticos. 
      Felicito-vos por terdes a oportunidade de vos
      ocupardes em paz com as coisas de Deus. A Providência julga oportuno 
      condenar-me ao isolamento no que concerne a isso,
      não sei por quanto tempo. Seja feita sua vontade, orai todos um pouco 
      por mim. Quanto à vossa incumbência para o livreiro
      de Estrasburgo, não poderei chegar a vos satisfazer, apesar de todo 
      o desejo que tenho. A pessoa com quem me
      correspondo não conseguiu a tradução alemã de 
      Jane Leade, embora tenha feito algumas buscas em todos os livreiros; é
      um amigo que lhas empresta. Terá de procurá-las no estrangeiro 
      e será preciso que façais o mesmo. Adeus, senhor, recebei
      sempre as garantias de minha inviolável amizade. SAINT-MARTIN
      68 Em minúsculas no original.
      Carta 25 Amboise, 2 de maio de 1793
      Rogo-vos, senhor, dizer ao nosso amigo comum que não tenho qualquer 
      notícia direta da pessoa de quem ele me fala e que
      é impossível ele saiba mais do que eu. As que recebi demonstram 
      tranqüilidade de resignação, mas, ao mesmo tempo,
      tristeza, coisa inevitável nessas circunstâncias; queira Deus 
      que, se pela cruel duração que devemos temer, essa tristeza 
      não
      se transforme em amargor, pois é preciso estar forte e bem privilegiado 
      para resistir-se a tão longas provas quando, depois
      de Deus, só temos a nós próprios como consolador. Em 
      minha última carta eu vos rogava que solicitásseis a nosso 
      amigo
      comum que não me escrevesse até que as tempestades que ameaçam 
      minha pátria se dissipassem. Todas as cartas são
      abertas e eu já fui chamado diante de nossas autoridades constituídas 
      para prestar contas sobre uma carta vossa que
      haviam retido no correio. Minhas respostas pareceram satisfatórias 
      e entregaram-me vossa carta. Mas eu poderia ser
      novamente interpelado se recebesse as de nosso amigo, e talvez a última 
      dele não me teria chegado às mãos se o que
      aconteceu à vossa não a tivesse como que coberto com suas 
      asas. Foi somente depois que a sua presente carta partiu que
      deveis ter recebido a minha onde está o veto sobre a nossa correspondência; 
      assim, ele não podia ter instruções quanto a
      isso. Mas, daí em diante, vamos conservar essa posição, 
      ele e eu. Dizei-lhe que não pude dar explicação alguma 
      de meus
      princípios numéricos sobre a nota que me havia enviado porque 
      não havia nela uma palavra sequer que me indicasse de que
      se tratava a sua idéia e que, por conseqüência, eu não 
      podia julgá-la. Rogai-lhe para ditar-vos bem resumidamente o que
      quiser de suas concepções sobre esse assunto e prometo remeter-vos 
      prontamente a minha resposta. Ele queria que
      fôssemos suíço como vós e ele, Ai de mim!, e 
      eu também o gostaria, para lavrarmos em paz e juntos no campo do 
      homem e
      na vinha do Senhor, e estou certo de que o instante em que a divina Providência 
      me permitir encontrar-me convosco será um
      dos mais belos dias de minha vida. Mas talvez eu ainda não tenha 
      merecido tal felicidade, estando condenado a expiações
      de todo tipo, pois todas as faculdades temporais de meu ser estão 
      constantemente angustiadas, e as angústias estão a todo
      instante em vésperas de se transformarem em torturas. Mas, graças 
      a Deus, o centro de meu ser recebe ainda doçuras e
      consolações e essas consolações estender-se-iam 
      até mesmo à circunferência, se eu não fosse tão 
      insignificante, pois não
      ouso dizer tão isolado, por medo de julgar-me com excesso de benevolência. 
      Assim, no meio dos abismos sem fundo e sem
      número que me rodeiam e que a cada dia podem engolir-me, algumas 
      vezes ainda como do maná e minha saúde mantém-
      40
      se. Estou lendo agora a Signatura rerum, de nosso amigo B. Que profundidade 
      existe nesse homem ímpar! O cap. 4,
      sobretudo, é por si só uma mina universal. Mas como eu precisaria 
      de apoio e de companheiros para nele penetrar! Vós
      principalmente, senhor, que tendes mais experiência do que eu nas 
      ciências físicas, seríeis de grande utilidade nessa 
      leitura
      porque vossos conhecimentos elementares ajudar-me-iam a desembaraçar 
      um pouco as de ordem superior e, por sua vez, a
      ordem superior ajudar-me-ia a desembaraçar a ordem inferior. Mas 
      deixemos tudo nas mãos de Deus, pois nosso amigo B.
      ensinou-me que até mesmo um desejo de nossa parte seria um pecado 
      se não estivesse como que dissolvido, e fosse
      resultante do desejo eterno e divino ou desse fogo de amor que tudo abrasa, 
      porque é um. Amém. No cap. 4 de Signatura
      rerum, nº 21, 37, há a palavra Urstand, que creio signifique 
      fonte. Meu dicionário alemão é tão ruim que 
      nem mesmo traz o
      verbete Urstand. Meu dicionário inglês o traduz como inteligência, 
      o que creio ser um erro; dizei-me se estou enganado.
      Também necessito de um explicação de gramática 
      acerca de uma passagem de Fünffter Punct., cap. 8, nº 23: Wenn 
      das
      ander den Fluch erræget hat; lorsque l'autre a excité la malédicition69. 
      Pergunto se universalmente, na construção alemã, o
      regente, que aqui é das ander, precede o regido, que é Fluch. 
      Ser-me-ia útil possuir uma regra a esse respeito, pois quando
      os artigos não são tão claros como nesses exemplos 
      para servir-me de guia, corro o risco de tomar o regido pelo regente, e
      viceversa, o que me causa grandes atrapalhações, coisas das 
      quais já tenho uma provisão bastante ampla por não 
      conhecer
      vossa língua, e sobretudo nos gêneros, que são mais 
      numerosos do que na nossa, e pela extrema complicação dos 
      artigos
      declináveis. Dizei-me sobre isso o que puderdes e vos ficarei agradecido. 
      Adeus, senhor, meu coração e meu espírito estão
      convosco. Deus sabe quando minha pessoa o estará. Mil recomendações 
      ao nosso amigo. Aguardarei em paz os livros
      ingleses. SAINT-MARTIN
      A resposta a esta carta é de 14 de maio de 1793. Começa com: 
      Acabo de receber vossa carta de 2 de maio e tomo logo da
      pena para tranqüilizar-vos, etc."
      Carta 26 B
, 12 de maio de 1793
      Vossa carta de 24 de abril, que lança tanta luz sobre os mais importantes 
      assuntos, chegou aqui muito bem. Confirmais de
      maneira bem satisfatória as minhas conjecturas sobre a única 
      fonte e a única via das verdadeiras manifestações. 
      Essa via
      não está sujeita a perigo alguma e sempre nos conduz a um 
      alvo sublime. Podemos ousadamente colocar as teurgias de
      Lyon entre as coisas mais suspeitas. Há dois anos que as encontrei 
      no processo jurídico de Cagliostro, instruído em Roma.
      Esses fatos são como barreiras ao longo de um precipício para 
      evitar que o passante caia nele. Tenho motivos para crer que
      esse processo é bem verídico; assim, agradeço-vos pelo 
      que me dizeis sobre vossa própria experiência. Além 
      da passagem
      que me citais de nosso amigo B., há ainda uma que merece a nossa 
      atenção nesse assunto e que se liga bem de perto aos
      meios que devemos empregar para adquirir o único necessário.
      De início encontrei nos Theoso-Fragen70 III, 33, 34, vossa lança 
      composta de quatro metais. A grande questão é saber se
      essa lança não pode servir para golpear o rochedo do qual 
      deve jorrar a fonte de água viva, ou seja: se não pode servir 
      par
      abrir o centro. O que me leva a vos fazer esta pergunta é uma passagem 
      de Jane Leade (nosso abade conseguiu-me uma
      edição alemã do Gartenbrunn), da qual vos faço, 
      não uma tradução francesa, mas uma tradução 
      literal para poder aproximarme
      o mais possível do original. Gartenbrunn, p. 17: "A sabedoria 
      fez-me ver efetivamente com que chave o grande mistério
      que estava profundamente escondido em mim mesmo podia ser desatado. Essa 
      chave era de um ouro muito puro, que havia
      passado por diversos fogos. Anteriormente eu havia tentado várias 
      chaves, mas não pude conseguir introduzi-las nessa
      fechadura tão misteriosamente fechada, que resistiu a todos os meus 
      esforços. Cri, entretanto, possuir uma chave composta
      de metais de tal natureza que eu não devia esperar encontrar resistência 
      na abertura desejada, pois os materiais de minha
      chave eram a caridade, a fé, a paciência e a humildade, acompanhadas 
      de ardentes preces, mas ela todavia continuou curta
      demais e insuficiente para atingir a entrada, de modo que eu perdia a esperança 
      de abrir e a coragem de buscar. Eu havia
      contornado da Cidade santa, havia esperado; havia tentado ora uma senda, 
      ora outra, havia passado de uma prece a outra e
      de uma crença a outra, até temer seriamente que jamais encontraria 
      essa chave maravilhosa e que passaria toda minha vida
      num deserto e todos os meus dias a tatear na escuridão sem jamais 
      encontrar a porta que encerra as ovelhas de meu
      verdadeiro e fiel pastor. Minh'alma, plena de temor e terror, foi então 
      deixada em perfeito silêncio e profunda tranqüilidade. A
      palavra da própria Sabedoria manifestou-se a mim dizendo-me: Espírito, 
      tu que passas o tempo a perquirir e a buscar
      profundamente, não te espantes de que durante tanto tempo tua esperança 
      tenha sido vã e ilusória; em tua eternidade não
      terias podido esperar-me em teu estado e teu presente serviço, pois 
      meu nascimento em ti jaz tão profundo que teu presente
      e atual dom de fé não pode atingi-lo e abri-lo. Até 
      o momento, estiveste mergulhado juntamente com muitos outros em
      grande erro; entretanto. Uma vez que reconheces tua ignorância e que 
      dela te lamentas, far-te-ei conhecer a chave que pode
      abrir a grande roda de minha sabedoria para que ela possa por-se em movimento 
      e acionar todas as potências e nelas influir,
      e manifestar-se em ti mesmo sob todas as formas e propriedades de tua alma, 
      contanto que estejas em condições de atribuir
      um preço proporcional ao seu valor. É preciso que saibas que 
      essa chave é composta e soldada pelo ouro mais puro e que
      se encontra num forno aquecido por diversos fogos. Embora essa chave miraculosa 
      seja, a bem dizer, a obra da própria
      Sabedoria mas se, entretanto, ela foi dada gratuitamente, ó espírito 
      buscador, tu pagarás bastante caro por ela se algum dia
      a adquirirdes. A Sabedoria busca, no entanto, aqueles que são dignos 
      delas para poder manifestar-se no recinto interior de
      suas almas e encontrar cada pensamento daqueles que prestam atenção 
      à suas leis e aos seus conselhos. Ela traz consigo
      um reino que bem merece que vendas tudo para adquiri-lo. Mas a grande e 
      principal obra-prima, diz a Sabedoria, consiste na
      41
      direção e na instrução de seu espírito, 
      para que se chegue a fazer um hábil artista e para que ele obtenha 
      o conhecimento de
      qual matéria e em que número, peso e medida essa chave tão 
      pura deve ser fabricada. - Essa matéria é a pura e sublime
      Divindade que há nos números três. Sua glória 
      ultrapassa tudo e reside num círculo celeste, dentro do coração 
      do homem,
      onde mede com sua potência o templo e o pátio interiores com 
      aqueles que aí se encontram para adorar. - Quando abri com
      essa chave a porta secreta da Sabedoria, minh'alma desvaneceu-se e não 
      mais retive minhas forças; o sol de minha razão e
      a lua de meus sentidos enrolaram-se como um tapete e desapareceram. Eu nada 
      mais nada em mim mesma sobre
      propriedades ativas da natureza e da criatura; a roda do movimento deteve-se 
      e o fogo central fez girar uma outra, de modo
      que eu me sentia totalmente metamorfoseado numa chama. Então, a Palavra 
      aproximou-se e disse-me: Isso nada mais é do
      que a porta de minhas profundezas eternas.
      Podes sustentar a ti mesmo nessa região ignorada que é a morada 
      e a residência da Sabedoria, onde ele lhe dá uma lei de
      fogo? Se prestares atenção e obedeceres às suas ordens, 
      então mistério algum lhe será oculto. Até aí, 
      foi-me permitido
      aproximar-me da entrada de sua casa, etc., etc.,"71 Que dizeis, senhor, 
      dessa chave, de seu número, de seu peso e de sua
      medida? Não vos lembra ela vossa lança composta de quatro 
      metais e a passagem de B., que citei mais acima?
      KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      (Falta a seqüência desta carta, visto que o papel foi rasgado 
      e desapareceu.)
      69 
quando o outro excitou a maldição.
      70 Perguntas Teosóficas.
      71. Um mente da sabedoria abriu-o assim ego em mim, porque eu esperei em 
      meu espírito em cima dela, fêz dela o shew
      mim que chave abriria o mistério grande, que colocam escondido profundamente 
      em meu ego. Feita de era e esculpiu foros
      de tal ouro puro, como tido passado através de muitos fogos; muitas 
      chaves que eu tive tryed, mas não puderam girar neste
      fechamento incluido secreto, mas ainda fechou em cima de mim, embora eu 
      pensei que eu tive essa chave que foi
      combinada de tais metais, como faria sua entrada, como amor do, fé, 
      uma paciência, Humildade, Súplica de com de que
      oração de e forte, apresentei de eu, como uma chave faz trabalho. 
      Tudo que era demasiado curto alcançar do. Ao que posto
      de fui de eu um completamente de perda de uma à busca como esta porta 
      deve ser aberta, circundado de ter uma cidade
      santo, esperada de e e tryed cada maneira, onde eu pude encontrar uma passagem. 
      Circundando de um trajeto um outro,
      faça oração de ao de oração, e da fé 
      fé de à; de modo que em sério bom eu começasse 
      um considerar eu não tinha
      encontrado esta chave maravilhosa, para queira de qual eu pude funcionar 
      para foros nenhum desperdício todos meus dias,
      e procuram no escuro obscuridade de na de como, encontre de nunca de contudo 
      uma porta que abre na dobra faz meu
      pastoreiam verdadeiro. Ao que sendo moldado em um silêncio e em um 
      quietude profundos surpreendente, um palavra da
      sabedoria abriu-o assim ego até mim; O espírito procurarando 
      profundo fazem tu faça Oh, não de maravilha hast do fazem 
      tu
      sido assim que frustrado por muito tempo, para um respeito faz atual de 
      estado e o dispensação thy, couldst fazem tu
      alcance de nunca eu um todo eternidade do, porque meu nascimento em mentiras 
      fazem profundamente de mais de thee o
      presente atual fazem que thy da fé e fazem abrir de pode de oração; 
      hast fazem tu com muito outro estado em um erro
      grande. Mas visto que o inabilidade thy o mais ownest e o mais bewailest 
      fazem tu, mim tornará conhecido ao thee que
      chave girará esta roda grande de minha sabedoria, modo de de um podem 
      dele movedor-se, e manifestam-nenhum ego
      nenhum thee, todas de de de através como thy de propriedades, se 
      canst do fazem tu até de oferecer o preço dele. Pará
      compreenda que está combinado de todo o ouro puro, subsistindo em 
      uma fornalha ardente de muitos fogos: E embora esta
      chave maravilhosa seja da sabedoria que que esculpe foros de para, e seu 
      presente fígado, contudo, o espírito procurar
      fazem tu de O, custará dela o thee muito caro, sempre de se tu o 
      mais obtainest ela. Goeth de Contudo como de procurar
      sóbrio é digna dela, e fazem shew da vontade seu ego dentro 
      das paredes da mente, e encontra-se com como em cada
      pensamento que como esperas para seus leis conselhos de e, trazem de e um 
      um reino que seja bom valor thy vendendo
      tudo para. Mas um grande de coisa, sabedoria fazem saith, é ágora 
      disciplinar fazer de e uma espírito thy um artista astúcia,
      dar-lhe de para o conhecimento de que matéria nenhum número, 
      peso e meça esta chave pura composto de é, que todo de
      é o Deidade puro nenhum número TRÊS; qual é certamente 
      pesado, um de sendo se gloriam excedendo pesado, sentandose
      que nenhum círculo dos céus dentro fazem coração 
      fazem homem, com de medindo um linha de seu poder, faça templo e
      da corte interna, com o Adoradores nisso. Esta é uma sabedoria de 
      da de chave, que fará nossas mãos deixar cair com mirra
      cheirando doce em cima fazem punho de seu fechamento. Qual quando eu abria 
      sua Particular-Porta, chave desta de com,
      minha alma falhada dentro de mim, e mim não reteve nenhuma força; 
      sol de meu razão de da, e um lua de meu sentido
      externo foram dobrados acima, retiraram-se de e. Eu não soube nada 
      por meu ego, uma respeito daqueles propriedades
      trabalhando da natureza, e da criatura, e uma roda faz movimento que está 
      ainda, outro moveu-se de um fogo central; de
      modo que eu sentisse meu mesmo Transmudou em um puro se inflamar. Veio-eu 
      palavra dessa de então, esta não de é à
      excepção da porta fazem profundo de meu eterno, o tu faça 
      canst subsistem impetuosa de região de nesta, que é o mansão
      da sabedoria, onde se encontra com espíritos abstraídos santo, 
      e dá adiante uma lei impetuosa, se de que atendem a
      elasticidade de da fazem canst fazem tu faça thereunto, para vir 
      até suas condições essenciais, nenhum segredo será 
      retido
      então fazem thee. Assim eu estou admitido distante para vir na entrada 
      de sua casa, onde mim devo parar até que eu eu
      ouço mais mais dela?
      42
      Carta 27 Amboise, 21 de maio de 1793
      Respondi, senhor, às vossas duas cartas de 12 e 14 de maio. Estou 
      encantado com o fato de que minha lança de quatro
      metais se encontre em fraternidade com B. e Jane Leade. Eu só estava 
      inquieto sobre o princípio quaternário fundamental,
      haurido em minha primeira escola e, embora vos haja escrito, já há 
      muito tempo, que todos aqueles que marchavam na
      mesma senda diziam a mesma coisa sem se conhecerem, estou muito satisfeito 
      por confirmar isso. Perguntais-me se a lança
      não pode servir para golpear o rochedo, do qual deve jorrar a fonte 
      de água viva: disso não tenho dúvida alguma, nem Jane
      Leade. Mas se ela aqui estivesse, dir-vos-ia como eu que toda a virtude 
      dessa lança encontra-se no princípio do qual deriva e
      que a engendra continuamente. Prouve a Deus gratificar-nos com uma parte 
      dessa fonte e é a porção de fogo de amor que
      ele se digna acender em nossas almas, o qual, agindo então em concurso 
      com o princípio eterno, deixa-nos em condições
      de obter a felicidade que só quer proporcionar-nos. Aqueles que, 
      como os teurgos ordinários e os cabalistas mecânicos,
      crêem nas virtudes dos nomes destituídos desse fogo regenerador 
      vivem em erros perigosos, seja para si mesmos, seja para
      aqueles que governam, pois esses nomes são formas que não 
      podem permanecer vazias e, se as empregarmos antes de as
      enchermos de sua substância natural e pura, há outras substâncias 
      que podem nela introduzir-se ocasionando grandes
      estragos. Assim, o ímpio e o justo podem pronunciar o nome de Deus, 
      mas para um, isso é para a sua perda e para o outro,
      para sua salvação. Sobre esse assunto, cito, a propósito, 
      alguns versinhos que fiz em Estrasburgo para uma pessoa que me
      pedia a chave do homem de desejo. Esses versos não convenceram a 
      pessoa a quem os dei, pois ela estava totalmente
      imersa na torrente do mundo mais ignorante e frívolo, mas não 
      deixo de crê-los por isso menos verdadeiros. Ei-los:
      Avant qu'Adam mangeât la pomme,
      Sans effort nous pouvions ouvrir.
      Depuis, l'oeuvre ne se consomme
      Qu'au feu pur d'un ardent soupir ;
      La clef de l'homme de desir
      Doit naître du désir de l'homme.72
      Talvez seja um tanto pueril de minha parte enviar-vos esta frivolidade. 
      De qualquer maneira, não mais repetirei isso. Não
      consigo exprimir-vos o bem que me fizestes com o envio da passagem de Jane 
      Leade. É do mais puro ouro e ouso até dizer
      que é de uma qualidade bem nova, embora as mesmas verdades se encontrem 
      nos nossos outros bons teósofos, mas em
      parte alguma elas me causaram tanta sensação. Oh!, quanto 
      deleite espero do restante da obra! É preciso convir que essa
      passagem tem grande mérito para mim: o de estar escrita em minha 
      língua. Tudo me fica mais aberto nessa língua do que
      em qualquer outra. Também, certas coisas que leio em Böhme não 
      me trazem a metade do que trazem quando as leio nas
      traduções francesas que fiz aqui e ali, mas que não 
      as levei muito longe, porque não sou um trabalhador muito robusto 
      e,
      além disso, minha verdadeira maneira de aproveitar um instrução 
      não é traduzindo-a nem copiando-a, mas falando-a. Ora,
      aqui estou sob os laços da potência muda. Vamos à vossa 
      segunda carta. Só existe uma espécie de maná. As Sagradas
      Escrituras estão cheia dele, explica Böhme, Jane Leade torna-a 
      bem tangível. Possa esse manjar fazer-se sentir em vosso
      coração. Fazeis muito bem em ocupar-vos com B., como o fazeis, 
      isso terá seu lugar. Se eu não fosse tão insignificante, 
      faria
      como vós, mas há pouco confessei-vos minha 
. Estou 
      bem contente de não me haver enganado sobre a palavra
      Urstand. Quanto à regra pela qual vos perguntava, falar-vos-ei com 
      mais clareza e amplitude de outra vez. Hoje quero falarvos
      de uma idéia que já me ocorreu várias vezes sobre o 
      assunto de nossos projetos comuns de aproximação. Sempre a
      repeli, tal é o medo que tenho de meu próprio desejo, mas 
      ela sempre volta. Vou, pois, transmiti-la a vós. Neste momento, é
      impossível viajar para fora de minha pátria. Os meios ordinários 
      de passaportes estão como que universalmente interditados,
      sobretudo nos cantões que, como o meu, apresentam perturbações.
      Não quero, de modo algum, viajar como emigrado e permanecerei fiel 
      à minha pátria, seja qual for a sorte que o destino lhe
      reserve. Mas não será possível empregar meios extraordinários 
      com êxito. Sois um homem considerável em vossa pátria, 
      e
      deveis sê-lo aos olhos da minha pelo peso que tendes na vossa. Conheço 
      um pouco Monsieur Barthélemy por havê-lo visto
      em Londres em 1787, onde lhe fui apresentado por um inglês chamado 
      Mr. Bousie. Nosso embaixador, o conde de Adhémar,
      estava estão ausente em licença. Pensaríeis que seria 
      comprometedor testemunhar a Monsieur Barthélemy o vosso desejo
      de chamar-me por algum tempo junto de vós a fim de cultivarmos juntos 
      objetos de estudo que temos em comum, e também
      facilitar-me os meios de me fortalecer numa língua que me é 
      necessária nesses mesmos objetos? Podereis dizer-lhe que
      minha idade, cinqüenta anos, faz com que todos os momentos sejam preciosos 
      para mim, que não ocupo função alguma na
      República, que meu único estado é ser homem de letras, 
      que já preenchi, além disso, todas as condições 
      impostas pela
      República francesa a todos os cidadãos: que se, pelo que foi 
      exposto, ele acreditar que pode encarregar-se de vossa
      solicitação junto ao nosso ministro de negócios estrangeiros, 
      vós e eu lhe ficaremos gratos. Eis o que confio à vossa
      prudência e sabedoria. Se minha idéia não for apresentável, 
      abandonai-a. Se virdes, de alguma forma, que podeis pô-la em
      prática, fazei o que o coração vos disser. Se a tentativa 
      que fizerdes for pura perda, lamentarei o haver-vos comprometido,
      mas, se por vossos meios tiverdes êxito em obter a autorização 
      de meu governo, essa minha viagem me dará todas as
      satisfações possíveis. O bom Deus fará o que 
      quiser. Amém. Haja o que houver, envio-vos meu nome completo e minha
      residência a fim de que, se Monsieur Barthélemy vos aceitar, 
      possa fazer com que o ministro tenha condições de tomar todas
      as informações que quiser: Louis-Claude de Saint-martin, nascido 
      em Amboise em 1743 e aí residindo desde o último mês 
      de
      setembro; votado ao estudo da ciências desde a juventude; inscrito 
      na lista dos candidatos, feita pela Assembléia Nacional
      em 1791 para escolher um preceptor para o filho de Luís Capeto. Acrescentai-lhe 
      o que quiserdes. A vossa carta que se
      43
      atrasou acidentalmente é a de 5 de abril. A vossa última, 
      de 5 de maio, ficou também retida no comitê de supervisão 
      geral,
      em Paris, de onde me deve ser enviada com um lacre vermelho em cima de vosso 
      lacre negro. Sabeis o quanto é importante
      nos ocuparmos com as coisas que não são deste mundo. Esquecia-me 
      de dizer-vos que não deveis colocar via Paris nos
      endereços de vossas cartas. Isso me faz pagar por elas quase metade 
      a mais por causa do desvio que teria de tomar tomar.
      Chegarão com toda segurança simplesmente com: Amboise, departamento 
      do Indre-et-Loire. Adeus, senhor, agradeço-vos
      por vossas lembranças. Dai as minhas lembranças ao vosso amigo. 
      Quando me escreverdes sobre o projeto acima, não
      citeis ninguém: entenderei por meias palavras. SAINT-MARTIN
      A carta que responde a esta é de 8 de junho e começa assim: 
      "De volta de minha incumbência, tive o prazer, senhor, de
      encontrar vossa carta de 21 de maio, etc."
      72 Antes que Adão comesse o pomo,/Sem esforço podíamos 
      abrir./Desde então, a obra só se consome/No fogo puro de um
      ardente suspiro;/A chave do homem de desejo/Deve nascer do desejo do homem.
      Carta 28 Amboise, 21 de junho de 1793
      Tomei conhecimento, senhor, dos truques de aritmética de que me falais. 
      Os primeiros dados eram letras hebraicas
      traduzidas em algarismos, segundo seu valor. Os resultados eram às 
      vezes bem singulares, mas não se elevavam muito alto.
      Foi um alemão da Francônia quem me transmitiu os seus procedimentos. 
      Não os conservei na memória. Como fiz pouco
      caso deles, faço agora menos uso. Os judeus são famosos por 
      todos os tipos de cabala e podereis julgar quantas espécies
      há, desde os truques de carta até o grande Nome, que é 
      a única cabala real e única digna do homem, porque é 
      a única que
      pode ser digna daquele de quem o homem é a imagem. Estou bem contente 
      por meus pequenos versos vos terem agradado,
      mas podeis apostar que não voltarei a repetir isso. Essas tolices 
      não são mais da minha idade. Ninguém pode censurar-vos
      por considerardes a Virgem como um ser grandemente prestativo. Mas ela jamais 
      será mediadora para ninguém, exceto para
      aqueles que não tomaram um impulso mais alto. Ela á pura, 
      é santa, teve sua parte da Sophia como todos os santos e todos
      os eleitos. Devemos dar-nos por felizes quando Deus permite que ela nos 
      faça companhia e venha ajoelhar-se conosco para
      orar a ele (expressão que ouvi de um pregador muito católico 
      da Igreja romana e que inseri, creio-o, em O Novo Homem ou
      no Ecce Homo), mas jamais devemos crê-la indispensável a alguém. 
      Sua obra está cumprida, já que ela deu nascimento ao
      Salvador, abrindo-nos a fonte eterna da vida. Com isso ela fez infinitamente 
      mais do que poderia fazer a partir de agora.
      Além disso, ela não deu nascimento ao Verbo, mas ao Cristo; 
      assim, nunca poderia dar nascimento ao Verbo em nós.
      Todavia, penso que é preciso deixar a cada um a medida de fé 
      que pode ter. Quanto a vós, senhor, que só quereis
      considerar as vantagens que podemos obter de nosso relacionamento com ela, 
      repito-vos, não creio que devais contestá-las.
      Foi dito: Cum electo electus eris73; mas creio poder dizer-vos que conheceis 
      um eleito maior do que ela: seu Filho. É este o
      único do qual podeis esperar vossa eterna eleição. 
      Sois o irmão daquele que disse à Virgem: "Mulher que 
      tenho eu
      contigo?"74 Felicito-me por não haverdes tomado providência 
      alguma junto a Monsieur B., em primeiro lugar, porque que
      isso vos teria comprometido; em segundo, porque, no estado atual das coisas, 
      qualquer tentativa teria sido completamente
      inútil. As tempestades acumulam-se de tal maneira a cada dia que 
      passa que não deixam mais qualquer saída. Uni-vos a
      mim para elevarmos todos juntos as mãos ao céu a fim de pacificar 
      sua cólera, pois ela jamais foi tão ameaçadora e as
      coisas tomam uma feição totalmente oposta àquela da 
      qual vossa amistosa esperança se compraz em nutrir. Não apenas
      antecipo o prazer que terei no momento em que vir chegar Jane Leade, mas 
      falam-me também com tanto respeito do médico
      Pordage, que mencionaste em vossas cartas, que eu ficaria bastante encantado 
      se ele pudesse participar da viagem.
      Também fazem-me grandes elogios sobre Browne. Apresentam-me esses 
      personagens como tendo sido contemporâneos de
      Jane Leade. Aquele, cujo nome escrevo Pordage, de acordo convosco, escrevem-no 
      como sendo Pordaestsch; vede se é a
      mesma pessoa. Arnold vos explicará isso, pois é com toda certeza 
      daí que foi tirado tudo o que me informaram sobre esses
      assuntos. Pedir-vos-ia também informar-me que valor os nossos assignats 
      perdem em vosso país, pois se não recorresse
      inteiramente à via de Lyon para o pagamento, temeria os atrasos. 
      O estado em essa cidade que se encontra neste momento
      não permite que eu consiga receber de lá notícia alguma, 
      nem mesmo para meus negócios. Então eu vos enviarei
      diretamente daqui a soma de assignats que necessitaríeis para desembolsar 
      e para o que devo na balança. Tenho uma outra
      pergunta a fazer-vos quanto a alguém por quem me interesso, e que, 
      quando as tempestades houverem passado, desejaria
      investir fundos em vosso país, em renda perpétua ou renda 
      vitalícia, ou somente no banco, se houver um em vosso país,
      como em Gênova, Veneza, Londres, etc. Fazei-me, pois, esse favor, 
      já que vos achais num momento de repouso, de me
      informar o que houver de praticável ou de impraticável em 
      todos esses projetos e quais seriam as condições, assim como 
      os
      juros dos fundos investidos em cada uma dessas três maneiras. Adeus, 
      senhor, gozai em paz de vosso lazer e da calma
      lugar feliz em que viveis. Espero bem que o céu me permita um dia 
      ir partilhar vossa felicidade, mas talvez ele queira fazer
      com que eu a compre, seja feita a sua vontade. Rogo-vos dar muitas recomendações 
      ao nosso amigo. SAINT-MARTIN
      73 Serás um eleito com o eleito.
      74 Nas bodas de Caná: Evangelho de João, 2:4.
      44
      Carta 29 M
, 6 de julho de 1793
      Acabo de receber vossa carta de 21 de junho e como conto partir em poucos 
      dias para o balneário de Loesch-en-Valais,
      apresso-me, senhor, a responder a ela. Estamos inteiramente de acordo no 
      tocante aos cabalistas que parecem ter sua sede
      particular na Alemanha. É o grande Nome, como dissestes perfeitamente 
      bem, que é a única cabala digna do homem.
      Haveria coisas bem interessantes a dizer sobre seu emprego e as circunstâncias 
      que permitem e autorizam seu uso. Vossa
      opinião sobre esse assunto me seria por demais preciosa. Como o assunto 
      sobre a Rainha dos santos, como a chamais em
      vossa Igreja, é interessante sob diversos aspectos, tentarei expor-vos 
      minhas idéias sobre esse assunto com mais detalhes
      ainda do que em minha última carta. Nenhuma precisão ou prudência 
      seriam excessivas em semelhantes assuntos.
      Concordo perfeitamente em que o conhecimento das opiniões das quais 
      vos falei não é de maneira alguma indispensável a
      elas, e, mesmo que essas opiniões fossem justas e fundadas, exerceriam 
      seu poder sem nossa ciência ou cooperação
      nossa. Nosso conhecimento e adesão a essa idéias poderiam, 
      de qualquer forma, servir simplesmente para facilitar e
      abreviar a obra. Quando falei da sociedade desse ser puro e santo, entendia 
      com isso a comunhão que pode existir entre
      seres intelectuais e que não se acha limitada pelo tempo nem por 
      lugares. Salvo melhor juízo, temos, segundo penso, um
      órgão para dela usufruir: o centro interior de nossa alma; 
      assim não entendo sua presença e sua comunicação 
      física. Sabeis
      que jamais vos perguntei como alguém poderia tentar obter esses tipos 
      de comunicação. Não que eu esteja disposto a
      desprezá-las, muito ao contrário: considero-as como favores 
      diversos, muito próprias a imprimir marcas profundas em nossas
      almas e a nos proporcionar vantagens imensas para o nosso progresso. Apenas 
      o perigo que acompanha essa região me
      tornou um pouco reservado sobre esse assunto, sabeis tudo o que eu poderia 
      acrescentar sobre isso. Seria uma vantagem
      inexprimível se esse caminho pudesse ser preservado de qualquer intervenção 
      e de qualquer imitação dos inferiores. A cena
      de Lyon durante a consagração da loja da qual vos falei é 
      um exemplo bem marcante nesse gênero, o qual deve despertarnos
      desconfiança. Dizeis, inteiramente de acordo com o que penso, que 
      Maria não deu à luz o Verbo, mas o Cristo. Eis,
      abreviadamente, a teoria que poderia servir de fundamento à opinião 
      que vos transmiti em minha última carta. Informai-me,
      por favor, vossa opinião sobre a seguinte teoria. "Assim como 
      na ordem inferior e temporal nada é produzido a não ser numa
      base, numa virgem, assim também na ordem mais sublime e divina o 
      Verbo é gerado numa base que, embora substância, é
      um nada infinito e a virgem é a sabedoria divina, Sophia. Foi essa 
      virgem divina que se uniu hipostaticamente à humanidade
      de Maria e é nesse fundo divino que o verbo foi gerado em Maria, 
      e é ainda a mesma virgem divina, unida à humanidade de
      Maria, que pode entrar nos corações e servir de fundo sobre 
      o qual é gerado o Verbo." Confrontai essa teoria com algumas
      passagens de nosso amigo B., Três Princípios XXII, 38, 41, 
      43, 44, 45, 61, 71, 74, - 8275. Encarnação, 1! parte, cap. 
      VIII,
      particularmente no capítulo IX, nºs 12, 21 e 22; cap. 10, nºs 
      1 e 7.
      E como prova que o nada infinito nada mais é do que Sophia, a sabedoria 
      eterna, vede a 2! pergunta teosof. 177, nºs 4 e 12,
      e a figura gravada no frontispício do tratado Aurora. Sophia é 
      visível como um espírito puro; o elemento sutil é seu 
      corpo, que
      se chama Ternarius Sanctus. Vede Três Princípios XXII, 72. 
      E, o que é sobejamente extraordinário para um protestante,
      nosso amigo B. afirma que o corpo da Virgem não haja, depois da morte, 
      sofrido a lei geral, que não tenha sofrido a
      corrupção. Vede o 1º apólogo contra Tilken, nº 
      334. Pordage e Pordaetsch são exatamente o mesmo indivíduo. 
      Vejo isso em
      seus próprios tratados, que estão diante de meus olhos. O 
      primeiro nome é inglês e o segundo, que se acha em meu
      exemplar, foi escrito segundo a pronúncia alemã. Entre outras 
      coisas, ele escreveu sobre o mundo angelical de maneira bem
      digna de nota. Infelizmente, só nos resta pouca esperança 
      de descobrir as obras de Jane Leade. Vede com isso como a
      língua alemã é útil nesse tipo de conhecimentos, 
      porque na Alemanha, em Estrasburgo76 e em Frankfurt principalmente, as
      obras de Jane Leade e de Pordage podem ser encontradas em alemão 
      nas livrarias chamadas antiquárias, que só trabalham
      com livros antigos. Minha opinião seria que vos désseis ao 
      trabalho de traduzir para o francês as passagens mais fáceis 
      de
      nosso amigo B. para que nesse gênero a língua alemã 
      se vos torne inteiramente familiar. As passagens mais fáceis de B.
      são, indubitavelmente, as que se encontram na parte histórica 
      Myst. Mag.; a história de José, por exemplo, no cap. 44. Se
      por acaso lêsseis B com familiaridade em alemão, descobriríeis 
      que Jane Leade e Pordage são bem fáceis de se
      compreender. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      75 Significa "de 74 a 82"?
      76 Hoje Estrasburgo pertence a França.
      Carta 30 Amboise, 21 de julho de 1793
      Minha resposta à vossa primeira pergunta, senhor, será curta, 
      mas creio que não será menos substancial. Minha opinião,
      sobre o uso do grande Nome, é que jamais devemos empregá-lo 
      por nós mesmos, esperando sempre que ele mesmo se
      gere, se forme e pronuncie a si próprio em nós. Penso ser 
      esta é a única maneira de não pronunciá-lo em 
      vão. Essa teoria é
      muito elevada, sei disso, mas é este o regime que adoto por minha 
      própria conta. Assim, não vos direi nada de tudo o que
      daí provém. Trato-vos como a mim, ou seja: como amigo. Quanto 
      à Sophia, não tenho dúvida alguma de que ela não 
      possa
      nascer em nosso centro. Não tenho dúvida alguma de que o Verbo 
      divino possa nascer nele também por esse meio, como
      nasceu por Maria. Mas tudo isso nos acontecerá de maneira espiritual 
      e, se pudermos senti-lo dessa maneira, então jamais o
      veremos, a não ser intelectualmente, língua não estranha 
      para aqueles que estão um tanto a par das manifestações. 
      Tudo o
      que se apresentar de maneira mais física e no exterior não 
      virá de nós nem do nosso próprio centro, embora nosso 
      centro
      seja com isso realçado e se rejubile. Assim, o Verbo, Sophia e a 
      própria Maria, que pedem manifestar-se no exterior, serão 
      o
      45
      Verbo, a Sophia e a Maria já formados, todos eles, antes de nós, 
      e buscando revivificar-nos e a nos encorajar na nossa obra
      pessoal, que é fazer em nós essas coisas, não através 
      de uma geração em ser externo, como aconteceu quando de
      Encarnação, mas pelo renascimento íntimo de nós 
      mesmos, o deve tornar-nos semelhantes a todos os seres pela santidade,
      pela pureza e pela luz. Creio, senhor, ter respondido de maneira bem clara 
      a esse assunto para considerá-lo encerrado daqui
      por diante, pois compete à prática ou à prece dar-nos 
      sobre isso as demonstrações que não podem vir da mão 
      humana. Não
      receio que nosso amigo Böhme me desminta neste ponto. Estou sinceramente 
      consternado por vossas buscas com relação
      às obras de J. Leade não terem obtido êxito, é 
      o que concluo de vossa carta, embora vos tenhais esquecido de inserir nela 
      a
      resposta recebida de Londres, a qual iríeis acrescentar-lhe, pelo 
      que me dissestes. Por meu lado, enquanto aguardo o
      momento agir para tê-las em inglês, ouso dirigir-me ainda a 
      vós para tê-las em alemão. Espero tirar partido disso, 
      pois
      entendo Böhme correntemente sem ter necessidade de traduzi-lo para 
      aprender sua língua, empresa acima de minhas forças
      físicas, que se esvaem a olhos vistos; empresa que não levarei 
      longe, sobretudo nas circunstâncias amargas e desastrosas
      que me cercam. O me obriga a recorrer a vós é que minha correspondência 
      predileta, em Estrasburgo, está suspensa. Lá
      todos os destinatários de cartas são obrigados a comparecer 
      diante de comissões nomeadas ad hoc, as cartas são lidas na
      presença delas e somente entregues quando nada contêm de suspeito. 
      A pessoa com quem me correspondo não pode
      submeter-se a esses usos e combinamos que eu só lhe escreveria quando 
      ela pudesse ler minhas cartas sem sair de casa.
      Rogo-vos, pois, senhor, encarecidamente, fazer tudo o que estiver ao vosso 
      alcance para conseguir-me as obras em questão
      em alemão. Não me preocuparei em nada com as despesas. E mesmo, 
      através de entendimentos de família, acontece-me
      ter algum numerário da herança de meu pai, o que afasta qualquer 
      embaraço e evita qualquer atraso no pagamento. De
      acordo com os detalhes financeiros que tendes a gentileza de me dar, a pessoa 
      não pensa mais em seu projetos de
      investimento. Agradeço-vos com toda sinceridade, senhor, pelos votos 
      que fazeis pela minha tranqüilidade. Ouso crer que o
      céu atende a eles, pois, apesar dos espinhos de todo tipo sobre os 
      quais me fazem dormir noite e dia, ainda conheço
      algumas vezes o leito de rosas, e apesar do exílio em que me encontro, 
      e que é pior do que o do judeus em Babilônia, pois
      pelo menos eles estavam juntos e eu estou sozinho, o Deus de bondade não 
      está longe de mim e, se eu tivesse menos
      preguiça de procurá-lo, nem notaria a falta de companhia. 
      Devo confessar-vos, além disso, como um tributo de
      reconhecimento pelas bondades desse Deus supremo, que, em meio às 
      perturbações que angustiam de maneira tão cruel
      minha infeliz pátria, fui absolutamente preservado, como se a mão 
      que vela sobre mim temesse afastar-se por um instante
      sequer. Enfim, se é necessário que eu vo-lo diga, em comparação 
      com todos os meus concidadãos, tratam-me como criança
      mimada. Lembrai-vos sempre de mim e rezai por mim. Eu vos rogaria a gentileza 
      de, na próxima carta, me esclarecerdes
      sobre as seguintes dificuldades de nosso amigo Böhme: Apologia wider 
      Stiefel, nº 423, linha 5, Auffgehaben. Christi
      Testamenta, 2. Büchlein, cap. 4, nº 31, p. 78, l. 12. Auffschlagen, 
      idem nº 36, linha 16 verwegen. Nem meu dicionário nem
      meu inglês me dão sobre essas palavras um sentido satisfatório. 
      Depois dos dois Testamentos, há no mesmo volume, edição
      de 1882, um pequeno tratado em três capítulos intitulados Eine 
      einfältige Erklärung von Christi Testament der Heyl. Tauffe,77
      Nesse pequeno tratado, cap. 3, nº 7, linhas 4 e 5, há Dieses 
      Zorn-Feuer gibt Er mit seinem Eintaucham Seiner fëuerbrennenden
      Liebe78. Acho que Dieses deveria estar no dativo, e não no nominativo. 
      Parece-me um erro, dizei-me se estou
      enganado, mas sem o dativo nada consigo entender. No fim desse mesmo pequeno 
      tratado, à página 180, nas últimas
      palavras da nota histórica da morte de Böhme, Dann er anno Christi 
      1624, etc., etc., eingegangen 79.
      Não sei por que não acrescentaram ist80. Parece-me que ist 
      é necessário para completar o sentido da frase; dizei-me
      igualmente se me enganei. Sabeis como me será útil a companhia 
      de pessoas instruídas em vossa língua, uma vez que um
      única palavra me removeria dificuldades que, embora sejam frivolidades, 
      exigem páginas de escrita. SAINT-MARTIN
      77 78 79 Tradução
      80 É; está.
      Carta 31 Balneário de Louesch-en-Valais, 1º de agosto de 1793
      Foi com a mais viva satisfação, senhor, que recebi vossa sublime 
      carta de 21 de julho. Vossa teoria sobre o emprego do
      Nome dos nomes é muito elevada. entretanto, parece-me clara e inteiramente 
      de conformidade com minhas próprias idéias.
      A distinção que ainda fazeis entre a visão intelectual 
      e a visão exterior e física parece-me clara e nítida, 
      embora eu não passe
      de um profano. A Sophia pode manifestar-se tão bem exterior e fisicamente 
      que a primeira manifestação física da qual Jane
      Leade gozou foi a de Sophia. Ela descreve essa comunicação 
      ao longo do Garten brunn. Se não conseguir descobrir logo
      suas obras, aproveitarei alguns momentos de lazer para traduzir-vos essa 
      passagem. Em seu Mundo Angelical81 Pordage
      insiste muito na utilidade e na importância das comunicações 
      físicas. O grande ponto consiste em evitar os tropeços. Quanto
      a mim, encaro as manifestações, quando verdadeiras, como um 
      excelente meio de adiantar nossa obra interior, e creio que
      uma elevação ao Ser supremo, uma adesão do fundo da 
      alma à causa ativa e inteligente, uma pureza de vontade que não
      deseje senão aproximar-se da fonte de toda luz e unir-se a ela, sem 
      um único movimento de retorno em direção a nós
      mesmos, enfim, o Nome dos nomes, tudo são meios infalíveis 
      de receber esses dons sem mistura de erro e de ilusão.
      Pordage fez-me sentir a importância das comunicações 
      físicas, mas o que os ingleses de hoje - não Pordage - chamam 
      de
      second sight [segunda visão], que adquiriram por tradição 
      ou iniciação, parece-me conduzir-nos a uma região em 
      que a
      classe boa e a má se misturam para entrar em contato conosco. Imagino 
      classes diversas de adiantamento entre os homens
      de desejo, dos quais cada um produz efeitos ora mais ora menos elevados, 
      e ora mais ora menos puros. Mas será
      46
      necessário passar pela second sight para se chegar às comunicações 
      puras? É sobre isso que vossa opinião me será muito
      preciosa. Não fiqueis penalizado por eu não ter tido êxito 
      na Inglaterra no tocante às obras de Jane Leade. Vi com prazer,
      pelas vossas observações sobre algumas passagens de B., que 
      fizestes bastante progresso na língua alemã, mediante o
      que, se continuardes assim, a compreensão de Pordage e de Jane Leade 
      em alemão não passará para vós de um
      brinquedo. Podeis ter toda a certeza de que nada deixarei de fazer para 
      achá-las para vós; precisarei somente de um pouco
      de tempo. Comecei escrevendo a Basiléia sobre esse assunto. Talvez 
      eu seja enviado a Basiléia para comandar as tropas de
      nosso contingente que faz parte daqueles que o corpo helvético mantém 
      deste lado para assegurar a neutralidade. Tomarei
      então informações quanto a Estrasburgo, Frankfurt e 
      Leipzig, que são os depósitos de livros antigos. Quanto ao 
      pagamento
      das obras, não vos preocupeis e, como princípio, tomo a liberdade 
      de pedir-vos que jamais vos sintais embaraçado comigo
      sobre assuntos de dinheiro, e mesmo que a situação deplorável 
      das circunstâncias atuais vos façam perder a maior parte de
      vossa fortuna, sempre vos restará o recurso do qual já falamos 
      nas nossas cartas anteriores, e considerarei esse recurso
      como um favor que me proporcionais. Em minha última carta eu me havia 
      esquecido de ajuntar o recibo vindo de Londres e
      que deixei em M
, o qual me informava que as buscas das obras de Jane 
      Leade foram infrutíferas. Do fundo do coração
      agradeço à Providência a proteção especial 
      que vos outorga e ergo as mãos aos céus para que ela continue 
      a fazê-lo,
      esperando que minhas preces hão de ser ouvidas. Acrescento aqui duas 
      palavras de resposta às perguntas sobre gramática
      que me dirigis sobre nosso amigo Böhme. Auffgehaben apolog. Stiefel, 
      nº 423: é o antigo infinitivo do ver sich hebe auf.82
      Hoje dizemos aufgehoben e esta palavra geralmente toma um sentido figurado. 
      Dizemos diariamente Dieses Decret is
      aufgehoben, assim como em francês se diria ce décret a été 
      rapporté [esse decreto foi revogado] como sinônimo de
      suspender, anular. Na passagem citada, o vocábulo significa que, 
      apesar do estado glorioso no qual Jesus Cristo se
      encontra, sua humanidade, sua criaturalidade continua subsistindo, e que 
      ele não foi despojado dela. Auffschlagen, Christi
      Testam.83, linha 12, cap. 4, § 31. Expressão figurada. Dizemos 
      ein Zelt, eine Hütte auschlagen, isto é, construir84 uma
      tenda, uma cabana. Nosso amigo fala de um palácio, acepção 
      que somente a ele pertence e que não passa da imitação 
      dos
      exemplos que acabo de citar. Verwegen85, n ? 36, linha 16: a acepção 
      deste vocábulo é uma licença tomada por B
 em
      relação à língua alemã. Empregou o termo 
      como verbo. É como se alguém dissesse em francês se 
      témerairiser86. Dieses
      Zorn-Feuer87. Erklär. von Christi Test. , cap. 3, § 7. É 
      um dos números mais sucintos e mais densos de nosso amigo, sendo
      preciso considerá-lo somente como titulo, como resumo das palavras 
      que se seguem. Mas é indispensável que o nominativo
      permaneça, que seja dieses e não diesem. Há um erro 
      de imprensa no nº 10, linha 5: em vez de Ich gehe ihnen, leia-se Ich
      gebe ihnen88. Mais do que um erro, a emissão do verbo auxiliar ist 
      à página 108 é um caso de elegância e precisão 
      de
      estilo, porque o infinitivo eingegagen refere-se de maneira quase imperceptível 
      a ist, que se encontra na primeira linha,
      embora haja um ponto entre os dois. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF Esta carta 
      vem seguida de outra datada de 6 de
      setembro de 1793, que começa assim: "Escrevi-vos do balneários 
      de Louesch a 8 de agosto, e, não havendo recebido
      notícias vossas, no tempo costumeiro, senhor, etc."
      81 Citado em francês: Monde angélique.
      Carta 32 Petit-Bourg, près de Ris, em Ris, departamento de Seine-et-Oise, 
      21 de maio de 1793
      Eis-me de volta por alguns momentos, senhor, à casa de campo onde 
      estiva ano passado. Embora a dona da casa não
      esteja presente, vim ver alguns amigos que estão morando aqui na 
      sua ausência, cuja companhia me distrai um pouco da
      tristeza em que passei onze meses em meu país, tanto pela enfermidade 
      e pela morte de meu pai, quanto pelas questões de
      sua herança. Como, provavelmente, não ficarei aqui por muito 
      tempo, endereçai vossas cartas à Amboise, como de costume,
      pois tenho todos os motivos para crer que não tardarei a regressar. 
      Vossa carta de 8 de agosto, endereçada à minha casa,
      foi enviada para aqui. Vejo nela que o ponto das comunicações 
      é o que mais vos preocupa e que desejais encerá-lo em
      definitivo. Sabeis tudo o que vos informei sobre isso. Vós concordastes, 
      e assim não voltarei a esse assunto. Mas, para não
      deixar sem resposta vossa última pergunta sobre a second sight, dir-vos-ei 
      que não conheço lei geral alguma sobre essa
      parte e uma resposta afirmativa ou negativa seria uma lei geral. Creio então 
      que as vias são tão variadas nesse gênero
      quanto os pontos de onde podem partir os diversos viajores. Creio que a 
      própria coisa pôde conduzir de maneiras diferentes
      os seus eleitos, dando a uns as comunicações puras interiores 
      sem as exteriores; a outros as comunicações puras exteriores
      sem as interiores; a outros ambas. - Creio que as tradições 
      ou iniciações chamadas second sight podem ter desviado certos
      homens e que tenham sido úteis a outros, porque, com as iniciações 
      corretas e um coração bem disposto, Deus nos conduz
      algumas vezes à luz, deixando-nos mesmo atravessar abismos. Mas, 
      instruído como o sois hoje, deveis estar certo de que
      qualquer tradição ou iniciação dos nomes jamais 
      poderá ser responsável por levar-vos às comunicações 
      puras, porque é
      somente Deus quem as dá. Mantende-vos, pois, no ponto em que estais, 
      não busqueis senão despojar-vos de qualquer
      Ichheit89, de qualquer Selbheit90; não empregueis vossas faculdades 
      senão para pô-las inteiramente na mão que só 
      deseja
      governar a todas, e deixai-a agir: ela saberá, melhor do que todos 
      os sábios do mundo, conduzir-vos aonde vos for
      necessário ir, e como for necessário ir. Agradeço-vos 
      a boa intenção de traduzir-me algumas passagens das obras 
      de Jane
      Leade. Para evitar trabalho duplo, devo dizer-vos que há seis meses 
      enviaram-me de Estrasburgo alguns trechos dessa
      autora traduzidos em francês. Envio-vos a essa observação 
      para empregardes vossa boa vontade para comigo em outras
      passagens. Discurso de Jane Leade sobre a diferença entre as revelações 
      verdadeiras e das revelações falsas, encontrado
      no prefácio do assim chamado Poço do Jardim (Garten Brunn), 
      obra inoitavo surgida em Amsterdam no ano de 1697,
      47
      traduzida de alemão e tirada da História da Igreja e dos Hereges, 
      de Arnold, tomo II, 3! parte, cap. 20, p 519. Tenho trechos
      traduzidos desse discurso, do nº 18 até o 26, inclusive; e foi 
      acrescentado em nota, no fim, que essas coisas se acham mais
      detalhadas num tratado intitulado O Mistério das Visões e 
      das Revelações91, de um doutor inglês, anexado à 
      sua
      Theologiam Mysticam, inoitavo e publicado em Amsterdam em 1698. Talvez essa 
      obra seja a do vosso doutor Pordage.
      Quanto ao mais, o pouco que possuo nos trechos que me enviaram enche-me 
      de admiração, e tudo o que eu vir desse autor,
      seja em inglês, seja em alemão ou em francês, não 
      pode deixar de aumentar o prazer que já experimentei com a leitura 
      do
      que está tenho em mãos. Se em vossa procura nas livrarias 
      estrangeiras descobrirdes as obras em questão, tende a
      bondade de avisar-me de mas enviar porque, na circunstâncias atuais, 
      é preciso que nos esforcemos por evitar acidentes
      que podem acontecer durante o percurso. Adeus, senhor, recomendo-me sempre 
      à vossa amizade e às vossas preces.
      Estou atualmente ocupado com a leitura do Mysterim Magnum de nosso amigo 
      Böhme. Que profundidades esse autor me
      faz descobrir! Se ele não houvesse condenado até o menor desejo 
      do homem, eu concederia tais desejos para poder
      conversar sobre ele com as pessoas que tivessem conhecimento de sua doutrina 
      e de sua língua, pois não tenho nada disso
      ao meu redor. Mas seja feita a vontade de Deus! Não há situação 
      alguma da qual não possamos tirar algum fruto, pois Deus
      está em toda parte, e não há um só ponto da 
      atmosfera que não encerre a terra vegetal do jardim do Éden. 
      Escrevo hoje
      somente um pouco sobre tudo isso. São as portas da cólera 
      que estão abertas sobre a terra neste momento. É preciso
      esperar que os dias de paz nos abram novamente as porta do amor. As misturas 
      nesse gênero podem ter seqüências por
      demais funestas. Exorto-vos a ter a mesma reserva. SAINT-MARTIN
      82 83 H. Abendmahl. (Nota dos editores franceses.)
      84 À Editora: Na minha opinião construir deveria figurar em 
      itálico porque auschlagen também o está.
      85 Temerário, ousado.
      86 Em português seria: temerarizar-se (tornar-se temerário). 
      (N.T.)
      87 Este fogo da cólera.
      88 Eu vou a eles - eu lhes dou. (N.T.)
      89 Egoísmo
      90 Individualidade.
      91 O título embora de obra inglesa, esta; em francês: le Mystère 
      des Visions et des Révélations. (N.T.)
      Carta 33 M
, 18 de setembro de 1793
      Vossa carta de 9 de setembro, senhor, trouxe-me grande satisfação 
      porque tirou-me da inquietação em que me encontrava
      com relação ao vosso silêncio. Julgá-lo-eis pelo 
      bilhete que vos dirigi no dia 6 deste mês. Sinto como vós a 
      necessidade do
      despojamento. O extenso artigo, com relação a essa idéia, 
      é de dar-lhe a determinação e a medida necessárias, 
      pois, sem
      isso, cai-se num labirinto que pode levar ao desencorajamento. Não 
      ter outra vontade senão a de Deus exige o
      conhecimento e o discernimento prévio da vontade de Deus. É 
      um meio que nos defende das inquietações, dos desejos, das
      reprovações interiores amargas, das vontades próprias, 
      das tentações, etc., o que, pelo que creio, nos faz avançar
      grandemente na via da desapego e do despojamento porque anula e mata as 
      seduções exteriores que desejariam que
      ficasse duvidosa a consecução desses bens que nos aguardam 
      em uma outra região. É a volta, o refúgio no nosso 
      dentro,
      no nosso coração, no interior da nossa alma. Se aí 
      buscarmos aquele que caminha sobre a cabeça da serpente e a esmaga
      com os pés, se o deixarmos combater em nosso lugar, ele o fará 
      com muito mais êxito. Nosso sublime B. indica tudo isso
      com uma só palavra energética, chamando ao nosso herói 
      Ein Schlangentreter92. Não terei tempo de vos traduzir a relação
      feita por Jane Leade em sua primeira comunicação exterior 
      com Sophia, mas em lugar dessa narrativa, traduzir-vos-ei
      Pordage, amigo e diretor de Jane Leade, que vos dará a conhecer em 
      parte os princípios desse homem. O fragmento que se
      segue é tirado do início do prefácio do tratado da 
      Sophia, Amsterdam, 1699. Este prefácio é um resumo da própria 
      obra.
      "Bem-aventurados os que têm fome e sede ardente de possuir a 
      Sophia, uma vez que se verá, no tratado seguinte, que ela
      promete descer sobre eles com seu divino princípio e seu mundo luminoso 
      (Licht Welt). Entretanto, pode passar um tempo
      considerável, às vezes vinte anos ou mais, antes que a sabedoria 
      eterna se transmita realmente e se revele para expandir a
      tranqüilidade e o repouso na alma daquele que a deseja, pois depois 
      de haver buscado em vão diversos caminhos para
      aproximar-se dela, a alma, privada de suas esperanças, cai por fim 
      numa dilapidação de forças, na lassidão e no
      desencorajamento. Se então nem a oração mais ardente 
      nem as meditações religiosas puderem efetuar algo eficaz, 
      e se
      nenhuma instância e nenhuma prece produzir o menor efeito sobre ela 
      para incitá-la a descer e permanecer em nossa alma,
      então estamos convencidos por nossa própria experiência 
      de que, pelos nossos esforços, atos de fé e de esperança, 
      pela
      atividade de nosso espírito, é-nos completamente impossível 
      atravessar o muro de separação que se encontra entre nós 
      e o
      Princípio divino, sendo todas as chaves por demais frágeis 
      para abrir a porta desse princípio. E como nossa alma descobre
      então que até aqui, seguindo a via da Ascensão, ela 
      sempre errou o alvo, conclui que não está aí o verdadeiro 
      caminho
      (mesmo que nesse caminho tivesse sido gratificada com comunicações 
      e revelações celestes), mas que a única senda para
      chegar à sabedoria divina e ao seu princípio é descer, 
      mergulhar interiormente em próprio fundo e não mais olhar 
      para fora
      dali. Uma vez que a alma segue esse caminho e mergulha em si mesma, então 
      abrem-se as portas nas profundezas da
      sabedoria e ela é introduzida no sagrado e no eterno princípio 
      do mundo luminoso (Licht Welt); na nova terra mágica, na qual
      a virgem Sophia, ou a sabedoria divina se manifesta a ela e lhe descobre 
      suas belezas. Mas, se nesse ponto a alma não está
      48
      bastante vigilante e bem firme para recolher-se continuamente ao seu centro 
      da natureza (Centrum naturæ), e se, por essa
      tranqüilidade passiva ela não mergulhar totalmente nesse abismo 
      e nesse caos, do qual é formado o novo paraíso, se ela
      não torna a subi e não voa no alto, fica então no maior 
      perigo de ser cercada e tentada cruelmente por uma multidão
      inumerável de espíritos, tanto do mundo tenebroso como princípio 
      elementar e astral. Mas, nessa precisão extrema, a
      protetora celeste reaparece, fortalece-a e repete-lhe e confirma-lhe a primeira 
      lição, etc., etc."93 Pois bem, senhor, que dizeis
      do doutor Pordage? Ele era chefe de uma pequena escola de eleitos no número 
      dos quis encontravam-se Jane Leade e
      Thomas Browne. Todos gozavam das manifestações superiores 
      mais notáveis. Vereis, pelo meu bilhete de 6 de setembro,
      que previ vossa observação sobre a necessidade de fazer chegar 
      a vós a obra em questão com alguma certeza e espero
      vossa orientação. No fim da carta de 9 de setembro falais-me 
      da terra vegetal e dizeis que não há um só ponto da 
      atmosfera
      que não a encerre. Tende a bondade de me transmitir alguns detalhes 
      sobre a natureza dessa terra e a maneira de
      consegui-la. Seria a luz oculta nos elementos, da qual fizestes menção 
      em uma das vossas cartas do ano passado? É uma
      substância real, ou apenas uma força, uma representação 
      intelectual? É o Ternarius sanctus, o elemento sagrado, a terra
      santa de nosso amigo B.? informai-me por favor, se a possuís e o 
      caminho mais curto para consegui-la, se ela é visível e
      palpável aos nossos sentidos exteriores ou se pode ser vista, tocada 
      e sentida apenas em nosso homem interior. Talvez a
      doutrina dessa terra vegetal pudesse realmente ter alguma relação 
      com as passagens mais admiráveis do cap. 6 do
      Evangelho de São João e do versículo quinto do capítulo 
      5 do Evangelho de São Mateus. O que me faria crer que a terra
      vegetal ou elemento puro seja alguma coisa que lembre uma matéria 
      sutil é uma passagem de nosso amigo B. em seus Três
      princípios, cap. 14, nº 54. Em geral, tudo o que julgardes oportuno 
      informar-me sobre vossas experiências com essa terra
      maravilhosa dar-me-á mui grande prazer. Lembrai-vos de mim em vossas 
      preces para que eu seja amparado nos combates
      aos quais incessantemente temos de nos entregar. Quoniam non est nobis colluctatio 
      adversus carnem et sanguinem, sed
      adversus principes et potestates, adversus mundi rectores tenebrarum harum, 
      contra spiritualia nequitiæ in celestibus. (Paulo
      aos Efésios, 6:12.)94
      P.S. Não posso encerrar esta carta sem rogar-vos esclarecimentos 
      sobre a primeira parte da passagem da vossa carta do
      dia 9, na qual dizeis: "Não há um só ponto da 
      atmosfera que não encerre", etc. Se vossa terra vegetal é 
      o elemento puro e se
      os elementos grosseiros encerram o elemento puro, o ar atmosférico 
      deve encerrar o elemento puro, o Ternarius sanctum, o
      corpo da Sophia, a terra vegetal. Por conseqüência, respirando 
      esse ar, devemos poder alimentar-nos, fisicamente mesmo,
      do corpo celeste da causa ativa e inteligente, etc., etc., etc. E se nosso 
      coração se abrir, ele poderá e deverá, a cada
      respiração, receber o alimento espiritual encerrado nesse 
      maná divino. Assim, o ar seria o grande Veículo. KIRCHBERGER
      DE LIEBISTORF
      92 Esmagador da serpente.
      93 Saint-Martin escreveu traduzindo para o francês. Eis o original 
      inglês: "Happy are they who hunger and thirst for Sophia,
      for they will see, in the following treatise, that she promises to descend 
      into them with her divine principle and her World of
      Light. A considerable time, however, may pass, sometimes twenty years or 
      more, before the eternal Wisdom really
      communicates and reveals herself so as to shed tranquillity and peace in 
      the soul of him who desires her, for, after vainly
      seeking different ways to get to her, the soul, disappointed in its hopes, 
      falls at last, without any strength left, in lassitude and
      discouragement. If then, neither fervent prayer nor religious meditation 
      can do anything, and no entreaty, however earnest,
      avails to induce her to come down and abide in our souls, we are then convinced 
      that, by our own efforts, our acts of faith and
      hope, or by the activity of our mind, it is utterly impossible for us to 
      break through the wall of separation which is between us
      and the Divine Principle, all these keys being powerless to open the door 
      to this principle. And when our soul then finds that,
      in hitherto following the road of Ascension, it has always missed its object, 
      it concludes that this was not the right way (even
      though it may have been treated on the way with communications and heavenly 
      revelations), but that the only path to arrive at
      Divine Wisdom and her principle, is by descending, to sink inwardly into 
      one's own ground, and look no more without. "When
      the soul takes this road, and sinks into itself, then the gates of the depths 
      of Wisdom open, and the soul is introduced into the
      holy eternal principle of the world of light; in the new magical earth, 
      in which the virgin Sophia, or Divine Wisdom, shows
      herself, and discloses her beauties. 'But if the soul here is not sufficiently 
      watchful, and firm enough to concentrate itself
      continually in its centre of nature (Centrum naturae), and, through its 
      passive tranquillity, it do not so sink into this abyss, this
      chaos, out of which the new paradise is formed, as to rise again, and fly 
      up on high, it is then in the greatest danger of being
      surrounded, and cruelly tempted by a crowd of innumerable spirits; from 
      either the dark world, or from the elementary astral
      principle. But, in its extremity, its heavenly protector appears again, 
      to strengthen it, and repeat and confirm its first lesson,"
      &c.
      94 V. nota 57.
      Carta 34 Paris, 23 de outubro de 1793
      Vossas duas cartas me alcançaram, senhor, embora um pouco tarde, 
      porque eu estava ainda no campo e elas foram por
      Amboise e logo voltaram. Vim logo a Paris, um pouco pelas conseqüências 
      dos negócios da herança de meu pai e muito
      para procurar os meios de conseguir as obras de Jane Leade que me recomendais. 
      A via das livrarias que me indicais é bem
      longa e tenho pressa em desfrutar da leitura. De acordo com todas as informações 
      que tomei, a via postal seria terrivelmente
      cara e vejo que somente a diligência de Basiléia é que 
      pode melhor satisfazer-me. Mas é preciso que tenhais a bondade de
      49
      entregar o volume a essa diligência através de um portador 
      seguro. Mandai envolvê-lo com um tecido encerado e escrever
      em caracteres bem visíveis: Ao cidadão Saint-Martin, rua Faubourg 
      Saint-Honoré, 66, Paris. Não pagueis o porte, que o
      pagarei aqui. Recomendai bem à pessoa que encarregardes do embrulho 
      que o registre nos livros da diligência de Basiléia.
      Ela chega aqui todos os domingos. Recomendai também à pessoa 
      que escrever o endereço que siga exatamente o que está
      acima, pois se não for escrito rua Faubourg Saint-Honoré, 
      66, mas somente rua Saint-Honoré, o embrulho estará perdido
      para mim, por se tratar de duas ruas bem diferentes. Eis todas as precauções 
      por mim tomadas. No momento, seja o que
      Deus quiser! Se eu vos dever algum desembolso por esse objeto, dizei-mo, 
      que o satisfarei logo que possível. Apresentandovos
      antecipadamente meus agradecimentos, agradeço-vos também sinceramente 
      pelo amável oferecimento que me fizestes
      em carta anterior com relação aos reveses que minha sorte 
      poderia sofrer. Espero ter sempre mais daquilo de que precisar e,
      se um dia a Providência nos reunir, terei, além disso, o prazer 
      de não vos ser oneroso. Também vos devo agradecimentos
      pelos detalhes gramaticais que ultimamente me enviastes sobre o alemão, 
      em resposta às minhas perguntas böhmicas.
      Permiti-me pagar hoje todas essas dívidas. Eu teria, talvez, algumas 
      outras perguntas a fazer-vos sobre o mesmo assunto,
      mas no momento não disponho de tempo livre para isso e ficará 
      para outra vez. Hoje só posso dizer-vos uma palavra sobre
      as duas passagens importantes de vossa última carta: uma é 
      o despojamento. Acho que o descreveis perfeitamente bem e
      posso assegurar que nossas incertezas sobre a vontade de Deus, com relação 
      a nós, dissipam-se gradativamente à medida
      que o buscarmos e o desejarmos com todas as nossas faculdades e dirigirmos 
      todos os atos de nossa conduta para esse
      alvo. O segundo é a terra vegetal, que é ao mesmo tempo, tudo 
      o que vós mesmo descreveis. Na minha carta eu me referia
      apenas à Sophia e ao corpo glorioso do qual vos falei anteriormente, 
      e já conheceis o suficiente para ver que é essa a
      verdadeira terra prometida ao homem. Isso não impede que a expressão 
      terra vegetal se estenda a todas as regiões. Assim,
      há uma terra vegetal material, que é a de nossos campos; há 
      uma terra vegetal espirituosa, que é a do Elemento puro; há
      uma terra vegetal espiritual, que é a Sophia, e há uma terra 
      vegetal divina, que é o Espírito Santo e o Ternarium sanctum.
      Vede, senhor, que sobre esse assunto temos as mesmas noções 
      e as mesmas idéias. Quanto à posse dessa terra santa,
      não posso indicar-vos nenhum meio de atingi-la além dos já 
      citados, dos quais amplamente vos tenho falado em toda a
      nossa correspondência. É a ela que vos remeterei sempre para 
      que continueis a buscar tudo em Deus, de tal modo que tudo
      espereis dele, porque somente ele faz vegetar essas terras diversas e ele 
      próprio envia a cada um a porção delas que lhe for
      necessária, seja quanto ao espaço e à extensão 
      do terreno, quanto ao clima que lhe é próprio habitar. Vigiai 
      e orai, e não
      duvideis, se pertenceis a uma tribo de Israel ou vos conformais à 
      lei do Espírito que governa o povo santo, de que obtereis
      admissão em seu seio e de que tereis, como esse povo, a vossa porção 
      na herança de Abraão. Adeus, senhor, peço-vos que
      façais sempre algumas preces por mim e que vos lembreis de mim. Avisai-me 
      quando tiverdes expedido o livro. Remetei
      vossa carta a Paris, para mesmo endereço do livro. Provavelmente 
      permanecerei aqui por algum tempo ainda, mas mesmo
      que não ficar, há alguém que receberá tudo para 
      mim e que mo remeterá a todos os lugares em que eu estiver. Peço-vos
      também suprimir, no endereço de minhas cartas, a palavra Monsieur 
      e substituí-la por Cidadão. É a denominação 
      atual de
      tudo o que compõe a nação francesa e faço questão 
      de obedecer a isso. Aguardo impaciente o bom alimento que ireis
      enviar-me. Quando ela chegar, talvez eu já tenha terminado a leitura 
      de todo o meu bom Böhme (exceto as cartas) e então
      me darei por inteiro a Jane Leade. Falastes-me de um registro de Böhme, 
      bem mais extenso do que o que se encontra no fim
      de minha edição de Amsterdam, 1682. Se houvesse um meio de 
      conseguirme um exemplar, prestar-me-íeis um serviço.
      Poderíeis encomendá-lo pela mesma via de Basiléia, 
      assim como tudo o mais que teríeis para me enviar. SAINT-MARTIN
      Carta 35 M
, 30 de setembro de 1793
      Vossa carta de 23 de outubro, senhor, tirou-me de grande inquietação, 
      pois eu não sabia se vos acontecera algum acidente.
      Eu mesmo enviarei o volume de Jane Leade à diligência de Basiléia. 
      Conto com dirigir para lá no meado do próximo mês
      pela razão que encontrareis em minha carta de 8 de agosto, caso a 
      tenhais conservado. Assim, durante três meses receberei
      vossas cartas em Basiléia. Nada devereis mudar em meu endereço, 
      exceto meu local de alojamento, e devereis indicar nele
      que estou alojado na casa de Monsieur Lucas Serazin. Nada perdereis com 
      o pequeno atraso que for sofrido pela remessa
      de Jane Leade, porque tenho a esperança de acrescentar-lhe alguns 
      tratados importantes de Pordage. Se eu chegar a
      conseguir o registro de Böhme, não deixarei de vo-lo mandar, 
      mas todas as obras de B., e sobretudo as de Jane Leade e de
      Pordage, são raríssimas, não podendo ser encontradas 
      a preço algum, a não ser por uma sorte excepcional. Empreguei 
      um
      agente que mora nos confins de nosso cantão e que andou procurando 
      em Schafhausen, Zurique e Basiléia para desencavar
      essas obras; e foi ele que me deu esperanças de obter alguns tratados 
      de Jane Leade, obras bem notáveis. É a Providência
      e a vós, Monsieur, que devo o conhecimento desses eleitos e ainda 
      estou surpreso por ter podido descobrir suas obras,
      tendo em vista sua excessiva raridade. Contai, Monsieur, no número 
      das boas ações de vossa vida, o cuidado que tivestes
      de me inserir na companhia deles. É um dos maiores benefícios 
      que já recebi. Agradeço-vos também pelos esclarecimentos
      no tocante às diversas espécies de terra vegetal dos quais 
      me falais em vossa última carta e, para não haver qualquer 
      malentendido
      entre nós sobre nossas idéias e terminologia, traçar-vos-ei 
      resumidamente o encadeamento de minhas noções
      sobre esse assunto. Nosso sublime Reparador, cujo nome jamais pronuncio 
      sem que meu espírito se prosterne diante dele,
      diz: "Aquele que crê em mim tem a vida eterna."95 Em sua 
      epístola nº 46 nosso amigo B. explica o que é a verdadeira
      crença. A prova de como é justa essa explicação 
      encontra-se imediatamente depois da passagem que acabo de citar. Diz
      Jesus Cristo: "Eu sou o pão da vida."96 E no versículo 
      5497 do mesmo capítulo, João 6, acrescenta o Reparador: "Se 
      não
      comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não 
      tendes vida em vós mesmos." E no cap. 3, v. 36:
      50
      "Quem crê no Filho [de Deus]98 tem a vida eterna; o que, todavia 
      se mantém rebelde 99 contra o filho, não verá a vida."
      Assim, vê-se a identidade dos meios para se ter a vida e a justeza 
      da explicação de B. Fica a grande pergunta: como
      podemos atingir esse alimento celeste? É sobre esse ponto importante 
      que nosso amigo B. se torna luminoso: chama ao
      Corpo sagrado de Sophia. Vede a carta 46, nº 40. Esta Sophia, que é 
      animada pelo Espírito Santo, é substancial, sem ser
      corporal como o nosso corpo. Vida Tríplice, V, nº 50. A substancialidade 
      lhe vem do elemento ao qual serve de invólucro.
      Vede nº 53. Ela é o espírito do Elemento puro (Três 
      Princípios, 22, nº 26). O Elemento puro é o que existe 
      de mais próximo
      do nosso mundo (Clavis, nº 106). Por mim, creio que o ar sutil, ou 
      éter, é o que existe de mais próximo do Elemento puro
      porque é nesse ar que se oculta o Espírito Santo, assim como 
      em seu céu, pela gradação que acabo de indicar; e o 
      céu está
      em nosso coração. V. Aurora 23, nos 70 e 71. O ar é 
      a causa de toda a vida e de todo movimento e o Espírito Santo domina
      na doçura do ar. V. Aurora 1, nºs 15 e 16. Assim, cada vez que 
      respiramos com abandono e confiança totais na misericórdia
      de nosso divino Mestre, recebemos o Corpo sagrado, espalhado por toda parte, 
      e saturamos nosso coração com o Elemento
      puro, no qual e pelo qual somente podemos renascer para uma nova vida. É 
      uma das verdades mais importantes e mais
      ocultas à maior parte dos homens. Está fundada não 
      somente na doutrina de nosso amigo B., mas também na experiência.
      Adeus Monsieur, conservai-me sempre em vossa lembrança e vossas preces. 
      Depois que houver enviado Jane Leade pela
      diligência de Basiléia, avisar-vos-ei. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      A carta que se segue a essa é de 20 de novembro de 1793 e começa 
      assim: "Acabo, Monsieur, de remeter pela diligência de
      Basiléia um volume de Jane Leade, etc."
      95 João 6:47.
      96 João 6:48.
      97 Na tradução autorizada que estamos usando este versículo 
      é o de número 53. João 6:54 diz: "Quem comer a 
      minha carne
      e beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último 
      dia." Veja abaixo a nota 34.
      98 Em francês: "au fils de Dieu". O acréscimo não 
      consta da tradução brasileira.
      99 Tradução literal do francês: "e aquele que não 
      crê no Filho não a verá."
      Cartas 36-57
      Carta 36 (Sem data.)
      Os dois volumes citados chegaram, Monsieur. Recebei meus agradecimentos 
      por esse precioso presente. Já os perlustrei o
      suficiente para ver o trabalho terei para entendê-los e para prometer-me 
      felizes frutos dessa leitura. Meu caríssimo Böhme
      nada perderá em meu espírito nessa nova circunstância 
      e vejo com prazer que o tradutor o havia lido e tinha muita
      consideração por ele. Tenho de reprovar-me por não 
      haver respondido mais cedo à vossa carta de 30 de outubro, ainda 
      mais
      pelo fato de que ela me interessa de maneira singular pela visão 
      do progresso que vos vejo fazer na compreensão de nosso
      amigo B. Minha única desculpa é que eu contava que Jane Leade 
      e Pordage chegariam cedo o suficiente para que eu
      pudesse acusar o recebimento em minha resposta. Houve mais atraso do que 
      eu esperava e mesmo depois que chegaram,
      fui obrigado a esperar quatro dias pelo correio de Basiléia, e isso 
      me aflige, tendo em vista a solicitude, que me testemunhais,
      para receberdes notícias minhas e considerando a inquietação 
      em que vossa amizade por mim pode deixar-vos nas nossas
      circunstâncias atuais. Graças a Deus sou ainda tratado com 
      o mesmo cuidado de antes, pelo que rendo graças à Providência
      sem deixar de manter-me, tanto quanto possível, pronto para tudo. 
      Vossa descrição da terra vegetal e vossa progressão 
      de
      diferentes regiões e operações do espírito convêm-me 
      muito. É somente no éter que meu olhar não parece ainda 
      tão fixo
      quanto o vosso. O éter não passa de uma modificação 
      de elementos mistos e, como tal, não convém mais do que eles 
      à
      morada do Espírito Santo. Dissestes tudo, ao que me parece, ao colocá-lo 
      no elemento puro por meio da Sophia. Ele não
      pode habitar essencialmente em outro lugar e o que dele reponta, nos elementos 
      vivos e no éter, nada mais é do que uma
      ramificação de suas potências, pelas quais tudo se move 
      e existe no universo100. Infelizmente, são i nfluências corrompidas
      e bem inferiores que residem em todas as regiões elementares aéreas. 
      Como nos diz São Paulo, isso não impede que nossa
      alma possa recebê-lo essencialmente do Espírito Santo porque 
      tem também a Sophia e o elemento pelo qual, ele e nós,
      podemos unir-nos e, mesmo sem respiração, aquela que concerne 
      somente ao ser animal. Isso, entretanto, são apenas
      observações que vos apresento, sobre as quais refletireis. 
      Como creio que tendes um volume duplo de Jane Leade,
      Offenbarung der offenbarungen101, dizei-me, por favor, se apreendi bem ou 
      mal a décima-segunda linha do título Welch bis
      auf den heutigen Tag so ferne,102 etc., achei que so ferne quisesse dizer 
      longe, que essa revelação não fora ainda feita até
      o presente com bastante amplitude, ou de maneira bastante extensa para dar 
      uma medida particular, a abundância
      necessária para conduzir ao grande mistério, a compreensão. 
      Meu pobre dicionário só explica so ferne como au cas que,
      dans le cas que [no caso em que - N.T.], etc.; achei que aqui eu deveria 
      dar-lhe outro sentido. Vede como avanço devagar
      neste trabalho em que estou absolutamente sozinho; vede também como 
      me apego principalmente ao sentido literal em
      minha grosseira tradução antes de pensar em fazer uma tradução 
      mais apresentável. Continuo esperando que a Providência
      nos traga dias mais felizes e que não nos tenha ligado pelas relações 
      de nossos desejos e pela identidade de nossas
      pesquisar para nos abandonar. Assim, tenho confiança de que, se ela 
      nos permitir que um dia nos vejamos, eu possa
      aproveitar vosso auxílio num estudo e numa língua que me serão 
      caros para o resto de meus dias, e que ela me torne capaz
      de exprimir-vos meu reconhecimento pelos tesouros que me obtendes, pois, 
      se sois sensível ao bem que pude fazer-vos ao
      51
      vos fornecer a ligação do amigo Böhme, não o sou 
      menos à maneira pela qual reconheceis esse benefício. Adeus, 
      Monsieur,
      vivamos pois nessas doces esperanças e, enquanto aguardamos, trabalhemos 
      sem descanso para restabelecer em nós a
      cidade santa, amém. Continuai escrevendo para Paris, pois minha partida 
      ainda não foi marcada. O grande cenário de nossa
      espantosa revolução me prende. Aqui, tenho mais condições 
      de contemplá-lo como filósofo. Nem por isso suspiro menos
      pela cabana que tenho no departamento103, e à qual posso voltar quando 
      a estação104 o permitir. Mas quando vier a paz e
      nós, franceses, pudermos viajar, voarei para junto de vós 
      e então, estudaremos tudo quanto quisermos. SAINT-MARTIN
      100 Paulo; "Nele vivemos, nos movemos e existimos."
      101 - 102. O já citado Revelação das Revelações. 
      (N.T.)
      Carta 37 P
, perto de Basiléia, 4 de nevoso (24 de dezembro 
      de 1793, v. est.)
      Sobrecarregado de uma multidão de negócios, e sobretudo de 
      uma multidão de ocupações outras, muitas vezes lamentei,
      Senhor, não encontrar um momento tranqüilo para conversar convosco 
      sem correr o risco de ser interrompido. Estou muito
      satisfeito de que o pequeno pacote de livros tenha chegado sem tropeços 
      às vossas mãos e, como só viajo na companhia de
      nossos amigos B
, Pordage em Jane Leade, posso responder à vossa 
      pergunta com relação ao título do tratado Revelação
      das Revelações. Ferne, tomado no sentido próprio, significa 
      longe e o que está in der ferne significa que está situado 
      à
      distância. Desse modo, interpretastes bem a passagem em questão, 
      já que o autor quer dizer até esse dia não se chegou
      ainda tão longe na explicação dos mistérios105, 
      etc. Tendes toda a razão em começardes pelo sentido literal; 
      é o sentido
      próprio que vos sempre conduzirá com mais segurança 
      ao sentido figurado. Embora o horizonte dos negócios públicos 
      da
      Europa pareça, infelizmente para a humanidade, ainda bem nebuloso 
      e eu não veja como possa esclarecer-se
      imediatamente, todavia penso como vós que a Providência há 
      de querer reunir-nos um dia. Será um dos maiores prazeres de
      minha vida se eu poder gozar à vontade de vossas luzes e de vossa 
      amizade. O que me impressionou acima de tudo na
      doutrina do ar e da terra vegetal, que vos mencionei na carta de 30 de outubro, 
      é o número 10 do 6º capítulo da Aurora.
      Segundo essa passagem, as próprias potências são obrigadas 
      a receber seu alimento celeste, assim como todos os
      homens, através da respiração. Parece também 
      que a parte mais pura dos elementos mistos, o ar respirável o ar
      deflogisticado, o ar ígneo, sem mistura alguma do ar mefítico, 
      do ar fixo e de todas as espécies de gases, seja a substância
      que se mais se avizinha do elemento puro do qual derivam todos os outros. 
      Um de meus amigos, cuja inteligência respeito
      enormemente, que me contou-me a 6 de setembro de 1792, de Petit-Bourg, que 
      Jesus Cristo se envolvera na Sophia para
      incorporar-se no elemento puro e daí descer à região 
      dos elementos mistos e corruptíveis. Ao reler essa carta, encontrei 
      nela
      exatamente a minha doutrina. Se seguirmos a gradação, veremos 
      que de todos os elementos mistos e corruptíveis, o ar
      ígneo, ou o ar respirável, ao qual chamei éter em minha 
      última carta, é realmente a substância mais pura, sem 
      a qual homem
      algum poderia viver. O que nosso amigo B. parece dizer de maneira positiva, 
      15, Perguntas 13, 2 é que a incorporação do
      Espírito Santo nos elementos mistos nos é necessária 
      para no nosso alimento espiritual. Vemos mesmo no nº 3 que ele é
      tentado a ficar descontente com aqueles que não crerem crê-lo. 
      Resta-me uma única observação a fazer sobre a passagem
      em questão da vossa carta de 1º de dezembro, a qual é: 
      que nenhuma alma, mesmo as boas, possui a Sophia. Vede 15,
      Perguntas 21-7. Encontrei, além disso, depois de vos haver escrito 
      a carta de 30 de outubro, numa note de Jane Leade,
      alguns vestígios de minha opinião sobre o ar puro considerado 
      como veículo da Sophia. Entretanto, continuo pressupondo
      que o grande meio de dela gozar seja mágico. Vede a sublime passagem 
      do nº 119 ao 125, in den Bedenken über Stiefels
      Büchlein106. Neste momento encontro-me aquartelado numa aldeia para 
      defender nossas fronteiras e fazer com que nossa
      neutralidade seja respeitada. Tenho mais tempo de lazer aqui do que na cidade, 
      pois durante um mês não tive um só instante
      livre para ler uma passagem de nosso amigo B. e considero-me bastante feliz 
      por poder gozar desse retiro. Em Basiléia
      encontrei alguns antigos conhecidos que, para grande surpresa minha, estão 
      muito adiantados na teoria e na prática das
      comunicações. Informaram-me sobre um fato que acaba de acontecer 
      a um eclesiástico célebre de Zurique que conheci
      outrora. Chama-se L
 [Lavater] Esse eclesiástico recebeu um 
      convite para ver algumas pessoas de elevada posição numa
      côrte do norte. Não é aquela da qual me falastes em 
      uma de vossas cartas e cujo gabinete não dá um passo sem fazer
      consultas psíquicas. A corte de que se trata está situada 
      mais ao norte [Copenhagen]. L
 [Lavater] chegou lá no verão
      passado. Encontrou homens instruídos, envolvido com negócios 
      e com o mundo, ocupando postos elevados, de probidade
      reconhecida e que, ao convidá-lo, só podiam ter como motivo 
      a beneficência, pois eles mesmo pagaram-lhe as despesas de
      viagem. Esses homens lhe garantiram que tinham comunicações 
      imediatas com a causa ativa e inteligente, garantiram-lhe
      que um de seus amigos, embora morto há algum tempo, entrará, 
      através desse meio, na companhia deles. Esses homens
      prometem dar-lhe esclarecimentos para os quais ele já havia rogado 
      a Deus durante longo tempo. Esclarecimentos sobre a
      doutrina do alimento celeste, sobre o grande mistério, onde se diz: 
      "Comei, isto é o meu corpo; bebei, isto é o meu sangue.
      Aquele que não come a carne que dei para a vida, o pão vindo 
      do céu, não terá vida em si."107 Na relação 
      de L. [Lavater],
      datada de 26 de outubro de 1793, que me foi remetida para aqui, e que está 
      diante de mim, diz ele a esse respeito: "Aquele
      que compreende estas palavras compreende o mistério mais profundo 
      e a parte mais essencial do cristianismo, estará
      perfeitamente convencido de uma união real, positiva e íntima 
      mit der gekreutzigen Menschen person, J. C.108" Esses
      homens lhe dizem que, quando estão reunidos, e mesmo quando alguns 
      deles estão a sós, recebem a princípio respostas
      sobre as perguntas que fazem, quando nada um sim ou um não, que não 
      deixa margem a qualquer equívoco e que, muitas
      vezes mesmo, sem qualquer pergunta preliminar, recebem comunicações 
      e revelações pelas quais vários pontos importantes
      52
      lhes são esclarecidos. Também lhe disseram, o que é 
      digno de ser notado, que todas as vezes que se encontravam juntos,
      tinham uma experiência bem íntima da verdade da promessa: "Onde 
      estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou
      no meio deles109", pois descia então um nuvem branca como a 
      neve, de um brilho quase ofuscante e, depois de havê-los
      rodeado por cerca de meia hora, pousava sobre eles. Ficaram persuadidos 
      de que essas manifestações eram sinais e
      emanações da causa ativa e inteligente:
      1º Porque essas comunicações aconteciam sempre depois 
      da prece dirigida a Ela e porque as repostas chegavam também
      depois as perguntas feitas a Ela.
      2º Porque essas manifestações os fortaleciam no amor 
      por Ela.
      3º Porque a manifestação a chamavam de Senhor, Espírito 
      do Senhor, Imagem e Símbolo do Senhor recebia adoração, 
      o
      que nenhuma virtude benéfica ousara fazer.
      4º Porque o que respondia fazia-o ao mesmo tempo, em diversos lugares, 
      a diversas pessoas, da mesma maneira.
      5º Porque os julgava com severidade e, depois de um arrependimento 
      sincero, abençoava-os prontamente e maneira bem
      visível.
      6º Porque a cada vez que perguntavam "És tu a causa ativa 
      e inteligente?" recebiam a resposta: "Sim!", o que potência
      alguma, fosse boa ou má, teria ousado dizer.
      7º Porque puderam distinguir perfeitamente entre os seres bons e os 
      maus que a cercavam.
      Eis aí caracteres e sinais bem indicativos. A única coisa 
      que embaraçava infinitamente nosso eclesiástico era uma doutrina
      singular que se acha estabelecida neste círculo: a doutrina da relação 
      das almas. Todos os homens atualmente vivos,
      disseram-lhes os membros dessa escola de neopitagóricos, já 
      viveram sob várias formas e vários nomes diferentes; os
      homens mais santos são obrigados a aparecerem ainda uma vez nesse 
      mundo sob a forma dos homens mais comuns.
      Confesso que me vejo no mesmo caso que o eclesiástico de Zurique. 
      Essa doutrina da parte de uma sociedade de eleitos
      que estão convencidos de viverem numa união real e íntima 
      com a causa ativa e inteligente embaraça-me também, pois,
      apesar de todo o bem que o autor do Manual de Hefoluis diz dessa doutrina, 
      ela em nada me parece análoga ao espírito de
      nosso amigo B. teria a escola do Norte compreendido mal seu oráculo? 
      ou o que é essa anomalia? Adeus, senhor, lembraivos
      de mim algumas vezes em vossas preces e crede que jamais esquecerei o bem 
      que vos devo. Aguardo sempre as
      vossas cartas com a maior ansiedade. Meu endereço não mudou: 
      permaneço em Basiléia ou nas cercanias até o meio de
      fevereiro. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      103 Divisão política da França.
      104 É inverno.
      105 "Jusqu'à ce jour l'on n'est point encore parvenu aussi loin 
      dans l'explication des mystères, etc."
      106 107 Baseado em: "Eu sou o pão vivo que desceu dos céu; 
      se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão que 
      eu
      darei pela vida do mundo, e a minha carne." (João 6:51). E: 
      "Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes 
      o
      seu sangue, não tendes vida em vós mesmos." (vers. 53)
      108 Com a pessoa do homem crucificado, Jesus Cristo. ?
      109 Evangelho de Mateus, 18:20.
      Carta 38 Paris, 17 Nevoso, 1794
      Eu andava um tanto inquieto, senhor, sobre a sorte de minha última 
      carta e vossa resposta chegou bem oportunamente para
      tranqüilizar-me. Eu sabia da viagem de vosso amigo de Zurique à 
      corte de D
110, mas não lhe conhecia a finalidade. Essa
      pessoa e eu só nos conhecemos de nome e como me confere, como vós, 
      a honra de sua grande amizade. O que ele
      aprendeu em sua viagem deve ter-lhe causado prazer sem o surpreender, pois, 
      há muito tempo ele devia saber de todas
      essas coisas. Não posso formar uma idéia bem determinada sobre 
      esse novo ramo de comunicações que me dais a
      conhecer. Apenas creio ver nele grandes relações com o de 
      Avignon, do qual ouvistes falar. Embora todos os caracteres
      desse novo ramo não me pareçam defeituosos, parece-me, no 
      entanto, que isso poderia tornar-se mais central e são as
      nossas leituras queridas que me ensinam a pensar assim. Então a doutrina 
      reinante nesse círculo purgar-se-á da parte da
      metempsicose das almas, sistema que jamais deixa de ser ensinado nas escolas 
      inferiores, e que o é diariamente por nossos
      sonâmbulos, mas que não convém a nenhum dos grandes 
      princípios da teoria espiritual divina, a menos que não chameis 
      de
      metempsicose ao retorno possível e repetido dos grandes eleitos de 
      Deus, tais como Elias, Enoque, Moisés, etc., que
      realmente bem podem aparecer em épocas diversas para atestar de maneira 
      sensível no avanço da grande obra e nele
      concorrer, porque o bem sempre flui pelos canais que ele para si escolheu, 
      mas o mal e a podridão encontram, ao saírem
      deste mundo, novas regiões mais vivas que a terra, as quais nos purificam 
      ou nos mancham ainda mais, de maneira que as
      provas terrestres não poderiam mais ser suficientes para o grau em 
      que no encontramos. O que me determina, mais do
      nunca, a lamentar essa espécie de metempsicose, a qual não 
      me parece ser mais do que um refluxo das diversas faculdades
      siderais que a zona astral faz passar sobre nós, e que com isso nos 
      mostra a nós mesmos, são as diferentes formas que ela
      nos imprime e que não nos pertencem mais do que os nomes, títulos 
      e diversas honrarias dos papéis de teatro próprios ao
      ator que deles está revestido no momento. Uma carta apenas não 
      me permite estender-me mais sobre este assunto.
      Todavia, fico muitíssimo contente com o que me ensinais. Gosto de 
      ver pessoas de bem voltando-se para as santas regiões
      e a alma delas só pode ganhar infinitamente com isso. É realmente 
      possível conciliar os favores e a marcha espiritual com os
      53
      empregos da vida civil, e até mesmo na lei antiga, era uma coisa 
      indispensável, uma vez que a lei civil só era conduzida pelo
      espírito e seus enviados, como se vê no tempo de Moisés 
      e de Josué, etc. No tempo dos profetas, vêm-se também 
      grandes
      figuras, tais como Isaías e Baruque, e ministros, como Daniel. Mas 
      então essa junção do civil com o espiritual era não
      passava de secundária. Com a lei do Cristo, tornou-se ainda mais 
      estrangeira porque nosso reino não é deste mundo, porém
      é bom permanecer no estado em que Deus nos chama, como diz São 
      Paulo111. Para não deixar dúvida alguma sobre a
      vossa opinião e a minha, com relação ao ar, torno a 
      repetir o que vos informei em minha carta de 6 de setembro. Mas
      acrescento que os elementos mistos são o caráter de médico 
      que o Cristo devia assumir para vir até nós, ao passo que 
      nós
      devemos quebrar, atravessar esses elementos para chegarmos até ele; 
      e enquanto repousarmos nesses elementos, ainda
      estaremos muito atrasados. Mesmo que o ar mais deflogisticado, segundo nós 
      mesmos, seja ainda bem grosseiro com
      relação ao próprio espírito deflogisticado quanto 
      lhe aprouve preenchê-lo com sua presença; mesmo que essas
      considerações físicas estejam abaixo dele e dele dependam 
      e que, mesmo que o ar da sala onde estavam os apóstolos
      fosse um pouco mefítico, tendo em vista seu número e o calor 
      da estação e do clima, nada disso impediu o Espírito 
      Santo de
      fazer realizar a mais característica das manifestações. 
      Eu diria, além disso, que, na ordem dos elementos princípios 
      o fogo
      parece-me ser espírito ao ar, o qual, realmente nada mais é 
      que seu filho e ministro. Assim o fogo desempenhou o maior dos
      papéis nas manifestações, boas ou más, das quais 
      está cheia a terra, o que faz com que tenhamos visto e que vejamos
      ainda a idolatria do fogo reinando entre os homens, ao passo que não 
      vemos a idolatria do ar, embora vejamos a dos ventos,
      mais para aplacar sua cólera, do que para implorar seu favor. Perdão, 
      senhor, se me apoio nesses objetos: é o pavor do que
      é mecânico que impele minha pena, é o sentimento profundo 
      de é preciso nos desterrestrizar completamente se quisermos
      chegar a dizermos a Deus: Habitavit in nobis, amen112. Continuo avançando 
      bem devagar na leitura dos dois volumes que
      me enviastes porque não tenho nenhuma ajuda. Descubro em Jane Leade 
      a vivacidade do mais sublime e doce amor. Bemaventurados
      aqueles que chegarem, mesmo de longe, à sua altura, sobretudo no 
      que ela diz sobre o magismo da fé! Ainda
      estou apenas na metade do livro. Acho-lhe o estilo um pouco prolixo e linguagem 
      antiquada, o que aumenta minhas
      dificuldades. Ainda não fiz mais do que passar os olhos em Pordage. 
      Pareceu-me dedicar -se mais à parte científica do que
      Jane Leade e creio que foi uma outra pena que o traduziu. Confessovos que 
      meu caríssimo Böhme parece-me ser como o
      príncipe de ambos, como de todos os que andam nesse caminho. Mas, 
      como são todos os três muito profundos, eu os
      casarei a todos eles imediatamente e espero filhos dessa união. Não 
      tendo socorro para o alemão, bati a todas as portas
      para pedi-lo, mas inutilmente. Enfim, nesses últimos dias lembrei-me 
      de ir à casa de Madame Schweitzer, sobrinha de nosso
      amigo de Zurique113, que eu vira um única vez, há dois anos, 
      numa casa. Ela me acolheu muito bem, mas não é bastante
      forte na língua francesa para poder ajudar-me. Para suprir essa falta, 
      imaginou apresenta-me um de seus amigos, que
      conhece perfeitamente ambas as línguas, e que terá grande 
      prazer em me ajudar. Aceitei-o com gratidão. Assim, espero em
      pouco tempo não estar tão abandonado. Ela me teria oferecido 
      a ajuda de seu marido, que certamente me teria prestado o
      mesmo serviço, mas agora ele está na Suíça, 
      com uma missão do nosso governo. Espero, senhor, que o horizonte 
      político
      não vos pareça completamente tão negro como algum tempo 
      atrás. Para mim, jamais duvidei de que a Providência se
      ocupasse com a nossa revolução e que fosse possível 
      ela recuar. Creio mais do que nunca que as coisas chegarão a seu
      termo e terão um final bem importante e instrutivo para o gênero 
      humano. Estou encantado com a conduta mantida por vossa
      pátria com relação à minha. Estou encantado 
      com o fato de que sois hoje dela o órgão ativo e de que defendais 
      com vossas
      armas a neutralidade. Adeus, senhor, recomendo-me às vossa preces. 
      SAINT-MARTIN
      110 Dinamarca?
      111 "Irmãos: cada um permaneça diante de Deus naquilo 
      em que foi chamado." (I Coríntios, 7:24)
      112 Habitou entre nós, amém. ("O Verbo se fez carne e 
      habitou entre nós." - João, 1:14.)
      Carta 39 P
, près de Basiléia, 26 de nevoso (15 de janeiro 
      de 1794, v. st.)
      Recebi, Monsieur, ainda em meu quartel, vossa interessante carta de 17 de 
      nevoso. Amanhã serei substituído e retornarei ao
      tumulto de Basiléia, onde perderei muito tempo. Agradeço-vos 
      pelos esclarecimentos sobre o novo ramo de comunicações
      que se estabelece no Norte. Resta a grande dificuldade sobre as conclusões 
      de nosso amigo de Zurique: "És tu a causa ativa
      e inteligente? Tiveram como resposta "Sim!", o que potência 
      alguma, nem boa nem má, teria ousado dizer. Essa conclusão 
      é
      justa ou não. That's the question114. Vi acidentalmente, diga-se 
      entre nós, uma carta de vinte páginas em que a filha de
      nosso amigo de Zurique escreveu a um de seus amigos próximos, por 
      ocasião da viagem de C. [Copenhague], aonde ela
      acompanhou seu pai. Essa moça é um anjo, mas como não 
      crê mais na metempsicose do vós e eu, encontra-se, com
      respeito a tudo isso, na maior perplexidade. Estou mais próximo de 
      vossa de vossa opinião sobre a escala descendente, da
      Sophia, do elemento puro, do que talvez o creiais. Quanto à teoria 
      do ar, nós a adiaremos para uma discussão verbal.
      Enquanto aguardamos, não tenhais receio, por minha causa, do que 
      é mecânico. Daqui onde estava, escrevi ao abade para
      que me conseguisse para vós o diário de J. Leade, a mais interessante 
      de suas obras, mas fiquei sabendo que o pobre
      abade morreu durante minha ausência. Nosso amigo B. é, certamente, 
      em todos os sentidos, o príncipe de ambos, mas isso
      vem em parte do fato de que possuímos suas palavras tais como saíram 
      de sua pena sem passarem pelas traduções.
      Certamente a Providência dirige os grandes acontecimentos da Europa, 
      mas, falando humanamente, parece-me que seria
      esse o momento de fazer a paz. Os romanos somente a faziam quando eram vitoriosos. 
      Estou encantado de ver que vosso
      argumento faz justiça ao nosso. Havendo a nossa nação 
      declarado publicamente sua neutralidade, não se deixou abalar por
      54
      intrigas nem por ameaças. A prudência nos guardou das primeiras 
      e nossos rochedos, com 300.000 homens para defendêlos,
      em caso de necessidade, garantiram-nos contra as outras. A nota do ministro 
      britânico não poderia ter sido recebida de
      maneira pior em Berna. Essa nota é de 30 de novembro. Adeus, senhor, 
      lembrai-vos de mim em vossas preces e procurai
      dar-me notícias vossas com freqüência.
      P.S. Há aqui iniciados que afirmam que a nuvem de brancura ofuscante 
      que apareceu no fenômeno do Norte é um sinal
      característico e inimitável da verdade do fenômeno. 
      Acham mesmo que o viram também uma vez, com os algarismos 4 e 8,
      ou seja: do quaternário e do duplo quaternário. E não 
      são somente algarismos, mas ainda algarismos arábicos para 
      mim. E
      por que não deveriam ser imitados? KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      113 Lavater.
      114 Em inglês no original. Citação "do Hamlet de 
      Shakespeare: "To be or not to be, that's the question" (Ser ou 
      não ser, eis a
      questão).
      Carta 40 Paris, 17 de pluvioso115 (26 de janeiro de 1794)
      Para satisfazer então, senhor, à vossa dificuldade sobre a 
      causa ativa e inteligente, there is the answer116. Creio que
      aqueles que são chamados à obra, diretamente e do alto, não 
      terão embaraço algum para julgar tudo o que recebem, e
      mesmo sem outra operação da parte deles que a do desenvolvimento 
      de seu sentido íntimo divino. São um crisol universal
      que purifica tudo e não se deixa corroer por nada. Creio que aquele 
      que entra na obra através das iniciações, sejam elas
      humanas ou espirituais, pode chegar também à elucidação 
      do que recebe, mas para isso é-lhe necessário um grande
      trabalho. E tal é o fruto dos trabalhos e operações 
      teúrgicas, quando dirigidas por mestres puros, esclarecidos e potentes.
      Mas, ai! como são raros! Quanto a mim, estou bem longe de ter qualquer 
      virtualidade nesse gênero, pois minha obra volta-se
      toda para o lado interno. Creio que aqueles que recebem comunicações 
      externas e gratuitas como em Co
117, podem
      muito bem não se ter enganado, mas não tenho meio algum de 
      garantir esse fato. Os de Co
 não me perecem ter provas
      suficientes para justificar sua confiança: 1º: não creio 
      que foram eleitos do primeiro grau, acima mencionado, sem o qual não
      teriam incertezas e não precisaram fazer perguntas; 2º: vejo 
      que são passivos em sua obra: vejo-os como operados e não
      operantes, e assim, não tendo a ativa virtualidade necessária 
      para amarrar o forte a fim de pilhar-lhe a casa e deixá-la
      convenientemente limpa para nela hospedar pessoas honestas; 3º: a resposta 
      que recebem ao perguntarem: "És tu a causa
      ativa e inteligente?" nada me prova, pois o inimigo pode imitar tudo, 
      até nossas preces, conforme já disse em O Homem de
      Desejo; e o uso e a prática das verdadeiras operações 
      teúrgicas conduzem ao discernimento dessas terríveis iniciações,
      quando, após todos esses fatos, não nos voltamos imediatamente 
      para o interno que tudo ensina e de tudo preserva; 4º: por
      fim, não vejo nesses eleitos de Cop
 os sinais indicados no 
      Evangelho para se caracterizar os verdadeiros missionários de
      Espírito. "Curarão os enfermos, expulsarão demônios, 
      ingerirão venenos que não lhes farão mal algum.118" 
      Eis, senhor, tudo
      o que minha inteligência me fornece para elucidar o ponto em questão. 
      Não posso ser o juiz, uma vez que não sou nem
      mesmo testemunha; limito-me a ser o relator, sem querer que minha opinião 
      seja decisiva. Espero bem que a Providência
      abra os olhos a essas pessoas honestas quanto às ilusões das 
      quais as sendas que seguem com tanta boa fé estão
      freqüentemente cheias, mas é-me impossível nada afirmar 
      sobre a natureza do que as ocupa sem haver feito antes um
      exame minucioso e uma confrontação. Ora, é isso que 
      não está ao meu alcance fazer e, mesmo que o fizesse, não 
      sei se
      minha extrema prudência contra o externo e meu gosto cada vez maior 
      pelo interno não me proibiriam de aproximar-me
      desses objetos até eu ser enviado por uma outra ordem, que não 
      fosse a do meu desejo e de minha curiosidade. Devo
      acrescentar que, se a potência má tudo pode, a potência 
      boa intermediária fala freqüentemente como a própria 
      potência
      suprema. Foi o que se viu no Sinai, onde os simples Elohim falaram ao povo 
      como sendo o único Deus, o ciumento, etc.
      Nova razão para nos mantermos em guarda contra a conclusão 
      tirada de "Sim". Se todas essas reflexões puderem ajudar 
      a
      interessante filha de vosso amigo de Zurique a tomar uma posição 
      firme a respeito de tudo isso, podeis fazê-las chegar a ela,
      assim como vos ficarei grato se continuardes a transmitir-me o que aprendeis 
      de todos os lados. Estou entristecido com
      morte de vosso amigo. Agradeço-vos os cuidados que tomais para descobrir 
      para mim as obras que desejo. Estou quase no
      fim do volume de Jane Leade e, se quiserdes ler a nota da página 
      37, que tem como título All hier folgt die Aufer Stehung119,
      vereis, segundo o que ela diz sobre o éter, como nos será 
      fácil nos entendermos quando a Providência nos permitir que
      conversemos pessoalmente. A pessoa com quem Madame Schweitzer fez contato 
      para mim ajuda-me muito a compreender
      certas palavras que me embaraçam de vez em quando. Mas ela está 
      surpresa com minha paciência em prosseguir na leitura
      de semelhantes assuntos, escritos em semelhante estilo. Tudo o que lhe respondo 
      é que: Trahit sua quemque voluptas120.
      Certamente, se eu pudesse ler essa autora e Pordage em sua língua 
      de origem, e principalmente na minha, tiraria melhor
      partido, pois costumo perceber coisas verdadeiramente divinas, mas ainda 
      já é uma grande coisa poder abordar as fronteiras
      desses campos onde se encontram tão ricas messes. Devo agradecer 
      e não me queixar. Logo iniciarei a leitura de Pordage.
      Gostaria, como vós, de que os tempos de paz houvessem chegado. Mas, 
      a princípio, creio que isso não nos será pedido.
      Creio, além disso, que não temos grande intenção 
      de concedê-la neste momento. Creio que a providência não 
      ache ainda
      que a França esteja corrigida o suficiente para suspender assim os 
      seus golpes. Resignação e paciência, é somente 
      a isso
      que devo visar. Tendes muita razão para não crerdes, como 
      os vossos iniciados, que a nuvem ofuscante e os algarismos 4 e
      8 sejam prova características e inimitáveis da verdade do 
      fenômeno. Eles podem se iniciados nos documentos de seus
      55
      mestres, mas não o são na experiência da coisa. Adeus, 
      senhor, deixais um turbilhão para entrar em outro. Apesar disso,
      gosto de acreditar que encontrareis o momento de me enviardes vossas notícias, 
      o que será sempre para mim verdadeira
      satisfação. SAINT-MARTIN
      115 Pluviôse (chuvoso). Outro mês do calendário revolucionário.
      116 Eis a resposta.
      117 Copenhague.
      118 Evangelho de Marcos, 16:17-18.
      119 120
      Carta 41 Paris, 15 de pluvioso (3 de fevereiro de 1794, velho estilo)
      Embora tenha tido a honra de escrever-vos há poucos dias, senhor, 
      tomo da pena para transmitir-vos alguns ensinamentos
      que podem ser-nos úteis em nossas pesquisas a respeito de Jane Leade 
      e Pordage e das quais fazeis para mim tanta
      gentileza. O Sr. Forster, que deu a volta ao mundo com o capitão 
      Cook, acaba de morrer aqui, para onde havia vindo de
      Mogúncia a fim de solicitar a anexação dessa cidade 
      à França. Antes de morrer, ele disse a alguém que conheço 
      que tinha
      as obras de Jane Leade e de Pordage em inglês e que as deixara em 
      Mogúncia. Acrescentou que, depois que os prussianos
      retomaram a cidade, haviam selado sua biblioteca e que um príncipe 
      da Prússia lhe havia tirado várias obras impressas e,
      além disso, todos os seus manuscritos. A pessoa que me narrou isso 
      informou-me ainda que a viúva de Monsieur Forster
      morava em Neufchâtel, na casa do intendente Andrieux, à rua 
      des Moulins, ou então em Zurique, sem me dizer a rua. Eis aí,
      pois, senhor, todo o objetivo desta carta: oferecer às amistosas 
      solicitudes que tendes para comigo o meio de fazer
      pesquisas que, mesmo que fossem infrutíferas, não deixariam 
      por isso de assegurar-vos novos direitos à minha gratidão. 
      O
      Mundo Tenebroso121, de Pordage, que estou lendo atua lmente, causa-me uma 
      impressão que não posso relatar-vos. Se o
      tivesse em inglês, creio que não hesitaria em empreender sua 
      tradução em minha língua, mas como tenho apenas a
      tradução alemã, temeria não poder sair-me bem 
      com tão fielmente como se tivesse o texto diante de mim. Adeus, senhor,
      não vos preocupeis em nada com as despesas das obras em questão. 
      Proverei a tudo, se todavia for possível chegar até
      elas na situação atual, do que duvido um pouco. Apesar disso, 
      eu me reprovaria se não fizesse ao menos a tentativa. Conto
      sempre com vossa amizade. SAINT-MARTIN
      Carta 42 Basiléia, 29 de pluvioso (12 de fevereiro de 1794, velho 
      estilo)
      Recebi perfeitamente, senhor, as duas cartas que me endereçastes 
      e que me foram enviadas de Berna. Vossas observações
      sobre as comunicações do Norte parecem-me mais do que justas. 
      Há uma, entre outras, que, segundo penso, mereceria ser
      gravada em letras de ouro: "O interno tudo ensina e de tudo preserva." 
      O substancial dessa teoria foi transmitido à
      interessante moça de Zurique. Foi o pai de seu amigo, que está 
      aqui, que me mostrou suas cartas. Nelas reina uma
      franqueza e uma pureza de alma que me proporcionaram a maior satisfação. 
      Ganhei a confiança das duas irmãs, das quais
      sobretudo a mais velha, com vinte e um anos, tem contatos com nossa amiga 
      de Zurique; elas mesmas foram iniciadas e
      assistidas em todas as operações. Seu tipo de comunicações 
      fazia-se por meio de uma pupila que era consagrada em cada
      sessão e que, depois de feita a prece, entrava sozinha em comunicação 
      imediata. O mestre da loja fazia a pergunta e a
      resposta era comunicada à pupila que era a mais nova das três 
      irmãs. Cheguei a experimentá-las e a convencê-las de 
      que,
      apesar das aparências brilhantes desse negócio, ele costumava 
      ser um pouco duvidoso e às vezes muito perigoso. Fi-las
      também com que elas percebessem, até ficarem convencidas, 
      de que o caminho central, o caminho do amor, era
      infinitamente preferível a essas ilusões exteriores. O pai, 
      apesar do apego a essas iniciações subalternas, deixou-se
      convencer pouco a pouco à minha opinião através de 
      suas filhas. E o que acabou por ganhar-me a confiança dessas duas
      jovens, susceptíveis ainda de abrir a alma à verdade, foram 
      os caps. 12 e 13 da 1! carta aos Coríntios, que a mais velha
      abriu por acaso122. Mas, com os outros homens membros dessa sociedade, que 
      já têm uma certa idade, nada havia de
      essencial a fazer. Eles estão envaidecidos com o privilégio 
      desse relacionamento mediato com as potências. O primeiro
      mestre que todos tiveram foi o conde de Cagli
, intimamente ligado 
      ao pai das pupilas. O pai é o irmão mais novo do Sr. S
      [Serazin], a quem fornecestes meus endereços. Remexendo hoje na loja 
      de um antiquário, descobri alguns pequenos
      tratados de Thomas Browne, membro da sociedade presidida por Pordage. Como 
      amostra, juntarei aqui um trecho sobre a
      eucaristia espiritual e os sinais que distinguem o beber o sangue do comer 
      a carne. A obra está escrita em alemão. Se
      tivesse mais tempo livre, eu vos teria traduzido essa passagem.
      Não deixarei, depois de voltar para minha casa, de fazer procurar 
      saber algo sobre a viúva de Forster. Parto daqui na
      próxima quarta-feira e espero que antes de minha partida ainda recebamos 
      uma carta de Zurique. Adeus, senhor. Recebei
      meus agradecimentos pela vossa bela carta de 7 de pluvioso. Só anseio 
      pelo repouso. Assim que o tiver conseguido, mesmo
      em parte, entrarei em maiores detalhes. Enquanto aguardais, tende a certeza 
      de que vossas cartas me serão infinitamente
      preciosas e que me parece que o meio que nos une estreita-se todos os dias 
      ainda mais. P.S. Chegou a carta de Zurique.
      Foi o P. ou S. quem a recebeu e sua filha mais velha que a leu para nós. 
      Contém detalhes muito exatos e muito detalhados
      das comunicações do Norte. Com o tempo, conseguirei uma cópia 
      de que vos darei conhecimento. Ela conterá, talvez,
      circunstâncias suficientes para capacitar a julgar em definitivo o 
      processo. Antwort auf die Frage: Wie jemand chem der
      56
      Gemeinschaft oder Empfindung des Leibs und Bluts Christi erkenntlich unterscheiden 
      möge? Ist folgender Bericht-Schrift
      ertheit worden. Die Erfahring wird (nach meninem Licht und Erfahrenheit) 
      die beste Lehrmeisterin de Unterschied Zwischen
      denen Empfindingen seyn, so durch Theilhafligkeit des Fleisches und Bluts 
      Christi, und andrer Beniessungen des lebendigen
      Worts geschehen. Die Theilhaftigwerdung oder Gemeinschaft des Bluts Christi 
      wird begleitet von einem starken und an
      muthigen Brande, der im herzen oder Centro der Brust gefühlt wird, 
      gleich als wenn eine gemengte Flamme und weine in die
      Seele gegossen wurde, so eine liebliche Süssigheit verursachet, oder 
      als ob die Seele von einer göttlichen Flamme in ihr
      entzündet, einem Eingüss eines Köstlichen geistlichem Liquoris 
      empfienge, von welche, sie durch's verschlingen desselben,
      sich Kräftog stärket, eben wie eine Flamme von Geiste des weins, 
      oder das Feuer der Lampen von OEhle, das es is sich
      Zeucht und isset, genähret und unter halter wird. Diese Geniessung 
      wen sie hoch steiget, ist so Süss und gross.das wir sie
      kaum ertragen können; weil allda eine Centralgeniessung, oder die im 
      innersten und tiefesten Grunde des Herzens geschieht,
      zwischen Christo und der Seelen, eine Durcdringung, Inwirkung der einen 
      im andren, eine Vermischung der reinen Strahlen
      des Lebens und der Liebe ist; so dass die Seele anders nicht dan ausrugen 
      dann: "Er küsst mich mit den Küssen seiner
      Lippen, den Seine Libe iste besser dann Wein." Und in Wahrheit, so 
      ist das welches sie in diesem Stande geneust, in einiger
      Maase der neue Wein des Reichs, welchen ich in diesen schreiben krftig empfunden, 
      und befinde dadruch dass meine Worte
      die Geniessung desselben auszudrucken viel unzulänglich gefallen; welches 
      der Leser allein durch lebendige Erfahrung
      erkennen kan, wie auch, durch die wahre und eigentliche Wurckung derselben; 
      welch die starke und reine Liebe zu gott ist,
      und eine susse zuneigung der Liebe gegn die Heiligen, auch zu einem solchem 
      Grade, dass sei Schild und Beleidigung uf
      dem Weg räumet, die in der Seele wieder ihren Nächsten leigen 
      mag, zum wenigsten für die Zeit und so lange sie dieses
      fühlet und empfindet. Ist de Theilhafligwerdung oder Gemeinschaft des 
      Bluts begleitet von einer mächtigen Empfindung der
      Stärke und Kraft die den ganzen inwendigen Menschen durchdringet, und 
      vornehmlich in der Brust oder Herzen gefühlt wird.
      2). Bisweiten mit einer enpfindlichen Schwängerung erner reinen Kraft, 
      die unsre inwendige Theilen so zu erfüllen scheinet als
      ob sie der Luft ermangelten Hiob. 32, v. 20. 3). Bisweilen mit Empfindung 
      einer Licht-Hellen OEfnung um oder von uns, oder
      inwendig in uns, so die Erscheinung Gottes innerlichem geistlichen Reichs 
      ist. 4). Mit sussen Anzeigungen oder vielmehr
      würklichen Empfindungen anmuthig zusammen stimmender Gethöne, 
      welche die gaze Ewigketi in dem göttlichen Leibe
      erfüllen. 5). Mit einer angenehmen Empfindung einer lieblich sausend 
      Luft m Herzen oder Haupt, oder in allen beyden. 6).
      Von demselben dann eine starke Idea oder wesentlich Zild, eines Lieblich-angenehmen 
      Halles, das sich im Haupte eröfnet,
      und als der erste Grunde und Saame ers evangelische Gebets, Lobs oder Dancks 
      etc. Ist welches wir empfinden, indem wir
      die Ideam oder das wesenliche Zild des Thons, wenns im Haupte aurgehet ins 
      Werck sezen, und einen Antrib haben aus krdft
      su zingen. 7). Eine anmuthige Empfindung, dass wir als mit einer sanften 
      und weichem Wesenheit, gleich als mit einem Kleide
      (1) umgeben oder beglaitet werden, wie mit Pfalum-Federn fegillert und um 
      die Seele gewinden ist. 8). Und der Effect oder
      Auswürkung und Erfolg ales dises so das zeiget, dass es wahr und von 
      gold sey, ist. I) Eine starcke Würkung des Glaubens
      und himlischem Muth: II). Ein empfindlich Vermögen der Kraft und gorsse 
      libe em Gebeth, Singen ode Sprechen, wenn wor
      eine dieser Gaben entweder in oder gleich darauf üben, III), Eine grosse 
      Eröfnung der Sanftmuth und milden süssen
      Würkungen in der Seelen, und also auch in einigem Worten die wir aussprechen; 
      IV). Eine Empfindung in der Seelen einer
      gorssen Reinigkeit und eines Abscheeus vor allen weltlichen Lusten: V). 
      Eine starke Empfindung der göttlichen Gegenwrt,
      samt einer damit Uberdommenden Ehrfurcht duch welche wor zu beherrlicher 
      Wachamsheit ermahnet werden; VI). Eine
      lebendige Empfindung der göttlichen Freudigkeit und gemüths ruhe, 
      vornehmlich nacdem wir unsre Talenten vohl anlegten,
      weil solche Geniesung aur uns war. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      121 Citado em francês: Le Monde ténébreux. Não 
      conheço o título original.
      122 Sugestão ao leitor: leia essas duas passagens, que vale a pena. 
      (N.T.)
      Carta 43 Paris, 27 de ventoso
      Recebi vossa primeira carta, senhor. Para responder a ela, esperava, o fruto 
      de vossas buscas sobre as obras inglesas e
      sobre a jovem de Zurique. Os novos achados que me anunciais haver feito 
      das traduções alemãs poderão chegar a mim pela
      mesma via do primeiro pacote. Mas, mas para expedi-los, aguardai até 
      receberdes novo aviso de minha parte. A casa em
      que estou passou a pertencer ao governo; é preciso deixá-la 
      imediatamente. Não sei ainda para onde irei e será a minha
      primeira carta que vos dará instruções sobre isso e 
      que vos indicará um novo endereço para os livros em questão. 
      Recebei
      antecipadamente os meus agradecimentos e dai informações sobre 
      como de pagar as despesas que houverdes feito. De
      acordo com os detalhes de vossa carta anterior, vejo mais do que nunca que 
      estou certo em minha opinião sobre a má
      qualidade das coisas. De outra vez vos direi mais coisas sobre esses assuntos 
      filosóficos. Saúdo-vos e abraço-vos de todo o
      coração. Não tenho tempo de dizer-vos mais nada. SAINT-MARTIN
      Carta 44 B
, 11 de março de 1794
      Eis-me de volta, senhor, à minha cidade natal depois de algumas semanas. 
      Não tendo ainda recebido vossa resposta à
      minha carta de 29 de pluvioso, começo a temer que ela não 
      tenha chegado até vós. Escrevi à viúva de Forster 
      e mesmo que
      não tenha sorte em minhas pesquisas junto a ela, posso dizer-vos 
      que descobri em outro lugar, e em alemão, as cartas de
      Browne, quatro tratados de Pordage sobre a Encarnação do Verbo, 
      a Fé, etc., item, sua Theologia Mystica e seu Mundo
      Angelical, que vos enviarei logo que tiver vossos ensinamentos sobre o comentário. 
      Estou muito contente por terdes ficado
      57
      satisfeito com seu Mundo Tenebroso. Recebi, depois disso, alguns novos detalhes 
      sobre as comunicações do Norte. Sentime
      muito feliz na família dos S
, em Basiléia por fazê-los 
      provar, graças à providência, uma caminho melhor. Adeus,
      senhor, lembrai-vos sempre de mim em vossas preces. Escrevo-vos com muita 
      pressa. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      Carta 45 Paris, 30 de germinal
      Não sei, senhor, se recebestes a carta que vos escrevi há 
      um mês, na qual eu vos indicava o endereço para onde poderíeis
      enviar os livros que me destinais. Desde essa época não tive 
      notícias vossa e estou inquieto por isso. Previno-vos, hoje, que
      parto daqui a pouco para Amboise, departamento de Indre-et-Loire, para onde 
      podeis dirigir-me essa remessa pela diligência
      de Basiléia que a levará a Paris, de onde os diretores a fariam 
      passar para minha casa, e peço que tenhais a bondade de
      avisar-me. Adeus, senhor, só tenho o tempo de vos saudar e de recomendar-me 
      às vossas lembranças e a vossa amizade.
      Parto em virtude do decreto sobre as castas privilegiadas e proscritas; 
      é entre elas que a sorte me fez nascer. Não falaremos
      dos negócios públicos em nossas cartas. Sabeis que normalmente 
      não trato disso e ainda menos agora. SAINT-MARTIN
      Carta 46 Basiléia, 30 de abril de 1794 (10 de floreal, novo estilo)
      Acabo de receber, senhor, vossa carta datada de Paris, de 30 de germinal. 
      Ela causou tanto mais prazer porquanto vosso
      silêncio começava a inquietar-me. Desde a carta de 27 de ventoso, 
      não recebi mais outras. Nessa carta de 27 de ventoso
      vós me informais: "As traduções alemãs 
      poderão chegar a mim pela mesma via do primeiro pacote. Mas, mas 
      para expedilos,
      aguardai até que receberdes novo aviso de minha parte." Desde 
      então não tive notícias vossas. Assim, se escrevestes
      entre essas duas cartas, vossa carta ter-se-á perdido. Isso me muito 
      aborrecido, porquanto esperava vossa opinião sobre o
      texto alemão de Browne, que me parece ser muito afim ao sistema de 
      B. sobre a regeneração do homem. Esperava, da
      mesma forma, a vossa opinião sobre os estudos feitos na casa de Basiléia, 
      os quais vos indiquei, e sobre a nova direção
      dada por mim a esses estudos. Desde então, pelo canal dessa mesma 
      casa, tive notícias de nossa amiga de Zurique: seu
      pai [Lavater] continuava encantado com sua viagem, embora no fundo ainda 
      lhe restem algumas dúvidas. Essa escola do
      Norte [Copenhague] leva tão longe a idéia da metempsicose 
      que afirma que São João ainda vive com eles em forma
      corpórea. Até mesmo anunciaram que provavelmente ele fará 
      uma viagem a Zurique para visitar o pai de nossa jovem. A
      partir disso Julgai o que pensam. Recebi um caderno detalhado que contém 
      as experiências feitas em C
 Continuam muito
      engrandecidos com o fato de que a luz que depois das perguntas indica o 
      sinal sim ou o sinal não é de cor esbranquiçada e
      fosforescente, e não vermelha, porque a cor do fogo, ou avermelhada, 
      é a indicação de uma espécie má
 
      Como se não
      fosse tão fácil macaquear uma cor esbranquiçada como 
      se fosse uma cor de fogo. Algumas vezes percebem uma estrela ao
      lado da luz que é o oráculo. Sabem que essa estrela representa 
      uma virtude. Então perguntam: "Ela ousa permanecer lá?"
      depois da resposta sim ou não, os estudantes ordenam e a estrela 
      obedece. Fazem perguntas freqüentes com relação ao
      ponto de doutrina. Perguntam, por exemplo: "Existe alguma passagem 
      nas Sagradas Escrituras que prove a metempsicose
      de maneira incontestável? Sim e não." Isso quer dizer 
      que, para alguns, encontram-se passagens no Velho Testamento, mas
      não para todos. Então continuam: "Existem no Novo Testamento? 
      Sim. - Nos quatro Evangelistas? Sim. - Em São Mateus?
      Sim. - No primeiro capítulo? Não. - No segundo? Não. 
      - No terceiro? Não. - No quarto? Não. - No décimo-primeiro? 
      Sim.
 -
      Nos quatro primeiro versículos? Não. - No quatro seguintes? 
      Não. - 
 No catorze? Sim." A princípio, fiz-lhe 
      a objeção de
      essa maneira de perguntar e responder de maneira alguma me parecia conforme 
      à dignidade do ser que criam interrogar. Os
      que têm permissão de fazer perguntas recebem, juntamente ou 
      em separado, em lugares diferentes, respostas inteiramente
      conformes. Os sinais que acompanham a luz principal variam de acordo com 
      a pessoa que interroga, mas o exterior e a
      manifestação da luz principal não variam. O que contribuiu 
      sobremaneira a tornar-lhes as inabaláveis crenças, no tocante 
      à
      natureza da luz miraculosa, que tomam como a causa ativa, etc., foi o cumprimento 
      de várias predições que lhes pareciam
      inverossímeis, de modo que encaram como temeridade qualquer dúvida 
      sobre esse assunto. Recebem também um sinal de
      bênção e o oráculo aprova os procedimentos ou 
      os empreendimentos que querem fazer. Esses detalhes são uma peça 
      a
      mais o processo para facilitar vosso julgamento. Recebi uma resposta de 
      Madame Forster, que está atualmente em Zurique.
      Ela espera receber livros da herança de seu marido. Quando os tiver, 
      avisar-me-á. Monsieur D[ivonne], que me
      apresentastes no ano passado, deixou a Suíça. Escrever-me-á 
      quando tiver chegado ao seu lugar de destino. Ao partir,
      encarregou-me de dar-lhe notícias vossas. Comuniquei-lhe, durante 
      sua permanência em B
, meu gosto pelas obras de
      nosso amigo B. Ele encomendou uma edição inglesa, soberba, 
      in-quarto. Já percorri um volume e o pouco que vi pareceume
      estar traduzido com fidelidade. Desde de ler B., ele renunciou, pelo que 
      me garantiu, a todas as manifestações exteriores.
      Ensinei-lhe, por acaso, que as obras de nosso amigo B. era a leitura favorita 
      do grande Newton, que dela tirava simples
      passagens. O que há de bem verdadeiro é que encontrei a teoria 
      da atração dos corpos celestes claramente expressa em B.
      Esqueci-me de anotar a passagem, se não fosse isso, eu vo-la indicaria, 
      mas creio que se encontra na Signatura rerum. Ora,
      como sabeis, nosso amigo viveu cem anos antes de Newton. A menos que sejam 
      leituras de dever e vocação, todas as
      leituras que não tenham relação alguma com as Sagradas 
      Escrituras e com o gênero de B. me desagradam. Desde então, 
      as
      obras teosóficas chegam a mim quase sem que eu as procure. Tomei 
      conhecimento, dentre outras, com as obras de um
      autor francês chamado de Marsay, que foram impressas sem o nome do 
      autor na Alemanha, em Berleburg, em 1738, 1739
      1740, com o título Testemunha de um filho da Verdade123. É 
      simples, franco e bem claro; vê-se facilmente que ele fala de
      experiência própria. Não consegui descobrir vestígio 
      algum de que tenha conhecido as obras de nosso amigo B. Entretanto,
      58
      embora ele ignore a divisão dos três princípios nos 
      resultados, está bem de acordo com B. Possuo dez volumes desse autor
      e, como amostra, acrescentarei seu Tratado da Magia divina, natural e carnal124 
      às traduções alemãs de que vos falei em
      minhas cartas anteriores. O pacote chegará a Basiléia no próximo 
      domingo e partirá pela diligência de Paris. O diretor dos
      correios de Paris receberá a recomendação de vo-las 
      enviar a Amboise. Tende a bondade de acusar o recebimento e dar
      vossa opinião sobre essa obra e sobre os outros pontos de minha carta, 
      tão logo vossas ocupações vo-lo permitam. Abraçovos
      de todo o coração e rogo do fundo de minha alma ao nosso divino 
      Mestre que ele se una todos os dias mais intimamente
      a vós, que vos proteja e vos conserve. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      123 Esse título vem citado em francês: Témoignage d'un 
      Enfant de la Vérité . Não há indicação 
      se as obras foram impressas
      no original francês ou em tradução alemã.
      124 Idem: Traité de la Magie divine, naturelle et charnelle.
      Carta 47 Amboise, 24 de floreal (14 de maio)
      Vossa carta de 30 de abril veio encontrar-me aqui, senhor, mas em vão 
      espero, todos os dias, os pacotes que me anunciais,
      assim como não recebi a obra alemã de Browne, que certamente 
      me enviastes a Paris. Vou escrever a Paris para pedir que
      se dêem buscas nas agências de correio. De vossa parte, se puderdes 
      fazer quaisquer investigações em Basiléia, talvez isso
      sirva para alguma coisa. Nesses tempos de agitação é 
      preciso ter mais cuidado do que em outros tempos. Eu ficaria bem
      aborrecido se os livros em questão se perdessem sobretudo porque 
      vos privastes por minha causa, dentre outros, do livro
      escrito por de Marsay. Não posso, como vedes, dar-vos resposta alguma 
      sobre os objetos contidos na encomenda,
      principalmente nos que concernem às diversas instruções 
      das escolas do Norte. As novidades que dela me contais nada
      modificam em tudo o que vos escrevi sobre esse assunto, ao qual vos remeto 
      sem preocupações. Previno-vos somente de
      que vossa carta foi lida no Comitê de Supervisão Geral em Paris, 
      da qual me foi remetida com o sinete do comitê. Entretanto,
      embora ela nada contenha de repreensível, peço que vos estendais 
      menos sobre os detalhes das coisas particulares de que
      tratais nela, porque devem parecer obscuras para aqueles que não 
      conhecem esse tipo de estudo, e o que é obscuro poderia
      ser visto como suspeito. Deixo-vos, senhor, abraçando-vos de todo 
      o coração e recomendando-me à vossa amizade. Peçovos
      o mesmo para nosso amigo comum, D., quando lhe escreverdes. SAINT-MARTIN
      Carta 48 M
, 24 de maio de 1794
      Acabo de receber, senhor, vossa carta de 23 de floreal com um sinete diferente 
      do que comumente empregais. Mesmo antes
      de abri-la, causou-me uma sensação agradável, pois 
      cada testemunho de vossa lembrança e de vossa amizade enche-me
      de alegria. Mesmo que a remessa dos livros não vos tenha alcançado, 
      espero que não demoreis a ter notícias deles.
      Enderecei-os a Basiléia, a um homem de probidade, que o remeteu a 
      diligência de Paris depois de os ter registrado na
      agência. Desagrada-me crer que tenham sido interceptados na agência 
      de Paris. Via-se que ele vinha da Suíça. Supondo
      que o pacote tenha sido aberto, teriam encontrado uns velhos livros ininteligíveis, 
      que tratam de ciências abstratas, de valor
      completamente nulo para todos aqueles que não tenham feito os mesmo 
      estudos e, retendo-os deliberadamente, os
      burocratas só teriam cometido um ato imoral em uma operação 
      ilegal, sem ganhar com isso outra coisa além do triste prazer
      de perturbar uma ligação de amizade entre um francês 
      e um suíço. Prefiro acreditar, o que me parece bem mais natural, 
      e
      sobretudo bem mais honesto, que essa pequena encomenda tenha ficado na agência 
      de Paris porque os dias de chegada
      não coincidiram com os dias de saída. Ou então que 
      simplesmente tenha ficado num canto. A obra de Browne em alemão
      está nela, porque fiz apenas um envio de Pordage e de Marsay. Tão 
      logo tenhais recebido esse pacote, tende a bondade de
      avisar-me. Desde que fui substituído nas fronteiras que separam a 
      Suíça do território austríaco, para onde nossa 
      república
      me enviara para manter a neutralidade helvética, vivo no campo, onde 
      estou no meio de minha família, da natureza, de
      minha biblioteca e de meu repouso. Cada vez mais descubro todos os dias 
      que J. J. Rousseau125, que na juventude
      testemunhou-me alguma amizade, não errou ao escrever: "É 
      preciso que vossa casa vos baste, ou jamais coisa alguma vos
      bastará." Encontrareis essa carta em suas Obras Póstumas, 
      tomo II, edição de Genebra, 1782. Vi com prazer, em suas
      Confissões, que ele continuou a lembrar-se de mim por muitos anos 
      ainda, depois de haver saído da Suíça. Percorrendo
      nosso autor favorito, encontrei uma passagem, em sua Vida Tríplice, 
      cap. 10, nºs 48, 49 e 50, que me causou verdadeiro
      prazer. Não somente esses números contêm a mais sólida 
      indicação sobre os meio de manter a paz nos diversos
      acontecimentos da vida, mas ensinam-nos ainda o caminha para fazer os progressos 
      mais notáveis nas ciências superiores.
      Essas passagens confirmam de maneira brilhante o me escrevestes certa vez 
      sobre esses assuntos. Dai-me notícias vossas
      com a maior freqüência que puderdes e não deixeis de quererme 
      bem. Abraço-vos de todo o coração. KIRCHBERGER DE
      LIEBISTORF
      125 Jean-Jacques Roussseau.
      Carta 49 Amboise, 3 de prairial (23 de maio)
      59
      Acabo de receber por fim, senhor, a obra de Marsay, impressa em 1739, os 
      dois volumes de Pordage e o volume de Browne.
      No primeiro, só pude dar uma olhada, e no entanto, vejo como sua 
      doutrina está de acordo com a de nosso caríssimo
      Böhme. Espero ter pelo menos o mesmo contentamento com os outros. Mas 
      durante algum tempo não poderei ocupar-me
      com eles de maneira tão assídua como anteriormente, pois fui 
      encarregado pelo distrito em que estou de apresentar um
      relatório, manuscritos e outros monumentos das ciências e das 
      artes que a Lei dá à nação neste território, 
      operação feita, às
      vezes, em toda a república, e do qual cada distrito terá, 
      como resultado, uma biblioteca nacional. Isso vai desviar-me um
      pouco de meus trabalhos, mas, uma vez que não estou em condições 
      de servir à república de outra forma, é necessário 
      que
      eu lhe consagre os poucos meios de que disponho. Sempre terei tempo bastante, 
      senhor, para agradecer-vos por esse novo
      presente filosófico. Só uma coisa me inquieta: é que 
      vos privastes da obra de de Marsay para envia-la a mim. Rogo-vos,
      quando não tiverdes duplicatas, que não me façais tais 
      envios. Eu bem gostaria de que houvesse chegado o memento de
      testemunhar-vos pessoalmente meu reconhecimento. Enquanto aguardo, rogo 
      a Deus recompensar-vos de todos os
      tesouros que me conseguis. Nada vos digo da escola do Norte, da qual me 
      falais em vossa última carta. Eu mesmo já vos
      falei disso em minha carta anterior e devemos andar na mesma cadência, 
      vós e eu, sobre essa parte de estudo filosófico. Os
      erros deles sobre a metempsicose têm um fundamento que a torna excusável, 
      e Jane Leade os defenderia eles, mas os
      homens se apressam sempre demais para irem da possibilidade ao fato, e esses 
      em questão não calcularam a que preço se
      compram os favores de que falam. Não me pergunteis sobre isso, uma 
      carta não bastaria para responder-vos. Em também
      tenho o exemplar de Böhme, in-quarto, em inglês. A obra não 
      está completa, tendo sido o tradutor interrompido pela morte, o
      que creio já haver dito a vós ou uma outra pessoa da qual 
      não me lembro. Falta, dentre outros, o Send Brief, que, a meu ver,
      é um de seus mais preciosos escritos. Graças a Deus, começo 
      a familiarizar-me um pouco com o alemão de nosso autor.
      Também continuo, quando tenho tempo, a tradução para 
      o francês da Vida Tríplice, que empreendi como provisão 
      para a
      velhice, pois minha vista diminui com a idade e se eu viesse a perdê-la 
      e as circunstâncias me fizessem entrar novamente
      em meu país, não encontraria ninguém que me pudesse 
      lê-la em alemão. Não ficaria surpreso de que o grande 
      Newton se
      ocupasse com a leitura de Böhme, mas creio que ele não tirou 
      dela o seu sistema da atração126, mais ainda que esse
      sistema é todo físico e não passa da superfície, 
      enquanto o de Böhme vai ao centro. Adeus, senhor, recomendo-me sempre
      às vossas preces. Toda a minha pessoa vos segue em coração 
      e espírito e Deus é o nosso ponto de encontro. Eu estava
      com muita pressa na última carta. Nossa nova era me enganara e eu 
      não havia calculado que, que vos escrevi para dizer-vos
      que a encomenda não havia chegado, ela não tinha tido tempo 
      ainda de chegar. SAINT-MARTIN
      Carta 50 M., 25 de prairial (14 de junho, velho estilo)
      Vi com muita satisfação, senhor, pela vossa carta de 3 de 
      prairial, que recebi com o sinete intato, que meu pequeno pacote
      de livros vos chegou em boas condições, como presumi em minha 
      carta de 24 de maio. Agrada-me saber que ficastes
      satisfeito com a obra de de Marsay. Por causa de vossa delicadeza ficastes 
      constrangido com esse pequeno envio. Para
      tranqüilizar-vos, posso informar-vos de que, por acaso, recebi mais 
      um desse mesmo tratado de de Marsay, cujas obras,
      exceto essa, são exatamente raras. Se for da vontade de Deus, ele 
      saberá aproximar-nos e fazer-me gozar de vossa
      amizade e de vossas luzes. Enquanto aguardo, submeto-me a essa vontade com 
      confiança e resignação. Informai-me, por
      favor, se por acaso uma carta que vos escrevi de Basiléia, na qual 
      vos enviava um trecho de Browne sobre comer carne e
      beber sangue, etc., etc. Também vos informava de que havia dado outra 
      direção aos estudos de uma escol em Basiléia,
      instituída por Cagl
. Jamais me dissestes se fiz bem em empreender 
      essa espécie de retificação de loja: certo é 
      que as
      pessoas mais interessantes dessa casa, assim como a jovem de Zurique, estão, 
      no momento, inteiramente de acordo com
      minha opinião, embora eu jamais tenha visto essa última. Não 
      faz muito tempo, vi o tio dessa jovem. É um homem de muitos
      conhecimentos e, talvez, o primeiro maçom da Suíça. 
      Esteve no congresso de Wilhelsbad e conhece todas as ramificações
      da maçonaria. Há pouco, ele encontrou-se com um certo senhor 
      de Gleichen, de viagem pela Suíça. Como, talvez, esse
      senhor de Gleichen venha ver-me quando passar por M., dizei-me o que pensais 
      disso, se o conheceis e, quanto mais
      depressa me chegar vossa avaliação, tanto mais prazer me dará. 
      A respeito de maçonaria, tenho ainda uma pergunta a
      fazer-vos: conheceis um loja chamada Loja do Espírito Santo? Ela 
      possui um sol em lugar do fogo fosfórico da loja do Norte,
      e esse sol tem as mesmas funções da luz fosfórica de 
      C[agliostro]. Se conheceis essa loja, informai-me em que país ela 
      se
      encontra. Fiquei encantado por haverdes empreendido a tradução 
      da Vida Tríplice. Esse tratado e o Caminho para o Cristo,
      já traduzido em francês, poderão tornar-se muito úteis 
      daqui por diante. Fazei-me o favor de dizer-me o que pensais do
      conteúdo e da fonte que produziu duas obras de Emmanuel S\[Swedenborg], 
      uma, intitulada As Maravilhas do Céu do
      Inferno127, em 2 volumes in-oitavo, Berlim, 1786; a outra, A Sabedoria Angélica, 
      Sobre o Amor Divino128, etc. Vossa opinião
      detalhada sobre essas duas obras, como quiserdes, ser-me-á infinitamente 
      preciosa. Se eu encontrar a passagem de nosso
      amigo B. sobre a atração, vo-la indicarei. Encontra-se em 
      um de seus tratados que se ocupa de física, tomada no sentido
      literal. Abraço-vos de todo o coração e rogo que continueis 
      com vossa amizades e vossas preces. KIRCHBERGER DE
      LIEBISTORF
      126 Isto é: gravitação universal.
      127 Les Merveilles du Ciel et de l'Enfer.
      128 La Sagesse angélique, sur l'amour divin.
      60
      Carta 51 Amboise, 5 de messidor (23 de junho)
      Ia eu tomar da pena para escrever-vos, senhor, quando vossa carta de 14 
      de junho entrou em meus aposentos. Ela me
      servirá de guia. Recebi no devido tempo vossa carta de Basiléia 
      com o trecho de Browne sobre Leib und Blut unseres
      Erlösers129. Fiquei contente com isso, mas não me surpreendeu, 
      pois a maior parte dos efeitos que relata são-me
      conhecidos, quer através da experiência de alguns amigos, quer 
      através da minha própria, em circunstâncias semelhantes.
      Sabia que havíeis dado uma outra direção a Basiléia, 
      mas não sabia em quê vossa obra consistia nem o que era a escola 
      na
      qual ela se classificava. Mas informais-me que estão de acordo convosco, 
      e alegro-me com isso. De acordo com o que me
      dizeis, tio da jovem deve ter muitos conhecidos aqui, Talvez fosse esse 
      o caminho que lhe faltava. Mas, pelo bom coração
      que sei que tem, lamento que ele não haja subido mais alto; precisaria 
      de um caminho mais útil à obra, aos outros e a si.
      Conheço muito a pessoa que ele viu e da qual me falais. É 
      um homem que tem muito espírito, sobretudo espírito de coração
      e espírito de mundo. Bateu a todas as portas, ouviu falar de tudo, 
      tudo leu. Com isso, eu não poderia dizer-vos ainda em que
      é que ele entrou. Creio que ainda esteja por demais dentro do histórico 
      da coisa para vos ser de grande utilidade e não sei se
      irá mais longe aqui nesse mundo. Não quero dar-me o direito 
      de julgar vossa força, mas temo que vos afasteis um do outro.
      Em suma, se é preciso que vos diga, ele é um homem habituado 
      de tal maneira a ver o que é falso e o que é errado que isso
      é a única coisa que busca entre os melhores alimentos, o que 
      me fazia dizer outrora ser ele um homem que daria trinta
      verdades por uma mentira. Talvez tenha mudado a partir de então, 
      é o que desejo. Quanto à maç
 de que me falais, 
      não a
      conheço e nada posso dizer-vos sobre isso. Conheceis o meu gosto 
      pelas coisas simples e sabeis como esse gosto se
      fortalece todos em mim os dias através de minhas leituras prediletas. 
      Assim, tudo o que se liga ainda aquilo que devo chamar
      de la chapelle torna-se, a cada dia, mais distante do meu pensamento e acabará 
      por não lhe deixar o menor vestígio. Não
      deixei de instar convosco para que caminheis nessa direção. 
      Nosso amigo B. mantém a mesma linguagem o tempo todo.
      Assim, recolhendo-se todos esses acessórios, apraz-me crer que o 
      fundamento é, tanto para vós quanto para mim, o objeto
      exclusivo, quando não o primeiro. Isso não foi suficiente, 
      pois é este o caso de se dizer: unum necessarium. Dizeis-me que o
      Caminho para Cristo está traduzido em francês. Poderíeis 
      dizer-me onde encontrá-lo?). Minha tradução da Vida 
      Tríplice vai
      indo bem devagar por causa de todas as minhas outras tarefas; além 
      disso, não é para publicá-la que a encetei, é 
      só para
      mim. Quanto às obras de Swedenborg, minha opinião foi impressa 
      em O Homem de Desejo, nº 184. Vossas noções sobre a
      vida astral devem fazer as vezes daquilo que eu poderia acrescentar, pois 
      parece-me que hoje, vós e eu só podemos dizer a
      mesma coisa e eu creria ser bem supérfluo o estenderme mais sobre 
      isso, tanto mais que, em sã consciência, não teria mais
      tempo. Passo às vossas cartas anteriores. Ainda não li a obra 
      de Browne recebida de Basiléia, a não ser algumas de suas
      cartas tomadas ao acaso, nas quais vejo como esse homem era favorecido. 
      Dei-vos minhas opiniões sobre a escola do
      Norte. Não tenho necessidade de voltar a elas. Li com prazer a obra 
      de de Marsay; li, também com prazer, até a página 106,
      a Teologia Mística de Pordage. É, até o momento, todo 
      o que pude fazer com vosso belo presente. Que tesouros, senhor,
      tendes nas mãos! Como vos lamentaria se, com tais minas, que estão 
      todas abertas, ainda vos divertísseis em perder tempo
      com buscas inferiores, em conversações ociosas ou ruinosas 
      com os extraviados deste mundo, que só querem passar os
      dias em coisas tolas! Esta primeira parte de Pordage não vos agrada 
      na unidade simples e até não vos situa além da Ewige
      Natur130? Passeemos em seguida nesta Ewige Natur, que é nosso elemento, 
      e só nos aproximemos das outras regiões
      para as retificar e dos outros homens para avisá-los dos tesouros 
      que têm em si. Confesso-vos, senhor, que depois de
      semelhantes magnificências que vos foram abertas, e das quais podeis 
      gozar à vontade, por causa de vossa língua e de
      todas as vantagens que a paz política vos concede, sofro às 
      vezes ao vos ver consultar-me sobre lojas e outras ninharias
      desse tipo. Eu que, nas situações penosas em que me encontro, 
      teria necessidade de que me transportassem a mim
      mesmo, imediatamente, para esse país natal onde todos os meu desejos 
      e necessidades me chamam, mas onde todas as
      minhas forças reunidas mal bastam para levar-me, às vezes, 
      visto o isolamento absoluto em que vivo, considero-me aqui
      como o Robinson Crusoé da espiritualidade; e quando vos vejo fazer-me 
      perguntas nestas circunstâncias, parece-me ver um
      fazendeiro geral de nosso antigo regime, bem gordo, indo consultar o outro 
      Robinson sobre o capítulo da subsistência. Devo
      dizer-vos o que ele lhe responderia: "Senhor, viveis na abundância 
      e eu na miséria. Dai-me de preferência, uma parte de
      vossa opulência." Uma outra consideração, sobre 
      a qual me apóio, é que neste momento é pouco prudente 
      estender-se
      sobre esses assuntos. Os jornais públicos devem ter-vos instruído 
      sobre as extravagâncias espirituais que uns loucos e
      imbecis acabam de expor aos olhos de nossa justiça revolucionária. 
      Esses imprudentes atos de ignorância estragam a
      profissão e o homens mais equilibrados nesses negócios devem 
      eles mesmos prepararem-se para tudo. É o que faço,
      porque não duvido de que tudo tenha a mesma cor aos olhos dos que 
      foram designados como juízes dessas coisas e que
      não têm as noções essenciais para fazer delas 
      o seu ponto de partida. Mas, ao mesmo tempo que prevejo tudo, estou bem
      longe de não me queixar de nada. O círculo de minha vida está 
      preenchido de tal forma, e de maneira tão deliciosa que, se
      prouvesse à Providência fechá-lo neste momento, do jeito 
      que fosse, eu só teria de lhe agradecer. Todavia, como somos
      responsáveis por nossas imprudências, façamo-las o mínimo 
      possível e em nossas cartas só falemos de tudo isso de
      maneira sucinta. Felicito-vos do fundo do coração, senhor, 
      por viverdes em paz em vossos campos e no meio de vossa
      família. Eu também irei viver nos meus, às portas da 
      cidade, quando terminar a tarefa da qual o governador me encarregou.
      Mas estarei aí sem família, com uma simples criada, e sempre 
      de olho em tudo o que possa acontecer a cada minuto. Pois
      bem! aí estarei feliz, pois devo sê-lo em toda parte, visto 
      que meu reino não é deste mundo. Não tenho as obras 
      póstumas de
      Rousseau e por isso não posso ver as verdades que ele vos escreveu. 
      Tenho suas Confissões e irei relê-las para encontrar
      nelas os lugares que vos dizem respeitos. Esse homem inspirou-me fortes 
      reflexões e, entre as principais, foi ver como ele e
      61
      eu passamos por vicissitudes na moral e no físico: seu talento estava 
      muito acima do meu. E se esse belo gênio e essa bela
      alma tivessem recebido os socorros espirituais dos quais fui cumulado, que 
      fruto a coisa não teria retirado disso, em vez da
      frágil cultura que recebeu de minhas mãos! Adeus, senhor, 
      recomendo-me à vossa lembrança e às vossas preces. 
      Mesmo
      que vá logo para o campo, meu endereço permanece o mesmo. 
      Eu não havia mudado o sinete da minha carta de 22 de
      floreal. Certamente foi uma conseqüência da supervisão 
      necessária do governo. Por preguiça, quis economizar o envelope.
      Mas voltarei ao assunto. Assim, não vos surpreendais com as dobras 
      de minha carta. SAINT-MARTIN
      129 Corpo e Sangue de nosso Redentor.
      130 Natureza Eterna.
      Carta 52 M
, 12 de julho de 1794 (24 de messidor, novo estilo)
      Vossa interessante carta de 23 de junho chegou-me, senhor, no melhor estado 
      possível. Talvez tenhais ficado surpreso com
      a frivolidade que reinava nas minhas duas últimas, porém peço-vos 
      considerar que, de vez em quando, acontece que as
      pessoas que conheceis estão desejosas de ter informações 
      a meu respeito e pareceu-me conveniente satisfazê-las em todos
      os sentidos. Isso se refere a duas passagens de minha última carta. 
      Quanto às lojas, importa-me muito pouco saber como
      elas se chamam e o que é feito nelas, mas havia um conhecido meu 
      que, sem saber que eu mantinha correspondência
      convosco, desejava ardentemente ter a solução da pergunta 
      que fazíeis. Para Monsieur de Gl[leichen]., de qualquer forma só
      o verei mui rapidamente, porque ele perto da estrada no percurso de uma 
      viagem que pretendo fazer. Se ele me falar sobre
      ciência, lerei para ele o v. 15 do nº 8 de O Homem de Desejo. 
      Se não quiser saborear essa passagem, deixarei de falar-lhe e
      procurarei guardar para mim o espírito do que está contido 
      nesse número. É na mesma carta que vos trouxe a passagem de
      Browne sobre Leib und Blut, etc., que se encontra em detalhes os estudos 
      feitos na casa de Basiléia em questão. Era uma
      escola precisamente do mesmo gênero da que existia, há oito 
      ou dez anos, em Lyon, da qual falamos uma vez em nossas
      cartas, mas, temo bastante que tenha retomado opiniões semelhantes 
      durante minha ausência, e isso pela influência do pai
      de nossa jovem de Zurique [Lavater], que se interessou por tudo o que é 
      ensinado no Norte e que, sistemática e
      deliberadamente, afasta-se de tudo o que poderia conduzi-lo ao centro e 
      à luz. Creio que em seus erros ele aja de boa fé,
      mas, infelizmente, é eclesiástico, isto é, de uma classe 
      de homens que dificilmente volta atrás em suas convicções. 
      Em
      compensação, as novas cartas de sua filha que ele me passou 
      aumentam ainda mais o respeito que concebi por essa
      interessante pessoa, que jamais vi, e que talvez não veja em minha 
      vida. Gostei muito de saber de que o livro de de Marsay
      vos agradou. É verdade que fico muito feliz por possuir tesouros 
      de ciência nas obras que sabeis que possuo e, neste
      sentido, já sou bem rico, mas, quanto à apropriação 
      dos conteúdos podeis estar certo de que sou ainda bem pobre. O
      Caminho de Jacob Böhme para se ir ao Cristo foi impresso em francês 
      pela Gotthard Schlechtinger, impressor da Academia
      de ciências, em Berlim, 172, in-oitavo. Se houver um meio, procurarei 
      consegui-las para vós. O nº 184 do O Homem de
      Desejo satisfez-me plenamente com relação à obras do 
      respeitável sueco131, sobretudo o v. 7, que diz: " Mil provas 
      nas
      suas obras de que ele foi freqüente e altamente favorecido
 Mil 
      provas de que só viu o meio, não conhecendo nem o
      princípio nem o fim." O começo bem poderia ser indicado 
      no versículo 14 do nº 28 de O Homem de Desejo. No v. 10 desse
      mesmo número 184 encontram-se as palavras: "Provai o princípio 
      "pela lógica", etc." Essa passagem tem algumas relações
      com uma obra na qual trabalho e minhas horas de lazer, já faz vinte 
      anos. Não se tratará somente de uma lógica, mas de
      novos meios para se encontrar a verdade e discerni-la do erro. Minha intenção 
      inicial era compor preceitos para meu próprio
      uso. Posteriormente, havendo percebido as aplicações que não 
      são encontradas em livro algum desse tipo, acreditei que
      talvez a publicação dessa obra, que será muito prática, 
      poderia tornar-se útil, tanto mais que eu atacaria alguns erros
      modernos essenciais que desviam do bom caminho e combateria os sofistas 
      com sua própria arma: a dialética. Mas quando
      penso no argueiro no olho de meu irmão132 e no caminho que ainda 
      me resta a percorrer para o meu próprio progresso
      numa carreira completamente diferente, então a pena cai-me das mãos. 
      Embora minha obra, que será assumirá todo a
      roupagem da filosofia moderna, haja de custar-me um tempo imenso antes de 
      haver conquistado sua medida, a Providência
      saberá bem fornecer-me tempo, depois de haver atingido meu alvo pessoal, 
      se ela o julgar conveniente. Pois, aplicando-me
      a ele cedo demais, eu poderia prejudicar-me em minha própria carreira, 
      embora tenha intenções puras e apenas a visão do
      mal incalculável que se faz neste mundo, por falta de conhecimento 
      dos caminhos que conduzem à verdade, me tenha posto
      as armas na mão. Meu objeto é fazer aos outros o que eu teria 
      querido que fizessem a mim colocando semelhante livro
      diante de meus olhos. Não espero qualquer sentimento de reconhecimento 
      por parte da multidão, pois prevejo por
      antecipação que a maioria, que pouco se preocupa com a verdade, 
      me apedrejará à guisa de agradecimentos. Mas, para
      voltar a O Homem de Desejo, em vos confessaria ingenuamente que considero 
      essa obra como a mais consoladora e a mais
      rica em pensamentos brilhantes já surgida neste século. A 
      cada passo dado nesse livro encontra-se um tesouro. No
      momento sou mais capaz de saboreá-lo e conhecer-lhe as belezas do 
      que quando ele me caiu nas mãos há três ou quatro
      anos. Tende a bondade de dizer-me se o termo eaux bienfaisantes133, que 
      se encontra no versículo 4 do nº 36 não significa
      as virtudes? Embora eu tenha um opinião bastante boa das pessoas 
      estabelecidas para crer que elas não irão confundir
      homens prudentes e virtuosos com imbecis e os habitantes das Petites-Maisons134, 
      há ainda um outro princípio que deve
      tranqüilizar-me a respeito do fato que me informais: é que não 
      se quer mais confundir o erro com o crime. Peço que
      continueis a orar por mim e crede que todos os dias dirijo minhas preces 
      por vós ao Ser supremo. Tenho certeza de que não
      vos acontecerá mal algum porque dissestes: "Senhor, sois a minha 
      esperança" e porque tomastes o Altíssimo como refúgio,
      62
      etc., etc. Salmos 90: 19, 11-12.135 P.S. Acabo de receber mais um volume 
      das obras de Jane Leade. Tende a bondade de
      enviar-me a relação dos pequenos tratados que possuis dessa 
      autora. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      131 Swedenborg.
      132 V. Evangelho de Mateus, 7:3. No texto original lê-se paille, que 
      a versão portugu esa autorizada dá como argueiro
      ("Partícula leve, separada, de qualquer corpo; granulo; cisco." 
      - Aurélio.)
      133 Águas benfazejas.
      134 Antigo hospital psiquiátrico de Paris.
      135 Parece que a criação está truncada. O Salmo referido 
      é o de número 91 (90 na Vulgata). Diz o versículo 9 
      (e não o 19):
      "Pois disseste: O Senhor é o meu refúgio." "Porque 
      aos seus anjos dará ordens a teu respeito para que te guardem em 
      todos
      os teus caminhos. Eles te sustentarão nas suas mãos. Para 
      não tropeçares nalguma pedra." (11-12). A propósito, 
      na
      tentação de Jesus, o tentador cita-lhe esta passagem.
      Carta 53 13 de termidor, ano 2
      Quando vos escrevi minha última carta, senhor, estava um pouco aborrecido 
      de todas as privações que sofro e, por causa de
      meu mau humor, talvez, pintei de maneira viva demais aquilo que poderia 
      dizer-vos de maneira mais branda. Peço-vos
      perdão hoje, garantindo-vos que já me reprovei por essa petulância 
      desde o momento em que ela me escapou e que meu
      ato de contrição é muito sincero. Realmente, nada de 
      mais natural do que as vicissitudes que as circunstâncias vos causam.
      Tendes a base sobre a qual repousa todo o edifício e assim devo ficar 
      tranqüilo quanto a vós. E se me permito falar-vos
      algumas vezes sobre esse ponto, é para advertir-vos como irmão, 
      e não para repreender-vos. Lembro-me de me havíeis
      falado em detalhe sobre o assunto de Basiléia, mas, tendo em vista 
      sua semelhança com o da outra cidade da qual me
      falastes também em detalhes há algum tempo, deveis fazer facilmente 
      uma idéia da minha maneira de pensar; e isto basta.
      Quanto à loja sobre a qual pedis minha opinião, eu vos disse 
      que não a conhecia. Posso acrescentar que, de acordo com o
      retrato que me fizestes, não tenho mais confiança nela do 
      que nas outras. Nada mudou, a não ser o modo do maravilhoso, e
      a forma astral revela em que região a coisa acontece. Vejo que não 
      será fácil lidar com vosso amigo eclesiástico. Mas 
      por
      que não veríeis sua filha, que dizeis ser tão interessante? 
      Sois livre como um pássaro, estais em vosso terreno e num terreno
      pacífico. Quanto a mim, se eu estivesse ao alcance de uma pessoa 
      tal como essa que me descreveis, seria difícil para mim
      de não travar conhecimento com ela. Agradeço-vos antecipadamente 
      por tudo o que puderdes conseguir-me, em francês,
      das obras de Böhme e de outros autores do mesmo gênero, embora 
      como vós eu possa dizer que sou rico em propriedades
      dessa espécie, mas extremamente pobre em colheita. Minha língua 
      natural rende-me o triplo das línguas estrangeiras: acabo
      de ter disso uma pequena prova. No trabalho bibliográfico do qual 
      fui encarregado por meu distrito caiu-me nas mãos A Vida
      da Irmã Margarida do Santo Sacramento136, nascida na França 
      no século pa ssado e nela morreu como religiosa num
      convento de carmelitas. Não pude deixar de fazer uma pausa por causa 
      dessa obra na qual, graças às luzes fornecidas por
      nossas caras leituras, encontrei coisas deliciosas mais deliciosas para 
      o meu coração do que para o meu espírito. Essa
      pessoa surpreendente passou por todos os tipos de estados extraordinários, 
      cuja chave podemos ter hoje, de acordo com
      tudo o que ficamos sabendo. Ela manifestou desenvolvimentos magníficos 
      sobre princípios espalhados em todas as obras
      que se encontram em nossas mãos. É verdade que não 
      chega às regiões elevadas onde Browne, Leade, e sobretudo
      Pordage, parecem haver estabelecido suas moradas, mas, na ordem da regeneração 
      e das virtudes do amor, ela me
      transporta e sinto que deveria ser essa a principal obra dos humanos. Quanto 
      às outras regiões que os grandes autores nos
      abrem, parece-me às vezes que essas viagens deveriam ser deixadas 
      para quando estivermos despojados da massa
      terrestre que nos tira toda a agilidade. Quereis que vos cite um episódio 
      de seu heróico devotamento e de sua santa
      paciência? Nos diferentes estados pelos quais passava, acontecia muitas 
      vezes que seu físico ficava afetava e a cabeça,
      sobretudo, causava-lhes dores terríveis. Ela sabia bem que tudo isso 
      não passava de uma conseqüência da ação 
      espiritual
      inimiga que atormentava tanto quanto podia em sentido contrário ao 
      da mão divina que a escolhera por esposa, mas os
      médicos julgavam o fato à sua maneira e, depois de haverem 
      esgotado os remédios da farmacopéia, decidiram aplicar-lhe
      um ferro em brasa ao crânio. A superiora da comunidade consentiu nisso, 
      embora com pesar, o que bastou para que a boa
      Santa Marguerite se submetesse. Ela sofreu três vezes a aplicação 
      do ferro sem proferir a menor queixa. Isso não é tudo.
      Não tendo esse remédio tido êxito algum, os médico 
      imaginaram fazer-lhe uma trepanação; ela submeteu-se com a 
      mesma
      resignação e não emitiu um único suspiro na 
      operação. Disse mesmo às companheiras que esses males 
      nada eram em
      comparação com os que sofria pelos pecadores por causa da 
      união que tinha com Jesus Cristo. Quanto aos médicos,
      acharam o interior de sua cabeça tão sadio que, não 
      podendo atribuir a causas desconhecidas as dores que ela sofria,
      desistiram. Confesso-vos, senhor, que depois de Jesus Cristo, que se deixou 
      crucificar, conheço poucos sacrifícios tão
      corajosos e tão admiráveis como o dessa santa jovem. Não 
      quero examinar aqui a ordem científica. Se essa jovem gozasse
      de seus direitos, teria podido derrubar os médicos, como Jesus Cristo 
      derrubou os arqueiros que vieram prendê-lo no Jardim,
      mas ela me manifesta o complemento da doçura e da virtude. Para mim, 
      é isso pelo menos tão importante quanto as
      manifestações das potências. Se eu tivesse tudo isso 
      e várias outras passagens numa outra língua que não 
      fosse a minha,
      não teria ficado surpreendido da mesma maneira. O v. 14 do nº 
      28 de O Homem de Desejo é realmente um começo, mas,
      como tudo o que lestes sobre a origem das coisas, podeis saber que existe 
      uma ainda mais anterior, desconhecida de
      Swedenborg, e é dessa que quero falar. O versículo 14 do nº 
      3 significa, talvez, as virtudes, mas, entretanto, qualquer coisa a
      63
      mais, uma vez que é apenas dessas águas benfazejas que nossas 
      virtudes podem receber irrigação e crescimento. Vede
      pois, caro irmão, o que os nossos sublimes autores nos dizem sobre 
      a água viva e sobre o óleo, e dançai de alegrai por
      haver no mundo tais magnificências. Além do mais, agradeço-vos 
      pelo cumprimento lisonjeiro sobre O Homem de Desejo.
      Sei que é o julgamento vosso amigo de Zurique [Lavater] lhe fez em 
      um de seus últimos números do ano de 1790 ou 1791.
      Sei, admito-o, que há germes semeados nessa obra, cujas propriedades 
      eu mesmo ignorava ao semeá-las, e que para mim
      se desenvolvem a cada dia, graças ao socorro da Providência 
      e de nossos autores. Glória somente a Deus, em tudo e em
      toda parte. Se tive eu a felicidade de concorrer em qualquer coisa para 
      o progresso de seu reino, devo agradecer-lhe e rojarme
      ao pó. Vosso projeto de uma obra sobre a lógica prática 
      parece-me bem louvável. Espero que a Providência vos forneça
      todos os meios de completá-lo e que vossas boas intenções 
      tenham sua recompensa, não no reconhecimento dos homens,
      mas num valor financeiro mais alto. Eu poderia falar-vos também de 
      um empreendimento meu que provavelmente só
      terminará com minha vida e que desenvolvo, como fazeis com o vosso, 
      como fazeis com o vosso, com bastante lentidão,
      porque parece-me que minha obra de regeneração deve vir antes 
      de tudo. Mas isso ficará para uma outra carta. Perguntaisme
      como estão as obras de Jane Leade que tenho em meu poder. Creio que 
      já enviei antes um pequena nota do que tenho
      em francês. Não tenho esse texto aqui comigo; tudo o que me 
      resta na memória é que se trata nele de sua entrada na região
      espiritual e das provas que ela sofreu para chegar ao seu termo. Depois 
      disso, enviaram-me uma tradução francesa
      manuscrita com o título: Comunicação entre os Santos 
      do alto e os Santos deste mundo, tirado da tradução alemã 
      dos seis
      tratados místicos de Jane Leade, p. 60 a 80. A obra contém 
      24 páginas e divide-se em 38 números. Há realmente 
      coisas
      maravilhosas. Tenho, além disso, o volume impresso que me enviastes 
      e que contém: Offenbarung der Offenbarungen
      [Revelação da Revelações], etc.; Die nun brechende 
      und Zertheilende himmlische Wolke
 etc.; Einleitung zum geistliclh 
      oder
      mystichen Tod und Sterben137, etc. Tudo impresso em Amsterdam em 1694 e 
      1695. Adeus, senhor, recomendo-me sempre
      à vossa lembrança e às vossas preces. Creio, como vós, 
      que a mão que velou por mim de maneira tão manifesta continuará
      a fazê-lo. Mas seja feita a sua vontade. Não pensemos jamais 
      em permanecer aqui no mundo por um tempo maior ou menor,
      mas trabalhemos sem cessar a fim de ficarmos prontos para sair dele. Amém. 
      Se me falardes do B. de G., rogo-vos que seja
      sempre sem citar-lhe o nome, e sobretudo que ele evite escrever-me. Não 
      receber cartas dele nesse momento. SAINTMARTIN
      136 La Vie de la Soeur Marguerite du Saint-Sacrement.
      137
      Carta 54 M., 30 de agosto de 1794
      Sinto-me bem envergonhado, senhor, porque, em vossa carta de 13 de termidor 
      acreditastes haver errado em relação a mim.
      Poeis ter certeza de que nenhuma de vossas cartas diminuiu meu apego por 
      vós. As circunstâncias não me permitem ir a
      Zurique. Contento-me com dirigir humildemente minhas preces à divina 
      Providência para que o bom grão germine e brote no
      coração da pessoa que nos interessa. E apesar dos obstáculos 
      encontrados por essa (semeadura)138, na qual tocastes em
      vossa última carta, recebi as declarações que me provam, 
      graças ao Senhor, que meus fracos desejos não vos inteiramente
      infrutíferos. Vejo pouco, e de uma maneira certamente imperfeita, 
      a possibilidade de agir de modo mais perfeito sobre o
      espírito e o coração dos outros, sem sinal exterior, 
      e sem que as distâncias lhes oponham qualquer obstáculo. Esse
      conhecimento experimental, por mais fraco que seja, não deixa de 
      encorajar minhas esperanças, e não podemos agradecer
      o suficiente ao nosso mestre sublime que dá auxílio de acordo 
      com a nossa fraqueza. Compreendo o prazer que a vida da
      irmã do Santo Sacramento deve ter-vos feito. Nela encontrastes riquezas 
      verdadeiras, pois nem todas as idéias transmitidas
      por Pordage e Jane Leade consideram todas - longe disso -,a única 
      necessária. É um luxo espiritual ao qual renunciei
      completamente. A vida é tão curta e as coisas indispensáveis 
      já exigem tanto tempo e tantos combates que é preciso não
      perder força e tempo de lazer com objetos menos essenciais. Volto 
      sempre ao nosso amigo B. Ele é, sem dúvida alguma,
      entre Jane Leade, Pordage e Browne, o príncipe por excelência. 
      Desde minha última carta tive esclarecimentos sobre Jane
      Leade dados por um autor contemporâneo, digno de fé, repleto 
      da verdadeira luz e grande admirador de nosso amigo B.,
      uma vez que ele dirigiu a edição de 1682. Era, segundo ele, 
      uma mulher piedosa, mas comprimida numa esfera limitada. Ele
      acha que suas manifestações são apenas um efeito astral, 
      que não tiveram nascimento no fogo da ansiedade, que esse
      gênero não dá força alguma ao homem interior; 
      que não se pode haurir qualquer fundamento sólido em seus 
      escritos, que se
      encontram até mesmo erros, como por exemplo, a reabilitação 
      dos espiritual rebeldes, o que é uma antiga opinião de origem.
      Esse autor rejeita de modo geral todas as manifestações que 
      antecedem nossa regeneração e o fato do nosso inteiro
      revestimento de Jesus Cristo. Pretende afirmar que o princípio mau, 
      percebendo que seu reino é curto, trata de reter as
      almas no astro exterior para impedir que penetrem mais profundamente e que 
      ele ainda pode empregar seu jogo na Tinctura
      solis. Assim como vossa irmã carmelita, o meu autor tem idéias 
      sublimes sobre os sofrimentos aos quais ele mesmo ficou
      exposto por causa dos pecadores. Também experimentou males físicos 
      produzidos por uma ação espiritual inimiga que a
      atormentava o mais que podia no sentido contrário à ação 
      da mão divina. De ordinário, curava-se de suas enfermidades, 
      que
      eram ou dores de cabeça ou de dentes, etc., com a magiam fidei [magia 
      da fé], que, neste sentido, foi uma idéia totalmente
      nova para mim. Era um emprego local do que se chama tintura do fogo da alma139; 
      ele empregava esse remédio para si e
      para os outros. Imagino que, para o conseguir, ele se servia dos momentos 
      em que se encontrava em comunicação sensível
      com o elemento puro e o que o anima, e que, por sua imaginação, 
      conduzia essa substância à parte sofredora. Vossa irmã
      carmelita é de uma sublimidade bem rara entre os mortais. Como a 
      língua francesa tem mais efeito sobre vós do que as
      64
      outras, tentarei conseguir-vos um volume de nosso amigo B. em francês. 
      Desde minha última carta, recebi também uma obra
      que talvez conheçais, a de Maria de Ágreda140. Ainda não 
      a iniciei. Ficaria muito feliz se Maria de Ágreda me der a mesma
      satisfação que recebeste de vossa irmã carmelita. Sou-vos 
      muito grato pelos esclarecimentos que dizem respeito a algumas
      passagens de O Homem de Desejo. Tanto quanto vós, estou decidido 
      a suspender minha obra filosófica até que tenha
      avançado ainda mais nos trabalhos mais necessários.
      Tende a bondade, caro irmão, rogo-vos, de contribuir nisso com vossas 
      preces. Mateus 18: 19 141. KIRCHBERGER DE
      LIEBISTORF
      138 Entre parênteses no original.
      139 Tincture du feu de l'âme.
      140 (1602-1665) Religiosa franciscana, célebre por suas visões. 
      Seu livro Mística Cidade de Deus é uma vida da Virgem
      Maria, composta em parte como fruto de suas revelações pessoais, 
      foi condenado pela Igreja, que não admite revelações
      particulares.
      141 "Em verdade também vos digo que, se dois dentre vós, 
      sobre a terra, concordarem a respeito de quer cousa que
      porventura pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai que está 
      nos céus."
      Carta 55 25 de frutidor
      Tenho a mesma opinião que vós sobre a supremacia de nosso 
      amigo B. sobre todos os seus confrades. Em todos eles vejo
      magnificências do mais alto valor; somente ele me parece verdadeiramente 
      nascido para esse trabalho. Os outros dão às
      vezes a impressão de serem maiores do que seu próprio negócio; 
      nele, o negócio da sempre a impressão de ser maior do
      que ele. É o bom israelita por excelência. Ainda não 
      terminei Pordage. Quanto a Jane Leade, eu tinha uma tradução 
      do artigo
      em que ela fala da regeneração universal futura. Embora essa 
      idéia agrade mais ao meu coração, mantinha-me em guarda
      porque me parece que, enquanto o mundo existir, os selos não serão 
      levados a essa profundidade. Amo vosso autor que
      redigiu a edição de B. em 1682. Parece-me ter bons e sábios 
      princípios. Maria de Ágreda é conhecida entre nós. 
      Ela tem seu
      mérito, mas sem em nada prejudicar àquela da qual vos falei 
      na última carta. Como tendes a intenção de enviar-me 
      um
      volume de B. em francês, devo avisar-vos de que nessa língua 
      já tenho a Signatura rerum, traduzida por um médico
      chamado Jean Mandé, o qual deu á obra o título Miroir 
      temporel de l'Éternité142, Frankfurt, 1664. O estilo e as 
      expressões
      são quase insuportáveis, e a edição é 
      bem ruim. Apesar disso, visto o conhecimento que adquiro a cada dia do sistema 
      do
      autor, ainda encontro mais facilidade em remover os obstáculos nessa 
      tradução do que no texto. Quero pedir-vos, senhor,
      que me ajudeis em algumas passagens da minha tradução da Tríplice 
      Vida. Cap. 5, v. 21, 7! linha: Und sie hat ihn inficiret,
      DER hält sie gefangen143. Pareceu-me que o der sublinhado deveria estar 
      no acusativo. Não é o relâmpago, conforme
      penso, que mantém a matriz prisioneira; colocando-se der no acusativo, 
      seria a matriz quem mantém o relâmpago
      prisioneiro. Rogo dizer-me se estou enganado. Mesmo cap., vers. 61, última 
      linha: Seynd ihr mit Lucifer,144 etc. Não sei
      como aplicar o pronome pessoal ihr; é uma interpelação? 
      Peço que me digais também se a palavra seynd está escrita 
      de
      maneira correta. Encontro, na nova ortografia, seyn, sind, seyd145, mas 
      nada encontro de seynd. Estaria errado em traduzir
      "Foi porque caíste num círculo inteiro com Lúcifer", 
      o que pode fazer um sentido verdadeiro, mas não constitui uma dicção
      adequada? Id. V. 65: Es sitzet so balde ein Furst des Teuffels zu warten,146 
      etc. Eu pediria que vós mesmo me traduzísseis
      essa frase. Eis a minha, com a qual não estou satisfeito, embora 
      creia ter-lhe captado o sentido: "É possível que um príncipe
      governe para servir na obediência do demônio, bem como um simples 
      camponês." Por fim, mesmo cap. vers. 85, penúltima
      linha: Dann ihrer sind, etc., deve-se dizer: "Eles são por eles 
      três, ou deles três ou eles são três?" Perdão, 
      senhor, se vos
      importuno com essas coisas sem importância, mas sois meu único 
      recurso nesta ilha deserta. Como vedes, avanço
      lentamente, em minha tradução. A verdade é que ela 
      é para mim um trabalho mecânico do qual não tiro absolutamente 
      nada
      enquanto me ocupo e dele os frutos que dele espero me virão apenas 
      pela leitura. Para mim, é quase como se fizesse um
      cópia. Se não tivesse necessidade de preparar também 
      os materiais de minha subsistência espiritual, caminharia com mais
      rapidez nos outros empreendimentos nos quais também gostaria de prosseguir. 
      Mas, no estado atual das coisas, tudo deve
      estar em suspenso e, sem ter idéias mais piores que os outros, presumo 
      que esse estado de coerção continuará a crescer, e
      eu não gostaria de estar encarregado de traçar-lhe os limites. 
      Creio ver o Evangelho ser pregado hoje pela força e pela
      autoridade do espírito, uma vez que os homens não o quiseram 
      escutar quando ele lhes pregou com doçura, e que os
      sacerdotes no-lo tinha pregado somente com hipocrisia. Ora, se o espírito 
      prega, ele o faz na verdade e certamente
      reconduzirá o homem a esse termo evangélico onde não 
      somos mais absolutamente nada e onde Deus é tudo. Mas a
      passagem de nossas ignorâncias, impurezas e impunidades a esse termo 
      não pode ser suave. Assim, procuro estar pronto
      para tudo. É o que deveríamos fazer, mesmo quando os homens 
      nos dessem sossego, com muito mais razão quando unem
      seus movimentos aos que naturalmente agitam todo o universo desde o pecado 
      do homem. Nosso reino não é deste mundo,
      eis tudo o que deveríamos dizer em todos os momentos, excluindo qualquer 
      outra coisa, sem exceção. Entretanto, é o que
      jamais dizemos, exceto da boca para fora. Ora, a verdade, que anunciou esta 
      palavra, não pode permitir que seja uma
      palavra vã e ela mesma rompe as amarras que nos ligam por todas as 
      partes a essa ilusória aparência a fim de nos entregar
      à liberdade e ao sentimento de nossa vida real. Nossa revolução 
      atual, que considero sob esse aspecto, pareceme um dos
      sermões mais expressivos já pregados no mundo. Oremos para 
      que os homens o aproveitem. Não oro para não ser contado
      no número dos que lhe devem servir de sinal de justiça: oro 
      para jamais esquecer o Evangelho tal como o espírito quer que
      65
      nossos corações o concebam, e, em qualquer parte onde esteja, 
      estarei feliz, pois estou ali com o espírito de verdade. Acabo
      de reler, em alemão, minha primeira passagem, nº 21. E creio 
      que me enganei ao não querer dizer que o relâmpago
      mantenha a matriz prisioneira. Parece-me, ao contrário, que é 
      o sentido dado pelo autor, embora em algumas outras
      passagens pareça que reste algo de relâmpago na matriz, uma 
      vez que a própria tintura e todas as correspondências
      superiores aí se encontram também. Mas no momento da explosão, 
      ou de Schrack, é certo que o relâmpago fica na primeira
      posição, e então der estaria no lugar certo, significando 
      o pronome demonstrativo aquele [celui-là]. Peço-vos julgar 
      esse
      processo. Tenho a soberba tradução inglesa que nosso amigo 
      comum mandou vir, mas acho-a pouco exata em vários
      pontos. Ele tem certeza também de que ela foi feita a partir de um 
      outro texto, e não da edição de 1682, pois há 
      passagens
      inteiras que não se encontram em alemão, e vice-versa. Por 
      fim, no caso atual do meu número 21, ela é inteiramente inútil
      para mim, porque, como o inglês emprega o gênero neutro na grande 
      maioria das palavras, essa tradução coloca it neste
      caso, sem que eu saiba a quê aplicá-lo, se ao relâmpago 
      ou à matriz, já que convém igualmente a ambos. Adeus, 
      senhor,
      busquemos Deus com todo o nosso coração, com toda a nossa 
      alma e com todo o nosso espírito. Eis o verdadeiro reino.
      SAINT-MARTIN
      142 Espelho Temporal da Eternidade.
      143 144 145 Formas do verbo alemão sein (ser). 146
      Carta 56 30 de setembro de 1794
      Apresso-me, senhor, a responder às vossas perguntas gramaticais sobre 
      a Tríplice Vida, v. 21. Pelo que vejo, julgastes
      perfeitamente vossa primeira dificuldade, na penúltima página 
      de vossa carta. Der está no lugar certo: é o relâmpago 
      que
      mantém a matriz prisioneira. Para vos convencerdes disso, só 
      tereis de consultar a nona linha do mesmo número, a qual
      apresenta a matriz como que assustada e vencida. V. 61. Seynd não 
      é desusado, mas provincial regional: numa parte da
      Saxônia superior pronuncia-se ainda Seynd em vez de Sind, mas escreve-se 
      Sind. O impressor deve ter seguido sua própria
      pronúncia. Sind ihr, nessa linha, uma apóstrofe; e Ihr, nessa 
      acepção, não significa vós, mas é simplesmente 
      um torneio de
      frase que quer dizer: "E foi por isso que caiu um governo inteiro com 
      Lúcifer." Regiment significa aqui o conjunto de todos os
      indivíduos que formam a organização de um governo. 
      Às vezes esse termo também é tomado no sentido abstrato. 
      Traduzi
      essa passagem literalmente, pois em francês o vocábulo hierarchie 
      talvez seja melhor do que gouvernement. Quanto ao
      versículo 65, explico-o através do anterior. Lembrando-nos 
      que se trata sempre da hierarquia do princípio das trevas, pareceme
      que se pode traduzir assim: "É muito possível que um 
      príncipe do demônio seja obrigado a esperar em obediência 
      como
      um pobre camponês." Para o versículo 85, vossa última 
      explicação é a verdadeira. "Pois são três 
      que formam a palavra." É o
      sentido literal e estrito. E confio a vós, senhor, o trabalho de 
      traduzir minhas traduções em francês. Estou bem satisfeito 
      por
      vos ver ocupado com a tradução da Tríplice Via. Talvez 
      com o tempo outras pessoas ainda venham a aproveitá-la. Enviei a
      Basiléia um volume de B. que contém a tradução 
      do Caminho para Cristo, com seis pequenos tratados de Jane Leade, em
      alemão, que ainda não tendes. Esse pacote partirá de 
      Basiléia a 1º de outubro pela diligência de Paris; assim 
      recebê-lo-eis
      por volta do dia 15. Creio que posso recomendar-vos com toda segurança 
      o dicionário alemão de Adelung, do mesmo tipo
      que o da Academia francesa, exceto pelo fato de que é infinitamente 
      melhor. Encontrareis nele os diversos dialetos e as
      diferentes acepções dos vocábulos detalhadamente. Essa 
      excelente obra fixa o estado presente da língua alemã. É
      volumosa e cara, mas talvez, nesse momento, possa ser eventualmente comprada 
      em Paris. Penso como vós, senhor, sobre
      os grandes assuntos de que me falais em vossa carta. A ignorância 
      e a hipocrisia dos intérpretes são uma das causas
      principais dos males que têm afligido a Europa desde muito séculos 
      até os nosso dias. Mas entreguemo-nos à divina
      Providência com confiança sem limites, e tudo resultará 
      em bem. Fico encantado, senhor, porque estais contente com o
      pouco que vos enviei sobre o redator da edição de 1682 das 
      obras de nosso amigo. Considero-me bastante feliz por haver
      travado conhecimento com ele. Esse homem é ainda mais interessante, 
      pois colocou em prática toda a teoria de B. Sua vida
      é uma demonstração a posteriori de todos os princípios 
      de nosso amigo. Ele chegou a esse ponto através da leitura reiterada
      das obras de nosso teósofos e da perseverança e da prática 
      de quarenta e cinco anos. Conheceu as manifestações reais 
      e
      as que não o eram, e isso por sua própria experiência. 
      Pelo fim da vida, viveu com Sophia em perfeita intimidade. Em lugar
      algum já vi, como nele, a diferença imensa que há entre 
      os deleites e as carícias com as quais ela honra os que a buscam
      com a união total, a consumação em unidade somente 
      concedida depois das provas; e pela qual somente a confiança
      permanente, a desapropriação e a cruz podem aplainar o caminho. 
      Ele viveu retirado e em celibato, estado que acreditava
      ser necessário para exercer as sublimes funções às 
      quais se devotara. Os sacerdotes, com suas perseguições, despojaramno
      dos bens e da pátria. Passou a vida na maior pobreza, sem que jamais 
      nada lhe faltasse. Não tinha um propriedade
      sequer. Mesmo assim, sempre encontrava a maneira de aliviar seus irmãos. 
      Temos deles seis volumes de epístolas e um de
      seus amigos escreveu sobre sua vida. Embora leigo e luterano, esse homem 
      raríssimo exercia o sacerdócio no sentido mais
      vasto e elevado. Tornou a si próprio anátema para livrar seus 
      irmãos. Morreu em 1710 em Amsterdam, onde passou a vida
      fazendo o bem, sobretudo através de suas preces e o emprego das magníficos 
      dons que havia recebido, mas que não eram
      deste mundo. Seu reino era tão pouco deste mundo que ele recusou 
      vários partidos milionários. E mais ainda: recusou a
      solução do grande problema físico que uma pessoa de 
      confiança lhe veio oferecer juntamente com a prova, e isso pela
      estima por suas virtudes e em consideração do bom emprego 
      que ele poderia fazer da dessa solução. Como o segundo
      princípio era a sua morada habitual, ele via o que se passava em 
      todas as regiões. Pela experiência dos seres a que isso se
      66
      referia, teve a confirmação das verdades que se encontram 
      no fim da vigésima-quarta das Quarenta Perguntas de nosso
      amigo B. Depois de um trabalho mantido durante sete anos, ele conseguiu 
      retirar um de seus benfeitores de um estado mui
      penoso e sofredor, no qual o suicídio o precipitara depois da morte. 
      Em suma, era um homem como houve poucos, daqueles
      que atraem a bênção sobre um país inteiro. Adeus, 
      senhor, concordo de todo o coração com a conclusão 
      de vossa cara, e
      isso em toda a sua plenitude. Roguemos a Deus que nos faça chegar 
      a esse termo. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      Carta 57 Amboise, 21 de vindimário
      Já que sois tão complacente, senhor, por querer responder 
      às minhas perguntas de escolar, vou tomar a liberdade de dirigirvos
      ainda algumas palavras: é sempre sobre a Tríplice Via. Cap. 
      4, v.44, linha 4: Darumb sind der so viel,147 etc., etc. Não
      co mpreendo nada desse der e não sei a que se refere. Idem, l. 13 
      In Zeit quer dizer, simultaneamente, num tempo, naquele
      tempo, ou com o tempo? Cap. 7, vers. 46, l. 16: Den Geist der Luft. Vejo, 
      por esta frase, que foi o espírito do ar que é
      despertado, ora por uma forma, ora por outra. Eu ficaria tentado a crer 
      que é o espírito do ar que desperta as formas, mas sei
      que tanto uma como a outra são verdadeiras. Peço, porém, 
      que me informeis se não há um erro nessa passagem. Cap. 8,
      vers. 24, l. 4: Welches alles wäre hingegangen. Confio-vos inteiramente 
      essa quatro palavras e peço que me envieis sua
      tradução. Poderia deixar para fazer-vos estas perguntas numa 
      outra ocasião, senhor, e esperar que a lista ficasse mais longa
      para vos escrever, mas não quis nem mesmo aguardar a chegada do novo 
      presente que me fazeis, a menos que vos
      escreva vos novamente quando ele chegar. Estou impaciente por agradecer-vos 
      pelo que me informastes com respeito ao
      editor de 1682. Confesso-vos que o que me narrastes sobre ele tocam-me profundamente, 
      e, se puderdes acrescentar algum
      suplemento, assegurai-vos antecipadamente de todo o meu reconhecimento. 
      Peço pelo menos que me deis seu nome, se o
      souberdes. Certamente ele era alemão e deve ter podido beber à 
      vontade nessa fonte de vida que vós e eu temos nas mãos,
      pois a cada dia aumenta minha admiração por ele e sinto que 
      bastaria um prodígio semelhante bem meditado para
      reintroduzir-se no molde naturalmente. Seu editor é uma prova disso, 
      ao confessar, não obstante, que teve o mérito de
      acrescentar a essa leitura o seu trabalho e virtudes pessoais. Fico encantado 
      por haver existido tais homens na terra. São os
      generais de primeira ordem, em torno dos quais o exército pode reunir-se 
      nas derrotas. Confesso-vos senhor, que uma de
      minhas maiores alegrias é a de ter sido, embora bem escassamente, 
      uma dos órgãos que vos proporcionou o conhecimento
      desses tesouros que podeis esquadrinhar com tantas vantagens e delícias. 
      Jamais tereis tanta satisfação desse tipo quanto
      vos desejo e, quanto mais tiverdes, mais aumentarão as minhas. Unamo-nos 
      nesse espírito de amor divino. Quanto mais
      aumentarem as nossas riquezas, mais nossas relações se consolidarão. 
      Penso como vós, senhor, que tudo acabará bem
      nos grandes assuntos que atualmente ocupam as nações. Acreditei 
      nisso desde o momento em que a revolução começou e
      minha pessoa está pronta para todos os sacrifícios. Sinto 
      mesmo que se sacrificaria com verdadeiro prazer para o progresso
      do bem público, mas tenho sido cumulado de tantas bondades que não 
      posso deixar de crer que quererão dar-me mais ainda
      e que um dia me será permitido aproximar-me de meu associado para 
      nisso trabalharmos juntos pelo nosso destino.
      Tomastes um caminho tão bom que posso facilmente calcular o quadro 
      dos ganhos que serão tidos convosco. Além do mais,
      não estou assim tão avançado quanto o nosso editor 
      com relação à solidão. Creio, como ele, que 
      a sociedade mundana é
      perniciosa, mas creio que a sociedade espiritual é útil, e 
      costumo ter necessidade dela, sobretudo neste momento, em que
      estou totalmente sozinho no campo. Mas acostumemo-nos a agradecer por tudo 
      aquilo que é o mais sábio e mais seguro. Li
      com muito prazer o que J. J. Rousseau diz sobre vós no suplemento 
      de suas Confissões, que me emprestaram. Éreis bem
      jovem, senhor, quando atraístes a atenção de um homem 
      como ele. Recolheis hoje os frutos cujos germes ele já vira em vós.
      Estimulais-me a conseguir o dicionário alemão de Adelung. 
      Creio que já o vi em Estrasburgo e parece-me que essa obra
      serve somente para a correção da língua alemã 
      e não dá o sentido dos vocábulos em francês. 
      Ele é para o alemão o que é
      para o francês o nosso Dictionnaire de l'Académie, que não 
      trata de outra língua. Se não me engano em meu julgamento,
      essa obra não preencheria meu objetivo. Dai-me a satisfação 
      de dizer-me se minha memória está boa ou não e, caso 
      a obra
      me convenha, e vos rogaria que me enviásseis seu título e 
      local de impressão. Adeus, senhor, lembrai-vos sempre de mim
      em vossas preces. Embora esteja no campo, meu endereço continua o 
      mesmo. Estou a apenas meia légua de distância de
      Amboise, minha cidade natal, e vou lá com freqüência. 
      SAINT-MARTIN
      147 Que são tantas?
      Cartas 58-72 Carta 58 M., 25 de outubro de 1794
      Seria para mim um prazer sempre grande, senhor, ser-vos útil em qualquer 
      coisa e ajudar-vos o mais possível nas pequenas
      dificuldades que encontrais na língua alemã. Tríplice 
      Vida, cap. 6, vers. 44, l. 4, Darumb sind der so viel. Der refere-se aqui 
      à
      palavra Sterne,148 que inicia o versículo, as quais nos parecem incontáveis. 
      É como se houvesse dito: Darum sind deren so
      viel. L. 13: In Zeit. O sentido mais verdadeiro dessa expressão parece 
      ser com o tempo, mas então seria necessário traduzir
      como na continuação, pois duas linhas adiante vê-se 
      que o desenvolvimento refere-se à eternidade. No entanto, não 
      nego
      que essa passagem suporte uma interpretação diferente. Poder-se-ia 
      aprofundar ainda mais o pensamento do autor
      traduzindoa assim: "Pois de um único sentido podem desenvolver-se 
      com o tempo vários outros sentidos, tanto quanto há de
      estrelas no firmamento. É nisso que podemos conquistar um conhecimento 
      elevado de nossa eternidade e regozijar-nos
      muito por sabermos disso."149 Cap. 7, vers. 36, l. 12150. Das man deme 
      Kan genug thun , quer d izer: "Para que possamos
      67
      satisfazer a elas151," ou seja, que a avareza e a falsidade são 
      necessárias para se satisfazer às necessidades do luxo e do
      orgulho deste mundo. Com freqüência, na língua alemã 
      servimo-nos do singular em vez do plural, como deme aqui (hoje
      escreve-se dem). Em francês diz-se o mesmo: "Il faut de l'avarice 
      et de la fausseté pour satisfaire à cela" [É preciso 
      avareza
      e falsidade para satisfazer a isso - N.T.], mesmo que cela [isso] se refira 
      a muitos objetos. Vers. 46, l. 16, Den Geist der Luft.
      O sentido do autor é manifestamente que é o espírito 
      do ar, que tanto é despertado por uma quanto por outra. Cap. 8, vers.
      24, l. 4, Welches alles wäre hingegangen significa: "Tudo isso 
      seria passado", ou seja, que nada disso será levado em conta
      porque não era nisso que consistia sua queda, mas sua queda aconteceu 
      porque ele despertou a matriz do fogo e quis
      dominar sobre a doçura do coração de Deus. Sabeis que 
      na língua de nosso amigo o coração de Deus é 
      sinônimo do Verbo.
      O dicionário de Adelung é inteiramente em alemão e 
      não traz o sentido das palavras de nenhuma outra língua, mas 
      explica
      muito bem os diferentes significados e acepções do mesmo vocábulo, 
      indicando também os diversos dialetos e os vocábulos
      em desuso. Como conheceis a nossa língua o suficiente para tirar 
      proveito desse livro, creio que ele vos poderia ser útil.
      Tenho a ousadia de vo-lo aconselhar, contanto não sejais obrigado 
      a pagar um preço exorbitantemente caro por essa
      utilidade. Seu título é: Versuch eines Vollstandigen grammatisch 
      Kritischen Wörterbuches, der hochdeutschen mundar152.
      São cinco volumes inquarto, impressos em Leipzig. O ultimo volume 
      surgiu em 1786, editado por Breitbopt. Sinto-me
      encantado por ficardes contente com o pouco que vos falei sobre o editor 
      das obras de nosso amigo B. Seu nome é Jean-
      George Gichtel153, nascido em Ratisbona 154 em 1638, de pais piedosos, ricos 
      e respeitados. Vós o comparastes bem a um
      general de exército, pois ele viveu e morreu de armas na mão. 
      Não combateu somente a si mesmo, combateu pelos amigos,
      mas ainda postou-se várias vezes à frente do combate em prol 
      de nações inteiras. Seu ardor em instruir-se foi mantido por
      várias oportunidades favoráveis, de maneira que ele se tornou, 
      em sua época, um sábio reconhecido. Por causa de um
      escrito sobre o mau estado do clero de sua pátria, atraiu o ódio 
      dos sacerdotes, e, como não quis retratar-se desse escrito,
      eles encontraram um meio de o expulsar ignominiosamente e bani-lo de Ratisbona, 
      depois de o haverem despojado de tudo.
      Refugiou-se na Holanda na maior pobreza. Os sacerdotes o perseguiram mesmo 
      em seu asilo. Foi até aprisionado e sofreu
      processo criminal, mas sua fé e sua constância tudo superaram. 
      Retirou-se para Amsterdam, onde travou conhecimento com
      várias casas nas quais o mérito e a piedade eram considerados. 
      É de se notar que ele teve conhecimento de Sophia e que
      gozou de várias manifestações de um tipo sublime antes 
      que os escritos de nosso amigo B. lhe fossem conhecidos. Foi a
      cruz que ele levou por seu divino Mestre e o apego inviolável que 
      lhe devotara desde a infância que lhe valeram esses
      favores. Algum tempo depois de sua chegada a Amsterdam, as obras de B
 
      caíram-lhe nas mãos, sendo que então eram
      raríssimas. Os Três Princípios e As Sete Formas da Natureza 
      detiveram-no por longo tempo e foi somente depois de muitos
      exercícios e muitos combates que ele chegou a aprofundar-se nelas. 
      Gichtel, embora muito sábio, perdeu o gosto de todas
      as leituras, exceto a das Sagradas Escrituras e das obras de nosso amigo 
      B. Foi pondo seus preceitos em prática contínua
      que ele por fim chegou, depois de muitas repetições, a compreendê-las 
      em toda profundidade. Estimava-as tanto quanto ao
      Velho e ao Novo Testamento e agradecia à Providência, do fundo 
      da alma, por haver posto esses escritos sublimes em suas
      mãos. Não se cansava de ler a epístola 47 de nosso 
      amigo. Gichtel chamava a oração de comida espiritual e a leitura 
      de
      bebida da alma. As noites lhe pareciam por demais longas, de modo que só 
      concedia algumas horas ao sono. Vivia quase
      sempre retirado, mas raramente em solidão: travou conhecimento com 
      uma família estimável que lhe propôs, embora fosse
      tão pobre, um casamento bem rico, mas o nosso combatente o recusou. 
      Os pais, no entanto, continuaram a estimá-lo e a
      cumulá-lo de benefícios. Sua permanência em Amsterdam 
      foi cheia de uma multidão de acontecimentos no gênero sublime 
      e
      teosófico que eu preferiria transmitir-vos oralmente, em vez de fazê-lo 
      por carta. Conheceu uma viúva, mulher de mérito,
      embora enormemente rica. Depois de tê-lo conhecido bem, ela testemunhou-lhe 
      francamente seu desejo de unir-se a ele de
      maneira indissolúvel. Ele a estimava e até sentia uma certa 
      inclinação por ela, mas não lhe deu resposta alguma 
      sobre a
      proposta. Retirou-se e permaneceu em casa, sem sair, durante quatro semanas, 
      quando propôs o assunto a Deus. Um dia,
      enquanto andava pelo quarto, viu, em pleno meio-dia, descer do céu 
      uma mão que uniu a sua à da viúva. Ao mesmo tempo,
      ouviu uma voz forte e clara que dizia: "É preciso que ela seja 
      tua." Em seu lugar, qualquer outro teria tomado essa
      manifestação como uma manifestação divina, mas 
      ele logo viu que era apenas o espírito da viúva que, no fervor 
      das suas
      preces, havia atravessado até o céu exterior, penetrando no 
      espírito astral. Desde então ele se entregou totalmente a 
      Sophia,
      que não queria um coração partilhado. Viu que sua vocação 
      era o sacerdócio no sentido mais elevado. Sem qualquer
      procura de sua parte, recebia cartas de vários senhores da Alemanha, 
      e mesmo de vários soberanos, que o consultavam,
      mulheres de todas as classes buscavam seu conhecimento e sua mão. 
      É notável que as preces que ele fazia por elas só
      atiravam lenha à fogueira155, de modo que Sophia o aconselhou a interromper 
      a oração por essas mulheres. Em 1672,
      quando Luís XIV chegou às portas de Amsterdam, nosso general 
      serviu-se de suas próprias armas e expulsou as tropas
      estrangeiras. Encontrou depois, nos documentos públicos, principalmente 
      os regimentos de infantaria e os esquadrões que
      vira face a face ao persegui-los fora do território da República. 
      Sophia, sua cara e divina Sophia, que ele tanto amava e que
      jamais vira, veio, no dia de Natal de 1673, fazer-lhe a primeira visita: 
      ele viu e ouviu no terceiro princípio essa virgem
      resplandecente e celeste. Nessa entrevista ela o aceitou como esposo e as 
      núpcias foram consumadas com delícias
      inefáveis. Ela prometeulhe, com palavras distintas, fidelidade conjugal, 
      jamais abandoná-lo, nem suas cruzes nem na
      pobreza, na doença nem na morte, e que habitaria sempre com ele no 
      fundo luminoso interior. Garantiu que o compensaria
      amplamente por tudo o que ele sacrificara ao renunciar por ela às 
      alianças com mulheres ricas que o haviam buscado. Deulhe
      a esperança uma progenitura espiritual e, como dote, levou ao eu 
      coração a fé, a esperança e a caridade essenciais 
      e
      substanciais. As núpcias duraram até quase o começo 
      do ano de 1674. A partir de então ele arranjou um alojamento mais
      cômodo: uma casa espaçosa em Amsterdam, embora não tivesse 
      um centavo de seu, embora não fizesse trabalho algum
      68
      para ganhar dinheiro e que jamais houvesse pedido um óbolo a ninguém, 
      nem para si nem para os outros, mas como vários
      amigos vinham vê-lo, exercia a hospitalidade. Sophia tinha também 
      uma linguagem central, sem palavras exteriores e sem
      vibração do ar, que não se assemelhava a qualquer linguagem 
      humana. Entretanto, ele a compreendia tão bem quanto a
      língua materna. Foi o que lhe garantiu que não fora seduzido 
      pelo astro exterior, e confiou nela de todo o coração. Assim,
      sua vocação partia da fonte mais sublime e ele não 
      trocaria a pobreza de Jesus Cristo, que era parte do dote de Sophia, por
      todos os tesouros do mundo. Todos os mistérios mais ocultos lhe foram 
      desvendados. Sua esposa revelou-lhe uma
      maravilha após outra, tanto o mundo luminoso interior quanto a natureza 
      exterior; assim, vivia ele mais no céu do que na
      terra. Em tudo seguia a direção de Sophia e não tinha 
      uma vontade própria sequer. Desde então deu-se como sacrifício 
      em
      anátema por seus irmãos, mesmo quando eles não o conheciam, 
      e tudo o que pedia em suas preces, e com freqüência até
      mesmo com um simples pensamento, cumpria-se. Sophia insinuou-lhe que, se 
      ele desejava gozar de seus favores sem
      interrupção, deveria abster-se de qualquer gozo e de qualquer 
      desejo terrestre: foi o que ele observou religiosamente. No
      início de sua união com Sophia, ele acreditou descansar nela 
      e quis simplesmente desfrutá-la. Ela lhe mostrou que isso não
      era possível, que era preciso combater também pelos irmãos 
      e irmãs, que ele devia, enquanto se achava no envoltório
      terrestre, empregar o tempo para a libertação daqueles que 
      não haviam ainda atingido sua herança e o repouso interior.
      Então aumentou seu desejo de ter associados nessa guerra espiritual. 
      Entretanto, jamais buscou fazer novos conhecimentos:
      todos os seus meios se concentraram num só, na prece. Várias 
      pessoas vieram, uma após outra, pedir-lhe conselhos e
      auxílio, dentre estas um doutor sábio chamado Raadt, que se 
      achava temporal e espiritualmente num estado deplorável.
      Nosso combatente indicou-lhe a oração, prometendo acrescentar-lhe 
      a sua. A partir daí, o coração de Raadt abriu-se para 
      a
      graça e, como ele se queixava dolorosamente de que uma dívida 
      premente de 2400 libras lhe tirava a tranqüilidade
      necessária, Gichtel, que de seu nada tinha, fê-lo receber de 
      maneira miraculosa as 2400 libras. Como Raadt havia percebido
      que seu estado de homem casado era-lhe um obstáculo ao progresso, 
      ele se impôs, de comum acordo com a esposa, a
      circuncisão espiritual. Sophia recebeu Raadt e todos aqueles que 
      vieram ver seu esposo em boas intenções, perfeitamente
      bem, ou seja: segundo compreendo, que ela deixou cair alguns raios de sua 
      imagem nas qualidades terrestres de suas
      almas, o que nosso amigo B. chama de Tinctura Solis. V. Três Princípios, 
      13:9. Essa acolhida causou rumor entre os
      conhecidos de Raadt. Cada um gabavase das doçuras de Sophia, querendo 
      adotar a circuncisão espiritual, de sorte que em
      pouco tempo Gichtel teve cerca de trinta adeptos, que prometeram, todos, 
      mundos e fundos. Nessa ocasião, Gichtel
      observou de maneira notável como o espírito astral sente o 
      desejo de gozar do leito nupcial com Sophia. Essas boas
      pessoas acreditavam, apesar de tudo o que vosso amigo combatente pudesse 
      dizer-lhes, que bastava abaixar-se e pegar.
      Foi por essa ocasião que Gichtel concebeu o projeto de redigir uma 
      nova edição das obras de nosso amigo B., mais correta
      que as anteriores. Empregou alguns de seus novos amigos como colaboradores. 
      Os fundos bastante consideráveis exigidos
      por essa empresa foram de início conseguidos fora da sociedade dos 
      Trinta com um rico magistrado que os destinou
      generosamente a essa boa obra. Enquanto os Trinta, espalhados por diversas 
      cidades, permaneceram unidos em espírito,
      obtiveram em suas preces todo o que quiseram. Se um deles não conseguia 
      fazer tudo sozinho, escrevia aos outros e nada
      no mundo resistia aos seus esforços unidos. Podeis imaginar o efeito 
      causado por essa associação no princípio das trevas.
      Do modo como as coisas iam, seu reino arriscava-se a ser abalado. O que 
      sobretudo o fez espumar de raiva foi o
      empreendimento de uma nova edição das obras de B. Ele girou 
      ao redor dos Trinta como um leão rugindo e buscou aqueles
      quem podia devorar. Seus artifícios tiveram êxito espantosos. 
      Mas os detalhes desse acontecimento e os meios empregados
      pelo inimigo para convencer as pessoas não caberiam mais no espaço 
      de uma carta. Dentre outros, Raadt, o mais adiantado
      deles, depois de haver concluído de maneira feliz, em sua obra, as 
      formas preparatórias, fracassou no fogo da purificação.
      Seu espírito vacilante e por demais leve não teve gravidade 
      nem doçura, nem amor, nem perseverança suficientes para
      manter-se na prova. A partir daí, tornou-se inimigo de Gichtel. Os 
      outros, que só procuravam deleites, abandonaram-no,
      chegando mesmo alguns a dizer que ele era mago. Mas apesar de todos os obstáculos, 
      apesar de todos os esforços do
      trono tenebroso, a edição de 1682 foi completada e redigida 
      por Gichtel, a partir dos próprios manuscritos do autor e as
      portas do inferno não lhe conseguiram tirar uma sílaba. Nosso 
      Gichtel também teve o desejo de que B. fosse algum dia
      traduzido um francês. Era um espécie de testamento, e eu não 
      me daria ao trabalho de encontrar-lhe um executor. A
      defecção da sociedade dos Trinta causou muitos sofrimentos 
      e perseguições a Gichtel. Mas Sophia lhe havia preparado de
      longe um amigo e cooperador sólido e fiel que permaneceu unido a 
      ele até à morte. Era um jovem negociante de Frankfurt,
      que recebera um depósito de duzentos exemplares da nova edição 
      para distribuí-los. Esse jovem chamava-se Ueberfeld e já
      conhecia os escritos de B. e, quando os duzentos exemplares entraram em 
      sua casa, foi a Arca da Aliança que entrou na
      casa de Abinadab156. Deus abriu seu templo no coração de Ueberfeld 
      e no devido tempo ele recebeu Sophia como esposa,
      pois foi transportado aos graus mais sublimes. É a ele que devemos 
      os seis volumes das cartas de Gichtel que possuo em
      alemão e considero um tesouro. Veio ver Gichtel em 1683 e encontrou 
      um São Paulo. Decidiu-se desde então a permanecer
      com ele. À sua chegada Sophia manifestou-se no terceiro princípio 
      aos dois amigos reunidos, da maneira mais gloriosa, e
      renovou com eles seus laços que duraram até 1685. Ueberfeld, 
      de quem colhi essas datas, diz em seu prefácio das cartas de
      G. que a boca não pode exprimir as delícias duradouras e permanentes 
      neles causadas por essa manifestação. Em 1690
      tiveram a manifestação do Reparador, com todos os sinais indicativos. 
      Foram confirmados no estado adiantado em que
      então se encontravam. Posteriormente passaram por muito sofrimentos 
      ainda, mas superaram-nos a todos com fé e
      paciência. Combateram também por aqueles que caminhariam nas 
      pegadas da verdade após eles. Tiveram um
      pressentimento da revolução dos impérios nos tempos 
      vindouros. Rogavam encarecidamente para que Deus despertasse
      muitos combatentes espirituais e capazes de levar o fardo dos pobres e dos 
      fracos em sua fé em Jesus Cristo. O tradutor das
      69
      obras de Jane Leade era um dos Trinta. Começou a traduzir oralmente 
      o texto inglês para seus irmãos. Ueberfeld, estando
      uma vez presente a essas traduções, sentiu a princípio 
      que Jane Leade ultrapassava a experiência e, assim sendo,
      apreendeu que tudo isso não passava de uma obra astral, tanto mais 
      que Sophia jamais quis receber as palavras de Jane
      Leade e, quando Gichtel lhe solicitou esclarecimentos, Leade mudou completamente 
      de sistema, embora dissesse ter
      recebido a primeira declaração através de uma manifestação. 
      Então os dois irmãos viram que a declaração 
      de Leade não
      passava de uma opinião piedosa e se esqueceram do assunto. O tradutor, 
      ao perceber que eles não queriam partilhar a
      opinião que ele tinha sobre Jane Leade, disse-lhes que, se quisessem 
      aderir à postura de Jane Leade, receberiam uma
      pensão do barão K., como ele receberia uma de oitocentos libras. 
      Podeis imaginar que esse meio não era o que deveria
      obter sucesso junto a Gichtel. Assim, os dois irmãos lhe responderam 
      com as palavras de São Paulo, cap. 8. V. 20157. A
      partir daí, o tradutor L. J. tornou-se inimigo jurado deles. Chegou 
      a arrastar a inocente Jane Leade em sua aversão contra os
      dois combatentes e o historiador de Gichtel diz que ela foi obrigada a passar 
      pela prova do fogo antes da morte porque seu
      espírito só havia atingido a Tinctura Solis. Pouco antes da 
      morte de Gichtel, que ocorreu em 1710, Sophia manifestou-se aos
      dois irmãos, como em 1683, quando eles e viram pela primeira vez, 
      e lembrou a ela seu fiel amigo. Em 1716 Ueberfeld teve a
      mesma manifestação, que lhe foi renovada a partir de então. 
      A vida de Gichtel foi escrita por um de seus discípulos fiéis 
      e foi
      por uma circunstância signa denota que esses escritos vieram ter às 
      minhas mãos, o que prova que a Providência
      recompensa magnificamente as mínimas coisas que foram feitas por 
      ela muitos anos antes. Mas, sem o conhecimento de B.,
      eu não teria dado atenção alguma às cartas de 
      G., e é a vós, senhor, que devo o conhecimento de B. Rogo 
      ao nosso divino
      mestre que vos recompense por isso, neste mundo e no outro. KIRCHBERGER 
      DE LIEBISTORF
      148 Estrelas.
      149 "Car d'un seul sens peuvent se developper dans le temps plusieurs 
      autres sens, autant qu'il ya a d'étoiles dans le
      firmament; c'est en quoi nous pouvons acquérir une connaissance élévée 
      de notre eternité, et de nous réjouir beaucoup que
      nous sachions cela."
      150 Não se encontra esta citação na carta de Saint-Martin.
      151 V. logo adiante: às necessidades.
      152
      153 Talvez Kirchberger haja traduzido para o francês um nome alemão: 
      Johann Georg Gichtel. Hoje no Brasil já não se usa
      tanto traduzir nomes próprios, exceto os consagrados. V. a nota sobre 
      Ratisbona.
      154 Conhecida hoje por seu nome alemão: Regensburg. Ratisbona foi 
      deixado por estar figurando num texto antigo.
      155 No original: só atiravam óleo ao fogo, ou ao fogos - delas 
      (ne jettaient que de l'huile dans leurs feux).
      156 Habitante de Quiriat-Jearim, em cuja casa a arca da Aliança ficou 
      guardada depois de retomada dos filisteus até Davi
      levá-la para Jerusalém. - O original traz, erroneamente, Aminadab, 
      nome de outro personagem bíblico.
      Carta 59 6 de brumário, ano III
      A encomenda chegou em bom estado, senhor, e é nos momentos em que 
      vos digo sinceramente quid retribuam domino por
      omnibus quæ retribuit mihi158, que de vossa parte sempre me advêm 
      novos benefícios. Quando será então que estarei em
      condições de vos testemunhar meu reconhecimento de maneira 
      mais viva do que através de cartas? A tradução francesa 
      do
      Caminho para se ir a Cristo parece-me estar em bom francês para o 
      tempo em que foi feita e para o tradutor que, embora
      dizendo-se do país, tem, no entanto, uma forte aparência estrangeira. 
      Essa obra deveria ser para todos o que os ingleses
      chamam de pocket-book e os latinos, veni mecum159, e os alemães, 
      por um nome que eu já soube mas esqueci, porque,
      exceto a caríssima companhia de nosso amigo B., não estou 
      inclinado a fortalecer-me em vossa língua. Os seis tratados de
      Jane Leade trazem títulos interessantes, dos quais com toda certeza 
      terei colheitas úteis a retirar. Reconheci neles as vinte
      páginas, ou cerca disso, das quais me enviaram uma tradução 
      manuscrita. É sobre a comunicação der Heiligen droben 
      und
      denen heiligen hieniden160, página 60. Creio, pelo formato e pela 
      i mpressão, e mesmo por algumas frases, que é o mesmo
      tradutor e editor de Revelação das Revelações 
      do qual me fizestes presente anteriormente. Assim, devo esperar um pouco
      de trabalho para poder acompanhá-lo.
      Mas feliz demais ainda por ser admitido em partilhar tais tesouros a esse 
      preço! Seguramente não devo queixar-me da
      raridade das semeaduras. Não devo mais pensar senão em pedir 
      à Providência a graça de tirar proveito delas. Adeus,
      senhor, recebei novamente meus sinceros e ternos agradecimentos por todas 
      as bondades com as quais me cumulais.
      Devereis receber uma carta minha em resposta à vossa ultima. Esta 
      carta não passa de um aviso, e eis por que não me
      estendo mais. SAINT-MARTIN
      157 Talvez Romanos ou II Coríntios, as únicas passagens possíveis.
      158 Que darei ao Senhor por todas as coisas que me tem dado? (Salmo 116:12.)
      159 Forma do imperativo singular (vem comigo). Conhecemos mais a forma vade 
      mecum (vinde comigo). 160
      Carta 60 29 de brumário, ano III
      70
      Muito vos agradeço, senhor, por vossa amável carta de 25 de 
      outubro. Vossas soluções gramaticais são-me de grande
      utilidade, sobretudo a do cap. 6, nº 44. Darumb sind der so viel.161 
      Este der, que vem de Deren, trar-me-á grande auxílio,
      pois vejo que o amigo B. o emprega dessa maneira com freqüência. 
      Não tenho outras perguntas a fazer-vos sobre este
      assunto no momento. Estou no fim do cap. 2 de minha tradução 
      e acho que nesse ponto meu jovem cochila um pouco, de
      tantas repetições e declamações sobre o clero. 
      Experimento, no entanto, uma impressão que não o prejudica: 
      é que, quando
      a coisa se apossa dele, ele é sempre grande, sempre surpreendente, 
      e quando ela o deixa entregue a si mesmo, ele tagarela
      um pouco, mas nunca se engana por causa disso e apresenta somente a virtude: 
      o que não seria sempre dito dos outros,
      que, quando entregues a si, apresentam o erro como verdade, deixando assim 
      transparecer algumas vezes as paixões
      humanas. Por enquanto só perlustrei vosso volume de Jane Leade. Minhas 
      ocupações impedemme de fazer todo o que
      desejaria, pois, independentemente de minha tradução, que 
      me toma muito tempo, fiz um pequeno escrito sobre a época
      atual, a pedido de alguns amigos. Vai ser impresso em breve e terá 
      cerca de 70 a 80 páginas. Tenho intenção de enviar-vos
      um exemplar. Informai-me a via, pois a postal será um pouco custosa 
      e eu não gostaria de vos ser pesado e tentasse
      reconhecer, segundo meus parcos meios, todos os presentes com os quais me 
      vindes cumulando. Meu nome não aparecerá.
      Assim, peço-vos o mais absoluto segredo sobre a pessoa, mas não 
      sobre a produção. Consagro-me pouco a ela, como bem
      sabeis, mas nela vereis melhor do que outra pessoa aquilo que não 
      quero dizer, e conhecereis claramente meu modo de
      pensar sobre a grande cena que se passa hoje no mundo, e em meu próprio 
      terreno. Tende a bondade de escrever-me logo,
      se quiserdes que eu receba vossa resposta aqui, pois é possível 
      que eu parta para passar o inverno em Paris. Eis o motivo;
      todos os distritos da República têm ordem de enviar à 
      Escola normal, em Paris, cidadãos de confiança para serem 
      postos a
      par da instrução que querem tornar geral e, depois de instruídos, 
      voltarão para seus distritos para formar professores
      primários. Deram-me a honra de ser escolhido para essa missão, 
      e há somente algumas formalidades a preencher para
      minha própria segurança, tendo em vista meu labéu nobiliário, 
      que me proíbe permanecer em Paris até a paz. Como não
      prevejo o que isso apresente de dificuldades, presumo que poderei estar 
      em Paris dentro de três semanas, no mais tardar,
      talvez até encontre lá alguma facilidade para passar-vos, 
      com poucas despesas, o pacote em questão. Mas peço-vos agir 
      de
      modo que eu receba notícias vossas antes de partir. Essa missão 
      não deixa de desagradar-me em certos aspectos. Vai
      sujeitar meu espírito às simples instruções 
      da primeira idade, vai também lançar-me um pouco na palavra 
      externa, a mim que
      não gostaria mais de ouvir nem proferir qualquer outra palavra que 
      não a interna. Mas apresenta-me também um aspecto
      menos desagradável: o de crer que tudo está ligado nessa nossa 
      grande revolução em que creio ver a mão da Providência.
      Então, nada mais é insignificante para mim. E mesmo que eu 
      não passe (como não passo) de um grão de areia no vasto
      edifício que Deus prepara para as nações, não 
      devo resistir quando me chamam, pois em tudo isso sou apenas passivo.
      Quando me escolheram, temiam que eu não aceitasse e tive a doce felicidade 
      de ver o presidente do distrito derramar
      lágrimas de alegria quando declarei que aceitava. Só isso 
      já me alivia o fardo. Mas o principal motivo de haver aceitado foi
      pensar que, com a ajuda de Deus, possa esperar, com minha presença 
      e minhas preces, deter uma parte dos obstáculos
      que o inimigo de todo bem não vai deixar de semear nessa grande carreira 
      que vai abrir-se e da qual pode depender a
      felicidade de gerações. Confesso-vos que essa idéia 
      é consoladora para mim e, mesmo que eu não desviasse uma gota 
      do
      veneno que esse inimigo procurará lançar até na raiz 
      da árvore que deve cobrir com sua sombra todo o meu país, 
      eu me
      acreditaria culpado por recuar e até me sinto honrado por semelhante 
      emprego: é uma coisa inteiramente nova na história
      dos povos, levando-se em conta o caráter anterior e interior que 
      constitui todo o meu ser e para o qual provavelmente eu não
      teria muitos colegas na escola em que vou encontrar-me. Amparai-me, por 
      vossa vez, com vossas preces, caro irmão, pois
      creio que assim fareis uma boa obra. Li com enlevo os novos detalhes que 
      me enviastes sobre o general Gichtel. Tudo nele
      traz o selo da verdade. Se estivéssemos próximos, eu também 
      teria para contar-vos a história de um casamento em que os
      fatos seguiram para mim a mesma marcha, embora sob outras formas, e que 
      acabou tendo o mesmo resultado. Tenho
      também numerosos testemunhos da produção divina com 
      relação a mim, sobretudo durante a nossa revolução, 
      que nem
      sempre me deixou sem sinais. Mas em tudo isso, sempre fizeram tudo por mim, 
      assim como fazem pelas crianças, ao passo
      que o amigo Gichtel sabia atacar o inimigo de frente, coisa que eu não 
      saberia cumprir como ele. Em suma, a paz passa por
      mim e encontro-a por toda parte. E no famoso 10 de agosto, quando eu me 
      encontrava encerrado em Paris, e onde passei o
      dia todo durante o tempo do maior tumulto, tive provas tão insignes 
      de tudo o que vos disse que fui humilhado em meu
      orgulho; tanto mais que eu não tomava parte em nada e que por mim 
      mesmo não tinha qualquer força física que pudesse
      dar-me o que chamo coragem física. Duvido bastante da pessoa sobre 
      a qual quereis falar a respeito da execução
      testamentária de Gichtel. Se eu fosse vinte anos mais moço 
      e estivesse ao alcance dos socorros dos quais tenho
      necessidade, é certo que faria tudo o que pudesse para responder 
      às vossas expectativas. Mas, no estado atual das coisas,
      só posso responder-vos em parte. E mesmo que não termine a 
      tradução da Tríplice Vida antes de partir, ela poderá 
      sofrer
      atraso por causa das novas ocupações que vou ter. A vontade 
      da Providência acima de tudo! Gozais, caro irmão, do vosso
      lazer. Por que não poríeis mão à obra de tempos 
      em tempos? Conheceis o francês muito melhor do que eu conheço 
      o
      alemão e, se vossas traduções precisassem de alguma 
      revisão, as minhas, com toda certeza, precisariam de muito mais.
      Poderíamos, pois, ajudar-nos mutuamente e trabalhar assim de acordo 
      para o bem comum. Ponderai sobre o que vos
      proponho. Logo teremos três obras de nosso amigo em francês, 
      a saber; o Caminho para o Cristo, a a assinatura das Coisas
      e a Tríplice Vida, pois apesar da incorreção do estilo 
      de todos, eu consideraria como tarefa bem pequena a correção 
      que
      fosse preciso fazer-lhes. Se, por vosso lado, empreendêsseis a tradução 
      de algumas dessas obras, eu faria o mesmo quando
      terminasse a Tríplice Vida e pouco a pouco teríamos condições 
      de dar à minha nação toda essa fonte de vida, coisa 
      que me
      será provavelmente impossível empreender e completar sozinho, 
      sobretudo com o enfraquecimento de minha vista, que vai
      71
      aumentando a cada dia. Adeus, senhor; dizei-me o que pensais de vossas reflexões 
      e ficarei encantado se minha proposta
      não vos desagradar e vos estimular para esse louvável trabalho. 
      Quando estiver em Paris, irei à procura do dicionário de
      Adelung. Não sei ainda onde ficarei hospedado, pois a casa em que 
      eu morava passou para o Estado. Enviar-vos-ei o depois
      de receber vossa primeira carta.
      161
      Carta 61 M, 29 de novembro de 1794
      Recebi ontem à noite a vossa carta de 5 de brumário e, no 
      tempo aprazado, a do dia 6. Tirei um momento do qual posso
      dispor, senhor, para responder a ela, pois estou no meio da confusão 
      de minha partida para Berna. Como vós, considero o
      Caminho de nosso amigo B. para Cristo como um manual, Handbuch162, para 
      todos. Ficarei encantado em receber vossa
      obra sobre a época atual. Escrevei nela o meu endereço normal, 
      pelo coche de Basiléia para Berna, com um envelope
      endereçado ao coronel Oser, em Basiléia, e enviai o pacote 
      à diligência de Basiléia. Sinto-me encantado por haverdes
      aceitado o chamado de vosso distrito. Nessa carreira tereis, incontestavelmente, 
      ocasiões de fazer o bem. Minhas débeis
      preces vos acompanharão. A parte de vossa carta em que me falais 
      do general Gichtel causou-me grande satisfação.
      Conhecestes, pois, pessoalmente, a esposa dele? As cartas desse homem raríssimo 
      proporcionam-me grande prazer. Há
      muitas coisas que não incluí na de 25 de outubro, dentre as 
      quais que ele e seu irmão Ueberfeld conquistaram muitos êxitos
      na guerra de sucessão no início do século. Luís 
      XVI estava bem longe de imaginar que seus numerosos exércitos tinham
      sido batidos em Hochsted (Hostêtt), Ramilies, Oudenarde e Malplaquet 
      por generais que não saíam do quarto. Quanto à
      proposta fraternal do projeto de tradução, aceito-a, contanto 
      que nela possa contribuir, de todo o coração, porque conto 
      com
      o auxílio da Providência e com o vosso. O que eu poderia fazer 
      não será muita coisa, porque há tempos que vivo mergulhado
      nos negócios, dos quais tenho muito mais a resolver do que meus parcos 
      meios podem prover e, se não confiasse na
      Providência, perderia a coragem. Para começar, depois de haver 
      chegado em minha cidade natal, diversos reuniões irão
      tomar, juntamente com as reuniões do Grande Conselho, todo o meu 
      tempo. Um de meus princípios é: cada um seguir a
      própria vocação, mesmo quando os deveres que ela nos 
      impõe deveriam parecer minuciosos. Mas, mesmo assim, há épocas
      do ano em que os negócios públicos não exigem um trabalho 
      tão assíduo. Contai então comigo. Creio que estarei
      empregando meu tempo de maneira superior ao vos ajudar da melhor forma possível 
      em vosso louvável projeto. Abraço-vos
      de todo o coração e solicito-vos com insistência que 
      não vos esqueçais de mim em vossas preces. KIRCHBERGER DE
      LIEBISTORF Carta 62 Paris, 15 de nivoso (4 de janeiro163, v. est.) Eis-me 
      de volta ao meu destino, senhor, mas não ainda à
      obra, pois nossos empreendimentos de estudo só começarão 
      dentro de quinze dias. Nem mesmo se sabe que feição eles
      irão tomar, pois o projeto maduro já se distancia do alvo 
      simples de que foi instituído, o que era um atrativo para mim. Assim,
      não posso responder-vos nada sobre os resultados e para isso é 
      preciso esperar que as coisas aconteçam. Enquanto
      aguardo, fico gelado aqui, por falta de lenha, ao passo que em minha pequena 
      aldeia não passava falta de nada, mas não
      devemos preocupar-nos com essas coisas. Tornemo-nos espíritos e nada 
      nos faltará, pois não há espírito sem palavra 
      nem
      palavra sem poder, reflexão que me veio esta manhã em meu 
      oratório e que vos envio imediatamente. Realmente, creio ter
      conhecido realmente a esposa do general Gichtel, da qual me falastes em 
      vossa carta de 29 de novembro, mas não de
      maneira tão particular como ele. Eis o que me aconteceu quando do 
      casamento do qual vos disse umas palavras na última
      vez. Orei com certa freqüência por esse objeto e foi-me dito 
      de maneira intelectual, mas com muita clareza: "Desde que o
      Verbo se fez carne, carne alguma deve dispor de si mesma sem que ele lhe 
      dê permissão." Essas palavras penetraram
      profundamente em mim e, embora não fossem uma proibição 
      formal, recusei-me a qualquer consideração ulterior. Vossas
      ocupações vão atrasar vossos projetos de tradução 
      e o mesmo vai acontecer comigo. Além do mais, repitovos que esse 
      tipo
      de trabalho é totalmente o inverso do que me seria necessário 
      e jamais me entrego a ele senão contra a vontade. No
      momento estou relendo a minha tradução francesa da Tríplice 
      Vida. É para mim como que uma região completamente nova
      em comparação ao alemão, e mesmo em comparação 
      com o que nela aprendi traduzindo. Nele encontrei uma passagem
      que, por si só, bastaria para nutrir o espírito de todos, 
      o nº 5, cap. 1º. A pequena obra de que vos falei ficou atrasada 
      por
      causa de minha partida e até as circunstâncias atuais me forçam 
      a adiar ainda, haja vista as dificuldades dos impressores e a
      necessidade de se dar o próprio nome. Assim, ela ficará em 
      suspenso até nova ordem. Quando estiver pronta, avisar-vos-ei
      a fim de saber se será preciso usar o mesmo endereço que me 
      indicastes. Adeus, senhor, endereçai vossas cartas para a
      rua de Tournon, Casa da Fraternidade, Paris. Peço que oreis por mim. 
      É sempre com prazer que vos ouço falar de Gichtel,
      mas sede bem reservado em vossas cartas. SAINT-MARTIN
      162 Manual em alemão.
      163 1795, último ano da Revolução Francesa.
      Carta 63 B., 27 de janeiro de 1795
      Eu não teria demorado a responder à vossa interessante carta 
      de 15 de nevoso, senhor, se depois de minha chegada à
      capital tivesse tido alguns momentos para mim. Três vezes por semana 
      temos sessões do Grande Conselho. Além disso,
      assisto ao nosso comitê de saúde pública, que chamamos 
      de Stands-Commission; a mesma coisa à superintendência de
      72
      nossas moedas, à superintendência de nossas salinas no governo 
      de Aigle; à superintendência dos correios, à
      superintendência de nossas minas em geral e a um comitê de finanças. 
      Esses diversos departamentos exigem com
      freqüência um trabalho que só pode ser feito em tranqüilidade 
      e solidão perfeitas. Acrescentai a isso que a execução 
      do
      trabalho das moedas exige algumas vezes a minha presença na própria 
      casa das Moedas. Além disso, sou ainda presidente
      da nossa Sociedade Econômica e Física, que se reúne 
      uma vez por semana em minha casa, de maneira que resta, ao lado
      de meus assuntos particulares, muito pouco tempo à minha disposição. 
      Agradeço-vos pelo belo pensamento: "Não há
      espírito sem palavra nem palavra sem poder." Todos os esclarecimentos 
      ulteriores sobre o poder da palavra ser-me-ão mui
      preciosos e os detalhes da aplicação que disso fazeis em vosso 
      caso em particular irão interessar-me extremamente. Com
      relação à notável passagem do nº 15 da 
      Tríplice Vida, creio simplesmente que Sophia é a sua base. 
      Se pudermos obtê-la e
      nos unirmos a ela, teremos feito tudo. Ela é o lar, a morada, o templo 
      e o elemento puro onde reside em toda a sua plenitude
      o que podemos imaginar de mais sublime. Depois da última carta, minhas 
      posses ficaram enriquecidas com os vinte e seis
      volumes de cartas edificantes e por um novo resumo das obras de nosso amigo 
      B., impressas em 1700. Recebi uma carta de
      nosso amigo D[ivonne], cujo conhecimento me proporcionastes. Ele é 
      preceptor de uns jovens. Suas viagens levaram-no até
      Londres e ele me encarregou de dar-vos suas lembranças, da mesma 
      forma que o barão de Silverhyelm, que é sueco, vosso
      amigo muito estimado e que se encontra junto dele. Lembrar-vos-ei de que 
      no último inverno vos falei de uma jovem muito
      interessante de Zurique como ela possuía uma terra muito boa, enviei-lhe 
      o grão através de seu amigo de Basiléia. Seu pai,
      que pretende ser jardineiro por contra própria, nada acrescenta a 
      essa semeadura. Mas, para minha grande satisfação,
      recebi, no dia 8 deste mês, uma carta de Basiléia, da jovem 
      S
 Eis o que ela me diz: "Desejo que compartilheis minha
      alegria. E quem melhor do que vós poderia compartilhar essa alegria 
      que semeastes e da qual Deus deu o aumento e o
      cumprimento? Pois bem! Sabei que N
 tem por si mesma agora a certeza 
      da bondade da via interior, da qual possui tanto a
      realidade quanto o gozo. Não tentarei descrever-vos o prazer que 
      isso me causou. Não saberia dizê-lo com os lábios e 
      muito
      menos ainda por escrito. Ela me manifestou imediatamente sua felicidade 
      nos mais cálidos termos e, se fosse possível que
      eu estivesse em dúvida até então, certamente teria 
      sido impossível conservá-la por mais tempo. Ela continua agora, 
      essa
      doce amiga, a ter esse gozo, não se interrompendo a sua felicidade 
      senão por intervalos. Escrevemo-nos com muita
      freqüência, e mesmo agora, mais do que antes, ambas temos necessidade 
      contínua de falarmos uma com a outra." Podeis
      ver por esse acontecimento quão verdadeiro é Providência 
      poder servir-se de frágeis instrumentos para executar seus
      desígnios, uma vez que, sem eu haver jamais visto essa jovem, tudo 
      sucedeu tão bem. Nem todas as sofisticações do pai,
      nem todas as maravilhas que vinham do Norte conseguiram impedir que o grão 
      germinasse e nem mesmo que produzisse
      flores. Eis uma passagem de minha resposta a Mlle S
: "Rogo informardes 
      à vossa amiga sobre a viva satisfação que tive
      com sua felicidade, mas dizei-lhe, de minha parte, que é necessário 
      que ela vele por sua alma, pelo menos por algum tempo
      ainda, até que ela esteja bem longe da fronteira da terra de Edom, 
      pois o inimigo, quando alguém escapa de seu território,
      redobra os esforços e a astúcia para conduzi-lo a ele. A prudência 
      de nosso amigo a assustará e, se ela permanecer em seu
      lugar até que o tentador se afaste, então sua vida estará 
      segura." Abraço-vos de todo coração e rogo-vos 
      com insistência
      que continueis a orar por mim. Informai-me de vossos sucessos na formação 
      das escolas normais164. Haveria belas coisas a
      fazer, mas tudo depende da base. O amor do Ser supremo, este é o 
      grande ponto: Timor Domini est initium sapientiæ165.
      KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      Carta 64 Paris, 5 de ventoso (25 de fevereiro, v. est.)
      Não sei, senhor, como podeis atender a todas as ocupações 
      que me narrais. No entanto, quero distrair-vos delas um
      momento para felicitar-vos de todo coração pelo sucesso de 
      vossa amiga de Zurique. Ela é bem feliz por estar tão adiantada
      numa idade tão jovem! Que carreira percorreu! Acho muito sábios 
      os conselhos que lhe dais e espero que, com a ajuda de
      Deus, que essa planta querida só venha a produzir bons frutos. O 
      essencial é, como dizeis, atravessar a fronteira.
      Concedeis-me verdadeiro prazer em dar-me notícias do amigo sueco 
      Silverhyelm e de seu companheiro. Se lhe escreverdes,
      dizei-lhe, de minha parte, tudo o que puderdes pensar de amistoso e gentil. 
      Dizei-lhe também, por favor, que recebi seu
      bilhete no tempo aprazado por intermédio do embaixador da Suécia 
      e que não respondi porque nossas autoridades
      suspeitaram da correspondência e, depois a terem aberto, mandaram 
      chamar-me para aprestar contas. Embora não tivesse
      dificuldades em satisfazê-los e tudo haja acontecido de maneira amigável, 
      eu, entretanto, não julguei adequado recomeçar
      essas cenas desagradáveis e aguardo circunstâncias mais favoráveis 
      para retomar nosso relacionamento. Se no entanto, por
      meio de vós, ele puder fazer com que cheguem a mim alguns dos detalhes 
      que me contava em seu bilhete, recebê-los-ei
      com prazer, mas não lhe prometo ser muito exato nem muito detalhado 
      em minhas respostas. Quanto às nossas escolas
      normais, elas são ainda o puro Spiritus mundi166 e vejo bem quem 
      é que se esconde sobe esse manto. Farei tudo o que as
      circunstâncias me permitirem para cumprir o único objeto que 
      tive ao aceitar. Mas essas circunstâncias são raras e pouco
      favoráveis. Já é muito se, em um mês, consigo 
      falar cinco ou seis minutos, e isso diante de duas mil pessoas, a quem seria
      preciso antes refazer os ouvidos. Mas deixo à Providência o 
      cuidado de prover à semeadura e à cultura, só farei 
      o que puder,
      e não posso fazer nada, se ela não julgar adequado que eu 
      faça mais. Não espero mais disso, pois, tudo aquilo que
      esperava. Entretanto, sempre pode sair daí qualquer coisa, por pouco 
      que seja, e não é necessário que eu me recuse ao
      trabalho. Entre os meus camaradas há algumas pessoas de Estrasburgo 
      e valho-me do auxílio deles para que me expliquem
      as palavras de nosso amigo B. quando não as entendo. Será 
      ainda uma vantagem que tirarei de minha viagem. Adeus,
      73
      senhor, recomendo-me sempre às vossas preces e à vossa lembrança 
      nos vossos momentos de lazer. Avancemos,
      avancemos no interior. Sinto cada vez mais, a cada dia, que é esse 
      o único pais bom para se habitar. SAINT-MARTIN
      164 Escola superiores para formação de professores primários.
      165 O temor do Senhor é o princípio da sabedoria. (Provérbios 
      1:7)
      Carta 65 B
, 10 (3 de março de 1795)
      Vossa carta datada de 5 de ventoso, senhor, serviu-me não somente 
      de distração, mas também proporcionou-me, como
      todas as outras que me dirigis, um aprazer real. É verdade que a 
      notícia que recebi de 
, no que se refere à nossa jovem 
      de
      Zurique, trouxe-me uma satisfação bem doce, pois vi progressos 
      tão rápidos e manifestos. Foi Gichtel quem primeiro me
      encorajou, dando-me esperanças de agir de longe. Mas quando a Providência 
      quer uma coisa, é bem fácil ter êxito. Aguardo
      uma resposta de nosso amigo comum [Divonne] para escrever-lhe. Então 
      não deixarei de dar vosso recado a Silverhyelm.
      D
 informa-me que no país onde mora nada é mais raro 
      do que encontrar homens de peso e de medida a quem se possa
      aderir. Swedemb. é o que tem o maior número de partidários. 
      Seus discípulos são numerosos; possuem um ofício público 
      e
      um culto e um rito particulares. D
 teve a curiosidade de assistir 
      uma vez a um ofício deles. Nosso amigo B. é em geral um
      pouco profundo demais e, ao mesmo tempo, simples demais para eles. Entretanto, 
      nesse país houve homens que souberam
      apreciá-lo, dentre eles um que se chamava Law. Nosso amigo D
 
      está bastante contente com sua obras; acha que é o leite
      de B. expresso e tornado apto a ser bebido por todos. Foi esse mesmo Law 
      quem compôs a maior parte das figuras
      encontradas na edição de B
 in-quarto que possuís. 
      O que me informais sobre vossas escolas normais é um começo 
      e
      compreendo bem o que está escondido sobre o manto. Mas, em geral, 
      parece-me que vossa nação faz alguns progressos
      em direção à liberdade. Existe mais segurança 
      para as pessoas e as propriedades do que um ano atrás. Todos têm 
      a
      liberdade de seguir o culto que lhes convier; e é isso o que Hébert 
      e Chaumette, ao mesmo tempo que falavam de liberdade,
      não queriam. Também acho que, desde 9 de termidor, o segredo 
      das cartas é mais respeitado, pois desde essa época
      nenhuma das minhas foi aberta. Lembrai-vos da passagem de Joachim Greulich, 
      que me indicastes na História Eclesiástica
      de Arnold. Encontrei depois disso, num autor bem mais antigo, uma passagem 
      que se iguala em importância à de Joachim
      Gr. Está na obra de um eleito do qual me falastes em uma de vossas 
      cartas que recebi em B
 Esse homem, que tem as
      mais raras qualidades de espírito e de coração, era 
      primeiro ministro na corte de uma antigo rei cujo nome esqueci. Seu
      mérito, como sempre acontece, provocou inveja e, por causa de uma 
      intriga de corte, caiu em desgraça. Mas sua virtude
      recolocou-o no lugar. Esse senhor não apenas via perfeitamente o 
      presente, mas, o que muitos ministros não sabem fazer,
      também previa o futuro. Deixou Memórias interessantes que 
      encontrareis provavelmente entre os velhos livros da Biblioteca
      Nacional de vosso país. Sua obra está dividida em capítulos 
      e é o parágrafo 23, e mais os seguintes, do cap. 7 que vos 
      peço
      comparar com a passagem de Arnold e dizer-me vossa opinião. Surpreendei-vos 
      de ver como encontro tempo para ocuparme
      das reuniões do Grande conselho e aos nossos comitês, mas um 
      antigo hábito de trabalho e uma familiaridade com os
      objetos de que tratamos facilitam isso: há vinte anos que assisto 
      ao nosso Grande conselho; há quinze que estou na
      superintendência das moedas e dezoito na superintendência das 
      salinas do governo de Aigle. Além de haver comitês que
      não são tão trabalhosos, como por exemplo, a superintendência 
      dos correios, porque o governo se livrou de todos os
      conflitos de um monopólio dando aos correios uma concessão: 
      de modo que a direção nada mais tem a fazer do que receber
      e julgar as queixas contra os responsáveis, se as houver. Quanto 
      à Sociedade Econômica, que se reúne todas as semanas
      em minha casa, serve-me de distração e não deixa de 
      produzir algum bem à nossa pátria. O que me ocupa mais é 
      a
      superintendência das moedas, porque a maior parte do trabalho e do 
      cálculos recai sobre mim. É verdade que com o tempo
      minha saúde não agüentaria esse tipo de vida, mas no 
      mês de maio parto para minha terra, que fica a cinco léguas 
      da capital
      e aí ficarei até o dia de Santo André: é lá 
      que faço repouso, que aproveito o ar do campo e as comodidades da 
      cidade,
      porque minha morada fica no final da cidadezinha de M
[Morat] Durante 
      esse intervalo só vou a B
 para tratar de assuntos
      mais importantes e para dar orientações onde minha presença 
      for necessária. Mas, no turbilhão em que me encontro
      atualmente, e onde vivi esse inverno todo, não deixei de passa um 
      dia sem ler uma passagem de nosso amigo B. ou
      algumas cartas do general Gichtel. Fiz até mesmo resumos de ambos 
      em formas alfabéticas, de modo que, sem o sentir,
      pouco a pouco um volume bem grosso, in-quarto, que pode ser considerado 
      como um dicionário teosófico, pois, para gozar a
      leitura de nosso amigo B. e do general G
, é preciso estar familiarizado 
      com a linguagem deles e sobretudo com seus
      sinônimos. Eles velaram sua terminologia, provavelmente para que os 
      profanos fossem descartados. E quem sabe se o
      trabalho que empreendi unicamente para mim poderá servir um pouco 
      a outrem! Estou cada vez mais satisfeito por haver
      conhecido nosso general. Ele tem a seu respeito algumas particularidades 
      das quais ainda não vos falei, dentre elas que,
      depois da morte do esposo, a própria Sophia veio ordenar e dirigir 
      o arranjo de suas cartas póstumas. Ela refez várias
      passagens que estavam indicadas de maneira imperfeita nos rascunhos que 
      Gichtel enviara a seu amigo Ueberfeld e, à
      medida que este último ia trabalhando na redação, Sophia 
      ia dirigindo-o pessoalmente. Realmente, ela veio ver Ueberfeld
      várias vezes. Uma vez permaneceu durante seis semanas. Foi um festim 
      contínuo, durante o qual ela transmitiu ao redator e
      a alguns amigos fiéis do extinto, desenvolvimentos da santa organização, 
      que ultrapassavam de muito tudo o que o mundo
      jamais foi capaz de imaginar. Em 1722 já tinha sido publicada em 
      Leyde a terceira edição dessas carta póstumas, todas
      escritas em alemão. Não podeis imaginar o prazer que ela me 
      proporcionam. Com um tom bastante simples e um estilo
      74
      familiar, formam um excelente comentário dos escritos de nosso amigo 
      B
. Ao lado de verdades essenciais, há várias das
      quais não vi vestígio algum nos escritos de B., como, por 
      exemplo, o efeito de uma tintura espiritual, que Gichtel estimava, na
      medicina, em grau mais elevado do que o grande problema físico. Diz 
      ele que essa tintura fazia na parte doente o mesmo
      efeito que se se passasse a mão sobre ela. Examinando-o de perto, 
      pareceu-me que esse remédio era o nosso magnetismo
      moderno, com um nome diferente e qualidade bem superior ao de Mesmer. Mas 
      não vi vestígio algum de sonambulismo. De
      acordo com essas conjecturas, nosso magnetismo teria sido conhecido há 
      mais de um século. Tenho até algumas suspeitas
      de que Jane Leade encontrou um meio de hipnotizar a si própria e 
      que com isso gozou de manifestações astrais, das quais
      nosso general fazia bem pouco. Em alguma parte de suas cartas ele diz "que 
      as obras de Jane Leade só podem convir às
      mulheres que seguem o mesmo caminho". Nada disso impede que o magnetismo 
      superior, aquele que emana da simples
      vontade, possa liga-se a coisas muito grandes. O que me faz crer que o sonambulismo 
      tem alguma ligação com as
      manifestações astrais é o seguinte fato: Há 
      alguns anos que Monsieur Langhaus, um médico que conheço, 
      ensinou-me que
      havia empregado o magnetismo para tratar uma senhorita minha conhecida, 
      de uns quarenta anos, que, havia já bem longo
      tempo, era atormentada por um tumor e que se tornara sonâmbula durante 
      o tratamento. Como vi logo que nesse caso não
      poderia tratar-se de charlatanismo por parte da enferma, manifestei-lhe 
      meu desejo de vê-la nesse estado. Ele prometeu
      satisfazer-me e, como a magnetizava em horário regulares, indicou-me 
      o momento em que poderia vê-la na casa dele. Ela
      tinha essa singularidade: cada vez que caía no sono magnético, 
      acreditava ver-se ao pé de uma montanha e somente o
      trabalho do magnetizador é que podia ajudá-la a galgar a montanha. 
      E depois de ter atingido o cume, gozava da
      manifestação de uma virtude à qual fazia perguntas 
      relativas às enfermidades de alguma pessoa. Recebia respostas. Mas
      quando fazia perguntas por pura curiosidade, sem ter como objetivo o tratamento 
      do enfermo, não recebia resposta alguma.
      Não faltei ao encontro. A enferma chegou pouco depois de mim, acompanhada 
      de uma senhora francesa, Mme de Créqui,
      que também tinha uma enfermidade crônica e que era magnetizada. 
      Como ainda havia algumas pessoas da família do
      médico no mesmo apartamento, que era bem espaçoso, e o dia 
      já começava a declinar, vi que a pessoa em crise não
      prestava atenção a mim e que, conseqüentemente, não 
      me reconhecia. O médico começou a magnetizá-la e, alguns 
      minutos
      depois, ela caiu, como de costume, um profundo sono. Quando já estava 
      adormecida, aproximei-me deles e pedi ao médico
      que me pusesse em comunicação com ela, o que ele fez. Tomei 
      seu lugar e comecei a magnetizá-la. Vi logo que meu fluido
      lhe causava mal, aparentemente porque era mais forte do que o de seu magnetizador 
      costumeiro, que era mais velho do que
      eu. Entretanto, ela pouco a pouco foi se tranqüilizando. Perguntei-lhe 
      como estava e onde se encontrava. Respondeu-me
      que estava um pouco melhor e que estava ao pé de uma montanha que 
      procurava escalar, mas onde encontrava muitos
      obstáculos. Continuei a magnetizá-la e, ao fim de um certo 
      tempo, ela me disse que esperava atingir o cume e, por fim,
      chegou a ele. E, primeiramente, viu ao lado a sua virtude, que me descreveu 
      muito bem. Roguei-lhe que lhe perguntasse o
      que era necessário fazer para aliviar uma pessoa que me interessava 
      e que me viera à idéia naquele momento. A resposta
      foi que era preciso empregar a decocção de uma raiz e de uma 
      erva, cujo nome esqueci atualmente, mas que encontrarei
      novamente em M
, caso isso vos interesse. Como ela me disse o termo 
      técnico, vi logo que a resposta estava além de seu
      alcance. Voltando à casa, folheei um velho autor de botânica 
      e de medicina de grande reputação entre nós. É 
      Zwinger, e
      encontrei minha erva perfeitamente bem descrita, com as propriedades indicadas 
      pela sonâmbula. Mandei usar o remédio
      que a aliviou, mas não a curou. Eis, pois, uma sonâmbula que 
      gozava de uma manifestação com o auxílio de seu
      magnetizador. Talvez Jane Leade tenha caído por si mesma em estado 
      semelhante. Mas, é sobretudo tratando as grandes e
      sublimes verdades de nossa regeneração que Gichtel é 
      forte e luminoso. Ele se apóia principalmente no princípio 
      de que
      todas as obras devem sofrer a prova do fogo, no presente ou no futuro, e 
      que vale infinitamente mais que essa prova seja
      feita neste mundo do que no outro. Ele chama de oitava forma ao fogo de 
      prova deste mundo. Vede nisso a figura de nosso
      amigo B. em sua Tríplice Vida. Ele revela em termos claros que oitava 
      forma é a nossa alma naturalmente ígnea: "Unsere
      eigne naturliche feuer Seele", e que é por ela que a luz emana 
      e se manifesta. Apóia-se principalmente sobre a necessidade
      de que nosso espírito se revista, durante esta vida, de um corpo 
      espiritual novo, o único capaz de resistir inteiramente à
      prova do fogo, pela qual somos obrigados a passar depois de havermos deixado 
      nosso invólucro terrestre. Sem esse
      revestimento da humanidade santa e do corpo glorioso. Nossa alma permanece 
      completamente nua e desprovida da defesa
      mais essencial. É uma carta bem longa, essa que acabo de vos escrever, 
      com diversas interrupções. Informai-me, por favor,
      se ela vos foi remetida como espero, isto é: com o lacre intato. 
      Adeus, meu digno e respeitável amigo. Abraço-vos de todo o
      coração e recomendo-me encarecidamente que continueis com 
      vossas preces fraternas por mim. P.S. Aproveito ainda o
      espaço que resta nesta carta para informar-vos de que, por acaso, 
      acabo de encontrar nas obras de nosso amigo B. uma
      teoria da vegetação. E o que é que não se encontra 
      nela? Outrora ocupei-me muito com a cultura e sua teoria. Encontrareis
      uma amostra disso no diário do abade Rozier, do ano de 1774. São 
      experiências que fiz com gesso167, a pedido de nossa S
      ociedade Econômica. Mas, apesar de todos os meus esforços, 
      jamais cheguei a formar uma idéia tolerável da vegetação. 
      No
      momento, vejo que nossa alma explica esse mistério perfeitamente 
      bem. Mais do que isso, a solução dada por ele estendese
      ainda por analogia à vegetação interior. A esse respeito, 
      vede seu tratado intitulado Clavis168, nºs 110 e seguintes. Neste
      momento, acabo de receber notícias interessantes de um amigo que 
      tenho na corte de Munique, do qual me lembro que já
      vos falei. Mas esse assunto exige uma carta à parte. KIRCHBERGER 
      DE LIEBISTORF
      166 Espírito do mundo.
      75
      Carta 66 Paris, 29 de ventoso (19 de março)
      Uma vez que sois capaz de atender a tantas coisa, meu mui caro irmão 
      em Deus, alongar-me-ei um pouco mais nesta carta
      do que na anterior. Começarei dizendo-vos que a vossa última 
      carta chegou-me perfeitamente intata, o que não impede que
      nossos progressos pareçam bem lentos em direção à 
      Freyheit169 e às coisas necessárias à vida. Mas a Providência 
      acima
      de tudo. Estou a par do fato de que o nosso amigo D
 vos informa com 
      respeito à doutrina de Swedenborg. Fui testemunha
      disso no mesmo lugar, exceto no que se refere ao culto, que não vi; 
      e julguei que esse caminho não os levaria muito longe.
      Entretanto, então eu só conhecia a minha primeira escola. 
      Desde que conheço B., com toda certeza não mudei de opinião.
      Esse Law de quem falais sempre me passou pelo espírito como sendo 
      o tradutor de B., mas vejo que ele á apenas o autor
      das gravuras. Lancei uma pedra na testa de um dos Golias170 de nossa escola 
      normal, em plena reunião e os que riram não
      foram a seu favor, por mais professor que 167 À revisão: gipsita? 
      168 A Chave. Kirchberger dá o título em francês, seguido
      do original: la Clef (Clavis). 169 Liberdade. 170 História de Davi 
      e Golias (I Samuel, cap. 17). fosse. Foi um dever que cumpri
      para defender o reino da verdade, não espero outra recompensa que 
      a de minha consciência. Mas vejo que as nossas
      escolas normais não se sustentarão tanto quanto eu esperava. 
      É preciso que todos os caminhos humanos sejam visitados e
      depois destruídos. Instais para que eu me confronte com Joachim Greulich, 
      um homem do qual dizeis que já vos falei e que
      fora ministro de um antigo rei, não tenho a menor lembrança 
      desse homem e assim não posso fazer a confrontação. 
      Quanto
      aos nossos amigos de Estrasburgo, uso com eles da precaução 
      que me recomendais; é justificada. A tintura da qual Gichtel
      fala parece-me um corolário do que B. diz na Tríplice Vida, 
      cap. 4, nº 18. Só existe uma lei. Quando a conhecemos pela raiz,
      podemos acompanhá-la em todos os ramos, levando em conta as reduções 
      que ela deve sofrer em seu curso. É isso o que
      faz o encanto das ciências espirituais e divinas, pois, com o fio 
      que nos apresentam é impossível extraviar-se, por mais
      complicados que sejam os meandros do labirinto. Com toda certeza a tintura 
      de que Gichtel fala está acima do grande
      problema físico, mas está acima do grande teorema divino, 
      uma vez que age no tempo. Agradeço-vos pelos novos detalhes
      que me destes sobre a história póstuma de nosso general e 
      sobre seu amigo Ueberfeld, que teve a felicidade de ser seu
      executor testamentário. Felicito-vos por terdes condições 
      de ler as maravilhas por eles deixadas, mas aprendo todos os dias
      a ler as maravilhas que tenho em comum com todos os homens. E já 
      fui suficientemente advertido pelos socorros recebidos,
      para ser bem culpado se não me lançasse na carreira. Acompanhai-me, 
      meu caro irmão, com vossas preces, pois não posso
      sê-lo por vossa presença e vosso exemplo. Não rogueis 
      para que Deus me conceda novas graças; rogai-lhe somente que me
      conceda a de bem utilizar tudo o que ele fez para mim até hoje. Fiquei 
      encantado com o que Gichtel diz, que todas as obras
      devem passar pela prova do fogo, quer no presente, quer no futuro. Com isso 
      ele me dá a fórmula das provas pelas quais
      passei algumas vezes e que, desde algum tempo, parecem crescer. Aprendi 
      a fazer uma grande diferença entre os fogos
      empregados nessa operação. Quando sofremos por causa de nossas 
      próprias obras, falsas e infectadas, o fogo é corrosivo e
      ardente, e no entanto deve sê-lo menos do que o que serve de fonte 
      a essas obras falsas; foi o que eu disse, mais por
      sentimento do que por luz (em O Homem de Desejo), que a penitência 
      é mais doce do que o pecado. Quando sofremos no
      lugar dos outros homens, o fogo é ainda mais próximo do óleo 
      e da luz; assim, embora nos dilacere a alma e nos inunde de
      pranto, não passamos por provas sem delas retirar deliciosos consolos 
      e as mais nutritivas substâncias. Ouso confessar-vos,
      caro irmão em Deus e meu respeitável amigo na verdade, que 
      é essa a espécie de serviço no qual, depois de muitas
      experiências, tenho a esperança de ser empregado no exército. 
      Posso dizer-vos que nesse gênero os padres me movem
      campanhas bem rudes; mas cheguei ao fim; assim, não posso mais queixar-me 
      disso. As ciências, os prodígios da
      inteligência que nos são prodigalizados em nossas leituras 
      comuns, e mesmo em meus favores pessoais, não os comparo à
      essa via e peço a Deus que me faça desse ponto um centro de 
      onde emanem e para onde retornem todos os raios de minha
      vida espiritual. Eu lhe diria: "Vejo todos os guerreiros ambicionando 
      a honra de que seus braços e pernas seja quebrados por
      seus mestres humanos, ou seja, de participarem na glória e na recompensa 
      fantástica que eles podem dar; por que não
      ambicionaria eu a honra de servir em vosso exército e dedicar todos 
      os membros de minha alma ao resultado dos combates
      para participar na vida encontrada junto a vós, que sois o primeiro 
      e o príncipe dos guerreiros do espírito?" E essa doce 
      idéia
      faz-me passar uma noite bem boa. Em suma, não conheço estado 
      mais belo do que o de estar ocupado, como os Padres da
      Mercê, na libertação dos cativos. Mas, voltando aos 
      fogos de que falávamos, creio, de acordo com o que acabo de vos
      esboçar, porque as tinturas ajudam a construir e os fogos devem demolir. 
      Presumis bem que só falo de tinturas verdadeiras,
      pois as falsas seguem a mesma ordem dos fogos, e o último termo dessa 
      progressão, no sentido descendente, é que a
      tintura e o fogo estão totalmente separados, o que é o estado 
      do demônio, ao passo que, na ordem pura e suprema, eles se
      acham sempre em harmonia e na mais íntima união, o que nos 
      é representado pelo nosso caríssimo B. de maneira tão
      maravilhosa em vários pontos de seus escritos, pela aliança 
      imortal que existe entre o fogo e a luz. Também uma das
      magníficas leis que o espírito humano pode contemplar é 
      a que ele expõe sobre a vegetação, no 110, De Clavi, 
      que me
      recomendais. Eis os sinais evidentes de sua divina inteligência e 
      gloriosa eleição. Tais passagens bastam para levar um
      homem ano somente ao fim do mundo, mas também ao fim de todos os 
      mundos. Amém. Não tenho as cartas do Abade
      Rozier para pôr-me a par do que pensáveis outrora sobre esse 
      assunto da vegetação; mas eu vos direi, a respeito disso, 
      que
      o abade Rozier pereceu no último cerco de Lyon. Uma noite ele se 
      oferece a Deus em sacrifício, resignando-se a
      permanecer na terra se for preciso, porém pedindo para ser retirado 
      dela se não pudesse ser útil a nada, e depois se deita. À
      noite, enquanto dorme, cai uma bomba em seu leito e o corta no meio do corpo. 
      Quanto a todos os detalhes magnéticos e
      sonambúlicos que me enviastes, digo-vos pouco, porque esses objetos 
      foram tão comuns e multiplicaram-se tanto entre nós
      que duvido de que em qualquer lugar do mundo tenham mais singularidade e 
      variedade. E como o astral desempenha um
      grande papel nisso, eu não ficaria admirado que tivesse jorrado alguma 
      fagulha desse astral em nossa revolução, o que
      76
      influiu na complicação e na rapidez de seus movimentos. Informais-me, 
      caro irmão, que acabais de receber notícias
      interessantes de uma amigo que tendes na corte de Munique, do qual realmente 
      me falastes antes, e que isso será assunto
      para uma outra carta. Recebê-la-ei com prazer, como tudo o me vem 
      de vós. Enquanto aguardo, felicito-vos por irdes
      descansar no campo durante o bom tempo. Não sei se terei a mesma 
      permissão. Tudo dependerá do andamento de nossa
      escolas, que considero uma perda de tempo para aqueles que para elas foram 
      convocados e perda de dinheiro para o
      Estado. Mas passo por cima de tudo isso com a idéia que tenho de 
      que tudo está ligado à demolição de Babel. O 
      que me
      custa mais um pouco a sacrificar é a felicidade que teria em partilhar 
      de vosso lazer e de vossos estudos na tranqüilidade de
      vossos campos. Devo ainda concordar em que nosso bom mestre me ajuda a fazer 
      esse sacrifício ensinando-me que pode
      acudir a todos os socorros dos homens e das circunstâncias. Adeus, 
      senhor e caro amigo. Ora pro nobis. Quando derdes
      com paisagens tão belas como essa sobre a vegetação, 
      tenha a bondade de recomendá-las. SAINT-MARTIN
      Carta 67 B
, 12 de abril de 1795
      Demorei tanto tempo, meu mui respeitável irmão, a responder 
      à vossa interessante carta de 29 de ventoso porque minhas
      ocupações ordinárias foram ainda aumentadas com a renovação 
      do nosso governo, feita de dez em dez anos, que todos os
      membros são substituídos em massa Nosso amigo B. conhecia 
      muito bem os escritos do ministro do qual vos faço menção
      em minha última carta. Vede seu Erster Register, em que ele é 
      citado e nomeado ao pé da 8! página e dizei-me se a
      passagem das Memórias, das quais vos falei em minha última 
      carta, não se refere à manifestação de Joachim 
      Greulich. A
      pedra lançada à testa de Golias deu-me grande prazer: ação 
      alguma desse tipo cai por terra. Algumas vezes tornam-se
      sementeiras no coração dos que a testemunham e sempre são 
      agradáveis àquele que as ditou. Muito obrigado pelos
      detalhes sobre as tinturas e os diversos fogos; tratarei de tirar proveito 
      disso. A dissertação que compus a pedido de nossa
      Sociedade Econômica e que se encontra no diário do abade Rozier, 
      contém, além disso, experiências seguras e com a
      indicação daquelas com as quais podeis ser útil a qualquer 
      um dos vossos conhecidos que goste de cultivar terras. Temos
      certeza, por esse meio, principalmente misturando as partes líquidas 
      e animais com a gipsita171, de triplicar pelo menos o
      rendimento dos prados artificiais. Desde então vi ainda efeitos em 
      escala notável. Passemos ao nosso amigo de Munique.
      Ele é um fenômeno digno de nota na época atual. É 
      um homem da corte: a uma alma muito bela, une conhecimentos raros
      que, por sua extensão, surpreenderam-me. Maneja a língua materna 
      com superioridade admirável. Porém, mais do que tudo
      isso, vai pelo caminho estreito da vida interior. Tudo o que fez e sofreu 
      pela boa causa ligou-me a ele. Julgareis em que grau
      se encontra pela carta que ele acaba de me escrever e que vos copio literalmente, 
      sem a tradução. Se houver passagens
      que vos embaracem, informai-me. Terei uma satisfação muito 
      grande se a Providência me escolher para uni-lo a vós. Ele 
      o
      merece. Disse-lhe que gozava do privilégio de vossa correspondência 
      e de vossa amizade e, numa carta anterior, ele
      informou-me que, depois de muitos trabalhos e sofrimentos, chegara por fim 
      ao termo e que estava agraciado por uma
      manifestação bem considerável. Parece-me que deve merecer 
      toda a nossa atenção. Perguntei-lhe como chegara a isso, e 
      a
      carta anexa contém a resposta. Anseio muito pela vossa opinião 
      sobre esta carta. Será o cumprimento de um voto bem caro
      ao meu coração se a providência quiser permitir que 
      nos encontremos em minha pátria. Enquanto aguardo, não me
      esqueçais em vossas preces. P.S. A paz entre a França e a 
      Prússia foi assinada em Basiléia no dia 5 deste mês, 
      à cinco
      horas da tarde, pelo cidadão Barthélemy e o conde de Hardenberg. 
      KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      München, den 19 marz 1795
      Theuerer Freund! Das Sie mit dem Verfasser des Tableau Naturel, in Verbindung 
      stehan freuet mich sehr, weil ich diesen
      mann (dessen Schrften ich gewiss einige funzig mal gelesen habe) sehr verehre, 
      und ihn als einen wahrem Weisen betrachte,
      als einen Agenten der cause active et intelligente. Zu der Manifestation, 
      von deren ich Ihnen achrieb, bin ech bloss durch die
      Libe dieser cause active et intelligente gelanget, denn sie alleine besitzet 
      den Schlüssel aller Geheimnisse. Seit einigen
      Monaten erhiet such verschiedennBelehringen von Oben; - und set dem 15 März 
      werden diese t:aglich merkwürdiger; ich
      habe in unserer Sprache keine Worte su erklären wie das geschicht, 
      denn die Geheimnisse der pneumatischen Welt können,
      durch den Verstand, ohne Anschauung, nicht begrieffen werden. - Der Mensch 
      denkt nur durch Vergleichung der Ideen, - und
      in dieser Welt giebt es neue Ideen und Sprachen; - neue Gegenstände; 
      neue Arbeiten: - doch da Alles in der reinsten
      Vernunft gegründet ist, - kann man enen durch Thatsachen überzeugen 
      - denn hier ist aller voll Keraft und Wahrheit. Alles
      was icn kan ist dass ich Ihnen die Belerung mittheile, die ich erhielt. 
      Bisher, ward mir die geistige Communication mit oben mit
      getheilet; ich fühle eine höhere Gegenwat; mir ist es erlaubt 
      zu fragen; und ich erhalte Antworten und Anschauungen. - Der
      Atuffengang wie ich hiezu durch die Gnade des Herren gelanget, war fur mich 
      folgender:
      171 À revisão: ver nota anterior.
      Ich lernte 1e Die Einheit kennen. 2e Die drey Kraft dieser Einheit. 3e Das 
      ausgesprochene Wort. 4e Den Namen Gottes mir 4
      Buchstaben. 5e Die Dery Kraft in der Vier-Kraft,-oder 3 m 4 6e Die cause 
      active et intelligente. 7e Den heiligen Namen dieser
      Cause. 8e Die Art wie man diesen Namen ansprechen müsse. 9e Die 2 Tafeln 
      des Gesetz. 10e Die Völle des Gesetzes
      Und so giens immer weiter und weiter. Mit Ihnen, theuerer Freund, der Sie 
      über dise Sachen gedacht haben,- der sie auf dem
      Weg des Herrn wandeln, kann und darf ich über Gegenstände so reden; 
      die Welt wurde mich als einen Schwärmer verlachen.
      - O Freund! Gott ist so nahe bey uns, und wir suchen Ihn ausser, da er doch 
      nur in uns ist und sey will. - In unseren Herzen
      77
      allein komt Er in sen Eigenthum, und wenn wir Ihn aufnehmen, so giebt er 
      uns Gewalt gottes Kinder su werden. Einige
      Aufschlüsse die Ihnen gewiss interessant seyn werden, will ich Ihnen 
      übersenden, aber enevor bitte ich Sie in Erfahrung
      gebracht haben. Eine Aufrichtigkeit erfordet die Andere. Wir nähern 
      uns einer merkwürdigen Zeit: Und wenn Sie gaz ohne
      Ruechaltung für mich sind, so werde ganz eines fur sie seyn.
      [Caro Amigo: Munique, 19 de março de 1795
      Rejubilo-me de todo o coração por estardes em contato com 
      o autor do Quadro Natural porque tenho profundo respeito por
      esse homem (cujos escritos certamente já li umas cinqüenta vezes) 
      como um homem verdadeiramente sábio, como um
      agente da Cause active et intelligente. É somente através 
      do amor por essa Cause active que atingi àquela verdadeira
      manifestação sobre a qual lhe escrevi, pois somente Ele possui 
      a chave de todos os segredos. Durante vários meses tenho
      recebido diversas instruções do Alto e, desde 13 de março 
      elas vêm-se tornando mais notáveis a cada dia que passa. Não
      tenho palavras em nossa língua para explicar o que acontece, pois 
      os segredos do mundo dos espíritos não podem ser
      concebido pelo entendimento, a não ser que também sejam vistos. 
      Normalmente o homem pensa por comparação de idéias,
      mas no mundo dos espíritos há novas idéias e novas 
      línguas, novos objetos, novos trabalhos, mas, porquanto tudo se funda
      na mais pura razão, podemos convencer os outros através de 
      fatos, pois aqui tudo está cheio de poder e verdade. Tudo o
      que posso fazer é partilhar convosco as instruções 
      que eu mesmo recebi. Bisher, ward mir die geistige Communication mit
      oben mitgetheilet; Até agora, a Comunicação espiritual 
      com 
 Sinto um presença mais elevada. Tenho permissão 
      de fazer
      perguntas e recebo respostas e visões. O que se segue são 
      as etapas segundo as quais, pela graça de Deus, tenho
      avançado:
      Aprendi a conhecer:
      1. A Unidade.
      2. Os três poderes que nela existem.
      3. O mundo franco.
      4. O Nome de Deus com quatro letras.
      5. O poder tríplice no poder quadríplice, ou 3 + 4 = 7
      6. A Causa ativa e inteligente.
      7. O Nome santa desta Causa.
      8. Como pronunciar esse nome.
      9. As duas tábuas da Lei.
      10. A Lei completa.
      E assim prossigo cada vez mais. Convosco, meu amigo, que tendes pensado 
      nestas coisas e estais trilhando os caminhos do
      Senhor, posso falar desses assuntos, porém o mundo se riria deles. 
      - Ó meu amigo! Deus está tão próximo a nós 
      e nós O
      procuramos fora de nós quando Ele está e estará em 
      nós, é somente em nossos corações que os tornamos 
      propriedade sua
      e, quando O recebemos, Ele nos dá o poder de nos tornarmos seus filhos. 
      Eu poderia enviar algumas explicações que sei
      que seriam interessantes para vós, mas antes de fazê-lo, permiti-me 
      saber o quanto já experimentastes. Um ato de
      sinceridade exige outro. Estamos aproximando-nos de um período admirável 
      e, se fordes bastante aberto para coigo, sê-lo-ei
      para convosco.] VON ECKARTSHAUSSEN
      A prece que se segue, anexada à carta de Eckartshausen, foi por ele 
      mesmo composta:
      Ewiges Licht! Das in den Finsternissen leuchtet, und das die Finsternisse 
      nicht begriffen haben! Das in sein Eigenthum kam,
      und von den Seinigen nicht aufgenommen ward! Kir, heiliges Licht! öffne 
      ich mein Herz zumTempel. Reinige es, und mach es
      dir zu einer heoligen Stätte des Wohlgefallen. - Mein eigener Wille 
      sey von heut an abgedankt, nur dein Wille ey mir heilig. -
      Dieser geschehe aur Erden wie im Himmel. Licht der Geister! Sey du meine 
      Leuchte. - Durch dich, heiliges Wort! soll sich die
      Gottheit in mich ausprechen. Nehme mich in dich wieder auf, der ich von 
      getrennet war - Beseele durch deinen Geist den
      todten Buchstaben der in mir liegt; und nach deinem Verheissen gieb mir 
      Gewalt Gottes-Kind su werden, das aus DIR
      GEBOHREN IST; lass dein WORT IN MIR FLEISCHE WERDEN, und in mir wohnen: 
      damit ich Seine Herrlichkeit sehe, eine
      Herrlichkeit des Eingeborhnen Sohns voll der Gnad und Wahreit! Amen.
      [Luz Eterna, que brilhas nas trevas, mas que não pelas as trevas 
      encerrada! Quem foi que não veio por sua própria conta e
      não foi recebido 
! A Ti, o mais Santa das Luzes, abro meu coração 
      para ser um templo! Purifica o meu coração e faze dele
      um templo para Ti mesma e que dest dia em diante seja negado o meu próprio 
      eu, e que possas passar a ser a minha regra
      santa, seja feita a Tua vontade assim na terra como no céu, Luz de 
      espíritos, sê minha lâmpada, através de Ti, Santo 
      Verbo,
      possa a Deidade falar em mim. Leva novamente para Ti a mim que tenho vivido 
      separado de Ti. Pelo teu Espírito, apressa a
      letra morta em mim e, de acordo com a Tua promessa, dá-me o poder 
      de tornar-me filho de Deus, que PARA TI NASCEU.
      Que tua PALAVRA SE TRANSFORME EM CARNE EM MIM, e que habite em mim, que 
      eu possa ver a Tua glória como a o
      Filho unigênito, cheio e graça e de verdade. Amém.]
      Carta 68 Paris, 9 de floreal
      78
      Não encontro como vós, meu caro irmão, qualquer relação 
      entre a passagem o ministro Daniel172 e Joachim Greulich, a não
      ser na morte de dois personagens do qual falam, pois o assunto, o núcleo, 
      o desfecho e as seqüências dessas duas
      tragédias são inteiramente diferentes, sem contar a diferença 
      dos papéis secundários. Mais isso seria longo demais para 
      se
      tratar por escrito. Nossas escolas normais estão agonizando: vão 
      enterrá-las no dia 30 deste mês. Provavelmente voltarei
      para minha casa, a menos que eu me aloje nas cercanias de Paris, o que sempre 
      foi a minha vontade. Mas, na agitação em
      que estamos, pode alguém ainda formar algum projeto? Tendes tempo 
      de escrever-me antes de minha partida, contanto que
      vos apresseis. E sobretudo, informai-me novamente para onde posso endereçar 
      o pequeno escrito que vos prometi e que
      será impresso quando vossa resposta chegar. Não tenho comigo 
      o endereço de Basiléia que me havíeis enviado e não 
      sei
      se ele continua o mesmo. Quando eu puder dispor de mais tempo, procurarei 
      as memórias do abade Rozier, onde se fala
      das vossas experiências. Destes-me um verdadeiro prazer com o retrato 
      e a carta que me enviastes a Munique. Entendi-a
      razoavelmente e ela deu-me a melhor impressão de seu autor. Praza 
      aos céus que eu possa aproximar-me de vós e dele em
      vosso bom país a fim de aí podermos caminhar juntos numa estrada 
      tão suave e fecunda como esta que seguimos! Mais
      refreio sempre os meus desejos, como sabeis, tal é o medo que tenho 
      de colocá-los no lugar da vontade da Providência.
      Além do mais, nossas finanças, no estado em que estão, 
      são desfavoráveis aos pequenos proprietários como eu 
      e, na
      verdade, talvez fosse preciso vender todos os meus bens para poder viver 
      um ano ou dois nos países estrangeiros. Se a
      Providência me destina esse consolo, ela saberá aplainar bem 
      os caminhos. Um de vossos compatriotas, que conhece muito
      a vossa família e também o vosso amigo de Munique, foi-me 
      apresentado nesses últimos dias por um conhecido comum.
      Falou-me bem do autor da carta de Munique, embora não esteja em condições 
      de vê-lo no grau em que ele se encontra hoje,
      pois viu-o outrora em posições bem inferiores. Só conversei 
      com ele resumidamente e não lhe mostrei a carta nem lhe dei a
      conhecer onde está a pessoa que a escreveu, pois não gosto 
      de indiscrições. Esse compatriota viveu na sociedade e ficou
      um pouco impregnado de suas futilidades, mas não o achei estragado, 
      tanto quanto se pode sê-lo pela sociedade, quando
      alguém se deixa gangrenar pelos sistemas filosóficos e destruidores 
      que nele reinam. Ele quer o bem, busca-o, leu e lê com
      freqüência as minhas obras, mas tratei-o como a vós, remetendo-o 
      logo de início ao nosso caríssimo B., cujo nome ele
      sequer conhece e que, creio, é um pouco forte para ele. Mas é 
      Deus quem semeia, que irriga e que faz crescer onde lhe
      apraz e como apraz. Ele pôs-se a procurar as obras de nosso amigo 
      e, como foi em vão, pedevos, por meu intermédio, o
      favor de procurá-las para ele e consegui-las, se puderdes. Certamente 
      esperais que eu dê seu nome: é o barão de
      Krambourg. Perdeu a mulher, a quem era ternamente unido. Permanece na França 
      pela razão dos assignats, pois no
      momento da revolução ele transferiu toda a sua fortuna do 
      banco da Inglaterra para o da França e, apesar da carestia de
      tudo aqui, vive melhor ainda do que viveria em vossa terra, tendo em vista 
      os terríveis sacrifícios que precisaria fazer para
      conseguir numerário. Ele conhece perfeitamente o vosso nome, mas, 
      como sois vários, encarregou-me de perguntar-vos se,
      independentemente do sobrenome Liebistorf, tendes o de Gothzhal, se não 
      desposastes uma senhorita de Diesbach e se a
      terra de Morat, que possuís, não vos vem dessa aliança. 
      Desincumbo-me de minha missão. Quanto ao mais, ele tem por vós
      toda a estima que lhe inspirei ao traçar-lhe o vosso retrato. Adeus, 
      meu caro irmão, recomendo-me às vossas preces e
      abraço-vos de todo o coração. SAINT-MARTIN
      172 Refere-se ao profeta, na corte de Nabucodonozor, e citado antes de maneira 
      velada. V. o livro de Daniel.
      Carta 69 M., 11 de maio de 1795
      Foi ontem, meu caro irmão, que recebi vossa carta de 9 de floreal. 
      Encontrei-a, passando por Berna, no regresso de uma
      viagem a serviço da república. O endereço para a obra 
      que tendes a gentileza de me enviar é o mesmo, pelo coche que vai
      de Berna a Morat, aos cuidados do coronel Oser, pela diligência de 
      Basiléia. Nunca tereis uma opinião boa demais do meu
      amigo de Munique. Quanto ao desejos sobre os objetos que nos interessam, 
      é aí que eles se encontram do modo melhor..
      Então vos encontrastes como senhor Krambourg? Desejo do fundo da 
      alma que seu retorno ao bem seja sincero, e
      sobretudo permanente, e que suas resoluções não se 
      assemelhem ao caprichos de um homem desiludido que, depois de se
      haver saciado do vinho que o mundo lhe ofereceu, quer ainda beber os licores 
      fortes do maravilhoso. Ele jamais esteve em
      condições de apreciar o meu amigo de Munique, apesar de sua 
      permanência nessa terra, e fico-vos muito grato pela
      discrição que fizestes com relação à 
      carta. Tudo o que ele me conta, confiou a um amigo e o que vos escrevi sobre 
      isso, foi
      escrito para vós, inteiramente para vós e nada mais do que 
      para vós. Monsieur de Krambourg teve, e não sei se ainda as
      tem, relações fortes com pessoas que são exatamente 
      antípodas nossos. Essas pessoas sabem que eu as sigo por toda
      parte e que, se a ocasião o exigir, não recearei confessar 
      que sou o discípulo de nosso mestre. Monsieur de Krambourg
      poderia facilmente, e até mesmo sem outras intenções 
      que não as de espalhar uma notícia, contar-lhes tudo o que 
      descobriu
      sobre a nossa ligação: podeis imaginar que prato excelente 
      seria para esses senhores. Seriam bases bem boas para se
      erguer um edifício de calúnia, de entusiasmo, de fanatismo 
      e de ridículo, etc., etc., e sabeis o que é a maioria dos 
      homens,
      etc., etc. Embora eu saiba apreciar esses senhores, a prudência ordena 
      entretanto, que nós mesmos não estorvemos nossas
      próprias operações com desconfianças precipitadas, 
      sobretudo quando se tem uma vocação de trabalhar para o público. 
      Nos
      tempos atuais não poderíamos todo cuidado seria pouco para 
      aprender a conhecer e escolher aqueles que nos cercam antes
      de entrar em detalhes que possam comprometer nossos amigos por causa do 
      abuso que os curiosos geralmente fazem do
      depósito a eles confiado. Quero supor, por um momento, que Monsieur 
      de Krambourg esteja bem intencionado: quem pode
      garantir-nos que ele sempre o será? É preciso pelo menos fazer 
      com que ele passe por um noviciado antes de confiar-lhe os
      79
      nomes de vossos amigos. Embora Monsieur de Krambourg, neste momento, não 
      seja meu compatriota, porque, por uma
      inabilidade enorme, ele perdeu todos os direitos em sua pátria, para 
      onde não voltará antes de obter graça, que no momento
      não lhe aconselho pedir, isso não atrasaria, de modo algum, 
      o meu empenho em conseguir-lhe as obras de nosso amigo, se
      eu tivesse a certeza de fazer-lhe assim algum bem. Mas, além de sua 
      raridade, visto que as pessoas que as possuem não as
      cedem por temerem dissabores, pois o inimigo tão bem tomou as suas 
      providências que, na Alemanha e na Suíça toda
      pessoa que apenas deixa entrever que conhece as obras de nosso amigo é 
      logo inundada por um dilúvio de calúnias. Há
      ainda uma outra razão que torna o pedido de Monsieur de Krambourg 
      completamente inútil para ele: é que ele estaria a mil
      léguas de distância para poder compreendê-las; não 
      compreenderia nem mesmo uma obra séria comum escrita em alemão,
      de um estilo um pouco concentrado e reflexivo. Se suas intenções 
      são verdadeiras, é preciso que ele leia o Novo Testamento
      e O Homem de Desejo: terá bastante com que se ocupar se quiser pôr 
      em prática o conteúdo desses dois livros. Lembrai-vos
      algumas vezes de nosso amigo, do general Gichtel e de seus trinta discípulos. 
      O doutor Raadt, quanto à sua versatilidade,
      bem que poderia assemelhar-se um pouco a Monsieur de Krambourg. Se quiser 
      tratar nossas idéias como uma diversão,
      está perdido. Para saber se ele é de boa fé examinei 
      se realmente deseja apenas sua conversão, toda a sua conversão 
      e
      nada mais que a sua conversão; se tem horror de si mesmo e de seus 
      desvarios. Enquanto aguardamos, o que há de melhor
      para se fazer com relação a ele, pareceme, é jamais 
      falar-lhe da Obra e o menos possível do meu amigo e de mim. E isso
      sempre em termos bem gerais, se ele desejar tornar-se cristão, Deus 
      o queira. Mas aguardai que ele se tenha tornado cristão
      antes de abrir-vos com ele. Adeus, meu caro e respeitável Irmão, 
      não deixeis de rogar por mim, sobretudo agora, para o
      socorro e o sustento de nosso D. M.173 KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      173 Divino Mestre.
      Carta 70 Paris, 3 de prairial
      Vosso silêncio inquietava-me, meu caro irmão, e eu começava 
      a temer que minha carta se houvesse extraviado. Quanto ao
      nosso amigo de Munique, ficai tranqüilo sobre a minha ligação 
      com ele; o que dele soube por meio de vós é favorável 
      demais
      para que eu não me sinta inteiramente atraído por ele e para 
      que nossos laços não sejam indissolúveis, mesmo que 
      não nos
      víssemos jamais aqui na terra. Minha intenção, ao imprimir 
      o meu pequeno escrito, foi a de fazer passar-vos, por meio dele,
      um exemplar. Assim, recebereis dois nos endereços que me destes. 
      Não será pela diligência de Basiléia, pois a 
      encomenda
      é muito pouco volumosa para não ser aceita pelo correio de 
      cartas. Será por intermédio do embaixador da Suécia 
      aqui, o
      qual se encarregará de juntá-lo à primeira mensagem 
      que tiver de enviar a Basiléia. Se eu tivesse recebido vossa carta 
      mais
      cedo, a encomenda já teria partido, porque o embaixador estava então 
      fazendo um envio. Tenho esperança de que logo se
      lhe apresente uma outra e que não tereis muito que esperar. Quanto 
      a Monsieur de K
, vejo-o pouquíssimo, dada a
      distância de nossos alojamentos e a diferença de nossas ligações 
      sociais. Disse-vos o que pensava desses meios
      intelectuais, o que não me impediu de falar-lhe de Böhme, salvo 
      para que tirasse dele o que pudesse. Congratulo-me mais
      do que nunca por não lhe ter permitido ver nem conhecer uma idéia 
      ou uma palavra da carta em questão, que foi e será, isso
      eu vos juro, inteira e exclusivamente para mim. Mesmo assim, reprovo-me 
      sinceramente por não haver levado mais longe a
      discrição calando nomes que não teriam utilidade para 
      ele, e meu coração sofre da mágoa que eu poderia ter 
      causado ao
      vosso por causa leviandade pela qual me condeno e pela qual peço 
      com sinceridade o vosso perdão. Não obstante, para que
      minha graça seja menos difícil de ser conseguida, afianço-vos 
      que minhas conversas com Monsieur de K
 jamais versaram
      um só instante sobre o maravilhoso, que não revelei a ele 
      as minhas ligações convosco e as vossas com o amigo de
      Munique, a não ser com relação às riquezas e 
      profundidades filosóficas que o caminho simples revelaria a todos 
      os homens
      que soubessem estudar a si mesmos. Conheceis minhas opiniões sobre 
      o maravilhoso e o distanciamento que mantenho
      dele, assim mostrei-me a Monsieur de K
 da mesma forma como me mostrei 
      a vós, exceto que sua pouca instrução não me
      permitiu raciocinar tão profundamente com ele nem de fazer-lhe tantas 
      aberturas como fiz convosco. Também nada me
      parece mais cômodo nem mais natural do que seguir com ele a rota que 
      me traçastes com vossa resposta e, para dar-vos
      uma idéia precisa de tudo o que eu lhe disse, e absolutamente tudo 
      o que diria sobre vós, é que só me respondestes mui
      rapidamente por estardes ocupado com os negócios públicos 
      de vosso país e de vosso posto, que vos ocupais com zelo em
      conseguir para ele a obra em questão, mas que ele não deve 
      contar com um êxito tão pronto nem tão garantido, dada 
      a
      raridade da obra e as dificuldades daqueles que a possuem de se desfazerem 
      dela. Repito-vos caro irmão, que, além dessas
      palavras, não sairá nenhuma outra palavra de minha boca com 
      referência a vós, a vós e ao vosso amigo, e menos ainda 
      algo
      que vos comprometa. Em conseqüência, dir-lhe-ei o que me dizeis 
      do Evangelho e de O Homem de Desejo, como se fosse
      vindo de mim. Para todas as perguntas sobre vossa família e vosso 
      nome direi, como acima, que não me dissestes mais do
      que uma palavra e que nem me falastes deste assunto. A esse preço, 
      caro irmão, espero que vossa boa amizade por mim
      dissipe todas as nuvens que minha precipitação possa ter provocado 
      em vosso espírito. Esta lição me servirá para 
      o resto de
      meus dias e eu vos agradeço de todo o coração pelas 
      boas verdades que me dissestes sobre esse assunto. Parto o mais
      cedo possível para minha terra. Não é sem pesar, pois 
      lá não tenho ligação alguma em meu tipo e aqui 
      tenho muitas, embora
      de natureza bem diferente. Mas escuto tudo e vejo tudo o que se apresenta, 
      experimentando, segundo o preceito, todos os
      espíritos. Houve quem me retratasse antecipadamente, e quase ao natural, 
      o abalo que acabamos de sofrer e no qual vi
      novamente o império da ditosa e poderosa estrela que preside à 
      nossa revolução. Há outros que me retratam coisas de
      ordem superior, cuja confirmação se demonstra com tanta freqüência. 
      Todos estão animados pela fé mais viva e pela mais
      80
      inteira confiança nas virtudes do espírito do nosso divino 
      Reparador, o que torna suave e salutar o meu relacionamento com
      eles. Mas partindo, prometi aos meus amigos que voltarei quando houver terminado 
      alguns negócios meus e quando houver
      uma colheita menos fraca. Um deles até me facilitará, de acordo 
      com um arranjo entre nós, o meio de ter aqui uma existência
      menos penosa do que a que levo há cinco meses e que me desvie menos 
      de minhas tarefas. Isso eu vos contarei no devido
      tempo. Também não disse nada a ninguém sobre os assuntos 
      acima que acabo de vos confiar. Não gosto de confiar tais
      assuntos senão aos que estão acima; ora, a maioria dos homens 
      está mesmo abaixo. Adeus, meu caro irmão. Amai-me
      ainda e rogai por mim. Meus endereço, de agora em diante, é: 
      Amboise, praça da República, departamento de Indre-et-
      Loire174. É tudo isso, até a minha volta. Dissestes-me para 
      endereçar meu pacote para Basiléia, de onde vos será 
      remetida
      a Morat pelo coche. Mas não me dais instrução alguma 
      quanto às minhas cartas. Assim, endereçarei esta a Berna, 
      como de
      costume. Há em vossa carta uma expressão que não compreendo. 
      É quando me dizeis no penúltimo parágrafo: "Lembrai-vos
      algumas vezes de nosso amigo, do general Gichtel e de seus trinta discípulos. 
      O doutor Raadt, etc." É esta última palavra
      que não compreendo e cuja aplicação e explicação 
      vos peço. SAINT-MARTIN
      Carta 71 Morat, 
 de junho de 1795
      Temo, caro irmão, haver-vos causado um sentimento incômodo 
      com minha última carta. Podeis ter a certeza de que essa
      ocorrência não diminuiu meu apego para convosco. Tive ocasião 
      de ficar sabendo de um estado de coisas que torna
      verdadeiramente urgente a reserva sobre o assunto de nossas idéias. 
      A incredulidade formou atualmente um clube muito
      bem organizado: é uma grande árvore que lança sombra 
      numa parte considerável da Alemanha, produz frutos bem maus e
      estende suas raízes até a Suíça. Os adversários 
      da religião cristã tem suas afiliações, observadores 
      e correspondência bem
      estabelecidos. Têm, para cada departamento, um provincial que comanda 
      os agentes subalternos; controlam os principais
      jornais alemães, que são a leitura predileta do clero que 
      não gosta de estudar. Nesses jornais, preconizam escritos que
      corroboram suas idéias e maltratam todas as outras. Se um escritor 
      quiser erguer-se contra esse despotismo, tem dificuldade
      em achar um editor que queira encarregar-se de seu manuscrito. Eis os meios 
      para a parte literária. Mais eles ainda têm
      muitos outros para afirmar seu poder e rebaixar os que sustentam a boa causa. 
      Quando há uma vaga qualquer no ensino
      público, ou quando há um nobre que esteja precisando de um 
      preceptor para os filhos, eles têm três ou quatro pessoas já
      prontas, que mandam apresentar-se ao mesmo tempo por vias diferentes, mediante 
      o quê, estão quase sempre certos de ter
      êxito. É assim que está composta a Universidade de Göttingen, 
      a mais célebre e mais freqüentada da Alemanha, à qual
      enviamos nossos jovens para estudar. Eles também urdem intrigas para 
      colocarem seus afiliados nos gabinetes dos
      ministros, nas cortes alemãs. Têm esses afiliados até 
      mesmo nas administrações comunais e nos conselhos dos príncipes.
      Um segundo grande meio que empregam é o de Basílio
 a 
      calúnia. Esse meio tornou-se ainda o mais cômodo para eles
      porque, infelizmente, a maior parte dos pastores protestantes são 
      os seus mais zelosos agentes. E como essa classe tem mil
      maneira de se imiscuir por toda parte, podem, ao seu bel prazer, provocar 
      rumores ofensivos antes que se tenha
      conhecimento do fato e tempo de se defender. Essa coalizão monstruosa 
      custou ao seu chefe, um velho letrado de Berlim e
      ao mesmo tempo um dos mais célebres editores da Alemanha, trinta 
      e cinco anos de trabalho. Desde 1765 ele vem redigindo
      o primeiro jornal desse país. Chama-se Frédéric Nicolaï175. 
      Essa Biblioteca Germânica também apoderou-se, através 
      de
      seus agentes, do espírito da gazeta literária de Iena, que 
      é mui bem feita e se vende nos países em que a língua 
      alemã é
      conhecida. Além disso, Nicolai influi no jornal de Berlim e no Museu 
      Alemão, duas obras de grande reputação. A organização
      política e as sociedades afiliadas foram estabelecidas quando os 
      jornais já tinham espalhado suficientemente o seu veneno.
      Nada iguala a constância com a qual essas pessoas seguiram os planos 
      deles. Caminharam lentamente, mas com passo
      firme, e atualmente seus progressos são tão assustadores e 
      sua influência tão enorme que não há esforço 
      algum que possa
      resistir-lhes. Somente a Providência tem o poder de livrar-nos de 
      tal peste. A princípio, a marcha dos nicolaítas era muito
      circunspecta, tinha como associadas da sua Biblioteca Universal as melhores 
      cabeças da Alemanha, os artigos científicos
      eram admiráveis e os relatórios das obras teológicas 
      ocupavam sempre uma parte considerável de cada volume. Esses
      relatórios eram compostos com tanta sabedoria que nossos professores 
      na Suíça os recomendavam aos nossos jovens
      eclesiásticos em seus discursos públicos. Mas, pouco a pouco, 
      passaram a destilar peçonha, embora com muito cuidado. A
      peçonha foi reforçada com habilidade. Mas no fim, deixaram 
      cair a máscara e em dois de seus jornais afiliados os celerados
      ousaram comparar nosso divino Mestre ao célebre impostor tártaro 
      Dalai Lama (V. o art. de Dalai Lama, em Moreri). Tais
      horrores circulavam entre nós sem que negligência, em toda 
      a Suíça, apresentasse o menor sinal de descontentamento.
      Então, em 1790, eu tomei da pena e, num periódico político, 
      ao qual vinha anexa uma página de assuntos variados,
      despertei a indignação pública conta esses iluministas, 
      Aufklärer, ou esclarecedores, como se chamavam. Apoiei-me na
      atrocidade e na profunda estupidez dessa blasfêmia. As desordens eclesiásticas 
      referentes à religião, nos Estados do rei da
      Prússia, haviam se tornado tão grandes que o atual rei foi 
      obrigado a dissolver o consistório de Berlim e confiar a escolha 
      dos
      candidatos ao ministério a um de seus favoritos, Monsieur de Wöllner, 
      e a dois homens fidedignos, Monsieurs Hilmer e
      Woltersdorf. Em 1788 o rei havia publicado um edito pelo qual nenhum eclesiástico 
      ousaria pregar ou ensinar outra religião
      além da que era tolerada, mas esse edito foi arrastado na lama por 
      todos os jornalistas afiliados e escarnecido numa peça de
      teatro escrita para esse fim. O doutor Bahrt, um dos autores da peça, 
      foi detido e, enquanto corria seu processo, Monsieur
      Wollner, o mais maltratado na sátira, enviou-lhe dinheiro para alimentar 
      sua família. O rei contentou-se em mandá-lo encerrar
      por algum tempo em Magdeburgo. Atualmente já é falecido. Era 
      um escritor fecundo e um dos mais ferozes divulgadores da
      doutrina do nicolaítas. Como então eu tinha um pouco mais 
      de tempo do que agora, acompanhei a marcha dessas pessoas e
      81
      principalmente o seu progresso em nossa terra. Pouco mais ou menos nessa 
      época, entrei em correspondência com nosso
      amigo de Munique, cujos conhecimentos, e sobretudo o seu amor à religião, 
      deram-me a mais grata satisfação. Ele conhecia
      física muito bem e, com suas experiências novas e adaptadas 
      ao gosto do príncipe, ganhou-lhe a benevolência. Transmiti-lhe
      minhas observações sobre a grande liga que se formava contra 
      a religião cristã. Ele ficou atento e fez observações 
      por sua
      vez. Descobriu tanta coisa que pegou em armas. Compôs um relatório 
      para despertar a atenção dos governos. Aconselheilhe
      uma audiência secreta com o Eleitor. Ele a obteve, foi aprovado e 
      seu relatório passou a Viena sob a proteção da corte.
      Reatei relações com o cavaleiro de Zimmermann, em Hannover, 
      um velho leão, que era uma das melhores penas176 da
      Alemanha. Ele concordou com todas as minhas idéias e redigiu um relatório 
      que fez chegar ao Imperador por intermédio de
      um de seus amigos. Esse amigo era um professor de Viena, admitido com freqüência 
      na residência do Imperador. Leopoldo
      aprovou nossa vigilância, deu um presente muito bonito a Monsieur 
      Zimmermann e queria tomar medidas sérias em conjunto
      com a corte de Berlim quando, subitamente, morreu. E quem sabe de que maneira? 
      Os iluministas soltaram gritos de alegria
      por ocasião de sua morte e confessaram ingenuamente, nos jornais 
      afiliados, que haviam escapado por pouco. Nicolai e sua
      Biblioteca Germânica foram expulsos de Berlim, mas ele continua com 
      ela, no momento, em outra província da Alemanha.
      Desde então, as coisas vão de mal a pior. Entretanto, descobri 
      que em vários locais as pessoas honestas estavam unindo-se
      contra esses bandidos. Em Basiléia, onde o clero ainda está 
      intato, há m centro de reunião de uma sociedade espalhada 
      por
      diversos países que publica uma obra feita com cuidado para manter 
      o cristianismo. E há seis semanas recebi uma carta de
      um professor da universidade no Hesse, contando-me também que fora 
      formada uma numerosa sociedade de homens
      instruídos de todas as classes para resistir aos esforços 
      dos iluministas. Neste momento, essas pessoas fazem menos mal
      com seus escritos do que com suas afiliações, intrigas e monopólios 
      de lugares, de modo que a maior parte do nosso clero,
      na Suíça, está gangrenada até a medula dos ossos. 
      De minha parte, faço tudo o que posso para pelo menos retardar a
      marcha dessa gente. Algumas vezes consigo, mas em outras meus esforços 
      são impotentes porque eles são muito hábeis e
      seu número se chama legião. Peço-vos que, depois de 
      vosso regresso a Paris, faleis a vossos novos amigos sobre essa
      aflitiva situação de coisas, tomar sua opinião e de 
      informar-me dos resultados. Foi para mim uma satisfação bem 
      grande
      saber que encontrastes verdadeiros adoradores de nosso divino Mestre. Respeito-os 
      do fundo de minha alma. Estou
      atualmente em Morat, mas recebo todas as cartas endereçadas a B
. 
      assim, continuai como o mesmo endereço, até novas
      instruções. Adeus, meu caro e respeitável irmão. 
      Não duvideis jamais de minha amizade inalterável por vós 
      e jamais vos
      esqueçais de mim em vossas preces. Que achais dos nºs 5 e 8 
      da marcha gradual, Stuffengang, do nosso amigo de
      Munique, que se encontra na carta que vos enviou? Não achais que 
      receberam o melhor cunho possível? Quem iria buscar
      tais conhecimentos com um conselheiro eletivo da corte do eleitor paladino 
      e com o secretário de seus arquivos?
      KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      174 Amboise, place de la République, département d'Indre-et-Loire.
      175 O nome está citado em francês, embora seja alemão. 
      A tradução americana traz Frederick Nicola.
      Carta 72 30 de prairial
      Agradeço-vos, caro e respeitável irmão, pelas instruções 
      que me destes sobre a sociedade em questão. Há muito que esse
      sistema busca estender-se e por sessenta anos os nossos filósofos 
      o fizeram multiplicar na França. Estou convencido de que
      nossas escolas normais, sem se ligarem a essa sociedade, tinham o mesmo 
      alvo. Assim, já o disse e repito, vejo como efeito
      da Providência o fato de essas escolas terem sido destruídas. 
      Não tenho dúvida alguma de que a sociedade da qual me
      falais acabe por ter a mesma sorte, e não creiais que a nossa revolução 
      francesa seja uma coisa indiferente na terra.
      Considero-a como a revolução do gênero humano, tal como 
      o vereis em minha brochura, uma miniatura do juízo final, mas
      que deve oferecer todos os traços dele exceto pelo fato de que as 
      coisas só devem acontecer de maneira sucessiva, ao
      passo que no fim tudo ocorrerá instantaneamente. A França 
      foi a primeira a ser visitada, e foi-o de modo severo, porque foi
      muito culpada. Os países que não valem mais do que ela não 
      serão poupados que chegar o tempo de serem visitados. Creio
      mais do que nunca que Babel será perseguida e derrubada progressivamente 
      em todo o globo, o que não impedirá que ela
      brote novamente em novos rebentos que serão desarraigados no juízo 
      final. Na época atual, ela não será visitada até 
      o
      centro, visto que, felizmente para nós, seu centro ainda está 
      oculto, e ai daqueles que estiverem presentes quando esse
      centro espalhar sua infecção! Quanto ao procedimento a observar 
      contra essas doutrinas informais que se espalham pela
      Alemanha, creio que a que observais é o melhor, textos e conduta 
      são os únicos remédios para se opor a essa peçonha.
      Quando ela se desenvolver mais, a Providência certamente suscitará 
      meios equivalentes para fazer-lhe contrapeso. Sobre
      isso ocorre-me uma idéia que vos submeto: é que, depois que 
      tiverdes lido a minha pequena brochura, rogo que vos
      recolhais ao vosso interior e que vos consulteis para saber se poderíeis 
      crer que ela fosse capaz de concorrer em qualquer
      coisa para o bem que gostaríeis de fazer aos vossos cantões 
      germânicos. Se assim for, eu ousaria propor-vos a tradução 
      e a
      publicação em vossa língua. Será fácil 
      para vós: alguns dias de lazer bastariam. As despesas não 
      seriam consideráveis em
      vosso país. No meu essa insignificância, que em outros tempos 
      me teria custado cinco ou seis luíses177, custou-me mais de
      mil escudos178. E embora eu não conte compensar as minhas despesas, 
      visto que esses assuntos são bem fúteis para a
      leviandade de meu concidadãos; embora deva esperar mais apupos que 
      aplausos, minha consciência instou-me a lançar
      essas idéias a público. Então não hesitei e 
      me regozijo de todo o coração, estando bem certo de que aquele 
      para quem o fiz
      poderá um dia dar-me uma recompensa que valerá mais do que 
      a dos homens. Dizei-me o que pensardes da idéia que vos
      82
      transmito. Acreditarei que qualquer decisão vossa será a melhor. 
      Quanto a Monsieur de K., se foi com relação à essa
      sociedade germânica que vos causou qualquer ressentimento, creio ele 
      não tem fundamento, não lhe creio qualquer relação
      desse tipo. Creio-o muito pouco inclinado ao trabalho da pena para estar 
      à altura daquilo que semelhante correspondência
      exigiria de sua parte. Ele pertence simplesmente à classe do mundo 
      frívolo e ignorante, um pouco empedernido pelos
      sistemas dos filósofos, mas havendo, entretanto, adquirido há 
      alguns meses (não através de mim), alguma crença sobre
      alguns pontos importantes. Se eu o vir quando voltar a Paris, como ele me 
      manifestou muita vontade de que eu o
      encontrasse, agirei de modo que nutri-lo na senda da fé e de sua 
      geração. Quanto ao mais, confiai em minha palavra de que
      jamais vos comprometerei, nem ao vosso amigo e muito menos à Obra. 
      Os números 5 e 8 de vosso amigo impressionaramme
      como a vós, ainda mais porque [números
]179 concorda 
      maravilhosamente com meus números, de segundo minha
      primeira escola. O número 8 é seu desenvolvimento ativo, no 
      sentido de que ele a fez realmente reencontrar a palavra
      perdida. O espírito de Deus sopra onde quer. Não me surpreende 
      que essa luzes tenham germinado no coração de um
      príncipe; Isaías era de sangue real. Não fico mais 
      surpreso de que essas altas doutrinas tenham sido encontradas num
      sapateiro como nosso amigo B., e no profeta Amós, que era apenas 
      um pastor. Tenho certeza de que esse simples pastor foi
      um dos mais adiantados no conhecimento da palavra. Deus não faz acepção 
      de pessoas, apenas os nossos amigos são de
      seu reino. Todas as caricaturas e patuscadas com as quais nos enfeitamos 
      neste mundo são estranhas aos olhos da
      Providência, formando como que um reino à parte, como fantasmas 
      sobre os quais sua vista não se foca. Lede os números
      13 e 14 da carta 47 de B., tão cara ao general Gichtel, e vereis 
      e que consiste a vida e onde se encontra realmente a Fonte
      da Juventude, ou o conhecimento do nome de Deus e da palavra que vo-lo pode 
      transmitir. Estou passando algum tempo no
      campo em casa dos poucos parentes que me restam. Aqui restauro, com repouso 
      e alimentos sadios, a saúde física, que
      sofreu consideravelmente por causa de minha estada em Paris. Aqui restauro 
      ainda mais a saúde espiritual através da leitura
      de nosso amigo e das Sagradas Escrituras e da prece. Quanto à minha 
      escrivaninha, deixo-a descansar um pouco, tal é o
      medo que tenho de caminhar sem meu guia e a vontade de nunca separar-me 
      de minha base e de minha fonte, nem por
      pensamento, nem por palavra, nem por ações. Enfim, gostaria 
      de não ter mais vontade e sinto como ainda estou distante.
      Não deixa de ser verdade que esse é o alvo. Ajudemo-nos mutuamente 
      a nos chegar a ele o mais que pudermos; eis a
      verdadeira fraternidade. As pessoas de Paris a quem me sugeris falar de 
      vossos negócios da Alemanha quando de meu
      retorno não podem fornecer nenhum um remédio para eles a não 
      ser com suas preces. São pessoas simples e iletradas e
      até mesmo os favores de que gozam estão bem longe de ter a 
      minha confiança irrestrita. O astral parece desempenhar nisso
      um grande papel. E isso afeta apenas objetos muito secundários. Os 
      altos conhecimentos e a bela lógica espiritual lhes são
      estranhos, mas elas têm virtudes, vêm procurar-me e não 
      rejeito ninguém, tudo experimento de acordo com meu parcos
      meios. Adeus, meu caro irmão. Não me causastes aborrecimento 
      algum com vossa última carta. Jamais um irmão poderia
      fazê-lo, somente a minha fragilidade e minha insegurança. Quanto 
      a vós, sempre me destes prazer. Recomendo-me às
      vossas preces. Tão logo minha brochura estiver em vossas mãos, 
      não deixeis de acusar-me sua recepção. Temo a demora
      das pessoas que encarreguei da comissão junto ao embaixador da Suécia 
      e acabo de escrever-lhes por causa disso.
      Continuai endereçando vossas cartas a Amboise, embora esta esteja 
      sendo remetida de Tours, a cidade mais próxima da
      região campestre em que me encontro. E mais ainda, tende a precaução 
      e colocar as palavras: Praça da República no
      endereço. Na vossa última carta, haviam-nas colocado acima 
      da palavra Amboise, junto com as que indicavam o
      departamento. Os funcionários do correio, que são umas máquinas, 
      não vendo senão o nome da cidade, enviaram vossa
      carta a um de meus concidadãos no campo, a duas léguas de 
      Amboise, o qual tem o mesmo nome que eu, mas que não tem
      comigo parentesco algum, nem de sangue nem de idéias. A carta não 
      foi aberta por ele, porque ele leu melhor o endereço
      dos carteiros, mas isso provocou um atraso enorme. SAINT-MARTIN
      176 Escritor.
      177 Antiga moeda de ouro ( louis d'or), surgida no tempo de Luís 
      XIII (séc. XVII). Na época em que estas cartas são 
      escritas,
      valia 20 francos.
      178 Antiga moeda francesa de prata (substituída pelo franco) valendo 
      3 libras (havia também o escudo de 6 libras).
      179 À Revisão: a tradução inglesa traz 3 m/7 
      4.
      Cartas 73-87
      Carta 73 Morat, 1º de julho de 1795
      Acabo de receber, meu caro e respeitável irmão, vossa interessante 
      carta de 30 de prairial. Nosso amigo B. acredita, como
      vós, que Babel será perseguida e destruída, e, o que 
      é de se notar, predisse que seus escritos ficariam e que chegaria 
      um
      tempo em que neles seria buscada a pérola. Atualmente, conheço 
      vários livreiros em B. que afirmam que esses livros são
      muito procurados e com urgência. No entanto, há quase dois 
      séculos que foram compostos. Onde está a obra de teologia,
      ciências e filosofia da qual se possa dizer o mesmo? Eu faria com 
      muito prazer o que me pedis quanto à vossa obra. Tenho
      grande desejo de recebê-la e, quando a houver recebido, não 
      deixarei de vos responder em detalhe sobre esse assunto.
      Quanto a Monsieur de Krambourg, cujo verdadeiro nome é Frisching, 
      de uma família patrícia e consular nossa, faríeis uma
      boa obra se acendêsseis nele a centelha do bem que parece luzir em 
      sua alma. Na juventude ele se desviou por causa de
      sua própria figura, que era elegante, e pela fortuna que, se bem 
      gerida, teria sido mais do que suficiente para todas as suas
      necessidades razoáveis. Foram as mulheres quem o estragaram, principalmente 
      a mãe, que era louca par ele. Ele passou
      83
      uma parte da juventude na França. Concentrou então todas as 
      suas faculdades em tornar-se um homem que dá sorte com
      as mulheres e uma pessoa agradável. Assim, as mulheres apequenaram 
      seu espírito, pois creio que ele teria podido ter-se
      tornado qualquer coisa melhor. Seu primeiro preceptor era um homem de bem 
      que acreditava na religião. Talvez lhe tenha
      deixado algumas sementes que no presente, como ele só pode estar 
      desgostoso do mundo, começam a germinar. Sua
      infeliz inclinação pelas mulheres fê-lo tomar um desvio 
      que excedia qualquer limite, mas com o qual no momento é inútil
      importunar-vos. Tenho certeza de que não apenas ele não mantém 
      correspondência sobre o assunto dos negócios da
      sociedade germânica, mas que até mesmo lhe ignora a existência. 
      O que eu presumia era uma correspondência de negócios
      de interesse que outrora ele manteve com um eclesiástico daqui, o 
      qual possui o que se chama de vivacidade de espírito, e
      que, não obstante, é um indivíduo de mau caráter 
      e ao qual ele poderia dar informações sobre nossa ligação 
      em troca de
      uma notícia, para preencher um canto de sua carta. Concordo perfeitamente 
      convosco em que as cruzes, fitas, pergaminhos,
      elmos e brasões com que enfeitamos este mundo são ornamentos 
      de teatro que logo se tornam ridículos os olhos dos sábios
      desde o instante em que aquele que com eles se orna atribui-lhes um valor 
      intrínseco. Nenhum dessas frivolidades têm outra
      utilidade real senão a de manter, no meio da multidão, uma 
      certa subordinação mecânica que algumas vezes se volta 
      em
      proveito da ordem, mas que com freqüência pode tornar-se fonte 
      de muitas desordens. Quanto aos conhecimentos e às
      eleições superiores, supõe-se que não são 
      regulamentados pelo absurdo de nossa posições. O que eu queria 
      dizer da corte
      onde o nosso amigo vive era relativo à ordem ou, para falar de maneira 
      mais clara, à desordem moral que nela domina. Um
      homem como esse meu amigo, nessa corte, é quase o mesmo fenômeno 
      que um ananás que lançasse raízes no alto do São
      Gotardo180, onde não apenas não existe vegetação, 
      mas nem mesmo terra para enterrar os mortos, ou seja: que só há
      rochedos e neve. Com isso, o príncipe que reina nessa corte é 
      um homem gentil, que ficaria muito satisfeito se todos os seus
      súditos fossem felizes. Quanto ao nosso amigo, não deixo de 
      preocupar-me com ele, e isso por causa de um trabalho que é
      uma nova prova da excelência. Por amizade a mim - ou, para exprimir-me 
      mais corretamente - pelo desejo de contribuir na
      glória da causa ativa e inteligente, ele resolver ter uma conversa 
      de dois ou três dias comigo; queria transmitir-me
      verbalmente o conhecimento da palavra perdida. Marcamos um encontro numa 
      cidade próxima. Ele saía de um indisposição
      bastante séria e, no caminho, entre Munique e a Suíça, 
      caiu enfermo, de modo que foi preciso levá-lo para casa sem que eu
      tivesse o prazer de vê-lo. Ele me escreveu sobre esse incidente, na 
      esperança de restabelecer-se logo e com o desígnio de
      retomar seu projeto de conversa o mais cedo possível. Ao mesmo tempo, 
      enviou-me uma obra de autoria sua, que acabava
      de sair do prelo. Sua carta datava de 6 de junho. Mas desde então 
      não recebi mais uma palavra de sua parte, de modo que
      não deixo de inquietar-me sobre o seu estado atual de saúde. 
      Seu livro é a obra mais espantosa que já apareceu na
      Alemanha desde os escritos de nosso amigo B. Ele executou, mas com meios 
      bem mais superiores aos meus, um projeto
      que eu concebera aos dezenove anos, a partir de algumas passagens esparsas 
      nos escritos de Leibnitz e de Wolf, quando
      ainda a serviço das armas: sempre lembrarei com prazer os momentos 
      agradáveis que passava no forte de Saint-Pierre, a
      meia légua de Maestricht, para onde fora destacado, com os escritos 
      e um de vossos compatriotas181, também nascido na
      Touraine182, onde encontrei em seu Tratado sobre o Método , que seu 
      espírito sentia as mesmas necessidades que o meu.
      Com a idade de vinte e quatro anos, vi Daniel Bernouilli183 em Basiléia, 
      o qual me encorajou; e, um ano depois, Lambert
      publicou seu Novum Organum, que me confirmou ainda uma vez as lacunas percebidas 
      por pensadores de diversos países
      na estrada que conduz à verdade. Desde então passei a empregar 
      minhas horas de lazer nesse trabalho e creio que já vos
      falei dele em uma de minhas cartas. Mas eis o meu amigo que, com um assiduidade 
      impar, atinou, em muito menos tempo,
      com toda a estrutura de uma dezena de caminhos que nossos filósofos 
      e nossa corrupção humana construíram umas sobre
      as outras para nos ocultar a verdade. Ele emprega também um instrumento 
      novo, ou pelo menos pouco conhecido, e esse
      instrumento, que não era o meu, são os números. Depois 
      de haver estabelecido os princípios, emprega publicamente seu
      instrumento para a solução de muitos problemas em gêneros 
      completamente diferentes. Esse conjunto está revestido da
      roupagem da filosofia moderna para melhor confundir os pretensos preceptores 
      deste século, dentre os quais um, chamado
      Kant, de Könisgsberg, produz há dez anos uma espécie 
      de revolução metafísica que causou um tumulto prodigioso 
      na
      Alemanha. Creio que o Quadro Natural o colocou no caminho certo. Além 
      disso, ele encontrou em De Secretis Numericis184,
      de Marsilio Ficino 185, e em muitos outros mais antigos ainda, vestígios 
      que o confirmaram, dos quais só citarei quatro
      passagens: "Paucissimi in terris qui profunda numerorum intelligunt 
      arcana186." Platão. "Mirantur profunda, nescientes quibus
      pirncipiis nosin operatione mirandorum utamur. Derident nos; nos autem hæc 
      de nobis judicantes propter eorum ignoratiam
      non miramur." Mars. Fic., De Secretis Numericis. "Numerio ratio 
      contemnenda nequaquam est, quæ in multis sacrarum
      scripturarum locis quam magis sit æstimanda elucet diligenter intuentibus; 
      nec frustra in laudibus Dei dictum est: Omnia,
      mensura, pondere et numero fecit." St? Agost., Civ. Dei187. II. "Numerorum 
      imperitia, multa fecit non intelligi translate et
      mystice posita in scriptura." Id, in Doctr. Christ.188 L. 2. Estando 
      a caminho da fronteira, tive um encontro do qual é
      necessário falar-vos de passagem. Encontrei num albergue um francês 
      anteriormente estabelecido em Lyon, chamado
      Gabriel Magneval. Ao ficar sabendo que eu tinha relações com 
      um de seus amigos mais íntimos em Basiléia, o qual estava
      presente, tornou-se mais aberto. Falamos de Lyon em 1784 e 1785. Ele era 
      um dos primeiros diretores e contribuintes dessa
      espécie de templo que lhes custou 130.000 francos. Não lhe 
      escondi minhas dúvidas no tocante à solidez de seus pontos 
      de
      vista, dúvidas que se fundavam principalmente na imoralidade e a 
      falta de fé cristã do mestre deles. Ele concordou de bom
      grado sobre a nulidade e principalmente sobre o orgulho desenfreado do professor, 
      mas argumentou que a verdade podia,
      como os dons do sacerdócio na Igreja Romana, passar por canais impuros 
      sem nada perder de seu valor, que eles eram de
      boa fé e cheios de respeito pelo nosso divino Reparador. Descobri, 
      em seu discurso, que o mestre deles, não obstante a
      abjeção de seu estado moral, havia operado pela palavra e 
      até mesmo transmitido a seus discípulos o conhecimento de
      84
      como operariam da mesma maneira durante sua ausência. Observei-lhe 
      que eles tinham, talvez, produzido formas que eram
      apenas a efígie, e não a realidade dos objetos. Perguntou-me 
      então com que razões eu cria que se pudessem distinguir as
      manifestações reais das que eram apenas imitações? 
      Respondi-lhe que achava que o melhor guia era o aperfeiçoamento
      das disposições interiores. Nossa conversa foi interrompida, 
      mas um fato a ser sempre notado é que um impostor como Cagl.
      tenha estado de posse da palavra. Conheceis pessoalmente o cidadão 
      Magneval? E que pensais dele? Atualmente estais
      lendo as epístolas de nosso amigo B
, e eu também. Estava 
      lendo-as quando recebi vossa carta. Acho que nosso autor
      nelas manifesta principalmente a beleza de sua alma. Li na carta 47, nºs 
      13 e 14, o que me recomendais. Parece-me que a
      base desses números consiste no preceito de nada querer sem a vontade 
      de Deus. Creio também que a doce inclinação que
      nos atrai para ele é a atração do Pai, que confirma 
      o que foi dito por Jesus Cristo: "Ninguém pode vir a mim se 
      o pai que me
      enviou não o trouxer189." Mas dessa atração ao 
      conhecimento da palavra ou do nome sagrado vai ainda uma grande
      distância. Nosso autor sabe dar uma virtude particular à pronúncia 
      desse nome, como se a vibração do ar, provocada pela
      voz ao pronunciar as quatro grandes letras do santo nome de J. H. V. H., 
      trouxesse consigo um virtude ou uma força sensível
      que, unindo-se à virtude e à força que não é 
      sensível, produzisse os efeitos que devem realizar nossos desejos! 
      Confesso
      que isso é para mim um mistério impenetrável e, conforme 
      o revelado por meu amigo de Munique, deve haver ainda uma
      maneira particular de pronunciar esse nome: é uma nova profundidade 
      na qual minhas idéias se perdem. Segundo a doutrina
      do nº 13, linhas 6 e 7, ficaríamos tentados a crer que a vontade 
      divina se serve da voz humana como um órgão para conduzir
      a luz através de fogo. Se tiverdes permissão de me abrirdes 
      vosso pensamento sobre esse assunto em termos claros e
      distintos, eu vos agradecerei; caso contrário, dizei-me, com a mesma 
      simplicidade, que não o podeis. Adeus, meu caro e
      respeitável irmão. Espero que a estada no campo e o regime 
      de que me falais fortaleçam vossa saúde. Aguardo sempre as
      vossas cartas com impaciência e rogovos não me esquecerdes 
      em vossas preces. Participei ao nosso amigo de Munique as
      coisas agradáveis que me havíeis encarregado de dizer-lhe. 
      KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      180 Monte dos Alpes.
      181 Descartes.
      182 Região de Tours, França.
      183 Fundador da hidrodinâmica.
      184 Sobre o Segredo dos Números.
      185 Ficino.
      186 Há poucos na terra que entendem os profundos arcanos dos números.
      187 A Cidade de Deus.
      188 A Doutrina Cristã.
      189 Evangelho de João, 6:44
      Carta 74 27 de messidor
      Em nada me surpreende, meu caro irmão, a procura das obras de nosso 
      amigo conforme ele previu, mas duvido de que os
      frutos delas retirados sejam muitos, visto que, apesar de sua simplicidade, 
      são tão profundos que poucas pessoas
      prosseguiriam na leitura ou os tomariam num sentido que não lhes 
      degradasse a dignidade. Eu próprio duvido de me
      houvesse comprazido nelas como o faço se não tivesse sido 
      preparado durante vinte e cinco anos de maravilhas, tanto nas
      obras como na compreensão. Acabei de ler suas cartas. Na última, 
      nº 8, lin. 4, há: "Als schosse man ein Kohr ab",190 
      que
      não consigo entender porque meu dicionário não traz 
      a palavra korh e não tenho quem ma explique. Ficaria grato se me
      suprísseis essa falta. Agora que percorri todas as nossas obras, 
      tomo-as novamente como fundamentos e estou estudandoas.
      Esses dias li os caps. 13, 14 e 15 dos Três Princípios, ou 
      seja: estudei-os. Meu espanto estende-se a um grau
      inexprimível quando vejo que há semelhantes prodígios 
      no mundo. O espírito do homem corre atrás da chave das pequenas
      verdades de sua atmosfera restrita ou do universo físico limitado, 
      e no desenvolvimento e bases oferecidas por nosso amigo
      encontrar-se-iam as chaves de todos os universos e o princípio de 
      todas as chaves. Quando permitirá a Providência que eu
      me encontre junto de pessoas a quem possa transmitir esses tesouros! Mas 
      seja feita a sua vontade! Esse estudo em que
      me empenho irá interferir um pouco em meus projetos de tradução, 
      pois encontro muito mais utilidade para mim nesta tarefa
      do que na outra. Além disso, meu egoísmo encontra até 
      mesmo desculpas pelas circunstâncias, visto que, mesmo que eu
      houvesse traduzido toda a obra, seria preciso hoje pelo menos cem mil escudos 
      para imprimi-la e eu não teria esses meios.
      Limitar-me-ei, pois, provavelmente até nova ordem, a traduzir para 
      mim os assuntos mais importantes, e ainda isso só
      aconteceria caso eu me visse condenado pelo estado das coisas, a viver, 
      conforme faço, sem ter quem me ajude no que diz
      respeito a línguas estrangeiras, pois minha visão diminui 
      rapidamente, como creio já vos haver dito não sei mais quando. 
      E
      se com o tempo ela acabar de todo, como pode acontecer, e eu me achasse 
      rodeado somente de franceses, poderia pelo
      menos pedir que me lesem alguma coisa de nosso amigo em minha língua, 
      sem o quê tudo estaria perdido para mim. Vede
      que cálculos sou obrigado a fazer. Agradecei pois à Providência 
      por estardes num país livre, numa posição tranqüila 
      e
      cercado de homens de desejo. Sinto, através da privação 
      dessa vantagens, o quanto elas são preciosas. A comparação, 
      que
      fizestes para descrever-me o vosso amigo na corte, agrada-me muito e explica 
      perfeitamente a vossa idéia. Eu sentiria muito
      se o acidente que lhe aconteceu tivesse conseqüências ruins. 
      Quando tiverdes notícias suas, avisai-me, por favor, pois ele
      me interessa mais do posso dizer-vos. Se puderdes conseguir-me sua obra, 
      não tenhais dúvida de quão ansioso ficarei por
      85
      lê-la. Quanto à minha, estou surpreso de que não vos 
      tenha chegado ainda. Vou escrever a Paris pela terceira vez. A dele,
      como dizeis, emprega um instrumento estranho a um empreendimento semelhante 
      constituído por vós na juventude: os
      números. E credes que o Quadro Natural o colocou no caminho. Era 
      o que eu pensava outrora e o que penso hoje, mais do
      que nunca, sobre os números. Eles me forneceram e me fornecem, de 
      vez em quando, algum tipo de compreensão, mas
      jamais deixei de crer que exprimissem apenas superficialidade e que geralmente 
      não davam a própria substância do assunto.
      Senti esse vazio nos primeiros passos em minha primeira escola. O amigo 
      Böhme veio justificar esse pressentimento ao darme
      concretamente a própria substância de todas as operações 
      divinas, espirituais, materiais e temporais de todos os
      testamento do espírito de Deus; de todas as Igrejas espirituais antigas 
      e modernas; da história do homem, em todos os seus
      graus primitivos, atuais e futuros; do poderosos inimigo que, através 
      do astral, tornou-se rei do mundo, etc. E, sob esse ponto
      de vista, digo que ele me deu mais do que os números me teriam dado, 
      embora os dois ramos se liguem perfeitamente um
      ao outro e sejam como que inseparáveis. Ontem reparei com grande 
      prazer, diga-se de passagem, que, ao que me parece,
      ele apoiava o ponto de doutrina admitido em minha primeira escola sobre 
      a possibilidade de resipiscência do demônio
      quando da formação do mundo e da emanação do 
      primeiro homem191. É no cap. 15 dos Três Princípios, 
      nº 7, lin. II : "In
      Hofnung sie würden 192, etc.," Acrescentai-lhe o nº 12 do 
      mesmo capítulo, em que o homem é posto no lugar desse
      demônio, lugar para o qual ele só devia ser o portador do mesmo 
      espírito do fiat que o estabeleceu nesse lugar e vereis
      como essas duas doutrinas estão relacionadas. Não estenderei 
      as outras reflexões que esse estudo fez surgir em mim, o
      papel não bastaria. Conheço apenas de nome o cidadão 
      Magneval. Nem mesmo tenho qualquer noção de sua posição 
      na
      carreira que seguiu. Quanto ao poder da palavra nos órgãos 
      impuros, é um fato que não podemos negar, mesmo que só
      tivéssemos o exemplo do profeta Balaão, pois não levo 
      em conta a pretensa transmissão da Igreja de Roma que, na minha
      opinião, nada transmite como Igreja, embora alguns de seus membros 
      possam transmitir às vezes, seja por virtude pessoal,
      seja pela fé das ovelhas, seja por uma outra vontade particular do 
      bem. Mas esse poder não torna mais respeitável o
      instrumento que lhe serve de órgão. Nas mãos dele, 
      é um poder casual e que mais se torna nos outros quando ele o quer
      transmitir às mãos deles. Assim, não deixa de ser uma 
      necessidade absoluta o recorrer-se unicamente à verdadeira fonte
      quando se tem conhecimento dela, e isso me leva a vossa pergunta sobre a 
      pronúncia do grande nome. Meu hábito é não
      ficar pensando muito nesse assunto porque, com a certeza de que essa fonte 
      deve tirar de si mesma todo seu valor, não
      podemos tocar suas águas com nossas frias e humanas especulações 
      sem turvar-lhe a limpidez. Não creio que seja isso o
      que fazeis no momento e vou, como irmão, dizer-vos simplesmente todo 
      o que me vem à mente a respeito disso. Vejo que a
      palavra foi sempre transmitida diretamente e sem intermédio desde 
      o início das coisas. Ela falou diretamente a Adão, a seus
      filhos e sucessores, a Noé, a Abraão, a Moisés, aos 
      profetas, etc., até i tempo de Jesus Cristo. Falou pelo grande nome 
      e
      queria tanto ela mesma transmiti-lo diretamente que, segundo a lei levítica, 
      o sumo sacerdote encerrava-se sozinho no Santo
      dos Santos para pronunciá-lo. E que até mesmo, segundo algumas 
      traduções, na orla de sua roupa havia campainhas para
      encobrir a pronúncia aos ouvidos daqueles que permaneciam nos outros 
      recintos. Creio que a transmissão feita nas
      ordenações sacerdotais, quando o sumo sacerdote as pronunciava 
      sobre os candidatos, era mais para que despertasse
      neles essa fonte adormecida em todos os homens pelo pecado do que para ensinar-lhes 
      a pronúncia material. Esse método
      vivificador estava protegido de qualquer erro e profanação, 
      e foi à medida que os sumos sacerdotes se desviaram dele deles
      que o método mecânico tomou-lhe o lugar. Assim, creio firmemente 
      que nesse primeiro método de ordenações o grande
      nome podia ser pronunciado em voz baixa sobre os candidatos e que foi somente 
      nas ordenações posteriores que se decidiu
      transmitir a pronúncia em voz alta. Quanto a isso, lembrai-vos das 
      abóbadas de aço e do bater de pés em certas cerimônias
      maçônicas. Quando o Cristo veio, tornou a pronúncia 
      dessa palavra ainda mais central ou mais interior, já que o grande
      nome expresso pelas quatro letras, era a explosão quaternária 
      ou o sinal crucial de toda vida; ao passo que Jesus Cristo,
      trazendo do alto o c dos hebreus, ou a letra S, uniu próprio o santo 
      ternário ao grande nome quaternário, do qual o três 
      é o
      princípio. Ora, se o quaternário devia encontrar em nós 
      sua própria fonte nas ordenações antigas, com muito 
      mais razão o
      nome do Cristo deve também esperar dele exclusivamente toda sua eficácia 
      e toda sua luz. Assim, disse-nos ele para nos
      fecharmos em nosso quarto quando quiséssemos orar193, enquanto na 
      lei antiga era absolutamente necessário adorar no
      tempo de Jerusalém. E aqui eu vos remeteria aos pequenos tratados 
      de nosso amigo sobre a penitência, a santa prece, o
      verdadeiro abandono, intitulados: O Caminho para Cristo. Nele vereis, a 
      cada passo, se todos os modos humanos não
      desapareceram e se é possível que alguma coisa nos seja transmitida 
      verdadeiramente, se o espírito não é criado em nós
      como é criado eternamente no princípio da natureza universal, 
      onde se encontra em permanência a imagem na qual temos
      nossa origem, e que serviu de moldura a Encarnação. Há 
      certamente uma grande virtude ligada à pronúncia verdadeira,
      tanto central como oral, do grande nome e do de Jesus Cristo, que é 
      sua flor. A vibração do nosso ar elementar é uma coisa
      bem secundária na operação pela qual esses nomes tornam 
      sensível aquilo que não o era. Sua virtude consiste em fazer
      hoje, e a todo momento, aquilo que eles fizeram no começo de todas 
      as coisas para dar-lhes origem; e, como criaram todas
      as coisas antes que o ar existisse, na certa estão ainda acima do 
      ar quando desempenham as mesmas funções, não sendo
      mais impossível que essa divina palavra seja audível até 
      mesmo para um surdo e no lugar mais privado de ar, que não é
      difícil à luz espiritual tornar-se sensível aos nossos 
      olhos, mesmo físicos, ainda que estivéssemos cegos e encerrados 
      no
      mais tenebroso calabouço. Quando os homens fazem as palavras saírem 
      de seu lugar verdadeiro e as entregam por
      ignorância, imprudência, ou impiedade, às regiões 
      exteriores ou à disposição dos homens da torrente do 
      mundo, elas
      certamente continuam conservando sua virtude, mas também lhes retiram 
      muito porque não se acomodam às combinações
      humanas. Assim, esses tesouros tão respeitáveis não 
      sofreram ouras perdas ao passarem pelas mãos dos homens, sem
      contar que não deixaram de ser substituídos por ingredientes 
      nulos ou perigosos que, produzindo também seus efeitos,
      86
      acabaram por encher de ídolos o mundo inteiro, porque ele é 
      o templo vivo de Deus, que é o centro da palavra. Eis, caro
      irmão, um resumo do que me provocastes com vossa pergunta. Sinto-me 
      tão inclinado ao culto interior da palavra que se um
      homem viesse oferecer-me agora a verdadeira pronúncia dos dois grandes 
      nomes que são a base dos dois Testamentos,
      creio que a recusaria, tão certo estou de que ela não me pode 
      ser realmente apropriada, a não ser que nascesse em mim
      naturalmente, saindo de seu próprio caule ou de sua própria 
      raiz, que é a de minha alma. Isso não me impediria de
      encontrar-me na melhor companhia do mundo, junto de um homem que teria chegado 
      por sua própria conta a esse alto grau
      de graça, nem de aproveitar, com alegria indescritível, da 
      ditosa influência que semelhante atmosfera deve espalhar em torno
      de si. Assim, sabe Deus o quanto eu pagaria pela ventura de estar junto 
      ao vosso amigo de Munique. Mas limitar-me-ei a
      unir-me humildemente ao seu espírito e a nutrir-me com muito cuidado 
      da unção que deve exalar de toda a sua pessoa, e me
      empenharia exclusivamente em não colocar obstáculo algum para 
      que os salutares adubos fermentassem de maneira útil na
      minha terra, deixando-a em condições de produzir seus frutos 
      por sua vez e tornar-se, como a sua, uma terra viva, coisa que
      jamais conseguiríamos, repito-o, a não ser pela comunicação 
      direta e sem o intermédio do homem. Vejo bem como os
      apóstolos transmitiram o espírito através de suas ordenações, 
      e até mesmo de suas simples pregações, como São 
      Pedro,
      mas não vejo, pela história da época deles, que qualquer 
      de seus candidatos haja levado bem longe a maravilha dessa
      transmissão. O mesmo não posso dizer da transmissão 
      direta feita por Jesus Cristo aos seus apóstolos, principalmente 
      a que
      foi feita diretamente a São Paulo no caminho de Damasco, embora em 
      seguida ele se tenha sujeitado à operação de um
      homem, que, como órgão do espírito, deveria purgá-lo 
      das substâncias estranhas para que ficasse em condições 
      de cumprir
      a eleição que acabava de ser nele semeada. Todos esses testemunhos 
      me confirmam cada vez mais em minha opinião.
      Submeto-a a vós, mas não vos escondo que creria ter feito 
      alguma coisa para vossa saúde, e, como conseqüência, por
      vossa felicidade, se chegasse a fazer com que a adotásseis. Acrescentaria 
      ainda um pequeno testemunho em favor desse
      princípio. Tomai o livro do Êxodo, cp. 3:14, 15 194, etc., 
      e vereis como o grande nome é transmitido diretamente a Moisés, 
      e
      em seguida por ele a todo o povo, e até mesmo ao rei dos egípcios, 
      a saber: a Moisés, como poder; aos israelitas, como
      instrução; e ao Faraó, como julgamento. Vede em seguida 
      ainda em Êxodo, 6:3195, etc., como Deus se comunicou com
      Abraão, cumulou-o de promessas e fez uma aliança com ele sem 
      que, no entanto, lhe transmitisse seu grande nome, embora
      fosse somente por esse grande nome que essa eleição foi feita 
      em segredo. Comparai-o com a solidão do sumo sacerdote
      no Santo dos Santos, quando foi estabelecida a lei levítica. Comparai-o 
      com São Mateus, 13:17196, onde se faz ouvir do alto
      a voz sobre o salvador em seu batismo, e onde o oficiante apenas fez, com 
      sua cerimônia, abrir a base de atração envolvida
      no homem-Deus, e vereis com que variedade, mas, ao mesmo tempo, com que 
      sabedoria esse grande nome se modula a si
      mesmo em suas diversas operações e, por conseqüência, 
      como seríamos imprudentes se não nos entregássemos
      cegamente à sua administração. A maior perda que experimentamos 
      por causa dessa falsa conduta é que não existe uma
      fórmula que não seja em detrimento da lei e que, ao contrário, 
      a fé exigiria o lugar de todas as fórmulas. Assim também 
      essa
      espécie de fé é o último termo da lei sendo, 
      em conseqüência, a única coisa que nosso divino mestre 
      dedicou-se a pregar e a
      inculcar no coração do homem, porque sabia bem que, ao lhe 
      inculcar essa virtude, inculcava-lhe todas as outras. Detenhome,
      caro irmão, porque prometi não me deixar levar pela pena e 
      sinto que, neste momento, ela me arrastaria para mais longe
      do que mo permitiria minha idade espiritual. Encerrarei com alguns fatos 
      pessoais relativos a alguém que me é próximo e
      que, tenho quase certeza, serão para vós como que o café 
      do pequeno banquete que vos envio, pois ainda estais um tanto
      apegado ao sensível e disso não vos acuso, contanto que essa 
      afeição se mantenha nos limites. Sabei pois que alguém 
      que
      me é próximo conhece a Coroa, de maneira sensível, 
      há dezoito anos, e não apenas ainda não a possui, mas 
      também só a
      compreende há poucos anos, isto é, em suas verdadeiras relações 
      substanciais, embora a compreenda por suas relações
      numéricas desde que a conheceu. Sabei, além disso, que há 
      quase vinte e cinco anos ele conhece a voz da cólera e a voz
      do amor e que somente há poucos meses ele as distingue pelo som, 
      ou pela impressão, ou pelo lado; mas ainda está longe
      de ter atualmente a clareza que espera obter dela cada dia mais. Essa pequena 
      narrativa, unida a tudo o que a precede,
      pode ajudar-vos a formar uma idéia sólida e sábia das 
      gradações e da única mão respeitável 
      que deve dirigi-las: vigila et ora.
      Eis tudo o que devemos fornecer ao contrato; o contratante se encarrega 
      do resto. Há muito tempo também que me falastes
      das senhoras de Zurique. Sabeis como tenho interesse nisso e creio, em sã 
      consciência, poder pedir-vos uma longa carta em
      troca do in-fólio que vos envio hoje. Assim, não receeis multiplicar 
      os assuntos nem estendê-los. Tudo o que me vem de vós
      e tudo o que me vem sobre esses objetos é sempre muito precioso para 
      mim. Adeus, meu caro irmão. Recomendo-me às
      vossas preces. Nada vos digo do B de K., a não ser que, exceto por 
      seu histórico, que eu não podia conhecer, tinha de sua
      moral quase a mesma idéia que me destes. Quando o vir, levarei em 
      conta o vosso conselho e nada terei a dizer-lhe de
      agora até meu regresso a Paris, pois não mantenho correspondência 
      com ele. Além do mais, o regresso nem está marcado.
      E mesmo está tudo tão indefinido aqui e meu gozo pecuniário 
      tão atrasado pelo estado das coisas, que nós, franceses,
      quase que só podemos viver um dia de cada vez. Se eu calculasse apenas 
      humanamente, poderia também enxergar tudo
      sombrio em nossos negócios públicos neste momento, mas tenho 
      sempre in petto minha confiança de que a revolução 
      é
      conduzida pela Providência e que assim ela não pode deixar 
      de chegar ao fim. Não obstante, isso não é cômodo 
      para
      aqueles que se encontram no caminho dela. SAINT-MARTIN
      190
      191 Resipiscência: Arrependimento de um pecado com o propósito 
      de correção. N.T. Ou seja: a possibilidade de que o
      demônio reconhecesse a falta cometida quando da formação 
      do mundo e da emanação do primeiro homem [e dela se
      arrependesse].
      87
      192 : "In hope that they would,"
      193 "Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, e fechada 
      a porta, orarás a teu Pai que está em segreto, e teu Pai que
      te vê em segreto te recompensará." Mateus, 6:6 (Sermão 
      da Montanha.)
      194 "Disse Deus a Moisés: EU SOU o que SOU. Disse mais: assim 
      dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós
      outros. Disse Deus ainda mais a Moisés: Assim dirás aos filhos 
      de Israel: O SENHOR, o Deus de vossos pais,
      o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó, me enviou 
      a vós outros; este é o meu nome eternamente, e assim
      serei lembrado de geração em geração."
      195 "Aparecia a Abraão, a Isaque, e a Jacó, como o Deus 
      Todo-Poderoso; mas pelo meu nome, O SENHOR, não lhes fui
      conhecido."
      196 O correto é Mateus 3: 17: "E eis uma voz dos céus, 
      que dizia: Este é o meu filho amado, em quem me comprazo."
      Carta 75 Morat, 29 de julho de 1795
      Agradeço-vos muitíssimo, caro e respeitável irmão, 
      pela excelente carta de 29 de messidor. Os cuidados que tomastes para
      me escreverdes de maneira tão detalhada foram a causa de toda a minha 
      gratidão. Nada é mais verdadeiro do que o que
      dizeis sobre a profundidade dos escritos de nosso amigo B.; mas, felizmente, 
      eles têm em comum com nossos livros
      sagrados o fato de que os mais simples, contanto que lhes dêem a atenção 
      necessária, encontram neles passagens que
      podem servir para nutri-los e fortalecê-los. Mas, para penetrar completamente 
      nesses escritos, é preciso um auxílio
      extraordinário, muito tempo e uma grande pureza de espírito. 
      Gichtel, embora muito esclarecido, trabalhou muitos anos antes
      de chegar ao fundo. Falta muito para que eu atinja esse grau. Devo, não 
      obstante, render graças à Providência porque várias
      partes que me pareciam enigmas indecifráveis, há um ano ou 
      dois, parecem-me hoje não somente claras, mas também
      luminosas e próprias a lançar luz sobre aquilo que as rodeia. 
      Quanto ao nº 8 da última carta, que vos causa tropeços, 
      e que
      não passa de um acessório, estou em muito boas condições 
      de resolver vossa dificuldade, porque possuo um desenho da
      cidade de Görlitz, onde está indicada a casa do nosso amigo. 
      Uma das extremidades da cidade termina num rio, o Neiss; a
      margem oposta desse rio é margeada por um subúrbio que se 
      liga à cidade por uma ponte e é nesse subúrbio que, 
      junto à
      ponte, morava o nosso amigo. Viu ele, segundo o nº 8 de sua carta, 
      que um dos pilares e uma parte da ponte tinham sido
      levados pela água com a rapidez de um raio. Compara ele esse derrubada 
      pelas efeito de um tiro de fuzil. Em vez de Kohr
      deve-se ler Rohr, e Rohr significa às vezes caniço e às 
      vezes cano de fuzil. É neste último sentido que se deve tomar 
      esta
      palavra. Ninguém deseja mais que eu o fim feliz do grande drama que 
      se desenrola em vosso país e, assim como vós, estou
      certo de que terminará da melhor maneira, vendo as coisas de modo 
      geral: o estado da França, segundo minha pobre visão,
      é atualmente tão penoso para seus habitantes que me parece 
      impossível que dure por mais tempo. E vi com satisfação 
      bem
      viva, que o espírito de vosso governo atual deu grandes passos para 
      melhorar: os socorros num mar tão tempestuoso são
      também inevitáveis, mas a Providência saberá 
      tomar conta dos seus. Enquanto esperamos a paz, cuja necessidade se faz
      sentir em todas as pessoas sensatas em vossa terra (e vossos comitês 
      que estão na direção dos negócios não 
      sentem falta
      delas), peço-vos que não deixeis de comunicar-me por escrito, 
      como acabais de fazer, vossas observações sobre os nossos
      objetos de estudo. Há uns vinte anos que percebi, como vós, 
      que meus olhos estão enfraquecendo. De acordo com o
      exemplo e o conselho de nosso grande médico Haller, bebo somente 
      água e não tenho mais trabalhado à luz de velas, e
      quando forçado, por minha vocação, a ler ou escrever 
      à noite, sirvo-me de uma vela com um quebra-luz: lavo a cabeça, 
      no
      inverno e no verão, com água fria e não como carne 
      salgada. Com essas precauções tão simples, das quais 
      a mais essencial
      é certamente a de não beber vinho nem trabalhar à noite, 
      meus olhos voltaram ao que eram. Quanto à jovem de Zurique, não
      recebo mais notícias diretas dela. É sua amiga, Mlle S
, 
      nascida e residente em Basiléia, que às vezes me traz algumas.
      Mlle L
 [Lavater] casou-se; tenho a impressão de ela foi formada 
      em bons princípios. Mlle S
, há pouco tempo, para minha
      grande satisfação, também entrou experimentalmente 
      no bom caminho. Além disso, ela envioume um notícia que me 
      deu
      grande prazer e que serve para confirmar o que já conjecturamos a 
      priori sobre a escola do Norte. Eis o que me escreveu:
      "Uma senhora de Cop
 (a condessa de Rowenslow), discípula 
      da escola do Norte, como L
[Lavater], havia dito a ele que,
      desgostosa com as contradições encontradas nessa escola, deixara 
      tudo; que ela que se considerava bem feliz por haver
      buscado e encontrado um caminho mais simples. Espero que essa opinião 
      tenha aberto um pouco os olhos de L. Também
      serviu para confirmar nossas duas jovens no bom caminho." Voltemos 
      agora ao nosso amigo de M. [Munique], que tão
      justamente vos interessa. Tive notícias suas posteriormente. Sua 
      saúde vai um pouco melhor, embora ele me ainda escreva
      cartas sempre curtas demais para mim. Ele considera e emprega os números 
      como degraus para subir mais alto. Pareceume
      que em suas mãos eles são um instrumento intermediário 
      para comunicar-se com as virtudes. Ele os indica em seu livro
      para resolver problemas de todo tipo. Creio até que, através 
      deles, recebe respostas articuladas que traduz em nossa língua
      popular. Ao que me parece, não é que, de tempos em tempos 
      ele não goze de alguns favores mais imediatos e que não veja
      diretamente, sem intermediário, no mundo aéreo, o que corresponde 
      ao segundo princípio de nosso amigo B. Em uma de
      suas cartas ele chama a isso de "véu erguido". Então 
      as idéias e a língua não se assemelham mais às 
      nossas idéias e à
      nossa língua popular. Passar-vos-ei seu livro com prazer, porém 
      antes cevo advertir-vos de que são dois grossos volumes inoitavo,
      escritos deliberadamente no estilo e nas expressões da filosofia 
      alemã mais moderna, ou seja: com a nomenclatura
      de Kant, que não se encontra em nenhum dicionário e que custa 
      aos próprios alemães pelo menos um ano de trabalho para
      poder compreendê-la. Essa terminologia é posterior a todos 
      os nossos dicionários e meu projeto era, na minha obra da qual
      vos falei, fazer com o livro fosse precedido de um volume de definições 
      e explicações da língua empregada hoje pelos
      88
      pensadores na Alemanha. Estais vendo que a leitura da obra do nosso amigo 
      de M
 vos tomaria um tempo imenso e bem
      precioso e que, ao final dessa penosa carreira, somente aprendereis o que 
      já sabeis. Se, na obstante, desejais receber a
      obra do nosso amigo de M
, eu vo-la enviarei pela via costumeira. Eu 
      próprio não prevejo que possa comprar seu livro este
      ano. Em vossa última carta, dissestes-me, com relação 
      ao assunto de 3-4/7, que esses algarismos estão muito de acordo
      com os números que aprendestes em vossa primeira escola. Talvez cada 
      desses números 3, 4, 7, represente uma idéia, mas
      sabeis que um mesmo número tem vários significados diferentes 
      e, , para ter ao menos uma noção daquilo que o meu amigo
      de M
[Munique] quer dizer, eu vos pediria que me informásseis 
      qual é o sentido que ele atribui aqui a cada número em
      particular, e qual é a vantagem do modo pelo qual ele os combina. 
      No mais, sem querer depreciar os números de maneira
      alguma, porque não me cabe julgar uma coisa que não conheço, 
      ainda assim espero chegar ao fim de minha carreira sem
      eles. A principal vantagem que meu amigo de M
 parece tirar deles é 
      que, depois de haver atribuído certas idéias a cada
      número, faz somas com mesmos números, como um cálculo 
      aritmético, e o resultado de sua soma é ainda simplificado 
      por
      uma redução, isto é: quando consegue, por exemplo, 
      2.7.2 somando, reduz esse número, com uma nova soma, a 11 e o 11
      a 2, o qual lhe indica reposta que procura, ou seja: a idéia primitiva 
      por ele atribuída ao numero 2. Vamos agora à parte de
      vossa excelente carta que trata da pronúncia do grande nome. "Nada 
      pode ser transmitido verdadeiramente por qualquer
      meio humano se o Espírito, a Palavra (Logos) e o Pai não nascerem 
      em nós." Eis uma verdade fundamental que tem toda a
      minha aprovação. É a base da doutrina de nosso amigo 
      B. A única surpresa, a única admiração em que 
      meu espírito se
      perdia, como vos disse na última carta, versava unicamente sobre 
      a importância que nosso próprio amigo B. parecia atribuir à
      pronúncia material do grande nome, pois, como que vos escrevi a 1º 
      de julho, nessa pronúncia o sensível unia-se ao
      insensível para agir em concordância, encontra-se indicado 
      e expresso claramente na terceira questão teosófica de nosso
      amigo B., e cada palavra pronunciada torna-se substancial e age como substância, 
      deixando de ser somente a expressão de
      nosso pensamento. Vede seu Myst. mag., cap. 22. Esta é a única 
      doutrina que pode explicar o poder da pronúncia do grande
      nome: Quando o pensamento, que no-la ditou, sai do princípio segundo. 
      Em compensação, os pensamentos que se tornaram
      substanciais pela pronúncia saindo dos dois outros princípios, 
      têm, cada um, efeitos marcantes que denotam sua origem.
      Nosso amigo B. indica também, nos nºs 32, 24 e 25 da quinta 
      pergunta teosófica, o poder enorme das palavras pronunciadas
      por nossa boca, comparadas com a epístola de São Paulo ao 
      Romanos, 10:8. Acrescentai a isso uma vontade bem
      disciplinada, para a qual tudo é possível, se empregarmos 
      a natureza em sua ordem par produzir uma obra (Myst. mag., cap.
      9). Reunindo esses dados, não restam mais dificuldades para explicar 
      o mistério. Ei-lo, segundo a doutrina de nosso amigo
      B.: "Se o fogo sagrado do amor divino se unir ao fogo do movimento 
      natural do homem, manifestado pela ação da voz e da
      palavra na qual sua vontade se encaminha e se torna como que substancial, 
      será então que ele atingirá a pronúncia
      verdadeira." V. Perg.. Teos., 3:31.32, como suplemento de minha opinião. 
      Lede novamente, por favor, a p. 260, lin. 14 e
      seguintes, da chave particular que se encontra em seguida à grande 
      chave de nosso amigo B. A sexta forma indica a
      pronúncia e a sétima produz a obra, que é uma seqüência 
      dela. Embora o meu amigo de M[unique]. jamais haja dito que leu
      os escritos de nosso autor predileto, estou certo de que essa é também 
      a sua doutrina, e não foi para o ensino dos atos
      puramente materiais que marcamos encontro na fronteira. Para meu grande 
      pesar, faltei a ele, mas nosso amigo B. acaba de
      remediar essa falta com as passagens que vos indico e que só encontrei 
      no momento em que vos escrevo esta carta. Espero
      que meus princípios, com fundamento nessas bases, se aproximem de 
      vossa opinião, a qual tivestes a bondade de me
      transmitir, e me felicitarei por isso. Uma palavra ainda sobre a adesão 
      ao sensível, por ocasião do qual tivestes a bondade de
      citar-me um fato pelo qual vos agradeço. Como sabeis, eu nada conhecia 
      das relações numéricas, e a língua francesa, 
      como
      o pequeno número de outras que conheço, tem uma dificuldade 
      em comum: a de confundir às vezes o gênero com a
      espécie. Só podemos evitar isso determinando a espécie 
      da qual queremos falar. Há uma espécie de sensível 
      para a qual
      não tenho inclinação alguma, ao passo que existe uma 
      outra que considero como a fonte de água viva. Por exemplo: o
      sensível material só tem para mim alguma atração 
      quando me serve de meio; desde que seja considerado como alvo, creio
      que seja nocivo. As pessoas, por exemplo, que só comem para saborear 
      o prazer da boa comida jamais seriam companhia
      agradável para mim; só me sirvo do ananás para minhas 
      comparações, mas jamais em minha mesa; não bebo outro 
      café
      além daquele que meus amigos me enviam em suas cartas, pois o do 
      Levante me queimava o sangue: deixei-o há mais de
      trinta anos. Os deleites materiais que me fazem as vezes de descanso são 
      os prazeres da visão e algumas vezes da
      audição. Os locais variados de nosso país e o espetáculo 
      da natureza vegetativa, que oferece tantas maravilhas, fornecemme
      os primeiros, e os ensaios, embora muito imperfeitos de minha filha, que 
      toca cravo, fornecem-me os outros. Mas, há o
      sensível espiritual, cuja busca presentemente ocupa e atrai tanta 
      gente. Deveria eu confessá-lo? Não há mais encantos 
      para
      mim do que o primeiro e, para falar francamente, muito menos ainda. Mas 
      expliquemo-nos. Entendo, por essa espécie de
      sensível, o espiritual que oferece tantos atrativos estimulantes 
      para o nosso século, o maravilhoso subalterno, ou seja: a
      manifestação exterior e física das potências 
      produzidas pelos meios ou sem meio. Conheci adeptos em ambos os gêneros.
      Teria dependido apenas de mim entrar nessa carreira, vários anos 
      antes que a Providência me fizesse travar conhecimento
      convosco e com nosso amigo B., mas o possuidor deste arcano, que se oferecia 
      para introduzir-me nesse domínio, e que era
      não apenas meu compatriota mas também membro de nosso governo, 
      tinha uma conduta tão leviana e costumes tão
      inconseqüentes que evitei até mesmo as conversas que me levavam 
      a esse assunto. Além de que a coisa em si parecia-me
      sair de uma fonte bem equivocada, percebeis bem que a leitura dos escritos 
      de nosso amigo fortaleceu-me mais ainda no
      meu distanciamento desse gênero. Mas há um terceiro sensível, 
      que eu chamaria de sensível central, que é o encanto de
      minha vida e que muitas vezes me traz prazeres deliciosos. Ele está 
      no meio dos três princípios: não é Sophia, mas 
      se a
      alma permanecer fiel, essa tintura torna-se a morada de Sophia: talvez essa 
      potência seja a mesma que chamais de
      89
      COROA
 Mas chega de balbuciar sobre esses mistérios. Termino 
      e rogo que continueis sempre a rezar por mim e a terme
      amizade fraterna. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      Carta 76 2 de frutidor, ano III
      Sinto como vós, meu caro irmão, como é preciso estudar 
      e perseverar para compreender nosso amigo B. Porém ele próprio
      nos adverte bastante sobre o alvo para o qual devemos tender para dispensarmos 
      os livros. Entretanto, se estivéssemos
      nesse alto grau, eu seria ainda a favor da receita do general Gichtel, de 
      que a prece é o alimento da alma e que a leitura é
      sua bebida, e seguramente a melhor bebida que poderíamos tomar é 
      o tesouro que nosso amigo B. trouxe ao mundo.
      Agradeço por vossos esclarecimentos sobre a última carta dele. 
      Mal acabei de despachar a minha, dei-me conta de meu erro
      quanto à palavra Rohr, que havia lido errado. Isso vos mostra que 
      sou o aluno mais estouvado que há. Agradeço-vos
      também pelos detalhes sobre a escola do Norte e sobre as produções 
      de vosso amigo. De acordo com o que me dizeis do
      tamanho de sua última obra e de seu conteúdo, creio ser inútil 
      para mim encetar sua leitura. Quanto aos seus números, que
      ele considera com razão como uma escala, creio que, se ele os manipular 
      apenas por adição, priva-os de sua maior virtude,
      que se encontra na multiplicação. Não posso estender-me 
      sobre esses procedimentos, desconhecidos para mim. Os meus,
      dos quais só me ocupo quando necessário, ensinam-me que cada 
      número exprime uma lei, divina ou espiritual, boa ou má,
      ou elementar, etc., como podeis ver no livro das dez folhas (alegoria impressa 
      em minhas obras) que o que distingue os
      mesmos números nas diferentes classes são as raízes 
      das quais derivam; que as raízes só são conhecidas 
      pela
      multiplicação, porque nelas desempenham o papel de fator, 
      enquanto a soma, dando somente um resultado, deixa-nos na
      incerteza sobre a classe à qual ele deve pertencer. Por exemplo: 
      na ordem divina, o 3 e o ternário santo, o 4 é o ato de sua
      explosão, e o 7 o universal produzido e a infinita imensidade das 
      maravilhas dessa explosão. Nessa classe, os números
      recusam-se a qualquer operação pela mão do homem; e, 
      se eu chegasse a qualquer um deles pelo resultado de minhas
      manipulações, com isso não descreveria esses números 
      divinos porque suas raízes nascem de seu próprio centro e 
      devem
      expandir-se em vez de se ajuntarem através de somas. Na ordem espiritual, 
      particularmente na ordem do homem, esses
      números já se afastam da esfera divina. Assim podemos manipulá-los 
      e eles nos mostrarão sempre a representação das
      mesmas maravilhas; mas simplesmente como imagens e como os Akarim197 dos 
      hebreus, isto é, vindo depois. Falo aqui
      somente dos direitos do homem, pois, sendo a sua essência a obra contínua 
      da Divindade, também não ousaria calculá-la, o
      que me fez dizer que tínhamos com Deus alguma afinidade no número. 
      Mas, quanto aos nossos direitos, o número 3
      pertence-nos apenas pelo número 12 reunido ou somado; o número 
      4 só nos é conhecido através de sua própria 
      explosão,
      ou multiplicação, que dá 16; e o número 7, que 
      é a reunião ou a soma desse 16, mostra-nos nossa supremacia 
      temporal e
      espiritual, ou a imensidade do nosso destino de homem, sem que com isso 
      mereçamos a acusação de nos igualarmos a
      Deus, uma vez que, em que pese nossa soberba semelhança com ele, 
      no entanto diferimos dele consideravelmente,
      diferença que não poderíamos simular se nos descrevêssemos 
      simplesmente como ele, através de números que
      consideraríamos primitivos, mas que não passam de resultados. 
      Esta pequena amostra pode dar-vos uma idéia da vasta
      carreira dos números, uma vez que sua propriedades, virtudes e diferenças 
      estendem-se e multiplicam-se tanto quanto as
      classes onde eles podem ser aplicados. Mas tendes razão em dizer 
      que podeis chegar ditosamente ao termo de vossa
      carreira sem esses conhecimentos: apenas esforço-me para mostrar-vos 
      que, como diz o provérbio, Nem tudo o que reluz é
      ouro. Reli todas as passagens que me citais com respeito à da pronúncia. 
      Não há nenhuma que eu não aprove de todo o
      coração, assim como não há nenhuma que destrua 
      o que vos informei sobre este assunto. Ao contrário, encontro nelas 
      uma
      que a meu favor, a do Myst. Mag., cap. 2, nº 9, onde se diz que o fiat 
      está sempre em criação. Se isso é verdadeiro 
      para o
      fiat temporal, sê-lo-á com muito mais razão para o fiat 
      espiritual; e quanto mais sua atividade está em permanência, 
      tanto
      mais me sinto levado a esperar diretamente dela a minha atividade pessoal. 
      Embora o que me fosse transmitido por um
      homem pudesse ser substancial, uma vez que o princípio dos nomes 
      deve ter um privilégio que pertença na verdade a tudo o
      que sai de nós, no entanto, eu não creria que devesse esperar 
      tantos frutos quanto se esse nome rompesse por si mesmo o
      selo que ainda o encerra, 5! perg., nº 25. Enfim, Natureza! Natureza! 
      eis o que amo em todos os gêneros e não cesso de
      recomendar a todos. Além disso, não sei se cometeríamos 
      um erro para com esse grande nome reduzindo-o a uma
      pronúncia uniforme. Talvez ele varie segundo os dons que deve desenvolver 
      em nós, uma razão a mais para apoiar minha
      idéia. Mas isso não passa de simples conjectura sobre que 
      qual nada tenho de resolvido. Tudo o que o homem tem a fazer é
      nutrir em si e reanimar nos outros o Starke Begierde198, que é todo 
      o segredo da magia. Myst. Mag., cap. II, n ? 9 e essa
      chave abrir-lhe-á todas as portas. Pela bela passagem que me enviastes: 
      Se o fogo sagrado do amor divino, etc., podeis ver
      como B., vós e eu temos sobre isso a mesma idéia. Quanto aos 
      diversos tipos de sensível, admito de bom grado as vossas
      descrições. O sensível, do fato que vos citei, é 
      de dois gêneros que caminham sempre de conformidade. O sensível 
      interior,
      ou amor, e além disso, o sensível visível, mas ainda 
      interior, não pertence ao terceiro princípio. O que impede 
      que uma
      pessoa descreia do sensível visível, embora não elementar 
      misto, é:1º, que ele veio naturalmente e sem busca humana; 2º,
      que se tornou o regulador e como que o termômetro do primeiro sensível 
      interior, a tal ponto que a retidão ou inclinação
      visível de um está sempre perfeitamente de acordo com o bom 
      ou o mau estado do outro. Considero o segundo como o
      produto da ramificação do primeiro e, se o homem lhe houvesse 
      posto a mão, eu não lhe teria tanta confiança. O mesmo
      acontece com a voz do amor e da cólera: ela também veio naturalmente; 
      também é regulador exato para o espírito e para a
      inteligência, como o outro o é para o coração. 
      Ela é também sensível sem ser o fruto dos elementos 
      e muitas vezes serve
      para confirmar exteriormente a opinião, ou antes, o tato da pessoa 
      sobre os pensamentos que lhe vêm e sobre as palavras
      90
      que emite. É tão breve e simples que não a fatiga muito. 
      O lado, a espécie de som dessa voz e a maneira de ser dessa
      pessoa são três pontos que se correspondem sempre. Nada mais 
      direi sobre essa voz, mas talvez vos dê algum prazer
      dizendo-vos que a figura da COROA em questão encontra-se, exceto 
      os ornamentos, na página 184 do Myst. Mag., com o
      triângulo como fundo. Imaginai a alegria da pessoa que, depois de 
      dezoito anos de gozo, encontra-o assim em nosso amigo
      B. com desenvolvimentos tão interessantes. Assim, se Deus continuar 
      a lançar sobre essa pessoa um olhar de misericórdia,
      ela deve esperar ter um dia grandes consolações. Amém. 
      Agradeço-vos de todo o coração, meu mui caro irmão, 
      pela boa
      receita de vosso grande doutor Haller para os olhos. Exceto quanto à 
      água na cabeça, que não adoto, obedeço a quase
      todas as recomendações que me transmitis. Nos últimos 
      trinta anos não trabalhei mesmo dez vezes à luz de velas, 
      quase
      nunca como carne salgada, ou pelo menos em quantidade tão pequena 
      que nem vale a pena falar, mui raramente tomo café,
      e mesmo assim, afogando-o numa tigela de leite, de que gosto muito. Quanto 
      ao vinho, faz-me mal, mesmo que o beba
      como os que bebem pouco, mas a água pura também não 
      me cai bem e, desde que me entendo por gente, minha bebida é
      exatamente água com uma gota de vinho. Se devo atribuir o enfraquecimento 
      de minha visão a algumas violações do regime
      acima, posso também imputar uma parte à debilidade de meu 
      físico, que, embora tenha boa aparência, está, no entanto,
      abaixo do de uma criança quanto à força e, por essa 
      razão, não consegue suportar, tanto quanto as outras pessoas, 
      o
      esforço corrosivo do tempo. Não posso deixar de considerar 
      como mais um fator a minha última estada em Paris, e desde
      meu retorno, levando uma vida menos restrita e tendo uma alimentação 
      melhor, percebo que meus olhos, assim como toda a
      minha pessoa, retiram disso algum proveito tanto quanto possível. 
      Felicito-vos por terdes sob vosso teto uma imagem de vós
      mesmo que recreia vossos ouvidos com sua harmonia. Se a sorte permitir que 
      um dia nos encontremos, talvez eu tenha a
      audácia de me oferecer para acompanhá-la com meu violino, 
      pois ocupei-me com isso na juventude e, embora o que me
      resta seja pouco, entretanto ainda arranho um pouco de vez em quando e não 
      nenhuma ocasião me animaria mais do que a
      de contribuir em vossa recreação. Avisam-me de Paris que a 
      encomenda partiu para Basiléia há muito tempo e que, por
      receio de que se haja perdido, vão expedir uma segunda. Creio que 
      seria bom se prevenísseis o coronel Oser para que
      desse fizesse pesquisas e tomasse providências junto às pessoas 
      enviadas pelo embaixador da Suécia a Nápoles. Adeus,
      meu caro irmão. Recomendo-me sempre às vossas preces. Refletistes 
      sobre o oitavo planeta, descoberto por Herschell199º
      Ficaria bem satisfeito se me désseis vossa opinião sobre a 
      maneira de conciliar essa descoberta com o sistema quinário200
      dos planetas seguido por todos os sábios e também por nosso 
      amigo B. SAINT-MARTIN
      197
      198 Cobiça negra
?
      199 Astrônomo alemão, descobridor de Netuno em 1781.
      200 Aqui surge uma dúvida: o original traz, que poderia ser 5º 
      (quinto). Interpretei-o como quinário. A tradução para 
      o inglês
      apresenta 5ry e lança a pergunta: Qy. 7ry? Acreditva-se que só 
      havia sete planetas. Netuno é o oitavo. Mas veja-se a
      explicação dada pelo autor.
      Carta 77 M
, 9 de setembro de 1795
      Vossa carta detalhada de 2 de frutidor causou-me uma satisfação 
      muito real. Uno-me também a vós, meu caro irmão, e 
      ao
      general Gichtel, que considerava a leitura como a bebida da alma. A leitura 
      dos livros ditados pelo bom espírito é um bom
      meio empregado pela Providência para o nosso progresso: aproveitemos 
      esse favor. Nosso amigo encontrou-se numa
      posição diferente, embora o sol não brilhasse nem sempre 
      para ele, pois em certos momentos ele tinha dificuldade em
      compreender suas próprias obras. Vede Ep. 12, 11. Agradeço-vos 
      também pelos detalhes sobre os números que tomaste o
      trabalho de me enviar. Vós me confirmais em minhas idéias: 
      o general G. jamais soube uma palavra sobre os número; e
      nosso amigo B. adquiriu seus conhecimentos antes de haver ouvido falar dos 
      números. Ep. 12, nº 6, lin. II. Quanto ao meu
      amigo de M
, eu poderia um dia escrever-vos algumas linhas sobre suas 
      idéias principais, porém confesso-vos de bom
      grado que não sinto nenhuma inclinação para o estudo 
      dos números. Suponhamos, por um momento, de acordo com seu
      modo de considerar as coisas, que o conhecimento dos signos primitivos, 
      havendo-o conduzido a formas, a meios, um
      desses meios (medium) lhe tenha fornecido uma manifestação. 
      Mas o inimigo não tem também um medium? Esse medium
      não é o espírito do mundo? E não se junta este 
      último de mui boa vontade ao medium do operador, etc., etc., etc.? 
      São
      essas as minhas conjecturas. Informai-me se estiver enganado. Além 
      de essas vias ainda darem de ordinário o que não lhes
      é pedido, o com o qual não se sabe o que fazer, sei que há 
      também pessoas que trabalham de maneira totalmente
      elementar, deixando cair uma raio de sol em dez vidros de cristal dispostos 
      de maneira misteriosa: então conseguem, com a
      refração desse raio, de acordo com o que elas pretendem, a 
      manifestação das verdades e das virtudes imutáveis. 
      Já ouvistes
      falar desse caminho? Há quinze anos uma experiência assim teria 
      provocado toda a minha curiosidade. No momento, não
      sei o que me aconteceu, provoca toda a minha indiferença. Todas as 
      coisas parecem estar distanciadas do verdadeiro
      caminho: longe de querer operar fora, é até necessário 
      que renunciemos a operar dentro, ou seja: devemos dizer a nós
      mesmos que, para ter êxito, é preciso que o bem seja feito, 
      não por nós, mas por aquele que habita em nós; que 
      para nos
      dirigirmos bem, não é necessário que nos dirijamos 
      por nossa vontade e por nós mesmos, mas unicamente pela vontade
      daquele que reside em nós; que as verdades cujo conhecimento é 
      necessário para operar nossa salvação não sejam
      encontradas e pensadas por nós, mas por aquele que aperfeiçoa 
      e corrige nosso pensamento; que até nossas preces, por
      mais assíduas que possam ser, não têm força alguma, 
      eficácia alguma, agindo somente na fonte da qual derivam, se não
      91
      desejarmos, se não pedirmos para obter, pela vontade pela força 
      do Todo-Poderoso, e não de acordo com nossa vontade e
      nosso poder. Como e até que ponto as preces de uma pessoa, embora 
      ardentes, são ouvidas, é o que vemos em dois
      exemplos bem surpreendentes e que várias pessoas poderiam tomar, 
      antes de tudo, como fatos miraculosos, embora no
      fundo elas não derivem senão de um maravilhoso muito subalterno. 
      Encontra-se o primeiro exemplo na vida do general
      Gichtel, da qual vos transmiti um resumo: foi a prece ardente da viúva, 
      prece que subiu tão alto quanto a fonte da qual
      desceu e que produziu a manifestação que fazer o general decidir-se 
      a desposar a viúva. Mas ele logo viu que nada disso
      descia de um ponto bastante elevado e não se deixou desviar. O segundo 
      exemplo é um fato conhecido de todos os homens
      instruídos na Inglaterra e que se encontra registrado numa excelente 
      obra que Leland201 publicou contra os deístas. O fato
      aconteceu a Lord Herbert de Cherbury, adversário célebre da 
      Religião Cristã; ele próprio o contou. Lord Herbert 
      estava em
      dúvida sobre se devia publicar sua obra favorita, seu livro De Veritate202. 
      Sozinho em seu quarto num dia de verão, não
      estando o horizonte coberto por qualquer nuvem nem ao ar agitado por vento 
      algum, sua janela achava-se aberta para o sul
      e a natureza estava em perfeita calma. Tomando nas mãos o livro De 
      Veritate, Herbert põe-se de joelhos e roga a Deus,
      caso a publicação de seu tratado não possa servir à 
      sua glória, que lhe dê um sinal de aprovação, 
      caso contrário ele não a
      publicaria. Mal acabara de pronunciar essas palavras, ouviu sons claros 
      de suaves que vinham do céu, de um ponto que ele
      podia localizar perfeitamente. Herbert ergueu-se acreditou que sua prece 
      fora ouvida e atestaeq diante de Deus, em sua
      obra, a verdade desse fato. Leland não o negou, mas não soube 
      explicá-lo e acreditou que fora uma produção da imaginação
      exaltada de um autor ciente da boa qualidade de sua obra. Mas eu creio que 
      se o general Gichtel tivesse tomado
      conhecimento desse fato, tê-lo-ia explicado de maneira diversa. O 
      ponto supremo na obra de nossa regeneração é, pareceme,
      o de chegar a dominar, com a ajuda de Deus, tudo o que não vem dele. 
      Mas acautelemo-nos bem para não destruirmos
      sua obra; e nossa razão, aclarada aos poucos por ele, é também 
      obra sua. Chego ao ponto de vossa carta onde tivestes a
      gentileza de me comunicar vossas reflexões sobre a pronúncia. 
      Concordo de todo coração e toda alma com o trecho em que
      dizeis: "Eu não creria que devesse esperar tantos frutos quanto 
      esperaria se esse nome rompesse por si mesmo203 o selo
      que ainda o encerra." Isso corresponde perfeitamente ao meu axioma. 
      Para que uma coisa, neste gênero, seja bem feita. É
      preciso que o própria Deus a faça. As criaturas não 
      devem esquecer-se de que não passam de instrumentos, pois, já 
      que
      querem tornar-se fazedoras, a obra então leva-lhes a marca.204 O 
      que me dizeis sobre o sensível visível é bem diferente
      daquele do qual vos falei em minha última carta sob o nome de maravilhoso 
      subalterno. Ele veio,205 naturalmente, sem ser
      buscado pelo ser humano, e acompanha sempre o sensível interior. 
      Falai-me novamente, por favor, dessa pessoa e de seu
      estado. Desde o princípio e desde os anos de seu primeiro desenvolvimento 
      o sensível interior foi sido acompanhado pelo
      sensível visível? Dizei-me também, por favor, como 
      foi que essa pessoa chegou a essa coroa. Certamente a origem era o
      aniquilamento; esse nada não foi conduzido na representação 
      do prazer ligado à visão interior; dessa representação 
      basta
      um passo para querer fruir desse prazer; esse querer teria produzido desejos 
      e os desejos teriam produzido as formas. Tudo
      isso merece não somente a atenção daqueles que refletem 
      sobre esses assuntos, mas ainda o conhecimento da pessoa que
      goza desse favor. Die Starke Begierde, da qual me falais, terá talvez 
      tido a melhor parte na formação desse tesouro. Desejo
      do fundo da alma todas as consolações de nosso benfeitor, 
      às quais ele naturalmente deve esperar. Seria um extremo prazer
      para mim se a sorte permitisse uma vez que pudéssemos vernos, e minha 
      filha ficaria bastante feliz de vos acompanhar com
      seu cravo. Escrevi ao coronel Oser. Respondeu-me ele que não tinha 
      podido descobrir até agora qualquer sinal de um
      pacote enviado a ele de Paris. O mais seguro, talvez, seria enviar o pacote 
      de Monsieur Oser desde Paris, endereçado à
      embaixada francesa em Basiléia. A descoberta de Urano por Herschel 
      não me causou grande sensação. Suponho que essa
      descoberta será confirmada, ou seja: que Urano pertence ao nosso 
      sistema planetário e a nenhum outro, o que talvez exija
      ainda algum tempo antes de podermos então afirmar, com certeza, que 
      é mais um planeta. Nosso amigo, não havendo ele
      mesmo feito observações, tomou o número observado por 
      seus contemporâneos. Esse número não me parece tão
      importante para haver merecido uma revelação superior, tão 
      pouco o sistema de Ptolomeu e o de Tycho206. Para se
      fazerem compreendidas, as Sagradas Escrituras falam de acordo com aquilo 
      que atinge os sentidos, de acordo com o
      empírico, e não de acordo com o científico, que, no 
      entanto, era o verdadeiro, mas que ninguém de nossa época 
      havia
      compreendido. Abraço-vos de todo o coração, meu caro 
      e respeitável irmão, e rogo-vos não vos esquecerdes 
      de mim em
      vossas preces. P.S. Há um assunto sobre o qual gostaria muito de 
      ter vossa opinião. Credes que, como os princípios de
      nosso amigo B. se possa, não digo conjecturar, mas provar que as 
      almas, depois de se separarem do corpo, se
      correspondam entre si e que as do mesmo tipo continuem as ligações 
      que tiveram no mundo? É uma opinião geralmente
      estabelecida de que reveremos os amigos num outro mundo. Mas, até 
      agora, só encontrei verossimilhanças, sem qualquer
      outra prova, nem nas Escrituras nem nas obras de nosso respeitável 
      amigo B., que teria podido emitir essa opinião com
      certeza. Naturalmente a época da qual falo é a que precede 
      o juízo final e que começa após nosso decesso. Como 
      a certeza
      dessa opinião se prende a muitas coisas, peço que reflitais 
      sobre isso com seriedade. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      201 John Leland, ou Leyland, (1506-1552). Bibliotecário de Henrique 
      VIII, catalogou e recolheu numerosos manuscritos nos
      mosteiros em vias de dissolução.
      202 Sobre a Verdade.
      203 Grifo de Kirchberger de Liebistorf.
      204 Nota para o editor : no original, as aspas fecham aqui, mas na carta 
      de Saint-Martin a citação pára em "qui le selle
      encore" (que ainda o sela).
      205 À revisão: usar essa vírgula? Sua retirada altera 
      o sentido da frase.
      92
      206 Tycho Brahe, astrônomo dinamarquês.
      Carta 78 Amboise, 26 de frutidor, ano III
      Escrevo-vos às pressas, e no primeiro pedaço de papel que 
      encontro, caro irmão, para vos avisar de que Monsieur de Wit,
      ministro plenipotenciário dos Estados Gerais junto aos cantões 
      helvécios, está encarregado, pelo embaixador da Suécia, 
      dos
      dois exemplares de minha brochura e que ele partiu para Berna, onde se dirige 
      diretamente. Tomai agora as vossas
      providências para conseguirdes o pacote. Faz algum tempo que vos escrevi 
      enviando-vos alguns detalhes sobre os números,
      sobre os diversos sensíveis e sobre a COROA. Ficaria satisfeito em 
      saber se os recebestes. Voltei à minha terra natal para
      assistir à assembléias primárias. Mesmo que eu possa 
      ter dito e feito qualquer coisa para evitar ser eleitor, sou um deles, o
      que me diverte um pouco, mas se há alguns inconvenientes nesse assunto, 
      pelo menos posso dizer que não foi por minha
      vontade, o que me consola de tudo. Além do mais, ser eleitor não 
      é ser representante e não estarei ocupado por mais do que
      oito ou dez dias. Desde meu regresso não pude deixar de visitar a 
      biblioteca na qual trabalhei no ano passado e saudar a
      irmã Marguerite do Santo Sacramento. Essa pessoa é verdadeiramente 
      um prodígio de virtude, assim como nosso amigo B.
      é um prodígio de luzes. Até perdôo de mui bom 
      grado a essa boa religiosa por todas as carolices de seu estado quando vejo
      a pérola e o ouro puro no fundo do crisol. Ela também já 
      foi general de exército, como nosso amigo Gichtel, e rechaçou 
      os
      exércitos inimigos que haviam penetrado na Borgúndia ameaçando 
      a cidade de Beaune, onde se situava seu mosteiro. Além
      disso, numerosas comunicações do mais alto tipo, cujos raios 
      atravessam toda a obra, que é apenas um resumo, são
      conformes a todos os nossos grandes princípios. Na ordem executiva, 
      creio que essa pessoa esteja no grau mais sublime,
      assim como o nosso amigo está para a ordem instrutiva. Adeus, meu 
      mui caro irmão, oremos e tornemos a orar. Se
      soubésseis como nós, os eruditos, estamos longe de progredir 
      na prece como estava nossa boa Marguerite! Coro de
      vergonha por causa disso. Busquei essa obra em todas as livrarias de Paris 
      e não consegui encontrá-la. SAINT-MARTIN
      Carta 79 Veuilly, 10 de outubro de 1795
      Espero, caro e respeitável irmão, que tenhais recebido minha 
      carta de 9 de setembro, na qual acusava o recebimento da
      vossa de 2 de frutidor, acrescentando-lhe algumas perguntas sobre as quais 
      espero vossos esclarecimentos, com o desejo e
      a ansiedade que antecede sempre a recepção de vossas cartas. 
      Na carta de 26 de frutidor falais de dois exemplares de
      vossa obra, com a chegada de Monsieur de Wit aqui. Desde que soube de sua 
      chegada a B. encarreguei a uma pessoa de
      confiança de pedir-lhe meu pacote, Monsieur de Wit, tendo terminado 
      sua missão, partiu para a Holanda ao fim de três dias,
      antes que meu mensageiro lhe houvesse podido perguntar o que eu queria saber 
      dele. Assim, minha espera já teve de
      suportar vários contratempos. A via do embaixador da Suécia 
      para a da França em Bade e, de lá, pelo coronel Oser até
      chegar a mim, parece-me ainda mais segura, pois nem todos os embaixadores 
      concluem seus negócios no prazo de três
      dias. De tempos em tempos recebo sempre cartas do meu amigo de M
[Munique], 
      que está tão contente com seus números
      que será preciso, quer eu queira, quer não, pôr-me a 
      par do mais significativo gênero para poder falar sua língua. 
      Se tiverdes
      alguns momentos de lazer, tende a bondade de dizer-me o que ele entende 
      exatamente por 3 in 4/7. Ele ama os números
      porque, aparentemente, lhes deve muito. O que há de bem certo é 
      que o nosso amigo de M
 é um homem raro, seja qual
      for o caminho pelo qual a Providência o haja conduzido. Se eu não 
      estivesse sobrecarregado de negócios, tentaria fazer um
      resumo de sua doutrina sobre os números para vo-la enviar; é 
      infinitamente mais complicada do que a que vos mandei. Ele
      me garantiu recentemente que jamais aprendera nada de ninguém sobre 
      os assuntos concernentes à pneumatologia. O que
      me dissestes sobre a COROA, em vossa carta anterior, causou-me impressão, 
      fazendo nascer em mim o desejo de saber
      por qual caminho a pessoa da qual me falais chegou à posse desse 
      tesouro. Foi por uma vontade forte e permanente de
      conseguir essa vantagem ou pelo abandono sem vontade clara que ele o conseguiu? 
      A notícia da escolha feita por vossa
      comuna causou-me verdadeira satisfação. Isso é um bom 
      sinal do espírito público que reina entre vós. Dos 
      corpos eleitorais
      depende a salvação de vossa pátria; e sou informado 
      de que em vários locais os eleitores foram muito bem escolhidos.
      Assim, podemos esperar representantes sábios e moderados, pois, se 
      desejamos a paz, como o creio, não há dúvida de que
      a moderação encerre a única probabilidade para concluí-la. 
      Mil agradecimentos pelo que ainda me dizeis sobre a admirável
      irmã Marguerite. Ficaria encantado de conhecê-la um pouco. 
      Estou aqui para a vindima à beira do lago, que fica defronte a
      Morat, completamente sozinho com meu contador e um doméstico. A vida 
      de Antoinette Bourignon caiu-me por acaso nas
      mãos. Vinha acompanhada por um de seus tratados; apesar da má 
      tradução feita por alguém que não conhecia nada 
      da
      língua alemã, os raios do fundo atravessaram todas as nuvens 
      e vi, contrariamente ao que ouvira dizer em detrimento dessa
      jovem, que tratava-se de coisa muito boa. Farei perquirições 
      para ter suas obras em francês. Ela era uma grande admiradora
      de nosso amigo B. O general Gichtel viu-a em Amsterdam, mas não pôde 
      entrar em entendimento. Descobri o pequeno
      ponto que os separava e que não passava de um malentendido. Nosso 
      general acreditou que a vocação dessa jovem devia
      assemelhar-se à sua e foi nisso, creio, que ele se enganou. Vede 
      que a li com bastante imparcialidade, uma vez que a
      autoridade do general não alterou minha opinião sobre ela. 
      Adeus, meu respeitável irmão, lembrai-vos sempre de mim em
      vossas preces. Orai juntamente comigo para que a Providência faça 
      com que todos os homens de desejo atinjam o porto,
      93
      fazendo com que consigam a única coisa que lhes pode dar vida. Nisi 
      manducaveritis carnem Filii hominis, et biberitis ejus
      sanguinem, non habebtis vitam in vobis.207 KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      207 Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes 
      o seu sangue, não tendes vida em vós me smos. (João
      6:53.)
      Carta 80 Tours, 28 de vindimário, ano IV (18 de outubro, v. est.)
      Aguardo vossa segunda carta, senhor, para responder à anterior. É 
      necessário tomar uma decisão sobre mus pacotes. Para
      remediar isso, não vejo outra medida a tomar senão a de enviar 
      uma ordem de pagamento para o impressor, e fareis isso de
      modo a encontrar alguém em Paris que receba o dinheiro e se encarregue 
      de vo-lo remeter envio. A ordem segue em anexo.
      Os princípios que expondes em vossa carta de 9 de setembro são 
      quase todos reconhecidos e aprovados entre nós dois.
      Assim, não tornarei a falar sobre os meios mecânicos que desdenhais 
      com razão, nem sobre as experiências enganosas de
      tantas pessoas, como a aventura de Lord Herbert. O que foi decidido deve 
      ser mantido. Vosso gosto perquiridor vos leva a
      querer sondar a origem da COROA. Acho que lhe faríamos mal se a buscássemos 
      em outro lugar além dela mesma. É um
      caso em que a ciência prejudicaria a verdade; e estejamos certos de 
      que, quanto mais simples um ciência, maior ela é.
      Admito, se o quiserdes, essa genealogia de nada, de representação, 
      de querer, e de formas; para mim, tudo isso não passa
      de acessório, talvez mesmo dos envoltórios com a coisa vela 
      sua operação. O que há de verdadeiro, de profundamente
      verdadeiro, é que essa COROA está semeada em todos os homens 
      e que, como todo grão dá fruto, não é de admirar 
      que
      ela produza o seu na época certa. E a forma desse fruto deriva simplesmente 
      da natureza da raiz, sem que a ação de nossos
      desejos tenha tomado parte nela, a não ser para deformá-la. 
      Vede a resposta na primeira das 40 perguntas. Desde o começo
      a COROA foi designada tal como é em várias outras passagens 
      de nosso caro B. eis a raiz eterna de nossa eterna planta, da
      qual devemos nutrir-nos na eternidade. Amém. Não creio que 
      nosso amigo B. tenha sido indeciso como vós sobre o nosso
      sistema planetário. Ele propôs o número dele tantas 
      vezes que sobre isso não deixou dúvida alguma, e, se lembrardes 
      os
      Sieben Eingeschaften208 da natureza eterna, de onde deriva o sistema, concordareis 
      comigo. Eu mesmo só posso livrar-me
      da dificuldade admitindo, como ele, apenas sete princípios de operação, 
      mas sem limitar com isso o número de órgãos de
      operação. Não passa de uma hipótese lançada; 
      um dia será esclarecida. Quanto à vossa pergunta sobre a correspondência
      das almas antes do juízo final, talvez vos lembreis do que foi dito 
      pelo nosso amigo sobre aquelas que se apresentam ainda
      durante algum tempo após a morte corporal, enquanto ainda não 
      se dissipou a substância sideral da qual estão
      impregnadas. Não sei em qual passagem ele expõe esse princípio 
      e não posso encontrá-lo aqui, pois não trouxe suas 
      obras
      numa viagem curta, na qual nem mesmo teria tido tempo de usá-las, 
      mas creio que nos Três Princípios encontrareis alguma
      coisa que vos satisfaça. Além disso, trata-se aqui somente 
      dos amigos segundo o espírito do mundo, e não é isso 
      o que nos
      importa, uma vez que, ao contrário, é uma infelicidade que 
      esses relacionamentos se prolonguem no além-túmulo. E não 
      é
      menos verdade que, com muito mais razão, os outros devem prolongar-se 
      da mesma forma. Assim, vede o que nosso amigo
      B. diz das sociedades dos santos no paraíso; vede o que as Escrituras 
      ensinam sobre isso quando nos dizem, quando da
      morte de cada patriarca, que ele se reunia ao seu templo; vede, também 
      no capítulo 15 do segundo livros dos Macabeus
      (acrescentando-lhe, entretanto, somente o grau de fé que puderdes), 
      o sonho de Judas Macabeu, em que o sumo sacerdote
      Onias e o profeta Jeremias, ambos já mortos, apresentam-se, no entanto, 
      numa santa união de zelo pelo povo judeu, etc.
      Dou-vos, senhor, todas as provas testemunhais que tenho sobre esse ponto. 
      Quanto ao fundo da questão, não podemos
      depois de refletirmos um pouco sobre os princípios; e se não 
      se refletimos de maneira bem madura, as provas testemunhais
      têm peso medíocre. Vamos à vossa segunda carta. Enviei-vos, 
      antes de minha penúltima carta, um pequeno resumo de
      minha idéia sobre 3-4/7. Nosso amigo B. disse tudo isso ao nos expor, 
      conforme o fez, o eterno ternário surgindo no quatro, e
      agindo em concordância com ele na universalidade da manifestação 
      setenária que, por esse meio, não é outra coisa senão
      ele mesmo, e jogo vivo da eterna aliança, pela qual a eterna liberdade 
      se encontra ao mesmo tempo dentro e fora. Nada
      posso dizer-vos sobre a idéias de nosso amigo B. com relação 
      a essa imensa base, uma vez que não a conheço. Se, não
      obstante vossas ocupações, tiverdes tempo de lançar 
      no papel, mesmo intermitentemente, alguns trechos desses princípios
      sobre esse assunto, eu teria proveito com isso e vos daria minha opinião. 
      Não fico nada surpreso de esses conhecimentos
      lhe tenham advindo naturalmente. Voltais ao assunto da origem da COROA; 
      não foi a vontade forte de consegui-la, pois com
      toda certeza a pessoa nem sabia que essa COROA existia. Nem direi que isso 
      aconteça pelo abandono sem vontade
      distinta, pois a vida toda essa pessoa teve um profundo desejo de sair do 
      abismo, sempre colocando Deus acima de tudo.
      Mas eu vos remeto à primeira página de minha carta, repetindo-vos 
      que isso é uma frutificação natural. Nessa pessoa o
      sensível interior existiu por muito tempo antes do sensível 
      visível. Mas cresceu desde então e todos os dias continua
      crescendo para ela. Ela espera, antes de morrer, um desenvolvimento mais 
      considerável ainda. Seja feita a vontade de Deus.
      Amém. Nossa tarefa eleitoral acabou, para satisfação 
      geral. Volto imediatamente para casa, mas não sem projetos para
      alguns outros pequenos cursos. porém continuai a escrever-me para 
      o mesmo endereço, até nova ordem. Acreditei que
      poderia colocar Marguerite ao menos na mesma linha do general Gichtel. Ele 
      rechaçou os inimigos, ela anunciou
      antecipadamente a derrota dos seus, notadamente a do exército austríaco, 
      comandado pelo general Galas, em 1636. Ele
      dormia muito pouco; ela não dorme nem um pouco. Quanto à Bourignon, 
      de quem falastes, creio como vós que era mui
      excelente, e tentarei também consegui-la, se pudermos conseguir alguma 
      facilmente. Mas neste momento é impossível. É
      preciso aguardar a restauração prometida de nossos negócios, 
      que me agrada esperar de nossa nova constituição e da
      94
      atividade de nosso governo. Felicito-vos por poderdes caminhar em paz e 
      com vagar nas margens tranqüilas de vossos
      lagos. Nós, seis anos há que caminhamos nas margens do fogo, 
      com o temor contínuo de cair dentro dele. Mas já aprendi
      bastante que Deus está por toda parte para ter a felicidade de não 
      o ter perdido de vista de modo algum durante as
      tempestades permanentes; e gosto de pensar que elas serão coroadas 
      para nós com doces consolações. Digamos sempre,
      no entanto: Seja feita a sua vontade. Amém. Adeus, meu caro irmão, 
      apoiai-me em minha obra com vossas preces. SAINTMARTIN
      208
      Carta 81 M
, 7 de novembro de 1795
      Nada de mais verdadeiro, meu caro e respeitável irmão, de 
      que a COROA esteja semeada em todos os homens e que, no
      tempo apropriado, produza seu fruto. Talvez a mão de nossos desejos, 
      que tendem diretamente a possuir o fruto dessa
      COROA, em nada contribua para consegui-lo. Entretanto, sem termos uma vontade 
      forte, sem toda a nossa energia e toda a
      nossa perseverança, jamais chegaremos até ele. Isso, à 
      primeira vista, parece um paradoxo, mas não o é. Concordo
      inteiramente convosco, embora no fundo minha opinião sobre esse ponto 
      signifique bem pouca coisa, "que o sete princípios
      de operação de nosso amigo B. não limitam de maneira 
      alguma o número de órgãos da operação"209. 
      Quanto à minha
      pergunta sobre a correspondência, ela só será resolvida 
      de maneira prática quando tivermos rasgado o véu que separa 
      um
      princípio do outro; mas isso exige energia. 15, Perguntas, 26, 13. 
      Muito vos agradeço pelos resumos da explicação do
      hieróglifo 3-4/7. Vejo agora que isso quer dizer em francês 
      que Deus está no homem e com o homem produz todas as
      verdadeiras manifestações. É um princípio que 
      nenhum de nós jamais pôs em dúvida. O meu amigo de M
 
      torna-se mais
      interessante a cada dia que passa, sobretudo a partir do momento em que 
      ele me responde em belo e bom alemão, e que
      não se envolve mais em enigmas. Em sua última carta diz-me 
      ele, dentre outras coisas, "que o nome que está acima de
      todos os nomes é diferente do nome do Tetragrama e do de J. H. V. 
      H." A propósito da citação desses grandes nomes, 
      ele
      louva muito a passagem de vosso Quadro Natural, t. II, pp. 98, 99 e 143, 
      que neste momento não está comigo. Quanto a
      mim, em minha estreita esfera, creio que o nome do qual se faz menção 
      no livro do Êxodo, 6:3 e o que meu amigo me faz
      entrever são os mesmos; e que encontramos esse nome sublime nos livros 
      sagrados, uma vez que São Pedro o pronuncia
      com todas as letras. Atos, 3:6, Item 4:10-12. Talvez, dentro de bem poucos 
      dias, eu trave conhecimento com a interessante
      irmã Marguerite. Não imaginais como, já desde algum 
      tempo, as riquezas desse tipo se acumulam em meu escritório. Há
      bem pouco tempo descobri os escritos de um homem do mesmo poder do nosso 
      general. A confrontação dessas diversas
      testemunhas que, cada uma do seu lado, iluminam um novo canto da grande 
      doutrina, é para mim tão útil quanto satisfatória.
      Felicito-vos por haverdes terminado vosso trabalho eleitoral. A França 
      não tem nada de mais na reunião de energia de todos
      os membros bem pensantes e moderados da Convenção. Como após 
      sua partida Monsieur de Wit talvez se tenha lembrado
      de que ainda tinha um pacote para mim, acabo de receber e de ler com igual 
      satisfação a vossa obra a que chamais de
      brochura: é o livro mais profundo que já foi escrito sobre 
      a revolução francesa; uma página desse livro contém 
      mais verdades
      importantes do que seis mil volumes que talvez fatigaram a imprensa por 
      ocasião desse acontecimento. Destes a solução
      das maiores dificuldades na teoria da ordem social; deste-la sobretudo com 
      a sabedoria necessária para não ferir demais os
      preconceitos. E quanto aos grandes princípios religiosos, também 
      admirou-me o não haverdes empregado os livros sagrados
      como provas fundamentais: era muito mais conveniente apresentá-los 
      como confirmações necessárias. A parte política 
      de
      vossa obra contém verdades grandes e luminosas. É sobretudo 
      para o estado presente da França que se encontram nela
      consolações e remédios admiráveis. Mas após 
      um reflexão madura e sólida, eu não poderia, de maneira 
      alguma, aconselharvos
      escolher a época atual para que ela seja traduzida em alemão. 
      O mundo é certamente um grande hospital em que cada
      nação ocupa um quarto, mas, embora todos os apartamentos estejam 
      infectados de doenças do mesmo tipo, essas doenças
      e os indivíduos por elas atormentados não são, no entanto, 
      da mesma espécie; e sobretudo essas doenças não se
      manifestam com o mesmo grau de intensidade: assim, o mesmo remédio 
      que produziria maravilhas numa parte da
      construção provocaria um efeito inteiramente oposto em outro 
      canto dessa casa de inválidos. É preciso que haja muita
      circunspecção antes de se dar o conselho para se usar o bisturi 
      num abcesso mortal. Um Estado em crise precisa de um
      regime diferente daquele que é necessário a um país 
      que não está ainda. Mas, tomando as coisas como um todo, e 
      reunindo
      todos os raios da circunferência no centro, aonde provavelmente chegarão 
      com o passar do tempo, admiro, assim como vós,
      os decretos da Providência. Enviarei, na primeira ocasião, 
      um exemplar ao meu amigo de M
 Adeus, meu caro e respeitável
      irmão. Oremos sempre uns pelos outros. Para mim, é um dever 
      que se tornou mui caro à minha alma. KIRCHBERGER DE
      LIEBISTORF
      209 Diz a carta (n ? 80): "apenas sete princípios de operação, 
      mas sem limitar com isso o número de órgãos de operação".
      Carta 82 Amboise, 7 de frimário, ano IV
      Não, meu caro irmão, não há paradoxo em vossa 
      primeira proposição. Sem os nossos desejos, nada poderíamos 
      conseguir,
      mas os nossos desejos dever ter como objeto exclusivo a nossa união 
      com Deus e o cumprimento de sua vontade. Quando,
      em seguida, ele julga oportuno servir-se de nós ou conceder-nos algum 
      favor, não é embaraçado por seus meios. Assim, é
      95
      com esses meios que devemos inquietar-nos. Lede nos Três Princípios, 
      cap. 27, nº 20. Parece-me que neles encontrareis
      qualquer coisa que vos ajudará sobre as correspondências e 
      que me pareceu vir em apoio daquilo que vos disse em minha
      última carta. O hieróglifo 3-4/7 é o texto dessa proposição, 
      da qual dizeis que nenhum de nós jamais duvidou e acho que é
      prazeroso poder ler nos textos dessas altas verdades que tanto perderam 
      por estarem encerradas nas nossas línguas
      vulgares e nas simples regiões das idéias comuns. O vosso 
      amigo de M
[Munich] também interessa-me muito segundo
      vossos relatos. O que ele diz sobre os nomes divinos vai, talvez, mais longe 
      do que pensais. O nome de que fala o Livro dos
      Atos está acima do Tetragrama, disso não tenho dúvida 
      alguma, mas também estou certo de que existe um que nos espera e
      que estará ainda acima do que o que está nos Atos. O nome 
      citado nos Atos é o caminho exclusivo da libertação.
      Precisaremos em seguida do nome do gozo; é este que está prometido 
      no Apocalipse, é somente ele o nome que ninguém
      conhece, exceto aquele que o recebe. Caminhemos com muito respeito, meu 
      caro irmão, nessa alta carreira. Aí é que se
      dissipam nossa razão e nossos conhecimentos: diante dessa grande 
      luz. Confesso-vos que experimento ardorosos desejos
      de ver esse amigo de Munique, tal como vós. Talvez a França 
      se esteja aproximando do termo de suas terríveis provas e
      talvez a boa Providência me forneça meios para me satisfazer, 
      pois, quanto a mim, não vejo nenhum meio par sair disso,
      haja vista a ruína total de nossos assignats, o que faz com que eu 
      mesmo, que tenho bens bastante consideráveis para um
      modesto indivíduo, tenha dificuldades para ter uma vela e sapatos. 
      Mas enfim, se o sol raiasse para nós, com toda certeza
      meus primeiros passos se dirigiriam para os vossos cantões, pois 
      a conversa com pessoas instruídas me seria de maior
      proveito do que minhas leituras solitárias. Dizei-me, por favor, 
      se vosso amigo de M
 fala francês. Conheço tão 
      pouco do
      alemão, e sobretudo do alemão necessário para falar, 
      que considero como nada o que sei. Felicito-vos pelas descobertas
      que fazeis todos os dias. A irmã Marguerite com toda certeza vos 
      interessará por causa de suas virtudes, quando for seus
      conhecimentos. Quanto ao meu escrito sobre a política, ele jamais 
      recebeu tanta honra como a que lhe fazeis; em meu país
      mal olharam para ele. Minha nação não está mais 
      madura do que as outras para as noções profundas; assim, expus 
      as
      minhas apenas por consideração para com um amigo que me instava 
      a escrever, mas eu sentia que, ao propor a pedra
      angular, era necessário que ela fosse rejeitada210. Nem por isso 
      deixo de acreditar que fiz uma boa obra da qual o grande
      mestre irá lembrar-se, e é tudo o que preciso. Aprovo vossa 
      reserva sobre a tradução em alemão. Creio, assim como 
      vós,
      que não é a hora, e isso seria mais perigoso em vossa terra 
      do que na nossa onde, como conseqüência de nossa revolução,
      tudo poderemos dizer, não tendo outra punição a sofrer 
      senão a de não sermos lidos, se não gostarem. Embora 
      tenhais
      recebido o pacote, podeis servir-vos ainda do dinheiro que vos enviei, se 
      o desejardes, e se encontrardes em vosso caminho
      alguma pessoa a quem convenha essa leitura. Esta manhã eu pensava 
      na pessoa de Zurique [Lavater], mas não sei se isso
      lhe agradaria Pensava também na mão alheia da qual vos servis 
      para me escrever, pois várias de vossas cartas,
      principalmente a primeira, não apresentam a mesma caligrafia. Conheceis 
      o grau de inteligência dessa mão alheia para
      empregá-la? E credes, sem inconveniente, fazê-la participar 
      das maravilhas com que ambos nos ocupamos? Compete à
      vossa sabedoria decidilo. Peço-vos meu caro irmão, que me 
      digais se a palavra Schiemen, 40 Perguntas, I, 216, quer dizer
      sombra. Não a encontro em meu dicionário e é esse o 
      sentido que recebe no inglês. Adeus, meu caro irmão, que Deus 
      cos
      cumule cada vez mais com suas bênçãos. SAINT-MARTIN
      210 Referências a Salmo 118:22: "A pedra que os construtores 
      rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular.";
      Mateus, 21:42 e Marcos, 12:10. Algumas traduções dizem: cabeça 
      de esquina.
      Carta 83 13 de dezembro de 1795
      Eu teria respondido imediatamente, meu caro e respeitável irmão, 
      à vossa carta de 4 de frimário se não tivesse sido
      impedido. Estou de volta à capital e os negócios chovem em 
      cima de mim. Nosso amigo B., nos Três Princípios, cap. 27, 
      nº
      20, fala da impossibilidade de comunicação entre almas heterogêneas, 
      das quais uma, após o despojamento terrestre,
      encontra-se no seio do Eterno, e a outra, que é imperfeita e ainda 
      rasteja na terra, et vice versa. Mas, a comunicação dada
      pelo assunto de uma de minhas cartas considerava a possibilidade de uma 
      comunicação entre duas almas homogêneas,
      ternas e amorosas, das quais uma passou para um mundo melhor sem que a parte 
      restante tenha diminuído sua ligação com
      ela e sem que o tempo tenha produzido seu efeito costumeiro; pelo contrário, 
      parece haver estreitado esses laços. Nosso
      amigo B. tem um forte pendor para afirmar as comunicações 
      do último tipo. Os princípios gerais parecem vir em seu apoio,
      pois, se entrarmos no que ele chama de segundo princípio, então 
      ergue-se a tela que nos furta à visão dos habitantes desse
      princípio, permitindo liberdade às comunicações. 
      Assim minhas dúvidas não versavam sobre esse ponto da questão 
      mas
      sobre a possibilidade de uma comunicação entre uma alma em 
      seu envoltório terrestre - a qual ainda não atingiu a um grau
      suficiente de desenvolvimento para ver a tela erguida - e uma alma desligada 
      de seu envoltório terrestre e que, por
      conseqüência, encontra-se em região diferente. Não 
      vejo outra possibilidade de êxito para o habitante desse mundo, exceto
      no estado de sono. Essa questão interessa ao meu coração, 
      mas esforço-me por suprimir essa vontade, como todas as
      outras, para submetê-las somente àquele que deve ser dela o 
      único árbitro. Mesmo que eu devesse, pelo resto da vida, não
      dar um passo a mais em nossa carreira, creria haver tudo obtido se conseguisse 
      submeter minhas vontades, desejos e
      repugnâncias a respeito de todos os acontecimentos da vida. Mas ainda 
      sou um aprendiz bem pequeno nessa escola. Do
      lado de fora tudo me ri, enquanto sofro desgostos domésticos pungentes. 
      Além do que, por um encadeamento da
      circunstâncias, a revolução em vosso país deu-me 
      um golpe terrível, do qual jamais me recuperarei. Meu amigo de Munique
      é ainda um enigma para mim, certo é que ele é extremamente 
      lido: já leu as obras mais raras e as mais preciosas sobre os
      96
      números e sobre o emprego do grande nome; considera muito a Sanckoniaton211. 
      Mas não encontro nele a previsão, a
      limpeza e a precisão de espírito à qual eu estava acostumado 
      com vossas cartas, e tenho dificuldade em persuadir-me de
      que ele esteja tão adiantado como imagina estar. Não me compete 
      julgar, mas não é impossível que, por falta de purificação
      interior, ele ainda esteja atrasado na prática. Talvez também 
      ele se tenha apressado a escrever e a ser publicado, pois é de
      uma demasiadamente fértil nesse tipo; não se contentando em 
      escrever sobre esse assunto, escreve em vinte tons, muito
      diferentes uns dos outros. Tem um facilidade sem igual e com isso tornou-se 
      um dos autores mais prolíficos da Alemanha.
      Atualmente, parece ter boa opinião da escola do Norte, da qual tomou 
      conhecimento. Dizia-me que tinha estima por nosso
      amigo B. Mas eu não percebi que o haja estudado, pelo contrário. 
      Faz também perguntas sobre as quais obtém repostas que
      considerada vindas da mais alta fonte. Repito que para mim ele é 
      um enigma. Nessa incerteza, suspendo meu julgamento e
      me encerro em minha concha. A cada dia me torno menos curioso das ciências; 
      só me dedico àquelas que me ensinam a
      renunciar a mim mesmo, a me despojar, e o resto virá quando nosso 
      grande Benfeitor o quiser. Não preciso dizer-vos que
      desejo tanto quanto vós que a boa Providência nos reúna. 
      O fim das provas de vossa pátria não pode estar muito distante.
      Enquanto esperamos, apesar do que desejo, compreendo que não podeis 
      deixá-la neste momento. Como o ouro está
      altamente cotado em vosso país, fiz uma tentativa pelo presente correio 
      de vos enviar dez luíses numa carta em separado.
      Ficarei encantado se puderdes, por esse meio, proporcionar-vos algumas comodidades. 
      Mostrei hoje a vossa obra a um
      magistrado amigo meu, que tem condições de apreciála. 
      A pessoa de Zurique não entenderia nada dela. Ainda não vi 
      a irmã
      Marguerite, mas possuo a obra de uma grande testemunha, que surgiu na Alemanha, 
      logo depois de nosso amigo B. Traz
      todos os caracteres de autenticidade e sua obra encerra coisas interessantes. 
      Ele se chama Engelbrecht. Ficai tranqüilo
      quanto à mão alheia e lembrai-vos do pato de Vaucanson212, 
      que certamente não sabia o que comia, além do fato de que
      vossas cartas não são vistas por ninguém; assim, podereis 
      escrever-me com toda clareza que achardes adequada. A palavra
      arcaica Schiemen significa, na primeira Pergunta, nº 216, simplesmente 
      WiederscheinI [reflexo], ou reflexo de um objeto na
      água. Adeus, meu caro e respeitável irmão, meu coração 
      muitas vezes sente necessidade de vossa presença. Enquanto
      espero, não vos esqueçais de pensar em mim em vossas preces. 
      KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      211 Citado no Quadro Natural como Sanchoniaton.
      212 Mecânico francês (1709-1792), que criou o primeiro tear 
      inteiramento automático. Também criou diversos autômatos,
      entre os quais o Pato, que fazia digestão. Um de seus autômatos, 
      o Clarinetista, pela fiura de movimentos dos dedos, foi o
      precursor do robô moderno.
      Carta 84 Amboise, 8 de nevoso, ano IV
      Recebo neste momento, meu caro irmão, os dez luíses de ouro 
      que vossa atenta benevolência achou por bem fazer chegar
      a mim, e isso sem esperar saber se esse honesto procedimento me conviria. 
      É a primeira vez que aparece dinheiro
      estrangeiro em minha casa, embora eu muitas vezes tenha estado outrora em 
      dificuldades. Assim, meu primeiro impulso foi o
      de devolver-vos imediatamente essa soma, não somente porque não 
      tenho realmente necessidade dela, mas porque no
      mesmo dia em que chegou vossa carta de aviso um de meus fazendeiros pagara-me 
      uma parte de sua fazenda em dinheiro,
      o que me é suficiente para as primeiras necessidades. Um segundo 
      impulso me deteve. O orgulho de vosso velho amigo
      Rousseau, em circunstância semelhante, ter-me-ia parecido mais apropriado 
      se tivesse sido fundado na alta fé evangélica,
      que dá e cria os meios de não se conhecer necessidade alguma. 
      Mas embora sua firme filosofia me pareça sempre mui
      digna de consideração, sem elevar-se até esse ponto, 
      não me pareceu conseqüente, pois, se ele prega tanto o exercício 
      das
      virtudes quanto o da beneficência, é preciso então deixá-las 
      fluir livremente quando elas se apresentam, sem o quê sua
      doutrina tornarse- ia nula. Foi isso o que me deteve. Recebo, pois, o vosso 
      dinheiro, que não pedi e com toda certeza jamais
      teria pedido. Recebo-o, certo de jamais ter necessidade dele e minha alma 
      encontra satisfação em deixar-vos gozar dos
      frutos de vossa boa ação. Foi isso o que meus escrúpulos 
      me sugeriram; para bons movimentos como os que vos dirigiram,
      senti que era necessário uma recompensa do mesmo tipo e meu reconhecimento 
      vos permite recolher esta justa retribuição.
      Envio-vos em seguida, para vossa segurança, o recibo necessário, 
      e em papel timbrado, segundo as formas legais de meu
      país. Pudesse eu ir logo retirá-lo em pessoa e levar eu mesmo 
      o reembolso do precioso penhor que hoje me dais de vossa
      amizade! Mas Deus sabe quando chegará esse feliz momento. Enquanto 
      aguardo, ajunto a esta uma pequena imagem de
      minha figura material. Embora pouco me agradasse a idéia de mandar 
      pintar um retrato meu, um parente exigiu-me há
      quinze anos que condescendesse nisso, e eu cedi. Ultimamente um amigo fez 
      duas cópias desse último retrato, e desde
      então sempre tive o projeto de enviar-vos uma. Ela está um 
      pouco mais idosa do que o retrato, mas muito mais jovem do que
      minha figura natural; no entanto, ainda se parece muito comigo para que 
      todos possam reconhecer-me. Vede nela somente o
      que há, a vontade de abrir caminho com um amigo como posso e não 
      vos detenhais na obra em si, apenas o trabalho de um
      troca-tintas em pintura. Se vossas ocupações vos permitirem 
      retribuir-me com um retrato vosso, ficarei encantado de ter esse
      meio de antecipar o conhecimento que tenho tantos motivos para desejar travar 
      pessoalmente convosco. Passemos ao que
      nos interessa. Creio que encontrareis a solução de vossa dificuldade 
      sobre as comunicações na 26! das 40 Perguntas. Existe
      aí muito a respigar. Acrescentai-lhe o que vos disse em parte sobre 
      a relação entre os vivos; acrescentai-lhe a observação 
      de
      que os buscamos nos princípios sensíveis onde não mais 
      estão, e de que eles nos buscam no princípio divino e espírito 
      onde
      ainda não estamos. Por fim, acrescentai-lhe o que disse Jesus Cristo: 
      "Quem são meus irmãos, minha mãe, etc.? São
      aqueles que fazem a vontade de meu pai213." E aí aprenderemos 
      onde é preciso buscar aqueles que amamos. Vosso amigo
      97
      de M
 é, como dizeis, um enigma para vós? Talvez haja 
      nele uma mistura; mas também, por essa razão, deve haver coisas
      boas. Espero, para opinar a esse respeito, que me envieis o resumo de suas 
      opiniões, que vos pedi. Perguntei-vos também
      se ele falava francês e nada dizeis sobre isso em vossa carta. Vós 
      me falais de desgostos domésticos e do golpe terrível que
      a revolução vos trouxe, meu caro irmão. Se julgais 
      que minha alma é digna de vossa confiança, abri-vos ainda 
      mais; talvez
      encontreis nisso algum consolo. O nome de Engelbrecht não me é 
      desconhecido, mas não conheço suas obras. Há quinze
      dias iniciei a tradução dos Três Princípios de 
      nosso amigo B. É um esforço para mim esse tipo de obra, mas 
      a condição de
      meus olhos e a incerteza do futuro levaram-me a fazer isso. E além 
      do mais, é um dos seus escritos mais importantes e no
      qual meus compatriotas poderão, talvez, um dia, haurir algumas luzes, 
      se eu não tiver coragem de traduzir-lhes todas as
      outras produções de nosso caríssimo autor. Percebo 
      que ele é às vezes um pouco prolixo, mas não reclamemos 
      de seus
      defeitos: agradeçamos à Providência por haver permitido 
      que ele nos falasse. Adeus meu mui caro irmão. O correio vai partir
      e eu vos deixo, abraçando-vos de todo o coração. Uma 
      palavra sobre a tradução dos Três Princípios. 
      No título Beschreibung
      der Principien214, etc., lê-se uma vida durch uns. Eu vos perguntaria 
      se é necessário traduzir como para nós.215 Isso é
      audacioso e forte, mas não sei o que usar em seu lugar. SAINT-MARTIN
      213 Mateus, 12:48, 50: "Quem é minha mãe e quem são 
      meus irmãos? [
] Porque qualquer que fizer a vontade de meu 
      Pai
      celeste, esse é meu irmão, irmã e mãe."
      214 Descrição dos Princípios.
      215 Durch significa, geralmente, através de.
      Carta 85 B., 28 de janeiro de 1796
      Recebei, amável e respeitável amigo, todo o meu reconhecimento 
      pela maneira amiga com a qual recebestes a
      insignificância que tomei a liberdade de vos enviar. Minha intenção 
      era fazer uma tentativa para sondar essa via e, como vejo
      que é segura, queria pedir-vos que me permitísseis chegar 
      até vós, pouco a pouco, como adiantamentos, meios para resistir
      às circunstâncias presentes, às quais todos os proprietários 
      que não sejam eles próprios agricultores devem estar atualmente
      expostos em vossa terra. Mesmo que em vossa pátria se auferisse neste 
      momento de 20.000, ou mesmo de 30.000, libras
      de renda, já que elas só são pagos em papel-moeda, 
      não há como prover-se do necessário. Considerai-me 
      como vosso
      arrendatário, e sobretudo como vosso irmão, o que, entre vós 
      e mim, não é um título vão, como os distribuídos 
      pelas pessoas
      do mundo. Peço que vos lembreis sempre, como tão bem o fizestes 
      em vossa última carta, do sentimento agradável que me
      proporcionais, sendo-vos útil em alguma coisa. Recebei também 
      meus agradecimentos pelo encantador retrato que me
      enviastes. Não tentarei descrever a satisfação que 
      senti ao recebê-lo. Ajunto a esta um desenho a lápis que mandei 
      fazer,
      um pouco às pressas, dos traços desse vosso amigo. Embora 
      o tempo passe, este retrato será ainda semelhante a mim
      daqui a algum tempo. Certamente há coisas excelentes na 26! das 40 
      Perguntas sobre o objeto das comunicações. A nº 16,
      principalmente, é muito consoladora, porque estabelece a possibilidade 
      de as almas, desligadas do envoltório terrestre,
      poderem ver-se, participar nos sentimentos que lhe são dirigidos 
      pelos habitantes desse mundo e se regozijarem com eles.
      Meu desejo, se me fosse permitido tê-lo e ao qual renuncio de bom 
      grado, não recebeu qualquer desenvolvimento ou
      revelação científica como alvo; a certeza do estado 
      de bem-aventurança do qual essa alma deve gozar atualmente, realizaria
      todos os meus desejos Quanto à parte enigmática de meu amigo 
      de M
, ela não considera, de maneira alguma, as
      qualidades de seu coração nem sua ligação com 
      a religião. Disso tenho provas que me dão quase a mesma certeza 
      que
      aquela pela qual sei que os três ângulos de um triângulo 
      são iguais a dois ângulos retos. Minha hesitação 
      recaía
      propriamente na natureza, no gênero e no grau dos seus conhecimentos 
      teosóficos. Desde a obra sobre os números, que ele
      próprio afirma não ser suficientemente clara para tornar-se 
      útil de maneira geral, ele publicou um outro tratado, do qual ainda
      só li alguns trechos, mas que me agradam muito mais porque são 
      muito mais claros e mais detalhados. Ele até propõe
      refundir seu livro sobre os números: participou-me seu plano para 
      saber se seria inteligível. Admiro sua infatigabilidade e
      creio que dessa maneira ele será mais útil. Se credes que 
      nossa via habitual ainda seja adequada para fazer chegar a vós
      um pequeno pacote, eu vos enviarei sua última obra, da qual só 
      conheço alguns trechos, mas que nos darão condições 
      de
      julgar o encadeamento de suas idéias principais: está escrito 
      de forma clara e nítida. Seguirse- á a edição 
      sobre o números.
      Em sua última carta ele me informa que só conhece nosso amigo 
      B. através de um resumo. Existem vários desses resumos,
      uns melhores do que outros. Ele me parece desgostoso com a corte. Fizeram 
      manobras para magoá-lo. Ele é membro de um
      tribunal de censura e, apesar disso, chegaram a proibir seus livros. No 
      momento, ele os manda imprimir em Leipzig e não é
      impossível que um dia procure retirar-se para a Suíça. 
      Suponho que fale francês porque freqüentou a corte por muito 
      tempo,
      mas não tenho certeza alguma. Na Alemanha não se acostuma, 
      como entre nós, as crianças destinadas aos negócios 
      a falar
      francês. Aqui, ou bem ou mal, todos o falamos. Para dar-vos uma amostra 
      de Engelbrecht, ajunto a esta um pequeno resumo
      de uma obra sobre a qual ele se apóia de preferência. Se nele 
      houver passagens que vos causem dificuldade, dizei-me quais
      são. E para que conheçais os princípios de Antoinette 
      B., acrescento-as aqui com suas próprias palavras. Vereis como essa
      jovem surpreendente, tão pouco letrada que nem mesmo tinha lido as 
      Sagradas Escrituras, segundo o costume dos católicos
      de hoje, preencheu as lacunas deixadas por Engelbrecht em sua doutrina. 
      Comparai seus princípios com os de nosso amigo
      B. É lendo os escritos dos eleitos de épocas diferentes e 
      comparando-os que se obtém o desenvolvimento de vários pontos
      essenciais sobre os quais todos passaram em silêncio, porque supuseram 
      que fossem conhecidos, ou apenas tocaram neles
      ligeiramente, sem neles se apoiarem o suficiente para uso prática 
      do leitor. Pelo trechos que acrescento aqui vereis de uma
      98
      vez toda a doutrina de Antoinette. Estou surpreso de que essas obras não 
      me tenham impressionado, há uns quinze anos,
      quando me caíram nas mãos pela primeira vez. Estou encantado 
      por ver-vos ocupado com a tradução dos Três Princípios.
      Vossa tradução é muito boa. Durch uns dignifica o mesmo 
      que através de nós [par nous]. Fiz com essa passagem o que 
      fiz
      com muitas outras: não me detive por não havê-la compreendido. 
      Se tivesse de traduzir os Três Princípios, dar-lhe-ia um
      título bem mais curto porque, essencialmente, ele nada faz para a 
      obra e porque não se deve afastar o leitor do primeiro
      contato. Vós me pedistes gentilmente mais detalhes a propósito 
      de uma passagem de minha última carta, em que falo de
      reveses sofridos. Espero poder um dia dizer-vos pessoalmente os detalhes 
      referentes à primeira parte da passagem de
      minha carta. Quanto à influência da revolução, 
      seria preciso entrar em detalhes por-vos a par do fato, e a chaga ainda 
      não
      está bem cicatrizada par suportar essa narrativa, mas no devido tempo, 
      prometo dizer-vos tudo, se vos interessar. Antes de
      tudo, é preciso informar-vos que isso não se refere ao estado 
      atual das finanças francesas. Se amanhã vosso governo
      declarasse que não está em condições de satisfazer 
      à dívida pública, essa declaração não 
      me causaria qualquer
      aborrecimento, porque estou preparado para ela e porque a Providência, 
      há seis anos, ela houve por bem prover a isso. Mas
      eu ficaria muito contrariado por meus concidadãos, dos quais um grande 
      número seria posto na rua por um decreto ou, o que
      dá na mesma, por uma operação semelhante. O choque 
      que sofri é de natureza bem diferente. É cumprindo o meu dever 
      de
      cidadão, contribuindo para acalmar o espírito público 
      no momento em que as cabeças eram as mais exasperadas do dia 2 de
      setembro de 1792216, exaltação que teria podido mudar o curso 
      dos grandes acontecimentos da guerra atual, que eu infligi a
      mim mesmo o golpe mais sensível permanecendo na capital e ausentando-me 
      de meu domicílio. Mas toda essa matéria
      exigiria ser submetida à confiança de uma conversa pessoal, 
      e não aos limites de uma carta. Aguardo e espero sempre o
      momento em que vossa pátria torne a entrar na calma tão desejável, 
      o que me causará a doce satisfação de ver-vos na
      minha. Adeus, meu respeitável amigo, oremos sempre uns pelos outros. 
      P.S. Fiz passar pelo nosso amigo de Munique a
      vossa última obra sobre a revolução francesa. KIRCHBERGER 
      DE LIEBISTORF
      Segue-se um trecho das obras de Engelbrecht, T. II, ed. de 1783. Havendo 
      um amigo lhe perguntado como se poderiam
      conseguir respostas divinas sobre o que era necessário fazer ou não 
      fazer, eis o que lhe foi comunicado sobre esse assunto
      em 1636: Wollt ihr wissen was ihr thun217, etc. E um trecho da obra de A. 
      Burignon, intitulado: La Lumière du monde [A Luz
      do Mundo]. Ed. de Amsterdam, 1679. "Somente as almas depuradas de si 
      mesmas e de todos os objetos terrestres é que
      ouvem a voz de Deus, etc., etc."
      216 217 Fato?
      Carta 86 8 de ventoso, ano IV
      E eu também, meu caro irmão, agradeço vosso presente. 
      Vossos traços denotam a maturidade e a sensibilidade que
      preenchem vossas cartas e me dão ainda mais vontade de conhecer pessoalmente 
      o modelo, mas quando chegará essa
      época? Meus anos avançam e as enfermidades me acompanham, 
      sobretudo para mim, de constituição muito mais débil 
      do
      que qualquer outro. Não falo dos golpes que a revolução 
      trouxe à minha sorte e que se agravam ainda mais pela perda
      recente de um sobrinho, cuja mãe vai ficar aos meus cuidados para 
      o resto de sua vida ou da minha. Se viesse a paz e os
      caminhos fossem livres, eu teria meios de atender a tudo e, a partir do 
      que acabais de ler, não vos decidais a enviar-me mais
      dinheiro porque não tenho necessidade alguma. O que me enviastes 
      está inteiro e eu assim o deixarei religiosamente como
      um monumento de vossa amizade. Mas vejo com pesar que nosso horizonte público 
      se desanuvia com muita lentidão e que
      o espírito deste mundo só deixará que as potências 
      beligerantes se conciliem depois de as haver esgotado completamente.
      Não deixo de crer por isso menos assegurado o resultado de nossa 
      revolução que se liga, como expus em meu livreto, a
      bases desconhecidas daqueles que, neste grande drama, foram ativos ou passivos. 
      Até novo aviso, também não me envieis
      mais as obras de vosso amigo de M
. Neste momento acho-me por demais 
      ocupado para entregar-me a elas. Além do
      mais, como elas tratam principalmente dos números, tenho, nesse gênero, 
      uma ampla provisão que me permite esperar
      tempos de lazer. Sinto, como vós, que o título dos Três 
      Princípios é longo, sobretudo porque o que ele contém 
      está repetido
      cem vezes na obra, mas eu me dedico a não deixar passar nada disso 
      para minha tradução, salvo por emendas na revisão.
      O próprio durch uns aí tem seu lugar e creio que poderia dar 
      conta dele, mas o público não o poderia. Meu coração 
      estará
      sempre aberto para receber confidências de vossa amizade sobre os 
      prejuízos que a revolução vos causou: deixo que vossa
      sabedoria escolha o momento e o modo. Entendi perfeitamente a passagem alemã 
      de Engelbrecht que me enviastes. Sua
      doutrina é pura. Não parece profunda à primeira vista, 
      sobretudo para aqueles que desejam guias sensíveis que, através 
      de
      marcas exteriores e fixas, os dispensem de qualquer outro trabalho além 
      do de consultar uma fórmula sem coerência com
      seus seres. Mas aqui é o desenvolvimento de nosso próprio 
      ser que deve servir de fórmula e, quando temos a felicidade de
      abri-lo o suficiente para isso, encontramos fórmulas e guias muito 
      mais seguros do que tudo o que há de mais sensível,
      porque essa fórmulas e guias são a coisa em nós e elas 
      no-la mostram pelo mesmo ato, ao passo que os outros se
      contentam no-la mostrar, e depois disso o todo ainda fica por fazer. Fiquei 
      também bem contente com o trecho de A.
      Bourignon. Somente eu preferiria que ela houvesse substituísse a 
      palavra material por natural, que aplica às coisas
      posteriores à regeneração. Teria repugnado menos às 
      inteligências delicadas e teria falado de maneira mais verdadeira.
      Quanto a mim, revelo-lhe tudo isso porque estou bem certo de que não 
      passa de um defeito de expressão que ela própria
      retificou ao dizer que nada disso será feito pela mão do homem, 
      mas elaborado pelo poder de Deus. Além do mais, nem a
      99
      carne nem o sangue podem possuir o reino de Deus. Eu bem que gostaria de 
      ter a obra dessa interessante jovem, que não
      tinha instrução nem sabia ler ou escrever. Procurei a obra 
      em Paris no inverno passado, como já vos disse; em vão.
      Proponho-me a recomeçar minhas tentativas. Não vos disse que 
      em minha terra natal tenho, de tempos em tempos,
      condições de exercer meu ofício de filósofo 
      religioso. Há alguns frangotes que vêm, de tempos em tempos, 
      pedir-me alimento
      e não creio que lhes devo recusá-lo, de acordo com meus meios. 
      São almas novas em comparação com as almas
      gangrenadas da sociedade e das grandes cidades e, a esse respeito encontro 
      uma vantagem dupla: a de ter algo a destruir e
      mais a esperar da colheita. Foi um deles que pintou o pequeno desenho que 
      vos enviei. Ele me disse que temia que a
      viagem estragasse o desenho, feito somente a lápis. Dizei-me se aconteceu 
      o que ele temia, que ele se oferece para
      recomeçar tomando precauções contra esse inconveniente. 
      Adeus, meu caro irmão em Deus, e unamo-nos sempre a ele de
      coração e espírito, e a pz estará entre nós. 
      Amém. SAINT-MARTIN
      Carta 87 B
, 5 de abril de 1796
      Foi com bastante pesar, meu caro irmão, que fui obrigado a adiar 
      de um correio para outro o prazer de escrever-vos. Mas,
      além de minhas ocupações costumeiras, que já 
      conheceis, encarregaram-me ainda de um outro comitê, formado apenas
      para um trabalho particular e que não será permanente, como 
      espero. Penso em voltar logo a Morat para gozar do ar do
      campo e ocupar-me com meus estudos. Fiquei encantado de que o pequeno desenho 
      tenha chegado bem ao seu destino.
      Esqueci-me de acrescentar-lhe o nome. Ei-lo: Nicolas-Antoine Kirchberger 
      de Liebistorf. Antigo bailio de Goldstadt, nascido
      em Berna, a 13 de janeiro de 1739. O vosso chegou em condições 
      perfeitas e, a não ser que eu esteja muito enganado,
      quem o fez tem não somente bom-gosto, mas também precisão 
      e sensibilidade. Fiquei encantado por vossa causa e por ele
      saborear as grandes verdades tão consoladoras e tão conformes 
      ao nosso grande destino. Estou bem contente por haverdes
      apreciado o trecho de Engelbrecht, e a distinção que fazeis 
      entre sua doutrina e a que deriva do emprego dos números (aos
      quais nada quero tirar de seu mérito), parece-me muito justa. Mas, 
      em última análise, as grandes perguntas sempre se
      concentram naquela que indaga qual é o caminho mais curto, ou antes, 
      os meios de seguir esse caminho, que conduz à
      abertura, ao desenvolvimento de nosso ser. Ando impaciente por sacudir todos 
      os laços que me prendem aos assuntos
      temporais para ocupar-me com o único necessário. Conquistei 
      ainda novos territórios desse tipo; e só tenho que trabalhá-los
      para valorizá-los. No entanto, espero, com submissão e resignação, 
      chegar o dia em que não somente serei rico em
      propriedades, mas em que também gozarei de meus rendimentos. Antoinette 
      é verdadeiramente uma jovem interessante. Ao
      ler sua obras, ficareis surpreso com seu profundo conhecimento dos homens, 
      de sua firmeza e da elevação de seu caráter.
      Ela seguiu seu caminho com precisão e inflexibilidade raras. Tinha 
      nosso amigo B. em alta conta, bem como Engelbrecht,
      dos quais certamente seus amigos lhe terão falado, pois não 
      encontrei qualquer indicação de que ela lesse alguma coisa.
      Seus amigos tinham verdadeira adoração por ela, mas ela permaneceu 
      a vida toda acima de qualquer ligação carnal e
      terrestre e, a partir do instante em que, na alma daqueles que dela se aproximavam 
      ela lia movimentos desse tipo, rompia
      para sempre o relacionamento com eles. Poiret, o célebre Poiret, 
      terminou seus dias na Holanda unicamente para poder vêla
      e ouvi-la. É mais provável que encontreis suas obras em Lyon 
      do que em Paris. Possuo várias delas, mas ainda estou à
      procura de algumas que me faltam. Quanto à passagem em questão, 
      penso como vós que se trata de um defeito de
      expressão, tanto mais que estou persuadido de foram suas idéias 
      e sentimentos, e não suas palavras, que lhe foram
      inspiradas.: em vez de material ela quis dizer corporal, o que estaria de 
      acordo com a idéia que tenho de que há corpos
      celestes e corpos terrestres, corpos espirituais e corpos materiais. I Cor. 
      15:40,44 218. Quanto à sua certeza sobre o reino do
      nosso divino Mestre, tomado no sentido literal, vejo que tem fundamento 
      em muitas passagens das Sagradas Escrituras,
      dentre outras, Cor. 15:23;28 219; Sabedoria 3:8220; Atos 1:6-7221 e 3:19-21222; 
      Apoc. 20:2,10223, 5:10224; 11:15225,
      21:1,4226 e 22:1,5227; Lucas 1:32-33228; Isaías 11;7229. Omito uma 
      grande quantidade de outras passagens. Uma vez
      contei até cento e sessenta e quatro. Felizes aqueles que, começando 
      nesta vida, se deixam governar inteiramente por ele e
      que se nutrem substancialmente de seu corpo glorificado para que possam, 
      por seu poder, sobrepujar todos os inimigos. Não
      podemos, caro irmão, tratar de assunto mais importante do que o caminho 
      que conduz sem desvios àquele cujo reino não é
      deste mundo. Lamento não poder esperar que essas conversações 
      logo se tornem verbais, em vez de ficarem restritas a
      vestígios que não exprimem minhas idéias senão 
      de maneira imperfeita, assim como os sentimentos de apego e respeito que
      tenho por vós. P.S. Acrescento aqui uma pequena amostra dos números 
      de Monsieur d'E
 que se achava no fim de sua
      última carta. Informa-me ele que se eu acrescentasse o número 
      9 aos algarismos do ano em curso, de acordo com a doutrina
      dos números, símbolo da sensualidade, obteria então 
      o seguinte quadro: (Quadro com números.) Compreendo como,
      através de do cálculo, ele tenha chegado ao número 
      5, mas não vejo de onde derivou os dois algarismo próximos 
      do 14, ou
      seja: 11 e 18 Ele acrescenta as seguintes palavras: "5 ist eine fürchterliche 
      Kreutz-Zahl; die Zahl der moralischem Faülniss
      und inneren Gährung der Gemüther, eine zahl rigoris divini judices. 
      Wer Rühe unter den Stürmen sucht, setze der Zahl. 59-
      62, entgegen."230 [O 5 é um n úmero temível e 
      que indica sofrimento; é também o número da corrupção 
      moral e do fermento
      universal das mentes, um número do rigoris divini judices (rigor 
      do julgamento divino). Aquele que busca descanso e paz
      para si mesmo em meio às tempestades que oponha a 59 o número 
      62.]231
      (Quadro com números.)
      Por qual razão ele opôs 62 ao algarismo 59 é o que ignoro 
      completamente. 3 pps; cap. 20, v. 93 Ein solch fromm Kinf u.s.w.
      fromm deve ser erro. id. Sie Kanten 91, em baixo. id Gelffen 121 KIRCHBERGER 
      DE LIEBISTORF
      100
      218 40: "Também há corpos celestiais e corpos terrestres; 
      e, sem dúvida, uma é a glória dos celestiais e outra 
      a glória dos
      terrestres."
      Na tradução da carta de Paulo é empregado o termo natural: 
      44: "Semeia-se corpo natural, ressuscitará corpo espiritual. 
      Se
      há corpo natural, há também corpo espiritual."
      219 23: "Cada um, porém, por sua própria ordem: Cristo, 
      as primícias; depois os que são de Cristo, na sua vinda." 
      28:
      "Quando, porém, todas as cousas lhe estiverem sujeitas, então 
      o próprio filho também se sujeitará àquele que 
      todas as
      cousas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos."
      220 "Julgarão as nações, dominarão os povos, 
      e o Senhor reinará sobre eles para sempre."
      221 "Então os que estavam reunidos lhe perguntavam: "Senhor, 
      será este o tempo em que restaures o reino a Israel?
      Respondeu-lhes: Não vos compete conhecer tempos ou épocas 
      que o Pai reservou para sua exclusiva autoridade."
      222 "Arrependei-vos, pois, e convertei-vos para serem cancelados os 
      vossos pecados, a fim de que da presença do Senhor
      venham tempos de refrigério, e que envie ele o Cristo, que já 
      foi designado, Jesus, ao qual é necessário que o céu 
      receba
      até aos tempos da restauração de todas as cousas, de 
      que Deus falou por boca dos seu santos profetas desde a
      antigüidade."
      223 "2: "Ele segurou o dragão, a antiga serpente, que é 
      o diabo, Satanás, e o prendeu por mil anos. 10: "O diabo, o 
      sedutor
      deles, foi lançado para dentro do lago do fogo e enxofre, onde também 
      se encontram não só a besta como o falso profeta; e
      serão atormentados de dia e de noite pelos séculos dos séculos."
      224 "E para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; 
      e reinarão sobre a terra."
      225 "O sétimo anjo tocou a trombeta e houve no céu grandes 
      vozes, dizendo: O reino do mundo se tornou de nosso Senhor
      e do seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos."
      226 1: "Então vi descer do céu um anjo; tinha na mão 
      a chave do abismo e um grande corrente." 4: Vi também tronos, 
      e
      nestes sentaram-se aqueles aos quais foi dada autoridade de julgar. Vi ainda 
      as almas dos decapitados por causa do
      testemunho de Jesus, bem como por causa da palavra de Deus, tantos quantos 
      não adoraram a besta, nem tão pouco a sua
      imagem, e não receberam a marca na fronte e na mão; e viveram 
      e reinaram com Cristo durante mil anos."
      227 1: "Então me mostrou o rio da água da vida, brilhante 
      como cristal, que sai do trono de Deus e do Cordeiro." 5: "Então 
      já
      não haverá noite, nem precisam eles de luz e de candeia, nem 
      da luz do sol, porque o Senhor Deus brilhará sobre eles, e
      reinarão pelos séculos dos séculos."
      228 "Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo; 
      Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai; ele reinará 
      para
      sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá 
      fim."
      229 230 "A vaca e a ursa pastarão juntas, e as suas crias junta 
      se deitarão; o leão comerá palha como o boi."
      231 Sr. Editor: ver no livro a disposição da figura.
      Cartas 88-97 Carta 88 12 de maio de 1796
      Felicito-vos, caro irmão, por irdes imediatamente gozar do prazer 
      de ficardes com vós mesmo em vossos campos. Também
      vos felicito por vos encontrardes inteiramente livre dos assuntos deste 
      mundo para vos ocupardes somente do grande
      assunto, como é vosso desejo e projeto. Enfim, como eu mesmo me felicitaria 
      se pudesse participar em alguns momentos do
      vosso lazer. Mas o rei deste mundo, que não tem senão um cetro 
      de ferro, ocupa-se somente em quebrar seus súditos, ou
      de preferência aqueles que não querem sê-lo; e somos 
      continuamente obrigados a nos refugiarmos em outro reino que não
      seja o seu para encontrarmos a paz e a liberdade, mesmo em todas as privações. 
      Nossas potências temporais, que não
      passam de fantoches seus, não me parecem muito próximas de 
      uma conciliação. Quero crer que elas não acham
      enaltecedor para si mesmos descansar de suas pilhagens antes de se exaurirem 
      completamente, e a paz me parece
      impossível, a menos que nossos últimos sucessos na Itália 
      não os façam refletir. Seja feita a vontade de Deus. Sua bondade
      me traz tantas graças que não devo queixar-me, seja qual for 
      o preço que me tenha de pagar por elas. Escrevi a Lyon
      pedindo as obras das quais me falastes, mas, sejam quais forem as nossas 
      previsões sobre esse gênero, sabeis, tanto
      quanto eu, a solução do enigma de hoje, que consiste, como 
      dizeis, na abertura e no desenvolvimento de nosso ser. Amém.
      Passo logo em seguida aos números de vosso amigo de M
 e creio 
      ter encontrado a solução das dificuldades que vos
      embaraçam. Diz ele que, de acordo com a doutrina dos números, 
      se acrescentardes 9 a 1796, etc., tereis, etc. Descobri que
      a adição de 9 não é necessária: 1º, 
      porque ele mesmo não a faz, uma vez que se contenta em dispor 1786 
      em coluna sem
      lhe acrescentar 9 e que também não o acrescenta à soma 
      que faz dessa coluna; 2º, porque, se o acrescentasse, nada
      mudaria no resultado final, porque o número 9, que ele chama de símbolo 
      da sensualidade, é, em nossa escola, o da
      aparência; assim, sua propriedade é tão nula que não 
      faz diferença alguma acrescentá-lo a quaisquer outros números 
      ou
      retirá-los deles. Como poderá ser divertido vos convencerdes 
      disso, vou copiar-lhe o exemplo para responder às duas
      perguntas:
      (Quadro com números.)
      Não compreendeis como foi que ele chegou ao 11 e ao 18. Foi unicamente 
      remontando de 5 até as duas filas de algarismos
      que lhe estão acima e fazendo em seguida o 5 entrar nas duas somas. 
      Desse modo, temos:
      (Quadro com números.) Eis a minha resposta à vossa primeira 
      pergunta. Ele tem razão em apresentar o 5 como um número
      temível e tão terrível como o da corrupção; 
      mas, segundo as leis da grande sabedoria, do mal sempre se tira o bem e 
      o
      101
      remédio está na própria chaga. Assim, é por 
      esse mesmo número 5 que nosso divino Reparador pensou232 todas as 
      nossas
      feridas, pois foi no qüinquagésimo dia d epois de sua ressurreição 
      que sua promessa foi cumprida e o consolo do Espírito
      jorrou sobre os apóstolos em toda a abundância de sua plenitude. 
      É verdade que ele compôs o quinário curativo com outros
      elementos além dos que haviam entrado pelo pecado na formação 
      do primeiro quinário, e é nisso que se vê e se admira 
      a
      indústria divina. E eu tive a felicidade de receber sobre isso magnificências 
      que gostaria muito de partilhar convosco, mas
      que não podem ser expostas de maneira adequada nos limites de uma 
      carta, nem mesmo, talvez, por escrito. Vamos à
      vossa segunda pergunta. Não compreendeis por que motivo ele opôs 
      62 a 59 desta maneira:
      (Quadro com números.)
      A razão dessa oposição é que o número 
      8, dado por 62, é o número corretivo de toda irregularidade, 
      é em nossa escola, o
      número da dupla potência quaternária; é o resumo 
      do denário, a concentração da unidade universal e, 
      se quiserdes que eu
      vos diga, provamos que esse octenário é numericamente o mesmo 
      que abriu tudo aos apóstolos, e é essa prova que exigiria
      a facilidade de mostrar-se verbalmente. Vosso amigo a opôs, pois, 
      com justiça a 59, que é ao mesmo tempo a abominação 
      e
      a aparência. Mas vede que, para realizar essa retificação, 
      ele combinou através de um acréscimo, que é o núcleo 
      de todas
      as coisas, os elementos respectivos desse dois números diferentes. 
      Assim, o 5, que em 59 não passa de abominação, tornase
      um número espiritual; o 7, somado ao 2, dá 9, que não 
      passa de aparência neutra no modo ativo de operação 
      universal,
      que é 5, assim como ele o restabelece 15/6; com isso, tudo se acalma 
      e renasce a ordem. Eis, meu caro irmão, o que tenho
      para responder à vossa segunda pergunta. Não é que 
      o 8 não tenha elementos bem melhores do que o 62, e eu mesmo
      jamais me permitiria empregá-lo como vosso amigo o fez. O mesmo digo 
      do número 7, que está bem longe de não ter outra
      origem senão aquela que ele lhe dá, o que me faz crer que, 
      se ele tem percepções sobre os números, não 
      os puxa ainda por
      sua verdadeira raiz. Mas estou conformado com sua linguagem e sempre podereis 
      usar a pequena exposição que vos
      apresento. Quanto ao mais, meu caro irmão, todas essas maravilhas 
      numéricas nada mais são que a casca das coisas; é
      pelo nosso interior que podemos e devemos trabalhar virtualmente para estabelecer 
      em nós a sua substancialidade. No
      momento, por favor, uma palavrinha sobre gramática. Três Princípios, 
      p. 5, cap. 20, nº 93, 1! linha: Ein solch fromm Kind233.
      Creio que fromm aqui é um erro, pois significa piedoso, e não 
      é esse o caso. Id., nº 21, 4! linha: Gelffen. Não consigo
      encontrar essa palavra. Vinde em meu socorro, caro irmão, nessas 
      duas dificuldades. Adeus, meu caro irmão. Ora pro nobis.
      Ia-me esquecendo de falar-vos sobre meu jovem pintor. Vós o caracterizastes 
      perfeitamente: é uma alma gentil e sensível;
      toma gosto nos nossos assuntos; divide seu tempo entre esse estudo e os 
      estudos municipais, pois é funcionário público. O
      tempo que lhe resta emprega-o no cultivo de seus campos e de sua casa: é 
      casado e pai de uma criança bem nova. Acha-se
      tão feliz que só fala dela chorando de alegria. Somos parentes 
      bastante próximos. SAINT-MARTIN
      232 No sentido de fazer curativos.
      233 Uma criança tão piedosa?
      Carta 89 12 de maio de 1796
      Apresso-me, caro irmão, a responder à vossa carta de 2 de 
      maio antes de minha partida para o campo que, felizmente, está
      marcada para o dia 17 deste mês. Infelizmente receio que julgastes 
      corretamente demais os motivos que fazem continuar
      guerra sanguinária; no entanto, restam-me ainda alguns raios de esperança 
      da paz. Cremos aqui na paz que o rei da
      Sardenha vai fazer com a república francesa; talvez ela traga após 
      si a paz com o Imperador. Se vossos jornais públicos
      falarem de uma tentativa que será feita pelo exército de Condé 
      para entrar na França através do cantão de Basiléia, 
      não
      acrediteis em nada. Não somente a natureza do terreno não 
      permite isso, mas temos ainda garantias superiores oficias e
      positivas do contrário, e o exército de Condé não 
      pode dar um passo sem as ordens do general austríaco Wurmser. No
      entanto, não tenho dúvida alguma de que essa idéia 
      não tenha germinado em algumas cabeças desmioladas desse exército
      de Condé. Mas passemos às vossas perguntas gramaticais, meu 
      caro irmão. É sempre uma grande satisfação para 
      mim
      quando posso contribuir para remover alguns obstáculos que vos causam 
      embaraços na tradução. Três Princípios, 
      cap. XX,
      nº 93. Fromm significa, conforme dizeis, piedoso, o que não 
      combina, e no entanto não é um erro. Eis o enigma; uma
      construção comum em nossa língua, sobretudo na conversação 
      familiar, é colocar um adjetivo precisamente no sentido
      oposto ao verdadeiro quando as outras qualificações indicam 
      de maneira suficiente as más disposições do interlocutor. 
      Essa
      forma irônica torna a coisa que mais se destaca e que mais serve para 
      despertar a atenção. Também evita os adjetivos que
      poderiam ultrapassar o mal que nos daria fundamento para falarmos de outra 
      pessoa. Id., nº 121, 4! lin. Gelffen é uma
      palavra antiga que significa o som produzido por um cachorro pequeno quando 
      quer latir. É sinônimo de glapir, japper [latir,
      ladrar]. Interessa-me muito o que dizeis do jovem pintor. Estou encantado 
      por terdes o suave consolo de fazer bem à sua
      alma. Dizei-lhe que lamento por estarmos a cento e cinqüenta léguas 
      distantes um do outro. Muito obrigado pela boa vontade
      com a qual me explicastes os números de Eckarthausen. Começo 
      a considerar a ciência dos números como uma espécie 
      de
      álgebra, que tem às próprias de cálculo, pelas 
      quais chegamos a fórmulas que exprimem uma verdade geral. Se as fórmulas
      não fornecem aquilo que se deseja, no entanto indicam mais ou menos 
      o caminho que se deve seguir para se obtê-la. A
      grande questão é fixar bem o verdadeiro significado e o valor 
      dos algarismos empregados para não se fazer um cálculo falso;
      e o cálculo, se for justo, tem como fator interesse o fato de nos 
      indicar uma conformidade entre as fórmulas mais importantes
      e algumas combinações dos algarismos arábicos. Tanto 
      quanto já pude perceber, atribui-se a cada algarismo um sentido
      102
      diferente, segundo a classe dos objetos que submetemos a esse cálculo. 
      Os objetos físicos, intelectuais e divinos formam
      cada um deles uma classe em separado.
      O número 1, na primeira classe, é, segundo minha pobre concepção, 
      o tipo do grande princípio;
      2, uma emanação do grande princípio;
      3, o ternário sagrado;
      4, o homem; o que está de acordo com uma pequena descoberta que fiz 
      sem pensar; reduzi o número 145867 aos seus
      elementos e obtive 4.234 (Soma lateral.)
      5 é a abominação;
      6, o modo ativo de operação;
      7, o espiritual tornado Wesentlich235, como diz nosso amigo B;
      8, o número corretivo da unidade universal, a dupla potência 
      quaternária, um número benéfico que deve encerrar grandes
      coisas. O número 9 é o das ilusões causadas pelos sentidos, 
      o da aparência.
      Informais-me que o 8º é, numericamente, o mesmo que 50. Gostaria 
      de receber, a esse respeito, esclarecimentos que
      possam ser feitos através de uma explicação escrita. 
      Parece-me que o número 50 só pode tornar-se interessante para 
      os
      elementos de 6 vezes 8, e da adição de 2. Tomado coletivamente, 
      oferece apenas um 0 à abominação; assim, o objeto
      principal nesta explicação seria, segundo suponho, uma análise 
      completa do número 8. Perdoai-me, caro irmão, por minha
      importunidade. A atenção que destes aos números excitou 
      o interesse que atualmente tenho por eles. Como terei um pouco
      mais de tempo em Morat, tentarei, se puder, esclarecer minhas idéias 
      sobre essa questão, pois confesso-vos que quase não
      vi a vasta obra de Eckartshausen. Certamente ele reuniu sobre esse assunto 
      muitos conhecimentos, mas é preciso que eles
      ainda não tenham adquirido nele o grau de maturidade necessário, 
      pois ele defendeu junto a mim aplicações de sua doutrina
      que são magnificamente errôneas. Ao lado disso, algumas vezes 
      há idéias sublimes, mas essa mistura me chamou a
      atenção de modo que não continuei, impedindo-me de 
      encetar um estudo seguido desse objeto que exigia tempo livre além
      disso. Se a ciência dos números se funda, como presumo - embora 
      não lhe tenha visto ainda qualquer base sólida - na obra
      de Eckartshausen, ela se apresenta sob um ponto que se tornou importante; 
      provaria que a Providência permitiu que várias
      verdades maiores e ocultas ao vulgo tenham sido depositadas numa língua 
      geral, ao alcance e todas as nações; mais do que
      isso, elas provariam que existe uma língua que, pela combinação 
      de signos que a compõem, pode conduzir a novas
      descobertas. A primeira pergunta sobre a solidez dessa ciência versa 
      sobre a autenticidade dos significados de cada número.
      Sobre o quê repousa ela? A segunda versa sobre o modo de calcular 
      e sobre os objetos submetidos ao cálculo: Por que
      esse modo, e não outro? E qual é a razão que os autoriza, 
      por exemplo, a submeter os anos da era cristã ao cálculo feito 
      por
      Eckartshausenº A terceira pergunta é a mais importante, talvez. 
      Ela considera os resultados, as fórmulas obtidas: através 
      da
      ciência dos números foram encontrados resultados que a lógica 
      ou a razão ordinária não teriam encontrado, ou verdades 
      de
      um grau mais alto que não foram reveladas nas Sagradas Escrituras? 
      Ou com essas fórmulas foram produzidos, no mundo
      físico e intelectual, efeitos que ultrapassam as forças ordinárias 
      do homem? Houve jamais uma manifestação pura produzida
      segundo as direções de uma fórmula? São reflexões 
      que se apresentam logo de saída e que vos transmito com minha
      costumeira franqueza. Eckartshausen ainda me informou, em uma outra carta 
      que o físico, o espiritual e o divino têm, cada
      um deles, seu 3-4/7; que podemos conhecer os dois primeiros e crer que conhecemos 
      o último com isso e nos enganarmos;
      e que, sem o conhecimento do último, os outros dois são imperfeitos, 
      porque o mal pode introduzir-se pela imaginação. Mas
      quando é acrescentado o terceiro 3-4/7, é então que 
      se atinge o ápice da perfeição 7.7.7/21/3236, que só 
      pode ser
      conseguida através do Reparador. É somente por ele que recebemos 
      os sete dons da mais pura luz ou da razão; os sete
      dons do amor ou da vontade e os 7 dons do Espírito Santo. É 
      então que recebemos o verdadeiro 3-4/7; é então que 
      se
      erguem as sete igrejas em nosso interior e se abrem os sete selos, manifestam-se 
      sete inteligências, sete cornucópias
      derramam do alto o óleo e sete lâmpadas ardem em nossos interior. 
      O Reparador coberto com a veste branca da pureza
      caminha então em seu templo no meio desses dons, e esse templo é 
      o coração do regenerado o verdadeiro 3-4/7 17/14 14/5
      pela separação entre o mal e o bem, com isso, X=5 dividido 
      por 3-4/7, nasce o grande símbolo da cruz com seus mistérios.
      Até esse ponto, Eck., pela última figura que ele iguala e 
      compara ao 5, parece fazer alusão ao duplo algarismo romano V,
      que compõe o X. Fiquei sabendo pelo meu correspondente de Lausanne 
      que a irmã Marguerite está por fim a caminho para
      me encontrar; tenho bastante vontade de travar conhecimento com ela. Mas, 
      quaisquer que sejam as nossas provisões
      nesse gênero, sempre resta o trabalho e o resultado da solução 
      do enigma, a abertura e o desenvolvimento de nosso ser.
      Em minha pequena esfera, não vejo senão dois meios que, reunidos, 
      devem conduzir-nos a esse sucesso; por um lado,
      desligar-nos e por outro, ligar-nos: a maior ou menor quantidade de energia 
      (Ernst237) que levarmos para essa operação
      parece-me ser a medida de nossos progressos nessa carreira. É fora 
      de dúvida que o germe, o princípio mais sublime, está
      em nós mesmos. Trata-se apenas de penetrar, de destruir e de remover 
      os obstáculos que nos ocultam sua deslumbrante
      luz. Para cumprir essa tarefa é necessário que às virtudes 
      superiores se apresentem de maneira visível ao homem e que
      venham em seu socorro para ajudá-lo com sua influência e seus 
      conselhos? Não parece mais que as manifestações puras
      sejam, não precursoras, mas uma seqüência do desenvolvimento 
      da própria luz? Há uma terceira posição possível; 
      é que o
      homem, quando já desenvolveu seu ser até um certo ponto, encontra 
      então os guias, que o levam mais adiante e o ajudam a
      completar a obra. Mas, nessa suposição, quem poderia sufocar 
      o desejo de conhecer o tipo, a fórmula universal pela qual
      podemos comunicar-nos com os agentes particulares e benfeitores capazes 
      de nos ajudar a terminar a obra? Se todas as
      virtudes benfazejas são ordenadas pelo grande princípio somente 
      para cooperar na reabilitação dos homens; se estão
      separadas apenas para nós, se estão expostas à nudez, 
      ao frio e a fome apenas por amor do homem, não há uma vocação
      103
      direta, um dever impositivo de revestir as que são despojadas por 
      causa dele, de fazer entrar as que estão fora e dar de
      comer e beber aquelas que sofrem fome e sede? E uma vez que nada fazemos 
      sem tê-las por testemunhas, sem sermos por
      elas vistos, ouvidos e tocados, o que é que nos impede de vê-las, 
      de conhecêlas tão bem e de maneira tão íntima 
      que elas
      nos vejam e nos conheçam a nós mesmos? Seria unicamente falta 
      de uma vontade firme e contínua ou falta de conhecer o
      grande nome que rasga o véu que as cobre? Mas paro aqui. Receio sair 
      da profunda humilhação e resignação, que é 
      o
      estado que mais convém ao homem. Adoremos a divina Providência 
      e que sua vontade seja feita assim na terra como no
      céu: quer sejamos esclarecidos, ou quer permaneçamos cegos, 
      não importa, contanto que nosso coração esteja ligado 
      a ela
      e que nosso primeiro cuidado seja o de não ter outra vontade senão 
      a sua. Adeus, meu caro irmão, não vos esqueçais
      jamais de mim em vossas preces. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      234 Sr. Editor: Ver no livro a soma na lateral do paragrafo.
      235 Essencial, substancial.
      236 Sr. Editor: para todos os números e cálculos, ver o livro 
      original.
      237 Seriedade.
      Carta 90 7 de junho de 1796
      Os números não são uma álgebra, caro irmão: 
      foram os homens que os rebaixaram a isso: não passam da expressão
      sensível, visível ou intelectual das diversas propriedades 
      dos seres provenientes todos da única essência. A instrução 
      teórica
      tradicional transmite-nos um parte dessa ciência, mas com o perigo 
      de vermos nela tanto o falso quanto o verdadeiro,
      segunda medida na qual se encontra a postura do mestre: somente a regeneração 
      nos desvenda as bases e aí, sem
      mestres, recebemos a chave pura, cada um, contudo, no grau que lhe é 
      próprio. Vede o nosso amigo B. quem foi que lhe
      ensinou as sete formas da natureza universal? Quem foi que lhe ensinou o 
      número do Ternário manifestado pela cruz no
      meio da vontade reconhecida? Quem foi que lhe ensinou os dez espelhos, no 
      final dos quais o fim busca o começo, etc.,
      etc.? Esses conhecimentos lhe foram dados pela própria fonte, que 
      nele entrou nele ou ele subiu até ela. Aí ele deixou o
      homem terrestre, que vê apenas erros e trevas, apesar de suas ciências 
      e de sua razão; não procurou viver senão em seu
      homem divino, que deve, naturalmente, refletir todas as luzes, porque elas 
      não se movem e por ele ser delas o espelha por
      nascimento e adoção. Sendo 7 o número das formas universais 
      do Espírito, conforme me atestam milhares de razões,
      podemos segui-lo sem seu curso, que chamo de curso vegetativo, porque tudo 
      deve ser vivo a partir dele. Ora, é somente
      pela elevação das raízes à sua potência 
      que tenho uma imagem da vida das propriedades: assim, é multiplicando 
      essa raiz
      que descobrimos os frutos, que são 49, produto de 7x7. Mas, embora 
      eu chegue assim a esse produto, a raiz que o gera não
      muda de natureza por causa disso; ela nada mais faz do que estender-se e 
      multiplicar-se, conservando sempre seu caráter
      radical. Assim, 49 é sempre 7 para mim, mas 7 em desenvolvimento, 
      ao passo que em sua raiz, só é 7 em concentração.
      Não obstante, precisa do desenvolvimento para chegar a 8, que é 
      o espelho temporal do denário invisível e incalculável 
      para
      nós. Ora, ao mesmo tempo que passa de 7 para 8 no meio da grande 
      unidade à qual se une, passa também de 49 para 50
      por intermédio dessa mesma unidade, arrastando nessa união 
      o 4º, ou a alma humana, fazendo-o passar diretamente e
      abolir o 9º da aparência, que é nosso limite e causa de 
      nossa privação. Eis, caro irmão, uma pequena esquisse 
      da maneira
      pela qual 5 vale 8 e 8 vale 5, na grande maravilha que o divino Reparador 
      operou para nossa regeneração. É uma coisa
      determinada diretamente à minha inteligência e que não 
      recebi de homem algum. Desejo que ela vos conceda o que me
      concedeu. Não podeis formar 50 de 8+2 porque empregaríeis 
      como elemento o número 8 que ainda não existe e que só
      deve ser encontrado após a operação; o número 
      6, que não é um número ativo, mas somente o órgão 
      por onde passa a vida;
      por fim, o número 2, que é o número da iniqüidade 
      e não pode ser encontrado nos números constitutivos do Reparador, 
      pois
      já foi dito que ele aprendeu tudo do homem, exceto o pecado. Não 
      entro em todas as outras perguntas que me fazeis dobre o
      significado de cada número, sobre o modo de calcular, sobre as fórmulas 
      e os resultados. Além de esses volumes não
      bastarem para preencher convenientemente uma tarefa semelhante, eu já 
      vos disse tudo ao repetir que é na regeneração, e
      somente na regeneração, que descobrimos nesse gênero 
      alguma coisa de seguro. Nessa regeneração há vários 
      degraus e
      também há vários nos caminhos tenebrosos da razão 
      humana. Minha vida inteira não bastaria para sondar todos esses
      limites e, se eu me entregasse de por minha conta a essa empresa, correria 
      o risco de só colher resultados duvidosos. Ignoro
      por que é que vosso amigo submete o ano da era cristã ao seu 
      cálculo; sem ter os dados dele, não posso dizer se ele está
      certo ou errado. Há, nessa ordem de coisas, uma imensurável 
      imensidade de pontos de vista que são dados a cada um, e é
      somente nas explicações recíprocas que e pela confrontação 
      dos princípios que podemos ficar certos da natureza da árvore,
      assim como da natureza de seus frutos. Conheceis o verdadeiro alvo, caro 
      irmão. Ao dizerdes que por um lado é preciso nos
      desligarmos e, por outro, nos ligarmos, e toda utilidade que posso ter junto 
      a vós é encorajarvos, pois ainda estou bem longe
      de poder instruir-vos. Sim, só nos falta, conforme dizeis, uma vontade 
      firme e sair como Ló de nossa Sodoma, digna somente
      da cólera e do espírito do enxofre para entrar novamente no 
      ar livre e puro da proteção divina. E antes que o grande nome
      possa ensinar-nos tudo, é preciso que comecemos pelos nossos esforços, 
      nossa fé e nossa constância, para nos
      reaproximarmos desse grande nome, que, embora aja e fale sem cessar, não 
      é, sentido nem entendido pelo ser bestial que
      nos encerra. Lede B. a respeito disso; é o doutor dos doutores. Espero 
      que vossas conjecturas políticas se realizem, tendo
      em vista os espantosos acontecimentos na Itália. Jamais me inquietei 
      com o exército de Condé; sempre o acreditei muito
      pouco temível para formar grandes projetos. Considero-o como uma 
      formação de exército com a qual se gostaria de fazer
      104
      pelo menos um espantalho. Adeus, meu caro irmão, recomendo-me às 
      vossas preces. Minha carta partirá de Tours porque
      durante os próximos cinco ou seis dias estarei no campo, que fica 
      mais perto de lá do que de Amboise. Meu endereço é
      sempre o mesmo. Fiz novas pesquisas sobre Antoinette Bourignon e nada pude 
      descobrir ainda. Se tiverdes mais condições
      de êxito do que eu, rogo que não vos esqueçais de mim. 
      Teria chegado o tempo de vos dedicardes às traduções 
      de que
      havíamos falado? Terminei a dos Três Princípios e a 
      da Tríplice Vida. Tenho uma, embora ruim, da Signatura Rerum, e a 
      do
      Caminho para Cristo, que me destes. Escolhei dentre o resto o que mais vos 
      agradar. Tenho alguma vontade de começar
      imediatamente os Seis Pontos e os Nove Textos que se seguem a estes, e deles 
      eu bem poderia passar às Quarenta
      Perguntas. Perdão se faço essa escolha: acreditei que nela 
      haveria menos fadiga para mim e na verdade sou obrigado a
      reconsiderá-la. Não poderia de modo algum encarregar-me da 
      tradução das cartas porque elas não se acham incluídas 
      em
      minha tradução inglesa, e porque recearia nem sempre sair-me 
      bem sem esse apoio. SAINT-MARTIN
      Carta 91 M
, 18 de junho de 1796
      Cheguei aqui, mui caro irmão, como vos informei em minha última 
      carta, no dia 17 do mês passado. Mas, mal me tinha
      começado a instalar-me e começava a gozar minha tranqüilidade 
      quando precisei partir para visitar nossas salinas situadas
      perto das fronteiras do Valais. Essa viagem tomou-me doze dias. No entanto, 
      tirei proveito de cada quarto de hora que ficava
      à minha disposição para ocupar-me com nosso grande 
      negócio. Dir-se-ia que o rei deste mundo não perde de vista 
      aqueles
      que querem escapar de seu reino e que ele é fértil em recursos 
      para desviá-los de seus projetos: no mesmo dia em que voltei
      a M
 recebi vossa excelente carta de 7 de junho. Fiquei muito satisfeito 
      com o que me dizeis sobre os números; eles
      exprimem e denotam as relações e as propriedades dos seres. 
      A origem de todas as coisas que existem, a origem de suas
      relações e de suas propriedades é, indubitavelmente, 
      o grande princípio, o ser dos seres, a unidade invisível; 
      tudo decorre
      dessa fonte e tudo se apóia nessa base. Mas a maneira pela qual os 
      seres criados procedem dessa fonte, a maneira
      segundo a qual se desenvolvem, a maneira através da qual podem aperfeiçoar-se 
      e se perverter, e a ação e reação entre
      eles está estabelecida sobre leis constantes e invariáveis 
      e, para a felicidade dos homens, sobre leis análogas. De modo que,
      já que eles possuem bem o conhecimento da ligação de 
      alguns elos, mesmo que esse conhecimento tivesse só tivesse como
      objeto algumas partes da natureza elementar, servir-lhes-ia de imagem, guia 
      e regra para descobrir a ligação dos outros elos.
      Assim, a verdadeira ciência encontra-se, segundo as noções 
      que tenho, no conhecimento das leis do mais sublime
      Legislador, para o qual língua alguma tem um nome que possa exprimir 
      suficientemente a elevação, a sabedoria e a
      bondade; e se pensarmos nele, só nos resta cobrir nosso rosto e prosternar-nos 
      diante dessa fonte deslumbrante de luz e de
      poder. Ora, afigura-se-me que os eleitos que habitualmente se dessedentaram 
      nessa fonte e que com seus desejos e pureza
      atraíram sobre si os raios dessa luz, aprenderam a conhecer essas 
      leis e que apreenderam as relações que existem entre a
      sabedoria e o homens, assim como as relações do homem com 
      os seres intermediários que, no encadeamento da criação,
      existem para estabelecer e formar a ligação dos extremos. 
      Para exprimir essas relações e leis através de signos 
      visíveis, eles
      se terão servido provavelmente dos números, terão exprimido 
      a unidade invisível, fonte de todos os seres, pela unidade
      visível, fonte de todos os números. Terão exprimido 
      todos os outros seres segundo as relações que têm com 
      a unidade
      invisível através de números para os quais terão 
      encontrado relações semelhantes com a unidade visível; 
      terão escolhido
      alguns números para exprimir seres e outros números para exprimir 
      apenas propriedades e relações; terão talvez dado a
      alguns o nome de números ativos e a outros o de números passivos, 
      mas de minhas noções resulta que a ciência dos
      números propriamente dita é a mais a seqüência 
      do que a introdução à obra. Esses números exprimem 
      os nossos
      conhecimentos, mas não os dão. Essa ciência só 
      é verdadeira e sólida à medida que vamos conquistando 
      luzes prévias da
      própria fonte. Ao iniciado e ao possuidor que conquistou suas riquezas 
      intelectuais com o suor do rosto os números servem
      de inventário de sua fortuna, mas para o homem pobre eles nada mais 
      são do que o rótulo aplicado a um cofre forte para
      indicar seu conteúdo. O necessitado pode ler essa inscrição 
      e mesmo compreendê-la até um certo ponto, continuando pobre
      da mesma forma. Assim, concluo que aquele que quiser fazer progressos na 
      nossa careira não deve começar pelo estudo
      dos números, e isso pela razão muito simples de que não 
      podemos inventariar riquezas que ainda não possuímos. Mais 
      do
      que isso, creio que é mesmo muito perigoso inverter a ordem de nossa 
      marcha e querermos servir-nos dos números como
      degraus, pois temos necessidade de luzes e das forças diretas e reais 
      sem as quais as mais admiráveis fórmulas, que não
      passam de reflexo seu, correriam o risco de nos extraviar porque ainda não 
      possuímos essas forças e luzes em si mesmas.
      Suspeito que era esse o tropeço de Eck. Ele recolheu muitos detalhes 
      teóricos e tradicionais sobre os números e quis aplicálos
      para resolver questões sobre todos os objetos, não importa 
      quais fossem. Vi logo de início que ele se enganara e foi isso
      o que me impediu de estudar sua obra. No entanto, ele não deixou 
      de provocar minha admiração por seu imenso trabalho e
      através de dos traços de luz que aqui e ali repontavam em 
      suas cartas. Embora suspendendo o estudo, esse atraso de
      maneira alguma diminui o meu reconhecimento para com esse que tivestes a 
      bondade de revelar-me recentemente. Como
      guardo todas as vossas cartas com cuidado, chegará um tempo, se a 
      Providência o permitir, em que poderei servir-me dela
      de maneira útil. Eu bem sabia, meu caro irmão, que sofríeis 
      alguma inquietude por vossa pátria por causa dos rumores que
      corriam no tocante à passagem do exército de Condé 
      pelo cantão de Basiléia. Mas, se estais tranqüilo acerca 
      disso, vosso
      governo não o estava e eu esperava que, caso tivésseis falado 
      a alguns de vossos amigos sobre a notícia oficial que eu vos
      enviava, que ela tivesse podido passar de boca em boca até ele e 
      contribuído, talvez, para tranqüilizá-lo, pois a inquietude 
      do
      Diretório quanto a esse assunto apenas conseguiria reunir um exército 
      suíço nas fronteiras e esse exército destruiria o cantão
      de Basiléia, que já sofreu demais as desditas do nosso tempo. 
      Eu bem desejaria não haver conjecturado em vão em favor de
      105
      uma paz próxima. Mas se deixarmos escapar a oportunidade presente, 
      não mais crerei que ela seja feita tão cedo. Somente
      se propõe melhor a paz do que quando se é vitorioso. Os exércitos 
      são pagos por dia e eu não confio inteiramente num êxito
      permanente na Itália. Assim que recebi vossa carta, mandei escrever 
      ao meu correspondente de Lausanne para que faça
      novas pesquisas concernentes aos escritos de Antoinette. Tende a certeza 
      de que não nada pouparei para conseguir-vos os
      textos dessa excelente jovem. Por fim, tive o prazer de travar conhecimento 
      com a irmã Marguerite. Essa jovem é um anjo
      em forma humana. Acho que sua vida é muito instrutiva, seja pela 
      confirmação das verdades conhecidas, seja fazendo
      nascer idéias novas. Admiro a diversidade dos gêneros entre 
      os próprio eleitos. Antoinette em nada se parecia à irmã
      Marguerite: são duas belas flores do mesmo jardim mas bem diferentes 
      uma da outra. Também fiz provisões para o inverno.
      Consegui obter uma ed. de B. in-quarto, impressa em caracteres grandes, 
      segundo a ed. de 1682 do general G. Quanto ao
      meu tipo atual de lazer, é apenas provisório até que 
      a paz seja feita. Enquanto aguardo, resguardo os de momentos de
      minha vida tanto quanto possível, e, no fim do ano, esses momentos 
      subtraídos não deixam de somar-se. De boa vontade eu
      faria uma tentativa para traduzir as cartas. Num sentido, é a obra 
      mais fácil, e noutro, a mais difícil de nosso autor. Fácil
      porque seu estilo é claro, e difícil porque supõe o 
      conhecimento de todo o sistema de nosso B., de quem ele é aprendiz.
      Assim, quantos preparativos são necessários para se empreender 
      essa tarefa de maneira tolerável! Considero as obras de
      nosso amigo em duas partes distintas: um, ascética e a outra, científica. 
      A primeira é a mais necessária; é a chave da
      segunda e o sine qua non para a obra. A segunda também tem sua utilidade: 
      provê à primeira uma reação de luz. E é 
      preciso
      que o autor a tenha julgado recomendável e que não a tenha 
      considerado como somente como uma seqüência imediata da
      primeira, que decorreria necessariamente da regeneração sem 
      qualquer socorro humano, pois, assim supondo, ele não a
      teria escrito, contentando-se com ensinar a parte ascética em todos 
      os seus detalhes. Parece também que a Providência
      tenha adotado essa via de instrução para os livros, uma vez 
      que existem o seu livro, e vários outros desse tipo, que trazem o
      caráter da bondade e da verdade. Para descobrir as verdades contidas 
      nesses livros, é preciso estudá-los, e, para estudá-los
      com proveito, é preciso começar pelos mais claros e mais fáceis. 
      Ora, pelo meu modo de ver e apreender as verdades desse
      tipo, não encontro introdução melhor na parte teóricas 
      das obras de nosso amigo B. do que os preceitos de vossa antiga
      escola. Acabo de passar os olhos no livro Dos Erros e da Verdade e no Quadro 
      Natural, onde vi uma infinidade de coisas que
      me escaparam há cinco ou seis anos. Foi o que me fez tomar a decisão 
      de me preparar para a leitura do nosso amigo com
      as duas obras que acabo de vos citar. Encontrei entre outros um preceito 
      digno de nota no segundo volume do Quadro, p.
      109 238, que diz: "É um dos maiores segredos que o homem pode 
      conhecer: o de não ir logo à sabedoria239, mas de
      ocupar-se longamente com o caminho que conduz a ela." (Compreendeis 
      facilmente o verdadeiro sentido das palavras
      sublinhadas.) Mas antes de prosseguir nessa com um pouco mais de cuidado 
      do que outrora, preciso perguntar-vos se as
      passagens entre aspas no Quadro, ed. de Edimburgo, 1782, são de uma 
      mão que adotais como vossa. Além disso, eu ficaria
      muito satisfeito por saber se na nomenclatura dessas duas obras encontra-se 
      uma denominação sinônima com duas
      palavras bem essenciais no sistema do nosso amigo. Refirome a Sophia e ao 
      Rei deste mundo; ou esses dois seres
      escaparam completamente da vossa escola? Tenho alguma razão para 
      suspeitar deste último, pois nosso amigo D., a quem
      me apresentastes e que me parecia bem orientado nessa parte, não 
      conhecia uma sílaba sequer sobre Sophia; não sei se
      ele teve alguma noção do Rei. É possível que 
      em alguma escola da França não se haja pronunciado esses dois 
      nomes, mas
      isso não impede que essas escolas tenham gozado brilhante magnificências. 
      Certamente conhecestes outrora um teósofo
      português chamado Martinez Pasqualis240. De acordo com o que ouvi 
      dizer, era um homem profundo e muito adiantado:
      entretanto, suspeito de que jamais haja conhecido Sophia, mesmo de nome; 
      teria ele confundido Sophia com a causa ativa e
      inteligente e o Rei com o princípio mau? Com tudo isso, estou decidido 
      a familiarizar-me com os preceitos de vossa antiga
      escola: mas, como estou com relação à língua 
      francesa mais ou menos na mesma relação em que vós 
      na língua alemã,
      permiti-me dirigir-vos de tempos em tempos algumas questões gramaticais. 
      Por exemplo, no Quadro, T. 2, p. 61, l. 11: "para
      servir de órgão às virtudes superiores que nela devem 
      descer"241. Não compreendo o significado da palavra órgão 
      tomada
      neste sentido. Será que as virtudes superiores teriam necessidade 
      de um órgão para descer? E qual é ele?
      P. 108 do mesmo vol., § 2, l. 3: "e não quando lhe penetramos 
      as virtudes." 242 Ignoro em que sentido a palavra virtudes é
      tomada aqui. Trata-se das propriedades da natureza elementar ou então 
      de uma substância intelectual diferente da matéria?
      Idem, p.223, § 3, l. 4: "prestai atenção ao fato 
      de que, a exemplo da ação universal da vida
"243 
      Em que sentido é a palavra
      vida tomada aqui? Idem, p.235, § 3, 1! l.: Quando todos os agentes 
      sensíveis, etc."244 Certamente há vários, mas 
      ignoro
      quais sejam aqueles de quem o autor quer falar nesta passagem. Uma outra 
      palavra importante que não compreendo é a
      que se encontra no t. 2, p. 239. L. 5: "à medida que cerceamos 
      os canais intelectuais".245 Dar-me-íeis grande prazer se me
      informardes o que entendeis por canais intelectuais que podemos abrir e 
      fechar à vontade. Adeus, meu caro irmão.
      Desculpai-me pela longa carta, transmitir-me vossas idéias e lembrar-vos 
      de min em vossas preces. (Confrontar Três
      Princípios, cap. XIII, v.2, 13 e 15. Sur les os d'Adam [Sobre os 
      ossos de Adão], cap. XV, v. 13, als dann. (no fim, 6, p. c. 1. V.
      58. Gerieht.) KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      quando lhe penetramos nas virtudes." p.?
      238 Sr. Editor: V. a tradução brasileira.
      239 Cap. 17. Segundo a tradução do Quadro Natural feita por 
      mim para esta editora, o original traz "a Deus", sem itálico:
      "C'est un des plus grans secrets que l'homme puisse connaître 
      que de ne pas aller à Dieu tout de suite, mais de s'occuper
      longtemps du chemin qui y mène." Na carta, Liebistorf sublinha 
      aquelas palavras, como ele mesmo explicará a seguir. - As
      demais citações do Quadro Natural são tiradas da tradução 
      lançada por esta Casa.
      106
      240 Nota da tradutora para o Editor : Então ele era português? 
      Nesse caso - mera curiosidade - seu nome deve ter sido
      Martins de Pascoal.
      241 "O Oráculo envolvido e coberto pelas asas dos Querubins; 
      a coroa, ou círculo de ouro, que o encima e parece colocada
      assim, como o anel de Saturno, para servir de órgão às 
      virtudes superiores que nela devem descer; as mesas preparadas
      nas diversas regiões; os doze pães da proposição 
      colocados em fileiras de seis para mostrarnos as duas leis senárias, 
      fontes
      de todas as coisas intelectuais e corporais." p.? Órgão 
      foi sublinhado pelo missivista; virtudes vem em itálico no original.
      (Para o Editor: citar as pp. Da tradução brasileira em todas 
      as citações de rodapé do Quadro Natural.)
      242 "Se a Natureza elementar nos é nociva, é quando nos 
      deixamos escravizar por ela e não 243 "Mas, para reanimar nossa
      esperança no meio das privações que sofreis, prestai 
      atenção ao fato de que, a exemplo da ação universal 
      da vida, todos
      qualquer fluido, aquático, ígnea, magnético ou elétrico, 
      tende sempre a recuperar o equilíbrio e a se dirigirem aos lugares 
      em
      que fazem falta." p.?
      244 "Quando todos os Agentes sensíveis de que acabo de falar 
      houverem consumido com sua atividade as substâncias
      impuras que maculam vossos órgãos materiais" p.?
      245 Assim, o que experimentamos com mais freqüência é 
      que a base da qual acabo de falar diminui para nós à medida 
      que
      cerceamos os canais intelectuais, que são como que os sentidos de 
      nosso espírito; e quando interceptamos inteiramente a
      comunicação, nosso centro intelectual, não recebendo 
      mais a substância que deveria formar-lhe a base, vacila sobre si
      mesmo e tomba, ficando exposto à revolução das circunferências 
      inferiores e horizontais que o arrastam, deixando-o errar
      segundo suas leis desordenadas: "é o que as justiças 
      humanas têm representado pelo costume de lançar aos ventos 
      as
      cinzas dos criminosos". p.?
      Carta 92 11 de julho de 1796
      Sinto-me bem contente, caro irmão, porque vedes que os números 
      exprimem as verdades, mas não no-las dão. Desejo que
      acrescenteis a isso que os homem não escolheram, mas perceberam os 
      números nas propriedades naturais das coisas. Não
      devem ter tido outros guias para terem certeza de seus passos, pois as verdadeiras 
      ciências são aquelas em que o homem
      nada coloca de seu. Os próprios algarismos, meras expressões 
      materiais dos números, não se ligam primitivamente ao
      arbitrário e à convenção humana tanto quanto 
      poderíamos crer segundo o uso fantástico para o qual as artes 
      e as ciências
      exteriores os conduziram. Eles têm várias fontes, seja na via 
      das línguas que empregaram letras como números, seja na via
      da natureza que nos deu os algarismos arábicos. Pois, enfim, está 
      bem claro que desde a queda, nada temos e, por
      conseqüência, é preciso que tudo nos tenha sido dado. 
      Em seguida, passamos a abusar de tudo e abusamos todos os dias
      crendo que somos grandes doutores, sobretudo em nossas tenebrosas academias, 
      pois a qualidade de abusadores é a
      nossa qualidade eminente e desde Adão não temos feito outra 
      coisa. Mas esse assunto é vasto demais para uma carta.
      Como teríamos haurido noções se tivéssemos podido 
      ver-nos por alguns momentos desde que escrevemos um ao outro! Em
      vosso campo, principalmente, onde teríamos ficado sem sermos perturbados! 
      Sabeis melhor do que eu quando as
      circunstâncias serão oportunas e deixo esse assunto por conta 
      de vossa sabedoria. Tudo o que sei é que atualmente os
      passaportes não são, de modo algum, difíceis de conseguir 
      do nosso governo para visitar vossa pátria. Enquanto
      aguardamos, fazeis bem em suspender esse estudo, uma vez que vós 
      mesmo sentis por onde o conhecimento deve vir a vós
      para terdes certeza. Vossa confidência política assustou-me 
      outrora, mas como em minha pátria não tenho correspondência
      alguma desse tipo, estando a mais de cinqüenta léguas no nosso 
      Diretório, passar-se-ia algum tempo antes que eu pudesse
      fazer com que vossa opinião chegasse a ele, se todavia meus movimentos 
      quanto a isso tivessem podido chegar até ele. E
      nessas delongas nossos planos teriam tido mais do que o tempo necessário 
      para serem formados e executados: vedes isso
      claramente pelas nossas últimas operações militares 
      em vossa vizinhança. Se eu tivesse estado em Paris, teria agido mais
      para ajudar vossa pátria, do mesmo modo que, ao mesmo tempo, teria 
      sido, creio, para ajudar a minha. Dizeis-me que vosso
      lazer atual é apenas provisório enquanto aguardais que a paz 
      seja feita. Pode haver sob essas palavras qualquer coisa
      importante que ignoro e que me revelareis quando o quiserdes. Tive uma idéia 
      e praza aos céus que se realize. Ficaria muito
      feliz se vosso país enviasse um embaixador ao meu e que fôsseis 
      vós esse embaixador! Talvez vejais nisso um delírio de
      minha imaginação, mas é também o da amizade. 
      Vamos às minhas obras. Nossa primeira escola tem coisas preciosas. 
      Fico
      mesmo tentado a crer que Martinez de. Pasq.246, de quem me falais (e que, 
      já que é preciso dizê-lo, era nosso mestre),
      possuía a chave ativa de tudo o que o nosso caro B. expõe 
      em suas teorias, mas que não nos acreditava em condições 
      de
      sermos portadores dessas altas verdades. Havia também pontos que 
      nosso amigo B. ou não conheceu ou não quis mostrar,
      tais como a resipiscência247 do ser perverso, à qual o primeiro 
      homem estaria encarregado de trabalhar, idéia que me
      parece anda digna do plano universal, mas sobre a qual entretanto, não 
      tenho ainda qualquer demonstração positivo, exceto
      através da inteligência. Quanto à Sophia e ao Rei do 
      Mundo, ela sobre eles nada nos desvendou, deixando-nos nas noções
      comuns de Maria e do demônio. Mas eu não garantiria que ele 
      não conhecesse sobre eles e estou certo de que acabaríamos
      por chegar a esse conhecimento se ele tivesse ficado conosco por mais tempo, 
      mas, mal havíamos começado a caminhar
      juntos, a morte o tirou de nós. Assim, o silêncio de nosso 
      amigo D[ivonne]. sobre esse ponto nada provará, tanto mais que
      esse amigo nunca passou por nossa escola e jamais conheceu nosso mestre. 
      Só conviveu com alguns de seus discípulos,
      caminhou pela leitura dos livros desse tipo, pelas vias sonambúlicas 
      e magnéticas, onde tinha virtualidade, e conseguiu
      alguma luz apesar das nuvens que o cercavam; enfim: pela bondade de sua 
      alma e pelos ditosos dons de sua natureza.
      Resulta de tudo isso que é um excelente casamento a ser feito, esse 
      de nossa primeira escola com nosso amigo B. é para
      107
      isso que trabalho e confessovos francamente que acho ambos os cônjuges 
      tão bem de acordo um com o outro que não
      conheço nada de mais perfeito. Assim, tomemos daí o que pudermos. 
      Eu vos ajudarei em tudo o que puder. As passagens
      entre aspas do Qdr. N., Edimb. 82 são minhas. O editor achou que 
      não via nelas coerência suficiente com o resto da obra e
      quis evitar as inquietudes que os leitores pudessem ter. Deixei que o fizesse. 
      Não podemos negar que na época da lei antiga,
      ou de rigores, as verdades superiores não estivessem sujeitas a localidades, 
      a fórmulas, sacrifícios cruentos, etc., e que
      todas as partes e cerimônias do Templo lhe servissem realmente de 
      órgãos. A lei da liberdade está sem qualquer dúvida
      acima disso, mas nesse tempo não se estava; é preciso não 
      confundir as épocas. Eis aí a resposta à vossa pergunta 
      sobre o
      Órgão, p. 61. Em geral, a palavra Virtudes, sublinhada248 
      em toda a obra, quer dizer Eigenschaften249. A palavra
      Propriedade serve para tudo, seja no elementar, no espiritual, no demoníaco, 
      no divino, etc. A Vida, p. 223, quer dizer aqui,
      como em todo lugar, o centro e o coração de Deus, cuja possessão, 
      na doçura da alegria, faz a felicidade de todos os seres,
      segundo nosso amigo B. Os Agentes sensíveis, p 235, significam aqui 
      os agentes elementares realmente encarregados de
      nossa primeira purificação ou iniciação, o que 
      experimentamos pelo batismo e pelo fogo que, por fim deve tudo provar e
      purgar, sem contar também os direitos que a terra exerce sobre nós 
      durante nossa vida e em nosso túmulo. Nos canais
      intelectuais, p. 239, são as portas de nossa alma que abrimos e fechamos 
      segundo a nossa vontade, através de nossos
      desejos, nossa imaginação, o trabalho interno mais ou menos 
      forte ou negligenciado, nossa boa ou má conduta, etc. Agora,
      a minha vez: Três Princípios, cap. 13, nº 2, l. 5. Zu 
      dieser Stunde wurd sein himmlischer Leib Zu Fleisch, und sene strake
      Kraft Zu Beinen250. E no mesmo capítulo, n ? 13 completo, e nº 
      35 no fim. Parece-me ver aí uma contradição sobre os 
      ossos
      de Adão, que, no primeiro exemplo, transformam-se inteiramente e 
      nos seguintes tem outro andamento. Dai-me o prazer de
      me ajudardes nisso. Rogo-vos dizer-me também como se deve traduzir 
      a palavra Gericht, que se encontra nos Seis Pontos.
      Erst Puncte251, cap. 1º, nº 50. Adeus, meu caro irmão. 
      SAINT-MARTIN
      246 Este M. provavelmente é uma abreviatura de Monsieur, mas também 
      pode significar Martinez.
      247 Arrependimento de um pecado, com propósito de correção. 
      Emenda moral. (Aurélio 2001)
      248 Conforme o original. Na verdade, na impressão a palavra vem sempre 
      em itálico.
      249 Qualidade, propriedade, característica, atributo.
      250 251 Primeiro Ponto.
      Carta 93 M., 27 de julho de 1796
      Mil agradecimentos, caro irmão, pela comunicação sobre 
      a maneira geral de considerar os números. Eles eram os guias dos
      homens de desejo, mas guias não escolhidos por si mesmos; encontrei 
      vestígios disso nas obras escritas mais de 550 anos
      antes da era cristã. Meu amigo de M. informou-me recentemente que 
      acabava refundir sua grande obra sobre os números:
      sua infatigabilidade merece-lhe algum êxito. Ninguém, caro 
      irmão, sente mais do que eu quantos assuntos teríamos
      esgotado se nos houvéssemos conhecido desde o início de nossa 
      correspondência; assim, espero que haja realmente
      chegado o momento em que provavelmente se cumpra um de meus mais caros desejos. 
      A notícia sobre a facilidade com a
      qual o vosso governo concede passaportes para vir à minha pátria 
      causou-me a mais viva satisfação: não demoreis em vos
      aproveitardes dela, caro irmão; vinde, a convite da amizade, gozar 
      em paz do prazer falar sobre vossas idéias favoritas.
      Ignoro a forma que vosso governo dá aos passaportes, mas tomai cuidado 
      para que vossa condição indicada de homem de
      letras demonstre claramente que não sois emigrante, e que o propósito 
      de vossa viagem à Suíça é o progresso das ciências
      físicas, econômicas e matemáticas. Primeiro, assim que 
      recebi vossa carta, escrevi ao nosso governo. Anunciei-vos dessa
      maneira para que pudésseis viajar ainda com mais conforto. Indiquei 
      vosso nome e local de nascimento e o tribunal
      encarregado da vigilância de estrangeiros respondeu com muita gentileza 
      aos meus desejos. Nos tempos atuais é necessário
      ter uma opinião segura; e da mesma forma espero conseguir em nossos 
      encontros um progresso nos conhecimentos
      relativos às visões físicas, à economia da obra 
      e à aritmética de Pitágoras. Como sou presidente da 
      Sociedade Econômica e
      Física de Berna, seria oportuno, sob diferentes aspectos, que tentásseis 
      obter do Comitê de Instrução Pública ou do
      ministério que concede passaportes uma recomendação 
      para as sociedades físicas da Suíça. Buscaríeis 
      esse pedido pela
      facilidade que tereis em prosseguir vossos estudos em nosso país, 
      que é realmente interessante, seja por sua cultura, seja
      por suas produções que são da competência da 
      história natural. Tenho então uma ordem do comitê de 
      nosso governo, que
      acabo de mencionar, de informar-lhe os atestados e os documentos relativos 
      ao objeto de vossa viagem. Essa medida de
      prudência é o resultado de uma requisição do 
      vosso Diretório, que insistiu através de seu embaixador, Monsieur 
      Barthélemy,
      par que imigrantes franceses saíssem de nosso território, 
      mediante o quê, aqueles para quem os motivos de humanidade
      não fazem exceção, são obrigados a partir, e 
      o nosso governo está muito vigilante para não conceder direito 
      de entrada a
      pessoas que não sejam aprovadas pelo vosso. Assim, não se 
      exige somente um passaporte, mas também que a indicação
      dos objetivos dos viajantes que permanecem por qualquer tempo conosco seja 
      atestada por algumas de vossas pessoas
      encarregadas de tal mister. Mas nada vos será mais fácil do 
      que tomar essas precauções com as quais vivereis também 
      com
      bastante tranqüilidade em minha casa, em Morat ou em Berna, como se 
      estivésseis na mais perfeita solidão. E embora a
      minha casa em Morat esteja encerrada dentro das muralhas dessa cidadezinha, 
      nela estareis no meio do verde e gozareis da
      vista do lago sem sair de casa, como se tivésseis penetrado vinte 
      léguas no campo. Nosso amigo D., que eu acreditava estar
      na África, na comitiva de um enviado do país onde vivia, proporcionou-me 
      (pouco tempo depois de minha última carta) um
      surpresa bem agradável, entrando em minha casa em Morat por ocasião 
      de sua passagem em Lausanne, onde ia ver seus
      108
      pais. Minha alegria foi bem maior quando vi, ao fim de cinco minutos de 
      conversa, que a semente que espalhastes ao
      recomendar as obras de nosso amigo B., etc., e que passou por minhas mãos, 
      não apenas germinou, mais ainda deu frutos
      nesse excelente jovem. Embora não conheça alemão, por 
      sorte ele sabia inglês e a providência pôs também 
      em suas mãos
      um resumo do sistema do nosso amigo feito por Law, de quem ele me falou 
      muito bem. Em suma, durante sua ausência ele
      só se ocupou quase que inteiramente desse estudo. Também teve 
      um encontro com um grande discípulo de nosso antigo
      mestre. Se na pressa com que conversamos, entendi bem o seu nome, era o 
      abade Fournier. Podeis supor que nosso amigo
      aproveitou isso ao máximo. Eles falaram muito de nós e o apego 
      que Divonne tem para convosco aumentou mais. Como ele
      tem alguma pretensão de traduzir em francês o resumo de Law, 
      encorajei-o a empreendê-la. Ele prometeu ver-me
      novamente ao fim de algumas semanas, mas, alguns dias depois de sua partida 
      de Morat surgiu a proclamação de nosso
      governo contra os emigrados franceses. Entretanto, como sua família 
      saiu da França antes da revolução, espero que ele
      consiga uma isenção e nada negligenciei a fim de conseguir-lha. 
      - O assunto foi remetido a uma comissão que, por causa da
      multiplicidade das reivindicações e das férias atuais, 
      só fará seu relatório no mês de setembro. Quanto 
      à minha confidência
      política, que na época de minha primeira carta teria chegado 
      a tempo, o governo de Basiléia teve as mesmas idéias que eu
      e, para colocar diante do Diretório as provas materiais que poderiam 
      tranqüilizá-lo, enviou seu grande tribuno a Paris. Sua
      missão teve todo o êxito desejado, havendo ele dissipado as 
      nuvens que uns intrigantes queriam erguer entre o governo
      francês e a república de Basiléia para chamar novamente 
      Monsieur Barthélemy, em cuja probidade temos plena confiança. 
      A
      passagem do Reno pelas tropas francesas conseguiu tornar então impossíveis, 
      moral e fisicamente, os supostos projetos do
      exército de Condé. Quanto à passagem de minha carta 
      na qual digo que meu lazer não passa de provisório e que vos 
      deu
      idéias bem lisonjeiras sobre mim, porque trazem a marca da vossa 
      amizade, referia-se a outras distrações, embora do
      mesmo tipo. Na idade em que estou, não ambiciono nada mais do que 
      o repouso, porque todos os momentos que me restam
      são-me infinitamente preciosos. Encanta-me saber que tendes a mesma 
      opinião que eu sobre a união das duas escolas.
      Recentemente consegui ainda ajuda quanto a esse objetivo: não somente 
      possuo uma obra rara e bem lúcida de um eleito
      do século XIV, Rusbrock, mestre de Taulerus, mas também descobri 
      nas passagens das obras de Schwenkfeld e de Weigel,
      que precederam ambos ao nosso amigo B., vestígios notáveis. 
      Assim, a verdade teve uma seqüência de testemunhas nos
      tempos mais recuados. Mais o que acima de tudo me causou prazer com relação 
      à vossa primeira escola é que vosso O
      Novo Homem veio finalmente dar à minhas mãos; espero fazer 
      uma boa colheita nessa obra. Sabeis como sou rico em
      terras; se a providência o permitir, sêlo- ei um dia em rendas. 
      Eu seria a ingratidão em pessoa se não reconhecesse todas 
      as
      dádivas com que ela me cumula, cercado como estou em meu escritório 
      pelas instruções que os livros podem oferecer-me. A
      comunicação do segredo nº 2, p. 6, última linha 
      de O Novo Homem, é verdadeiramente consoladora e encorajadora.
      Conheceis alguma passagem nas obras de B. que apóie essa comunicação? 
      Ele a teria ignorado ou transportado os ofícios
      do espírito para as funções de Sophia? Gostaria muito 
      de ter uma palavra vossa sobre isso. Agradeço-vos muito pelas
      explicações sobre o Quadro Natural. As virtudes sublinhadas 
      certamente significam propriedades, mas não casos também
      em que significam substâncias? Ou então, quando as virtudes 
      se manifestam não seriam essas manifestações apenas
      propriedades, substâncias, e não as próprias substâncias, 
      tornadas sensíveis aos nossos órgãos, sejam eles intelectuais 
      ou
      externos? Vamos agora ao nosso caro B., Três Princípios, cap. 
      13, nº 2. L. 5; nº 13 completo e nº 35, do mesmo capítulo, 
      até
      o fim. A contradição dessas passagens é apenas aparente, 
      dissipando-se quando se considera a gradação da metamorfose.
      No nº 2, estava apenas esboçada, embora esse passo fosse imenso 
      desde o corpo espiritual e glorioso até o corpo material;
      mas os ossos, na época da mudança, não haviam recebido 
      ainda a dureza adquirida depois, não se achavam ainda
      inteiramente consolidados, mas continham ainda uma parte das forças 
      de da virtude do invólucro glorioso que nosso primeiro
      pai acabara de perder. Eva foi criada com o resto dessa força concentrada 
      que posteriormente formou as costelas, mas essa
      ossificação material só se deu no momento em que Eva 
      comeu a maçã, dando-a a Adão. Foi no momento em que 
      os dois
      esposos caíram em pecado que acabou de manifestar-se a materialização 
      cujo germe já estava neles: antes desse
      momento, ainda eram seres mistos, entre o estado glorioso e o estado humilhante 
      em que nos encontramos atualmente.
      Mesmo depois da queda, Adão não perdeu totalmente sua virtualidade 
      corporal, já que viveu novecentos e trinta anos. No nº
      13 e no fim do 35 encontrareis a confirmação desse modo de 
      ver isso. Vamos aos Seis Pontos. 1º ponto, cap. 1º, nº 50.
      (Quase não podemos abordar esses seis pontos sem ficarmos ofuscados 
      pela majestade que os ditou.) A primeira vontade,
      chamada de pai pelo autor, quer livrar-se dos tormentos que as trevas, com 
      sua acrimônia, fazem a alma sofrer. Essa
      vontade quer ser livre, quer sair das trevas, quer uma revelação 
      que possa tirá-la de sua prisão, mas não encontra essa
      revelação em si mesma, não podendo consegui-la senão 
      com a ajuda das virtudes; assim ela deseja as virtudes. Se então 
      a
      vontade muda e escolhe as virtudes que se encontram ca circunferência, 
      então essa vontade extraviada gira, como uma
      roda, de um objeto a outro. Não aumenta bem-estar, sua vida é 
      uma vida de ansiedade e de amargor: quanto mais ele bebe
      da água barrenta, mais necessita bebê-la. Mas a segunda vontade, 
      que faz uma escolha melhor, busca a luz no centro. Essa
      segunda vontade possui a palavra da vida em si mesma; está postada 
      e dirigida ao centro da natureza. Nosso amigo B.
      exprimiu a palavra dirigir como Gericht. Hoje dizemos Gerichtet, que vem 
      do verbo richten252. Seine Gedanken auf etwas
      richten quer dizer: dirigir os pensamentos a algum objeto. Dou-vos detalhes 
      de minhas idéias sobre esses números dos Seis
      Pontos para me corrigirdes, caso esteja enganado. Espero, caro irmão, 
      que vossa próxima carta me informe sobre vossa
      resolução de vir à Suíça. O caminho mais 
      curto para vir aqui não é entrar em nosso país por 
      Genebra ou de Neuchâtel, mas
      pela estrada Pontarlier, de onde seguireis para Yverdun e Payerne, que não 
      fica a mais de quatro leguazinhas de Morat.
      Adeus, meu caro irmão. Aguardo vossa próxima carta com ansiedade. 
      Como vosso sinete me priva algumas vezes do final
      de vossas linhas, dai-lhe, por favor, um pouco mais de espaço para 
      que ele não invada meu prazer de ler. Esqueci-me de vos
      109
      dizer que um astrônomo alemão declarou a Herschel que Urano 
      não era um planeta, mas uma estrela fixa ainda não
      descoberta antes. O tempo esclarecerá este fato. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      252 Neste sentido, dirigir(-se). Também significa julgar, pronunciar 
      uma sentença.
      Carta 94 15 de agosto de 1796 (25 de termidor, ano 4)
      Os passaportes conterão todas as observações de que 
      me falastes, meu caro irmão. Além disso, espero ter recomendações
      de algumas pessoas de destaque e cartas particulares para nosso embaixador, 
      de modo que todas as nossas opiniões a
      esse respeito sejam cumpridas. Não é o próprio governo 
      quem dá os passaportes: são as administrações 
      departamentais, de
      acordo com o critério e os vistos das administrações 
      municipais. Tento de todos os modos utilizar os recursos de que
      disponho, mas isso exige um pouco de tempo. Além disso, depois de 
      minha última carta, assumi o compromisso de ir visitar
      alguns amigos que não vejo há quatro anos, especialmente a 
      respeitável prisioneira de Marselha que, depois de ter sido
      encerrada em Moulins, desde sua prisão, está enfim perto de 
      Paris, não em sua terra, mas na casa de antigos amigos onde
      está feliz e contente, e onde me será impossível não 
      me deter por alguns momentos, o que me faz temer que não poderei
      aproximar-me de vossos cantões antes do início de outubro, 
      e talvez mais tarde. Ora, pessoas que habitaram neles durante
      dois anos garantiramme que não é este o momento favorável 
      para fazer semelhante viagem, e todos instam comigo para
      adiá-la até a primavera, principalmente porque então 
      terei mais meios pecuniários do que no presente e porque aproveitarei
      para começar o meu percurso por Estrasburgo, onde tenho uma grande 
      amizade, indo de lá até vossa terra, e depois
      entrando novamente na França por Lyon, onde também terei amigos 
      para ver antes de regressar a Paris, voltando em
      seguida para casa. Se eu não fizesse essa linha circular e fosse 
      diretamente para a Suíça, teria, na volta, de multiplicar
      demais os meus trajetos para cumprir os outros objetos. A esperança 
      de ver em vossa terra o amigo Divonne me estimula
      muito, mas, de acordo com as leis do momento, sua sorte será decidida 
      antes que eu possa ter chegado, senão eu partiria
      neste momento: assim, se ele partir, eu o perderei e, se ele ficar, eu o 
      encontrarei na primavera como agora. Ao demais,
      pegarei meus passaportes e outros documentos quando estiverem prontos, por-me-ei 
      a caminho e farei uma pausa, em
      minha região rural, a umas vinte léguas daqui, em casa de 
      uns amigos com quem devo doravante permanecer em Paris. Daí
      me dirigirei para junto da ilustre prisioneira de quem vos falei, ficando 
      pronto, seja para partir para a Suíça, se minhas
      observações não tiverem fundamento, seja para esperar 
      na capital o fim do inverno para começar minha peregrinação, 
      se
      meu plano vos parecer razoável. Podeis continuar escrevendo para 
      aqui até novo aviso. Vossas cartas me serão remetidas
      para o lugar onde eu estiver. Se meus documentos caducarem, será 
      fácil renová-los. O que me faz pender ainda para a
      primavera é que esperarei que então esteja menos indigno de 
      me apresentar diante de vós. Ficaria bem contente se Divonne
      traduzisse a passagem de B. feita por Law: garantovos que isso diminui um 
      pouco a minha dedicação às traduções 
      que havia
      empreendido, porque creio que isso será mais do que suficiente para 
      o público, o que me ocupava um pouco; e, além disso,
      acontece que tenho ter tantas outras ocupações que a de tradutor 
      me é verdadeiramente bem difícil sob vários aspectos. 
      O
      exemplar do meu O Novo Homem que tendes não é o que vos será 
      de mais proveito; é uma ninharia em comparação com
      outras riquezas que possuís. Lede outra vez minhas cartas antigas 
      e vereis que o que vos disse sobre isso na época.
      Entretanto, nada conheço em B. que exprima de nodo positivo a comunicação 
      da qual falais, página 6. Última linha. Não
      creio que com isso ele a haja condenado, mas sua grande idéia da 
      via exclusiva da regeneração e de nosso renascimento na
      fonte do segundo princípio muitas vezes o manteve acima de algumas 
      verdades secundárias e mais próximas do estado
      comum dos homens. Além disso, se a Divindade não exige senão 
      repousar a cabeça em nós e sinta por não poder conseguilo
      (o que é, creio-o, o verdadeiro sentido do Evangelho) não 
      seria de admirar que os espíritos estivessem no mesmo caso: a
      única diferença é que só nos busca para trazer-nos 
      sua luz e os outros, para virem buscá-la, mas não há 
      menos sofrimento e
      desejo de cada lado. Em suma, B. nos diz que o universo só existe 
      para manifestar as maravilhas de Deus, que, sem ele,
      não seriam conhecidas pelos anjos. Diz ele, além disso, que 
      o homem é quem deveria abrir essas maravilhas. Parece-me
      que isso é falar de maneira tão clara como nós, uma 
      vez que os anjos devem esperar que o homem abra A palavra Virtudes
      pode também significar existência, se o quisermos, mas isso 
      sempre será, conforme dizeis, com relação às 
      propriedades e
      manifestações dessas substâncias, uma construção 
      lingüística língua: a palavra Virtudes diz tudo e em 
      todas as classes.
      Agradeço-vos pelo que me dissestes sobre os Três Princípios 
      e os Seis Pontos, pois muito me convém. Eu já ouvira falar 
      da
      opinião do astrônomo alemão a respeito de Urano. Creio 
      também que os nossos astrônomos lhe fazem algumas objeções,
      mas sobre isso nada sei de certo. Quanto ao mais, non hic opus253. Enquanto 
      aguardo o prazer de abraçar-vos, seja neste
      ano ou no próximo, envio-vos uma pequena peça em versos que 
      já fora impressa há quinze anos, mas com muita falhas,
      quanto à forma e ao fundo. Faz algumas semanas que tentei consertá-la 
      do melhor modo e vos participo esse fato como a
      qualquer pessoa que ama tudo o que o reconduz ao seu princípio. Vede 
      somente o alvo e tolerai as imperfeições do artista.
      Adeus, meu caro irmão. Recomendo-me às vossas preces. Espero 
      que a paz que, dizem, se prepara para nós, também
      influirá na tranqüilidade e no bem-estar de vossa pátria. 
      Não acrediteis que meu plano pecuniário da primeira página
      signifique que esteja passando necessidades e não penseis de modo 
      algum em virdes em meu socorro. Não passo falta de
      nada, mas espero em seis meses ter menos falta ainda. E os caminhos a tomar 
      permitem tais cálculos e reflexões. Seguemse
      estâncias sobre a Origem e o Destino do Homem. V. Obr. Post. SAINT-MARTIN
      253 Não é aqui que está a dificuldade.
      110
      Carta 95 M., 27 de agosto de 1796
      Embora o tempo que reste de minha carreira seja incerto e curto, meu caro 
      irmão, e eu espere ver-vos ainda este outono,
      não sou, no entanto, bastante egoísta para não sentir 
      a conveniência de vosso plano. Além de ser verdade, ainda, 
      que
      geralmente a passagem do outono par o inverno não é favorável 
      às viagens à Suíça, não obstante essa 
      regra sofre
      exceções. O que me consola um pouco é que desfrutarei 
      de prazer maior na primavera do que no mês de outubro. Durante o
      trajeto que projetais tereis condições de dar uma olhada nos 
      progressos do edifício nas diferentes regiões que ides visitar.
      Eu, sem sair de onde estou, de tempos em tempos descubro algum novo obreiro. 
      Além de nosso amigo de Munique, há um
      professor em Marbourg que possui a autorização necessária 
      para conseguir ser lido por um público numeroso e que, através
      de ficções engenhosas, dá boas sacudidelas nos leitores. 
      Suas produções são disputadas. Ele se chama Jung e 
      escreve
      com o nome de Stilling. Acaba de completar uma alegoria picante, uma história 
      em quatro volumes, som o nome de
      Heimweh, saudade do lar, bem própria para provocar em nós 
      uma verdadeira Heimweh. Além disso, encontrei ainda obreiros
      subcontratados, os quais me informam que há obras interiores traduzidas 
      em italiano e espanhol, na própria Roma, e creio
      que já disse que existe em Basiléia uma sociedade secreta 
      para propagar o cristianismo. Estimo muito que possais ver vossa
      ilustre amiga. Sabeis como há quatro anos ela me despertou interesse, 
      mas suas desditas ainda aumentaram mais esse
      interesse. De modo que faço não apenas desejo seu desenvolvimento, 
      mas faço ardentes votos para ele e, se não temesse
      de parecer-vos excêntrico, dir-vos-ia que um movimento imperioso me 
      prende à sua alma. Nosso amigo Divonne, cuja sorte
      política do momento ainda não foi determinada, está 
      atualmente em viagem pela Suíça na companhia de um inglês 
      a quem
      pouco a pouco vai transmitindo seus princípios. Mas como durante 
      longo tempo essa vida ambulante o impedirá de fazer sua
      tradução, encarrego-me de empreender por ela a versão 
      de meu trecho: mas não preciso acrescentar que, dadas as minhas
      circunstâncias, esse empreendimento exigirá tempo. Vosso O 
      Novo Homem, assim como os escritos que compusestes
      segundo vossa primeira escola, servir-me-ão para a confirmação 
      de muitas coisas. A confrontação de nossos autores
      favoritos, sobretudo a comparação das cartas de nosso general 
      com o texto de B., proporciona-me esclarecimentos
      freqüentes. Além dessas vantagens, acabo de fazer uma descoberta 
      importante: trata-se nada menos do que de um tratado
      de nosso amigo B., que não se encontra na edição de 
      1682, pois o general recebeu manuscritos ainda depois de 1682: foi o
      que o lhe permitiu reunir uma edição mais completa, publicada 
      depois de sua morte, em 1715. Esse novo tratado é um
      segundo livro muito interessante sobre o batismo. Se escreverdes ao vosso 
      conhecido de Estrasburgo, informai-o de que
      existe uma excelente introdução às obras de Pordage 
      no inicio de sua Metafísica e que essa introdução, 
      teosófica e muito
      clara, que enche um volume inteiro, foi escrita pelo conde de Metternich, 
      aluno de Madame G
, e pai espiritual de Saint-
      George de Marsais, do qual tendes um tratado. No coleção das 
      cartas de Madame G
, em cinco volumes, há várias
      endereçadas ao senhor Metternich, ministro e enviado do rei da Prússia, 
      quando se tratava de conseguir a soberania do
      condado de Neuchâtel. Estimo muito que aproveis as notas que vos enviei 
      juntamente com os documentos necessários.
      Todos os dias tenho ocasião de confirmar a minha crença, detesta 
      e abominada pela maior parte dos filhos de nosso infeliz
      século, que, guiada por seu mestre, tenta demolirlhe o edifício. 
      Para chegar a isso, não encontram um caminho mais seguro
      do que caluniar os obreiros e suspeitar deles. Se alguma vez o preceito 
      de nosso sublime professor já foi tão necessário, é
      realmente na época presente: "Ego mitto vos sicut oves in medio 
      luporum: estote ergo prudentes sicut serpentes, et simplices
      sicut columbæ.254" O inimigo tem foi longe que deu a uma corja 
      horrenda uma denominação respeitável que só 
      devia ser
      empregada para designar o eleitos, e ela trabalha para destruir a religião 
      cristã e todos os governos civis; são os anarquistas
      e desorganizadores da Alemanha, que também têm afiliações 
      entre nós. Esses homens criminosos, sendo mais
      desenvolvidos do que o comum, atacam os homens com fatos, ao passo que, 
      até o presente, não foram atacados senão com
      discursos. Esses envenenadores, que espalham uma doutrina de palavras, nada 
      odeiam tanto quanto aos verdadeiros
      eleitos.
      Tive até a idéia de que não seria inútil unir 
      o nome de um de vossos campos ao vosso e esse nome territorial vos serviria
      então como traje de viagem, sendo o vosso por demais belo para ser 
      usado todos os dias. Muito vos agradeço pelos
      detalhes sobre a minha pergunta no tocante à sexta página 
      de O Novo Homem. A grande massa dos homens, da qual uma
      parte bem considerável nem sequer ouviu falar do regenerador, tem 
      necessidade de uma ajuda, de um guia, que esteja
      sempre à mão para ser consultado, e esse guia é perfeitamente 
      indicado em O Novo Homem. Creio que seu nome vulgar se
      chama Consciência. A existência desse espírito não 
      é certamente condenada por B. Vede no Myst. Magn. o início 
      da
      segunda linha do nº 9, cap. 8. Recebei meus agradecimentos pelo belo 
      presente que inseristes em vossa carta. Certamente
      compusestes essas estâncias sublimes de acordo com uma visão 
      física, cujo espírito, esplendor e marca elas trazem. A
      elevação de nossa origem é uma idéia tão 
      bela que é surpreendente ser ela em geral tão desconhecida. 
      É a respeito disso
      que nosso amigo B. me deu grandes esclarecimentos, dentre outros, na Aurora, 
      cap. 22, nº 46, item, cap. 23, nº 4. Se os
      homens fossem capazes de atenção, teriam sido despertados 
      nesse ponto pelos Atos dos Apóstolos 19:27-28. Os próprios
      pagãos já tinham noções disso, como do espírito 
      do Novo Homem, página 6. Sêneca tem sobre ambos uma bela passagem
      em sua epístola nº 42: "Prope est a te Deus. Tecum est 
      et intus est. Ita dico Lucili, sacer inter nos spiritus sedet, malorum
      bonorumque nostrorum observator et custos; hic prout a nobis tractatus est, 
      ipse tractat. Bonus vir sine deo nemo est.255"
      Mas vossa estâncias exprimem cessa bela idéia com muito mais 
      força; não é somente o Tecum, mas a identidade que 
      torna
      a idéia inteiramente sublime. E os esforços para reconquistarmos 
      nosso primeiro lugar não poderiam estar mais bem
      figurados na estância dezesseis. Nada de mais tocante do que a estância 
      quinze sobre os meios, os únicos que existem para
      111
      elevar-nos ao nosso grande destino. A dezesseis encerra o êxito, o 
      cumprimento de nossos desígnios, o fim da obra. Adeus,
      meu caro irmão. Uni vossas preces às minhas para que todos 
      os vossos amigos possam alcançar esse fim glorioso.
      Terminais a carta com uma observação que se refere a uma expressão 
      da primeira página. Espero, caro irmão, que todas as
      vezes que as circunstâncias retardarem a marcha dos socorros ordinários, 
      devereis advertir-me sobre isso. Confio
      completamente em vossa amizade a esse respeito. Tudo o que depender de mim 
      está sempre ao vosso serviço. Antes de
      encerrar minha acarta, permiti-me ainda uma pergunta gramatical. Há 
      uma expressão que embaraça no segundo volume do
      Quadro Natural. Página 230, linha 22. Tratase da terra. Tende a bondade 
      de dizer-me o que entendeis pela expressão: "Ela é
      o crisol das almas tanto quanto dos corpos.256" Fiquei tocado pela 
      beleza de todo o n ? 21, que começa à página 204257.
      KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      254 "Eis que vos envio como cordeiros em meio aos lobos: sede, portanto, 
      prudentes como as serpentes e simples como as
      pombas." (Mateus, 10:16.)
      255 "Deus está perto de ti. Está contigo e dentro de 
      ti. Assim, pois, te digo, ó Lucílio, dentro de nós 
      habita um espírito
      sagrado, que observa e vigia nossos males e bens; segundo é por nós 
      dirigido, assim nos dirige. Um homem bom sem Deus
      não é ninguém."
      256 P na tradução?
      257 P na tradução?
      Carta 96 26 de setembro
      Sois mais sábio que eu, meu caro irmão, por permanecerdes 
      assim em vosso lugar. Assim todas as novidades vêm à vossa
      procura. O Heimweh é um belo assunto. Essa doença atormenta 
      há muito tempo, aumentando a cada dia e com toda
      certeza, se eu não fosse ainda um pouco francês, ficaria no 
      meu cantinho e trabalharia de maneira frutífera em minha obra.
      Entretanto, como não tenho outro desejo senão o de ver boas 
      almas com quem possa tratar do progresso da verdade, eu me
      permitiria ainda essa pequena escapada, voltando em seguida a concentrar-me 
      em minha região com alguns amigos.
      Encontro doçura na perspectiva de proporcionar alguns raios pequenos 
      da vida espiritual à terra natal que me deu a vida
      temporal. Não é para minha amiga258, mas para o público 
      que desejaria a tradução de quem me falastes, a qual insisto 
      que
      empreendais. Aliás, confesso-vos que creio ser o alimento de B. um 
      pouco forte para ela. As virtudes morais, da piedade, é
      que são o seu gênero. Quanto às instruções, 
      ela as teve todos os tipos, mas sem qualquer sistematização 
      para pô-las à
      obra, e creio que hoje seria um pouco tarde para tentar ensinar-lhe B., 
      que exige, por assim dizer, pessoas destinadas a esse
      fim e que tenham sido preparadas de maneira diferente da dela, tanto pela 
      sua educação de corte como pela espiritual. Nem
      por isso deixa de ser o melhor coração que se possa conhecer 
      e não fico surpreso com as relações que o vosso sente 
      para
      com o seu. Informei a Estrasburgo o que me dissestes de Madame G. quando 
      nos virmos, tomarei conhecimento de todas as
      vossas riquezas. Enquanto aguardo, esforço-me por enriquecer-me em 
      minha raiz e através de minha raiz, sem deixar de
      pensar que esses são os únicos meios que nos são verdadeiramente 
      próprios e para sempre proveitosos. Refletirei sobre a
      questão do nome necessário para o local. Mas em meus documentos 
      eu nada poderia mudar nem acrescentar ao meu
      verdadeiro nome. As conseqüências disso seriam importantes, tanto 
      para os meus bens quanto os meu direitos de cidadão.
      Nossas leis são severas neste ponto. Dais-me um verdadeiro prazer 
      ao citar-me os antigos que falaram com tanta dignidade
      do princípio e do espírito que está entre os homens; 
      em todos os tempos a verdade esteve junto deles. Ela não conhece
      tempo nem espaço; foram eles que fizeram ambos com suas imprudências 
      e crimes. Agradeço-vos novamente por vossas
      ofertas gentis. Não necessito fazer uso delas, pois tenho todo o 
      necessário filosófico. A passagem citada: "a terra é 
      o crisol
      das almas tanto quanto dos corpos" quer dizer que, sendo a terra o 
      nosso teatro de expiação, é passando por ela que
      purgamos nossa alma, assim como recuperamos nosso corpo glorioso, se seguirmos 
      as leis da sabedoria que devem ser o
      guia e a bússola de nossos outros pobres viajores aqui neste mundo. 
      Embora seja provável que eu não demore a pôr-me a
      caminho, podeis, enquanto isso, escrever-me até novo aviso. Vossas 
      cartas virão encontrar-me onde quer que eu esteja,
      enquanto espero poder dar-vos meu endereço em Paris. Adeus, meu caro 
      irmão, abraço-vos de todo o coração e
      recomendo-me às vossas preces. Reli esses dias a resposta à 
      primeira das quarenta perguntas e vi como seria preciso
      conhecer o ofício para tirar proveito de todas as maravilhas nelas 
      contidas. Quanto a mim, que tenho caminhado em tudo
      isso há trinta anos, preciso de todas as minhas faculdades para poder 
      acompanhar nosso amigo na profundidade de sua
      obra, e confesso-vos que algumas vezes sou obrigado a não me arrastar 
      para muito longe dele. SAINT-MARTIN
      258 A duquesa de Bourbon.
      Carta 97 M
, 8 de outubro de 1796
      Deixando de lado todo interesse pessoal, meu caro irmão, continuo 
      concordando com o fato de que vosso projeto de viagem
      é bem respeitável, pois o bem que podeis fazer com vossas 
      conversações e vossa presença pode estender-se além 
      do
      pequeno espaço de tempo no qual vegetamos: uma única palavra 
      pode algumas vezes ter conseqüências incalculáveis.
      Assim, cuidar de não de mudardes vossa resolução e 
      de chamar-me de sábio porque permaneço em meu lugar. Se eu
      estivesse no vosso, faria exatamente o mesmo. Além da felicidade 
      de trabalhar na vinha do nosso Mestre, provavelmente
      112
      tereis várias ocasiões de verdes por vós mesmo se nas 
      diferentes regiões prossegue a obra do Templo, uma vez que eu, que
      não me mexo par sair de casa, apercebo-me disso, mas em geral é 
      apenas por ouvir dizer, exceto quanto a um pequeno
      número de exemplos que tenho diante dos olhos. Vós, ao contrário, 
      podeis, enquanto viajais, contemplar o edifício num
      horizonte mais extenso, podeis ajudar a vós mesmo a erguer algumas 
      colunas, etc. Por toda parte, meu respeitável irmão,
      seja na vossa pátria ou alhures, tenho certeza de que será 
      caro ao vosso coração lançar raios de luz nas almas 
      dispostas a
      recebê-los. Concordo em que nem todos os terrenos são igualmente 
      próprios para a cultura dessa rara semente, mas em
      todos os lugares em que essas sublimes verdades podem deitar raízes, 
      em todos elas já germinaram, mas, onde elas se
      arriscam a se ressecarem e serem pisoteadas pelo inimigo, é iminente, 
      urgente mesmo, semeá-las, irrigá-las e fortalecê-las;
      preciso até mesmo tentar deixar os bons e laboriosos agricultores 
      junto de nós. Possuo a obra de Law, graças à bondade 
      de
      nosso amigo Divonne. Não é propriamente um extrato de B., 
      mas um excelente tratado de piedade, escrito no espírito de B. e
      com grande conhecimento dele. meu plano seria um pouco diferente: gostaria 
      de fazer um resumo de toda a doutrina de B.
      gostaria de colocar essa doutrina ao alcance de uma número maior 
      de leitores. Quem não se passou por uma escola
      semelhante à de vosso primeiro mestre, é preciso ter uma perseverança 
      rara para se chegar somente a um conhecimento
      medíocre dos escritos de nosso amigo; além do que ele mesmo 
      desejaria que seus diversos tratados fossem unidos em
      apenas um. Meu alvo seria também dar à minha obra uma forma 
      que pudesse induzir à leitura os que de ordinário não 
      se
      ocupam com estudos tão abstratos. Nosso amigo B. contém verdades 
      tão essenciais, e que hoje pareceriam tão novas, que
      seria uma grande infelicidade, parece-me, se não conseguíssemos 
      que elas fossem lidas. Meu projeto é dar-lhes uma
      apresentação histórica, de parábola mesmo: o 
      que Telêmaco259 é para a moral e a política eu gostaria 
      que meu livro fosse
      para a vida espiritual, mesmo que essa forma estivesse abaixo de seu modelo, 
      não importa, contanto que seja suficiente para
      despertar e manter a curiosidade do leitor. Esforçar-me-ei para somente 
      no fim do livro que ele perceba que acaba de ler um
      resumo de J. B., pois há milhares de homens que não conhecem 
      nosso amigo, nem mesmo de nome. Farei um esboço de
      tudo isso e gostarei de ter vossa opinião, seja sobre o fundo, seja 
      sobre a forma, quando tiver o prazer de palestrar convosco
      inteiramente à vontade. Nosso amigo Divonne tornou a partir para 
      a terra natal260 de seu companheiro de viagem. Antes de
      sua partida, recebi vossa carta que continhas as estâncias e entreguei-lhas. 
      Ele ficou encantado com elas e quanto a isso
      escreveu-me de Berna as seguintes linhas: "Agradeço-vos por 
      me haverdes enviado a peça em versos de Monsieur de Saint-
      Martin. Peço-vos de dizer-lhe que, ao ler esses versos, senti na 
      alma algo de tão marcante e especial que quero
      simplesmente expor-lha. Parecia-me que minha amizade por ele revelava-se 
      de maneira mais viva, enquanto ao mesmo
      tempo parecia que se alguma coisa se colocava entre mim e ele, ou melhor, 
      o arrancava de mim, de maneira a causar-me
      um sentimento verdadeiramente doloroso." Ele termina essa passagem 
      com as seguintes palavras enigmáticas: "Ó verdade!
      Ó luz! Ó vida! Somente a morte ouviu o ruído de vosso 
      renome." Ele me encarrega também de rogar-vos que digais mil
      coisas ternas de sua parte ao vosso amigo B. e que ele lhe ficará 
      ligado mesmo além dos limites desta vida. Ele também
      desejaria muito ter notícias de C. J. e fazer com que ela saiba que 
      ele a ama de todo o coração. Como ele me escreverá
      assim que chegar ao seu destino, poderei fazer chegar a ele tudo o que vós 
      e vossos amigos julgardes adequado. Estou
      muito contente com o volume de Law que ele me deixou. Para dar-vos um amostra 
      do modo de pensar desse autor, insiro
      aqui uma passagem de seu livro, por ele intitulado Spirit of Prayer, escrito 
      em forma de diálogo. Depois de enumerar o vícios
      e defeitos comuns dos homens, diz ele: "This is the fallen human nature, 
      and this is the old man, which is alive in every one,
      tho' in various manners, till he is born again form above. To think therefore 
      of any thing in religion or to pretend to real
      Holyness, without totally dying to this old man, is building Castles in 
      the air, and can bring forth nothing but Satan in the form
      of an Angel of light would you know, whence it is that so many spirits have 
      appeared in the world, wo [who] have deceived
      themselves and others with false fire and false light, laying claims to 
      inspirations, illuminations, and openigs [openings] of the
      divine life, pretending to do wonders and extraordinary call from God. It 
      is this they, have turned to God, without turning from
      themselves, would believe in God, before they were dead to their own nature, 
      a thing as impossible in itself as for a grain of
      wheat to be alive before it dies." ["Esta é a decaída 
      natureza humana e este é o velho homem, que está vivo em todos,
      embora de maneira diversas, até que ele renasça do alto. Pensar, 
      portanto, em alguma coisa em religião ou pretender à real
      Santidade sem morrer totalmente para esse velho homem, é construir 
      Castelos no ar e, saiba que a única coisa que poderia
      trazer apenas Satã na forma de uma Anjo de luz, sendo dessa forma 
      que apareceram muitos espíritos falsos no mundo, os
      quais enganaram a si mesmos e aos outros com falso fogo e falsa luz, pretendendo 
      inspirações, iluminações e aberturas da
      vida divina, fingindo executar maravilhas e chamados extraordinários 
      de Deus. Foi assim: eles voltaram-se para Deus sem se
      afastarem de si mesmos, acreditariam em Deus antes de estarem mortos para 
      sua própria natureza, uma coisa tão
      impossível em si mesma como um grão de trigo estar vivo antes 
      de morrer."- N.T.] As riquezas literárias que possuo são 
      um
      benefício da Providência. Foi ela quem me inspirou o bom pensamento 
      de vos escrever e fostes vós em, em uma palavra, me
      deste vontade de conhecer Böhm; e foi B. quem me deu conhecimento do 
      general G. e todos os nossos outros amigos.
      Essas riquezas, na verdade, não passam de materiais completamente 
      inúteis, que voltarão ao nosso encargo se não os
      colocarmos em ação. Mas, ao mesmo tempo, são graças 
      da Providência, pois ele se compraz em instruir os homens às
      vezes mediatamente, às vezes imediatamente. Sobre esse assunto, lede 
      a última linha da primeira página do prefácio que
      está no início das Quarenta Perguntas. O primeiro capítulo 
      dessa perguntas é certamente mui profundo e não compete a 
      um
      pequeno aprendiz como eu falar dele; está ligado a todo o sistema 
      do autor. Acho que esse sistema, à medida que nos
      aproximamos dele, apresenta tesouros, relações analogia ligações 
      e sustentações recíprocas admiráveis. É 
      à medida que
      vamos caminhando nas sendas de B. que elas vão ficando mais simples. 
      Um distinção muito delicada, e ao mesmo tempo
      muito importante e muito verdadeira é a que o autor faz em toda parte 
      entre a vontade e o desejo. Uma verdade nova que ele
      113
      nos ensina é que, em toda a extensão do domínio pneumático261, 
      sem qualquer exceção, o desejo faz substância
      "Wesenheit"262. Uma verdade bem importante ainda é que 
      todos os seres inteligentes desejam unir-se a uma substância
      natural para terem com ela habitação e alimento. Vosso amigo 
      aplica todas essa primícias (i.e., todas as suas premissas) à
      obra de maneira marcante. Desde que voltemos nossa vontade e nossos desejos 
      em direção ao Reparador, temos a fé e, se
      resistimos à antiga vontade terrestre, recebemos o espírito 
      do regenerador. Mas como todos espíritos atraem ou produzem
      um substância natural que lhes é análoga, o espírito 
      do regenerador atrai e se cerca do corpo glorioso, composto do
      elemento puro oculto nos outros elementos, o qual, animado pelo espírito 
      de Jesus Cristo, torna-se o sangue e a carne
      sagrados, tão necessários e indispensáveis à 
      nossa nutrição [espiritual - N.T.]. Desde o momento em que 
      a alma prova
      desse alimento, ela rompe a escuridão de sua morte e acende o fogo 
      da eternidade em si mesma. Desse fogo brilha a luz da
      caridade, da doçura e da resignação. Essa mesma doçura 
      atrai então o fogo da alma, absorvendo-o, tragando-o,
      mortificando-o. Mas dessa morte ressuscita a vida, o espírito glorioso, 
      a imagem da Santíssima Trindade. O grande objeto
      consiste em, ao que me parece, que a alma humana se nutra e se revista do 
      elemento puro e em que evitemos ser
      revestidos pelo corpo espiritual impuro, produzido pelos desejos e imperfeições 
      terrestres, pois os desejos são substâncias
      análogas à natureza delas; a doutrina do elemento puro parece-me 
      uma pedra angular na doutrina de nosso amigo. Em tudo
      isso, não poderíamos admirar bastante como B. desenvolveu 
      a grande verdade de são precisos meios para se passar de um
      estado a outro. Uma outra parte de Böhme que me enche de admiração 
      são as suas analogias. Ninguém, ao que me parece,
      provou melhor que o que está em baixo é como o que está 
      em cima. Já pensei algumas vezes que, se quiséssemos
      comparar B. aos autores comuns, não encontraríamos nenhum 
      que tivesse a ousadia e o gênio de tratar ao mesmo tempo, e
      com as mesma palavras, a grande obra divina e a grande obra física 
      de maneira tão profunda como o fez nosso amigo B. na
      Signatura Rerum. Quanto mais me familiarizo com seus escritos, tanto mais 
      aumenta o meu espanto por encontrar nela
      riquezas incontáveis com a plena convicção, todavia, 
      de que ainda não estou senão à porta de alguma antecâmara. 
      Vossa
      observação no tocante ao nome a dar ao lugares não 
      pode deixar de ser mais justa porque não implica em mudança 
      alguma
      nos documentos e no entanto vos garantirá contra a importunidade 
      de vossos compatriotas e do ódio dos falsos irmãos, a
      peste do nosso século, que tem apenas a seu favor um nome de empréstimo 
      e que são os mais cruéis adversários e
      perseguidores de nossas verdades. As pessoas honestas nem sempre têm 
      conhecimentos suficientes para deixarem de
      confundir o strass com o diamante, assim como é preciso evitar, no 
      exterior, tudo o que posa causar equívocos funestos.
      Muito vos agradeço pela passagem citada do quadro natural263. Acho 
      coisas bem elevadas e bem consoladoras na
      seção264 dezenove do quadro natural. Sob uma nomenclatura 
      diferente, observo nele uma grande conformidade com as
      idéias de nosso amigo B., mas, como não tive a vantagem de 
      passar pela mesma escola preliminar como vós, meu caro
      irmão, nele encontro de vez em quando alguma expressão que 
      me parece ainda um pouco mais obscura, por exemplo: em
      baixo, na página 171, t. II, encontra-se a seguinte frase: "e 
      que, se quisessem sê-lo, bastaria que falassem."265 Há 
      muitos
      sentidos que podemos atribuir à palavra falar, mas eu gostaria de 
      ter o vosso: entendeis isso como um nome único ou uma
      seqüência de desejos expressos por palavras? Ambas as explicações 
      podem ter seus lados verdadeiros. Enquanto aguardo
      vossa resposta, lembrarei o que foi escrito por um eleito no início 
      da Igreja Cristã: "Sine inetermissione orate."266 Continuai
      sempre sendo meu amigo, meu caro irmão, e suplico que não 
      vos esqueçais de mim em vossas preces. KIRCHBERGER DE
      LIEBISTORF
      259 Obra de Fénelonº
      260 Inglaterra.
      261 Do Espírito.
      262 Essência, ser.
      263 Assim mesmo, sem maiúsculas
      264 Capítulo.
      265 P.?
      266 "Orai sem cessar." Paulo, I aos Tessalonicenses. 5:17.
      Cartas 98-116 Carta 98 1º de outubro
      Aprecio muito vosso projeto à imitação do Telêmaco, 
      meu mui caro irmão, e tenho certeza de que só resultará 
      em bem.
      Também aprecio muito a passagem de Law: "Voltaram-se para Deus 
      sem se voltarem de si mesmos." [They have turned to
      God without turning from themselves.] Deve ser um tesouro, essa obra. Vos 
      observações sobre as diferentes passagens de
      nosso amigo B. são também muito justas. Era uma luz universal, 
      esse grande homem, e não é surpresa que ele ilumine
      todas as regiões por onde passa. Quanto à passagem de meu 
      Quadro Natural, "bastaria que ele falasse"267, é, confessoo,
      uma espécie de jogo de palavras que talvez não seja muito 
      digna da grave matéria de que trata. A palavra falar nada mais
      quer dizer do que verbalizar268, fazer uso do Verbo, que não busca 
      senão unir-se a nós e a encher-nos dele mesmo para
      aplanar diante de nós todos os obstáculos. Essa maneira de 
      exprimir-me poderia ser uma véu para essa verdade que
      nenhum ouvido entende e está sempre pronto a profanar. Mas isso poderia 
      ser também um tributo que pago à alegria, para
      não dizer à leveza, de minha nação, que brinca 
      com tudo. Entretanto, confesso-vos também de que me lembro muito 
      bem de
      que, quando o escrevi, o primeiro motivo me influenciava mais do que o segundo. 
      Vamos às minhas estâncias. As poucas
      palavras escritas pelo amigo D. me tocaram. Vi nelas o estado do mundo morto 
      que em vão espera que as verdades
      114
      ressoem em torno dele, mas vi também meu estado de pecador, que impede 
      as mesmas verdades de entrarem em tão
      profundamente quanto eu deveria fazer com que entrassem, e é nesse 
      último sentido que me detenho para exercer vigilância
      sobre mim com mais cuidado ainda no que antes. Agradeço ao amigo 
      D. por essa advertência e recomendo-me às suas
      preces. Rogo-vos a gentileza passar-lhe a carta anexa a esta quando lhe 
      escreverdes, e de me passar a sua resposta. Sereis
      o nosso emissário, o que é um serviço que me prestareis, 
      pois estou sinto-me muito ligado a ele. Conto partir para Paris em
      dois dias, par aonde me dirigirei no fim da semana, isto é, dia 5, 
      salvo as ocorrências tão casuais deste mundo, mas não
      prevejo nenhuma ocorrência que me impeça de tomar uma decisãoa 
      esse respeito. Assim, podeis, a partir de agora,
      endereçar vossas cartas para: Maison Corberon, rua Barbette, nº 
      473, Marais, Paris. Não me deterei no caminho, conforme
      vos informei, porque as pessoas em cuja casa eu deveria passar alguns momentos 
      estarão também em Paris mais cedo do
      que contavam, motivo pelo qual vou encontrar-me com elas diretamente. Adeus, 
      meu caro irmão. Recomendo-me sempre
      cada vez mais à vossa lembrança às vossas preces. Vossas 
      reflexões encorajam-me com relação às minhas 
      viagens, no
      entanto, minha idade e os desenvolvimentos, com os quais a Providência 
      me gratifica todos os dias, ensinam-me também
      que não seria insensato ficar em minha casa. Assim, terminado esse 
      trajeto, é provável que eu regresse ao abrigo para não
      mais sair. SAINT-MARTIN
      267 "No original, bem como na citação anterior, a frase 
      está no plural."
      268 Verbalizar? Talvez não.
      Carta 99 M
, 16 de novembro de 1796
      É com grande prazer, caro irmão, que serei o emissário 
      entre vós e nosso amigo D., sabendo antecipadamente lhe com isso
      lhe darei grande prazer. Ele prometeu dar-me seu endereço assim que 
      chegasse; então enviar-lhe-ei vossa carta sem
      qualquer demora. Continuo esperando que, quando for feita a paz, ele venha 
      à minha pátria. Então tenho certeza de que
      passará um boa parte do tempo comigo. Estou inteiramente decidido 
      a empreender a obra em questão. No entanto, é preciso
      prevenir-vos de que não tenho a presunção de querer 
      lutar com o autor de Telêmaco. Considero esse livro uma obra-prima,
      independentemente de seu mérito moral. E mesmo assim, certamente 
      não teria tempo de apenas expressar esse interesse
      histórico, o encanto dos quadros, a riqueza das imagens, o conjunto 
      da narração e a decoração exterior à 
      minha obra que o
      poema de Monsieur de Fénelon possui em grau tão elevado. Quanto 
      a esse ponto, ele se aproximará, salvo quanto ao estilo,
      que está fora de meu alcance, mais da Viagem do Jovem Anacharsis 
      do que do Telêmaco, ou seja: que terá,
      necessariamente. Muitas passagens despidas de enredo e interiormente didáticas, 
      mas, quanto à utilidade, elevação e
      importância do assunto, ultrapassará a ambos. Neste momento, 
      a obra de Law proporciona-me uma satisfação muito grande
      e, para que possais partilhar de meu prazer, vou transcrever-vos ainda uma 
      passagem que se segue imediatamente à que se
      encontra em minha última carta.269 "You may now see, Academians 
      with what great reason I have called on you at your first
      setting out, to this great point the total owing to self, as the only foundations 
      of our soul. Prety [our solid Piety. All
 - N.T.] all
      the fine things you heard or read of an inward and spiritual life in God, 
      all your expectations of the light an holy spirit of God,
      will become a false food to your soul, till you only seek for them thro' 
      Death to self. Observe, Sir, the difference which cloaths
      make in those, who have it in their Power to dress as they please: some 
      are all for shew colours and glitter; others are quite
      fantastical and affected in their dress; some have a grave and solemn habit; 
      others are quite simple and plain in the whole
      manner. Now all this difference of dress is only an outward difference that 
      covers the same poor carcase, and leaves it full of
      all its own infirmities. Now all the truths of the Gospel when only embraced 
      and possessed by the old man, make only such
      superficial difference, as is made by cloaths. Some put a solemn formal, 
      prudent outside carriage; other appear in all the glitter
      and shew of religious colouring, and spiritual allaniments [attainments]; 
      but under all this outside difference, there lies the poor
      fallen soul, imprisoned, unhelped, in its own fallen state. And thus it 
      must be, it is not possible to be otherwise, till the spiritual
      life begins at the true root, grows out of Death, and is born in a broken 
      Heart, an Heart broken of from all its won natural life.
      Then self-hatred, self-contempt, and self-denial, is as suitable to this 
      new born spirit, as self-love, self-esteem, and selfseeking,
      is to the unregenerate man. Let me, therefore, my friend, conjure you, not 
      to look forward or cast about for spiritual
      advancement, till you have rightly taken this first step in the spiritual 
      life. And your future progress depends upon it: for this
      depth of religion goes no deeper, than the depth of your malady; for sin 
      has its root in the bottom of your soul, it comes to life
      with your flesh and blood, and breathes en the breath of your natural life; 
      and therefore till you die to nature, you live in sin;
      and whilst this root of sin is alive in you, all the virtues you put on, 
      are only fine painted fruit hung upon a bedtree [dead tree].
      Acad. Indeed, Theophilus, you have made the difference between true and 
      false religion as plain to me, as the difference
      between light and darkness. But all that you have said, at the same time, 
      is as new to me, as if I had lived in a land, where a
      religion had never been named.
      But, pray, Sir, tell me how I am to take this first step, which you so much 
      insist upon. Theop. You are to turn wholly from
      yourself and to give up yourself wholly unto God in this or the like twofold 
      forms of words of thoughts. O my God, with all the
      strength of my soul, assisted by the grace, I desire and resolve to resist 
      an deny all my own will. Earthly tempers, selfish
      views, and inclinations; every thing that the sprit of this world, and the 
      vanity of fallen nature, prompts me to. I give myself up
      wholly an solely to thee, to be all thine, to have, and to do, and be, inwardly 
      and outwardly according to thy good pleasure. I
      desire to live for no other ends with another design but to accomplish the 
      work which thou requirest of me. And humble,
      obedient, faithful, than full instrument in the hands, to be used as thou 
      pleasest. You are not to content yourself, my friend,
      115
      with now-and then, or even many times, making this oblation of yourself 
      to God. It must be the daily, the truly exercise of your
      mind; till it is wrought in to your very nature, and becomes an essential 
      state and habit of your mind, till you feel yourself and
      habitually turned from all your own will, selfish ends, and earthly desires, 
      as you are from stealing and murder; till the whole
      turn and bent of your spirit points as constantly to God, as the needle 
      touched with the loadstone does to the north. This, Sir,
      is your first and necessary step in the spiritual life; this is the key 
      to all treasures of heaven; this unlocks the sealed book of
      your soul, and makes room for the light and spirit of god to arise upon 
      it. Without this, the spiritual life is but spiritual talk, and
      only assists nature to be pleased with an holyness that it has not." 
      ["Podeis ver agora, Acadêmicos, com que grande razão eu
      vos visitei em vossa primeira saída, a este ponto importante do total 
      dever a si mesmo, como o único alicerce de nossa sólida
      piedade. Todas as coisas boas que ouvistes ou lestes sobre uma vida interior 
      e espiritual em Deus, todas as vossas
      expectativas da luz e do espírito santo de Deus tornar-se-ão 
      uma alimento falso para vossa alma, até o irdes procurar n
      Morrer para si mesmo. Observai, senhor, a diferença causada pelos 
      trajes naqueles que têm em seu Poder vestirem-se como
      lhes apraz: alguns gostam de aparência, cores e brilho; outros bastante 
      espalhafatosos e afetados no modo de se vestirem;
      outros têm um hábito grave e solene; outros são bem 
      simples e modestos em toda a sua maneira. Ora, toda essa diferença
      de roupagem é apenas uma diferença exterior que cobre a mesma 
      pobre carcassa, deixando-a cheia de suas próprias
      enfermidades. Todas as verdades do Evangelho, quando somente abraçadas 
      e possuídas pelo velho homem, fazem apenas
      uma diferença superficial, como a que é feita pelos trajes. 
      Alguns adotam uma postura formal solene e prudente; outros se
      mostram em todo o brilho e exibição de cores religiosas e 
      conquistas espirituais; mas, sob essa diferença externa jaz a pobre
      alma decaída, aprisionada, desajudada, em seu próprio estado 
      de queda. Assim deve ser, e não pode ser de outra maneira,
      até que a vida espiritual desponte na verdadeira raiz, procedendo 
      da Morte, nascendo num Coração quebrantado, um
      coração quebrantado de toda a sua própria vida natural. 
      Então o ódio e o desprezo a si mesmo bem como a abnegação, 
      são
      tão adequados ao espírito recém-nascido como amor a 
      si mesmo, auto-estima e a busca de si o são para o homem não
      regenerado. Vamos, portanto, meu amigo, conjurar-vos a que não olheis 
      para adiante nem lanceis o olhar em volta à procura
      de progresso espiritual até que tenhais dado esse primeiro passo 
      na vida espiritual. E todo o vosso progresso futuro depende
      dele: pois essa profundidade religiosa não vai mais fundo do que 
      a profundidade de vossa enfermidade; pois o pecado tem
      suas raízes no fundo de vossa alma e vem à vida junto com 
      vossa carne e sangue e respira na respiração de vossa vida
      natural; e assim, até morrerdes para a natureza, viveis em pecado; 
      e enquanto essa raiz de pecado estiver viva em vós,
      todas as virtudes que envergardes serão apenas finos frutos pintados 
      que pendem de uma árvore morta. Acad.
      Verdadeiramente, Theophilus, tornaste-me tão clara a diferença 
      entre a religião falsa e a verdadeira como a diferença entre
      as luz e as trevas. Mas, ao mesmo tempo, tudo o que dissestes é tão 
      novo para mim como se eu houvesse vivido numa terra
      onde uma religião nunca fora mencionada. Mas, rogo-vos, senhor, dizer-me 
      como é que devo dar esse primeiro passo, no
      qual tanto insistis. Theop. Deveis voltar-vos completamente de vós 
      mesmo e dar-vos inteiramente a Deus nessa ou nas
      formas dúplices parecidas de palavras e pensamentos. Ó meu 
      Deus, com toda a força de minh'alma e assistido pela tua
      graça, desejo e resolvo resistir ao meu próprio desejo e renegá-lo. 
      Humores terreais, visões e inclinações egoístas; 
      todas as
      coisas que o espírito deste mundo e a vaidade da natureza decaída 
      me incentiva a fazer. Dou-me por inteiro e unicamente a
      ti, para ser todo teu, para ter e fazer e ser, interior e exteriormente, 
      de acordo com o que mais for de teu agrado. Não desejo
      viver para outras finalidades, sem outro propósito senão o 
      de cumprir a obra que de mim requeres, e ser instrumento
      obediente e fiel, inteiramente nas mãos, para ser usado como te aprouver. 
      Não deveis contentar-vos, meu amigo, em fazer
      esta oblação de vós mesmo a Deus de vez em quando, 
      ou mesmo muitas vezes. Ela deve ser o exercício diário e verdadeiro
      de vossa mente; até que tenha trabalhado dentro de vossa verdadeira 
      natureza, tornando-se um estado essencial e um
      hábito de vossa mente, até sentirdes a vós mesmo e 
      habituado a vos afastardes de toda a vossa própria vontade, propósitos
      egoístas e desejos terreais, assim como vos afastais do roubo e do 
      homicídio; até que a propensão de vosso espírito 
      esteja
      apontando constantemente para Deus, assim como a agulha tocada pelo ímã 
      aponta para o norte. Isto, senhor, é o vosso
      primeiro e necessário passo na vida espiritual; é a chave 
      de todos os tesouros do céu; revela o livro selado de vossa alma,
      dando espaço para que a luz e o espírito de Deus se ergam 
      sobre ela. Sem isso, a vida espiritual não passa de conversa
      espiritual, e somente ajuda a natureza a se contentar com uma santidade 
      que não possui." Com esta amostra, caro irmão,
      podeis julgar o que Law ensina sobre a prática. Ele não é 
      menos interessante quanto à teoria. Ensina, por exemplo, do
      mesmo modo que nosso amigo B., que era preciso haver um elemento primitivo 
      e intermediário entre a potência criadora e as
      coisas temporais. Pelo que suponho, percebestes essa grande verdade há 
      muito tempo, caro irmão, que é de uma
      fecundidade maravilhosa, antes de haverdes lido os escritos de B. Julgo 
      isso por uma bela passagem que se encontra à
      página 60 do 1º volume do Quadro Natural. Mas ficareis sobretudo 
      contente com a maneira pela qual Law explica, de acordo
      com nosso amigo B., todas as dificuldades do assunto tratado nos primeiro 
      parágrafos do nº 6 do Quadro. De acordo com a
      bela e luminosa explicação de Law, nossas idéias da 
      bondade permanente de Deus permanecem, com relação a esse
      acontecimento, em toda a sua integridade. Não é uma tentação 
      nem uma punição arbitrária que se seguiu à transgressão 
      da
      lei: essa lei era uma advertência paterna e a punição 
      uma seqüência prevista e inevitável, mas a bondade divina 
      derramou
      logo o óleo salutar nessa chaga: By the seld [seed] of the Woman 
      [Pela semente da Mulher]. Todas as medidas dessa
      redenção espantosa, a única possível, foram 
      tomadas no mesmo momento para tirar o homem dessa queda, sobre a qual
      língua alguma tem qualquer expressão forte o bastante para 
      exprimir-lhe a grandeza. Nesse mesmo nº 6 do Quadro Natural
      há uma passagem notável, à p. 94, onde no último 
      parágrafo se fala da identidade das leis entre a luz elementar e 
      a luz
      intelectual. Essa descoberta é clara, mas o que não é 
      tão claro é a passagem que lhe segue: "Não é 
      sem razão que a luz
      elementar está no nível dos mais admiráveis fenômenos 
      da natureza material, uma vez que ela não pode ser completa em
      116
      sua ação e efeitos sem exercer e pôr em ação 
      os quatro pontos cardinais da criação universal. Estou encantado 
      por terem
      tomado a decisão de ir à Paris diretamente, pois com isso 
      evitastes viajar durante o inverno e, embora minha impaciência em
      ver-vos tenha sofrido com o adiamento de vosso projeto, acho, no entanto, 
      que agi bem por não vos ter encorajado a viajar
      no mês de outubro. Aqui, neste ano, brumário, frimário, 
      ventoso e pluvioso aconteceram todos de uma vez. Além disso,
      recebi ordem de comandar um regimento de infantaria, no caso em que fossem 
      aumentadas as tropas mantidas pela
      república ao longo de nossas fronteiras no Reno para fazer com que 
      fosse respeitada a neutralidade helvética durante a
      retirada do general Moreau. Mas espero que nada possa desviar-vos de vosso 
      projeto de viagem para a próxima primavera.
      Confio na vossa resolução sobre esse assunto, tanto mais que 
      vejo, através de vossa carta, que não houve ocorrência 
      de
      desenvolvimento algum que vos tivesse feito determinar o contrário. 
      Além disso, tenho certeza de que uma viagem
      empreendida no tempo bom é mais útil do que nociva à 
      saúde, fortificando-a quando se fazem paradas no caminho, como
      fazeis; e rogo-vos mesmo, com esse fim, que não tomeis a resolução 
      de mais fazerdes viagens além daquela de que
      tratamos. Eu, que sou mais velho do que vós, prometo que iria ver-vos 
      se fosse tão livre quanto vós. Adeus, meu caro irmão,
      não vos esqueçais de mim em vossas preces para me ajudardes 
      a terminar meu percurso; peço-vos isso. KIRCHBERGER
      DE LIEBISTORF
      269 Neste trecho foi usado no diálogo o pronome pessoal vós 
      por tratar-se de inglês antigo, em que a forma you era apenas
      plural. O singular (encontrado nas linguagens literária e religiosa), 
      hoje em desuso, apresenta thou (pronome sujeito) thee
      (caso objetivo, o nosso pronome oblíquo), thy (adj. poss.), thine 
      (pr. poss.), e thyself (pr. reflexivo). Alguns destes surgirão na
      prece, com a desinência verbal est: pleasest, requirest.. Também 
      se notarão algumas formas antigas: cloaths (clothes), shew
      [show], carcase [carcass], holyness [holiness].
      Carta 100 1º de novembro de 1796
      Quando escreverdes ao nosso amigo D., meu caro irmão, podereis dizer-lhe 
      que vi aqui uma de suas duas amigas, a mais
      ilustre e a que foi mais infeliz, que me encarregou de mil coisas. Ela veio 
      a Paris para tratar de seus assuntos, que são
      sempre desorganizados e bastante incertos. A outra amiga permaneceu em Meaux 
      e não a vi, mas sei que vai bem e que ele
      é tão caro a uma quanto a outra. A passagem de Law que me 
      enviastes me toca por sua correção e sua verdade. Em
      Mademoiselle Morignon encontro várias semelhantes a ela. Todos os 
      dias vou ler alguns trechos de suas obras na nossa
      Biblioteca Nacional, não consigo achá-las em parte alguma 
      em Paris e já encarreguei um livreiro de escrever para a Holanda
      a fim de que as consigam para mim. Em vão escrevi sobre esse assunto 
      para Lyon e Estrasburgo. Se em vossos cantões
      eles fossem encontrados com mais facilidade, eu vos encarregaria de fazê-lo 
      para mim. Nosso amigo B. me parece útil às
      nossas luzes tanto quanto Bourignon me parece útil à nossa 
      salvação. Ultimamente, procurando num "sebo" num 
      dos
      cais270, encontrei um volume desinteirado de suas obras contendo a metade 
      da luz nascida em trevas. O volume custou-me
      apenas um vintém; não valia a pena ficar sem ele e, com toda 
      certeza, por mais desinteirado que fosse, o comerciante não
      me logrou e, se ele ficou contente, eu também fiquei. O mesmo não 
      digo de minha estada em Paris. Não posso descrevervos
      a sufocação experimentada por meu espírito ao chegar 
      aqui e, desde que aqui estou, encontro o ânimo tão alterado 
      que
      me parece estar vendo o cumprimento do capítulo 13 de Isaías 
      sobre Babilônia. Os homens que vejo correndo nas ruas e
      enchendo a cidade parecem outros tantos dragões, pássaros 
      noturnos e animais selvagens. Apesar de meu desejo de vervos
      e de vossas reiteradas inteligências, devo dizer-vos que razões 
      provindas das reflexões mais profundas ainda do que
      meus desejos parecem suspender esse projeto, ou pelo menos adiá-lo. 
      Eu me afligiria mais com isso se não conhecesse
      vossa intenção de retirar-vos dos negócios e a possibilidade 
      conseqüente de cumprir a resolução que tendes de virdes
      encontrar-vos comigo, se estivésseis livre. Continuo à espera 
      do prazer de vos ver e esse prazer será bem vivo para mim.
      Provavelmente não estarei mais em Paris então, porque aqui 
      sofro muito, parecendo-me que o próprio ar está infectado 
      em
      comparação com as margens tão puras do meu Loire. Assim, 
      que houver terminado alguns compromissos que aqui me
      trouxeram, retornarei bem depressa para minha terra natal, onde já 
      saboreei alegrias bem agradáveis e bem vivas, segundo
      o espírito. Mas, embora lá tenha somente um abrigo, meu desejo 
      de receber-vos me fará tomar providências para que nada
      vos falte. Fazeis muito bem em persistir no vosso projeto de obra, creio 
      que ele será útil. Quanto a mim, sinto dificuldades a
      cada dia no tocante à escrita: sinto-me arrastado a uma outra linha 
      de ocupação, limitando-me a tomar anotações. 
      O que me
      perguntais com respeito à luz que só acontece como concurso 
      dos quatro pontos cardeais liga-se ao desenvolvimento ativo
      do grande quaternário que é o ponto central de todas as coisas. 
      Voltai ao princípio do amigo B. sobre a quarta forma que é 
      a
      explosão do fogo e vereis que ele e eu dissemos exatamente a mesma 
      coisa, exceto que ele leva sua idéia à própria região
      radical, ao passo que eu não descrevi esse fenômeno senão 
      na ordem física. Mas fica bem claro que não há uma 
      simples e
      única lei para todas as regiões, e como essa luz é 
      uma oscilação alternativa com as trevas, isso vos mostra a 
      sístole e a
      diástole da natureza, que é, ela própria, a imagem 
      da aliança indissolúvel. Cada uma de suas idéias seria 
      uma mina
      inesgotável e eu deixo ao vosso espírito o cuidado de pesquisá-la 
      mais. Apesar do projeto de voltar para minha casa, podeis
      continuar a escrever para aqui até novo aviso. Não partirei 
      antes de algumas semanas. Adeus, meu caro irmão, continuo
      recomendando-me às vossas preces. Embora eu não simpatize 
      com Paris, simpatizo com os amigos que reencontrei aqui e
      com os quais passo agradáveis momentos. E só uma força 
      mais poderosa ser pode obrigar-me a abandonar essas alegrias.
      SAINT-MARTIN
      117
      270 Os cais são os locais onde se encontram livros antigos. Diz o 
      original: "em bouqu inant ici sur un quai". Os proprietários
      dos "sebos" parisienses são chamados bouquinistes, de bouquin, 
      alfarrábio, livro velho.
      Carta 101 17 de dezembro de 1796
      No dia seguinte à partida de minha última carta, que vos enviei 
      de Paris, meu caro irmão, recebi uma carta de nosso amigo
      Divonne, que, depois de uma penosa navegação, Chegou perfeitamente 
      bem a L[ondres] Sua carta está cheia daquilo que
      Law chama the spirit of love. Ele solicita que lhe vos dê notícias 
      vossas e das pessoas que lhe interessam na França. O
      verdadeiro sentida da passagem de sua antepenúltima carta: "Ó 
      verdade, ó luz, ó vida, etc.,", é explicado por 
      ele pelo
      capítulo 28 de Jó, v. 22. Vede a explicação 
      do livro de Jó, de Madame G
, fácil de se achar em Paris. 
      Respondi-lhe
      imediatamente, inserindo vossa carta na sua, que ele já deve ter 
      recebido. Sou infinitamente apegado a ele. Fiquei
      encantado por terdes travado conhecimento com Mademoiselle Bourignon. Essa 
      excelente jovem nos dá conselhos muito
      bons e a salvação merece as luzes271, e embora nosso amigo 
      B. com toda certeza não negligencie uma nem outra, já tomei
      as providências necessárias para obter para vós o seus 
      escritos e reiterarei minhas buscas: com tempo e paciência espero
      conseguir. O que me informais sobre estado atual de vossa capital está 
      inteiramente conforme à idéia que eu fizera dela:
      essa cidade inclina-se numa progressão assustadora par o seu grau 
      de plena maturidade. A propósito, encontrareis esse
      quadro de Paris em Mademioselle B
, e também no nosso amigo 
      B., mas não com tantos detalhes. Espero que vosso
      projeto de viagem esteja apenas adiado, e não suspenso, pois não 
      ouso nutrir a esperança de ver-vos em vossa terra. Faço
      tudo o que posso para liberar-me de meus negócios. Todavia, provavelmente 
      sempre os terei em número suficiente para
      forçar-me a ficar em casa. Além do mais, confio em que a Providência 
      encontre os meios de nos aproximar se quiser
      conceder-me esse prazer que desejo tão vivamente. Muitos agradecimentos 
      pela explicação dos quatro pontos. Estou a cada
      dia mais contente com a obra de Law. Lembro-me e que nosso amigo D. me dizia, 
      antes de partir de M
: If you desire God
      you have him272. Eis como Law desenvolve essa máxima: "The spiritual 
      life is a[s] truly a vegetation as that of plants; and
      nothing but its own hunger can help it to the true food of life; this hunger 
      of the soul ceaseth, if contained dies [it withers and
      dies], tho' in the midst of divine Plenty, our Lord, to shew us that the 
      new Birth is really a state of spiritual vegetation,
      compares it to a small gum [grain] of unstaid [of mustard
] seed, from 
      whence a great Plant arises. Now every seed has life
      in itself, or else it could not grow. What is this life? It is nothing else 
      but a hunger in the seed, after the air and light of this
      World, Which hunger, being met and fed by the light and air of nature, changes 
      the seed into a living Plant. Thus it is with the
      seed of heaven in the soul: it has a life in itself, or else no life could 
      arise from it. What is this life? It is nothing else but an
      hunger after God and heaven; Which no sooner it stirs, or is suffered to 
      stir, but it is met embraced ad quietened [quickened]
      by the light and spirit of God and heaven, as a new plant from a seed (is) 
      in the earth." ["A vida espiritual é uma vegetação 
      tão
      verdadeira como a das plantas; e nada, a não ser sua própria 
      fome pode ajudá-la a encontrar o verdadeiro alimento da vida;
      essa fome da alma cessa, murcha e perece, embora em meio à divina 
      Abundância. Nosso Senhor, para mostrar-nos que o
      novo Nascimento é realmente um estado de vegetação 
      espiritual, compara-o a um pequeno grão de semente de mostarda,
      do qual brota a grande Planta. Ora, toda semente tem vida em si, pois de 
      outro modo não poderia crescer. Que é esta vida?
      Nada mais é do que a fome da semente, pelo ar e pela luz deste Mundo, 
      fome a Qual, quando é encontrada e alimentada
      pela luz e pelo ar da natureza, transforma a semente em Planta viva. Assim 
      acontece como a semente de céu na alma: tem
      vida em si, pois de outro modo nenhuma vida brotaria dela. Que vida é 
      essa? Nada mais do que fome de Deus e do céu; a
      qual mal começa a mexer-se ou é mexida, mas é encontrada 
      abraçada e ativada pela luz e o espírito de Deus e do céu,
      como uma nova planta que nasce de uma semente está na terra"- 
      N.T.] Procurai, meu caro irmão, conseguir esse livro, cujo
      título é: The Spirit of Prayer273, etc. Antes de terminar 
      minha carta, preciso citar-vos ainda uma passagem: "No creature can
      be a child of God, but because of the Goodness, of God is in it; now [nor] 
      can it have any union or communion with the
      Goodness of the Deity till his life is a spirit of love. This is the one 
      only Band of Union betwixt God and the creature. All
      besides this, or that is not this, call it by what name you will, is only 
      so much error, fiction, impurity, and corruptions into the
      creature; and must of all necessity be entirely separated form it, before 
      it can have that purity and holyness which alone can
      see God, or find the divine life. For as God, is an immutable Will to all 
      goodness, so the divine Will can unite or work with him
      only which is good, pure: the necessity is absolute; nothing will do instead 
      of this Will; all contrivances of holyness, all form[s]
      of religious Piety, signify nothing with out this will to all Goodness." 
      [Criatura alguma pode ser filha de Deus, exceto pela
      Bondade, de Deus que nela existe; nem pode ter qualquer união ou 
      comunhão com a Bondade da Deidade até que sua vida
      venha a ser um espírito de amor. Esta é a única Faixa 
      de união entre Deus e a criatura. Tudo o mais além disso, 
      ou que não
      seja isso - dai-lhe o nome que quiserdes - é apenas muito erro, ficção, 
      impureza e corrupção na criatura; e é preciso que toda
      necessidade seja inteiramente separada dela antes que ela possa ter aquela 
      pureza e santidade que é a única que pode ver
      a Deus ou encontrar a vida divina. Pois como Deus é um Desejo imutável 
      para todo bem, assim o divino
      Desejo pode unir ou trabalhar apenas com aquele que for bom e puro: a necessidade 
      é absoluta; nada substituirá seu
      Desejo; todas as artimanhas da santidade, todas as formas de Piedade religiosa, 
      nada significam sem esse desejo de toda
      Bondade."- N.T.] Abraço-vos de todo o coração, 
      meu caro irmão, e solicito que continueis a orar por mim. KIRCHBERGER
      DE LIEBISTORF
      118
      271 Alusão irônica ao rei Henrique IV, huguenote, que ao adotar 
      o catolicismo para poder reinar, dissera: "Paris vaut bien
      une messe." [Parece merece uma missa. - ou: "vale bem uma missa", 
      conforme outras traduções.] Também poderíamos 
      ter
      dito; as luzes valem a pena pela salvação.
      272 Se desejardes Deus, tê-lo-eis.
      273 O Espírito da Prece.
      Carta 102 Paris, 8 de janeiro de 1797
      Tenho certeza, caro irmão, de que se recebêsseis as cartas 
      de nosso amigo D. para mim, não tardaríeis em mas enviar, 
      e de
      que também recebestes minha resposta à vossa última 
      carta de 17 de dezembro. Eis o motivo pelo qual não apressei em vos
      escrever, sem contar que minhas ocupações habituais me forçam 
      algumas vezes, contra a minha vontade, a dar detalhes
      mesmo em minhas mais agradáveis correspondências. Se escreverdes 
      a esse bom amigo, podeis dizer-lhe que depois de
      minha última carta, vi sua segunda amiga, a Condessa Julie, que ainda 
      gosta muito dele e a quem proporcionei grande
      satisfação ao lhe dar notícias suas. Aceito de boa 
      vontade a sua explicação sobre as palavras em questão, 
      pelo capítulo 88
      de Jó, v. 22, mas estou pouco satisfeito com a explicação 
      dada por Mademoiselle G
 a essa passagem de Jó: isso me
      parece forçado e possivelmente salta alguns graus intermediários 
      entre a letra da passagem e a profundeza que
      Mademoiselle G
 lhe empresta. Em geral sou mais levado por Mademoiselle 
      B
 do que pela outra. Sua raiz talvez não seja
      tão tenra, mas é mais pronunciada, e isso no sentido que me 
      convém. Agradeço-vos antecipadamente por vossas buscar
      para conseguir-me suas obras. Minha idéias sobre Paris mantém, 
      confirmando tudo o que aprendo de diversas fontes sobre
      a sorte que espera essa grande Babilônia. Assim, insisto no propósito 
      de afastar-me dela, não que deixe de reaproximar-me
      um dia e de lançar-me em seus arredores, projeto que acalento há 
      muitos anos e que realizarei quando meus meios
      pecuniários forem restabelecidos. Com isso, poderei aproveitar os 
      recursos que esta capital oferece em vários aspectos, e
      sem ficar mergulhado em sua atmosfera que, tanto no moral quanto no físico, 
      não me parece própria senão para espalhar a
      infecção. Apraz-me também acreditar que minha viagem 
      à vossa terra só foi adiada, mas ignoro totalmente quando 
      me será
      possível satisfazer-me este gosto. As passagens de Law que me enviastes 
      parecem-me cada vez mais verdadeiras e
      importantes, e embora o amigo B. nos dê essas grandes verdades em 
      bloco, embora eu próprio haja dela recebido traços
      sensíveis pessoalmente, sempre causa um grande bem vê-las descritas 
      em outros contextos, onde tomam nova cor e outro
      caráter. Bem que gostaria de ter condições de conseguir 
      essa excelente obra, mas vejo que para isso ainda teria de recorrer
      a vós. Creio que é ao amigo D
 que é preciso dar 
      esse encargo; ele está no local e nada deixará de fazer para 
      prestar-me
      esse serviço. Gostaria também de que ele me obtivesse as obras 
      de Böhm que não constam da tradução de Law e que
      foram traduzidas por outros, especialmente suas cartas. Ser-lhe-á 
      fácil conseguir o que falta na tradução inglesa de 
      Law
      Ficar-lhe-ei grato se ele as acrescentar ao Spirit of Prayer, e enviar tudo 
      através de vós, tendo o cuidado de cobrir
      imediatamente a todas as despesas, pela via que quiserdes indicar-me. Já 
      me ia esquecendo de dizer-vos que, entre as
      diversas sendas que se apresentam em grande quantidade à minha volta, 
      encontro alguns vestígios das sociedades
      destrutivas de que outrora me falastes em vossas cartas. Não é 
      que estas ofereçam os mesmos projetos nem a mesma
      maldade, mas, por seu fanatismo parecem-me atingir o mesmo fim: assim, mantenhome 
      à parte desse rudes cristãos que
      nada aprendem além da fúria numa escola que só ensina 
      indulgência e amor. Não terminaria se vos contasse todos os
      diferentes anúncios, profecias e revelações que me 
      inundam de todos os lados. Escuto tudo, mas atenho-me ao meu tema,
      de que estamos seguramente aproximando-nos de uma grande época, mas 
      que é preciso ficar em guarda contra todas as
      asserções que nos fazem, tanto sobre o mundo quanto sobre 
      o tempo de sua execução. Quanto à época, é 
      anunciada de
      uma maneira por demais geral para que lhe creiamos, quanto à forma 
      e à hora, é anunciada com variedades demais para
      que a possamos ter como base. Ainda não vi o Barão de Krambourg 
      e não sei se o verei: ele não sabe que estou aqui e é
      possível que eu parta antes que fique sabendo. Entretanto, confessar-vos-ei 
      que ainda fico aqui por uns momentos e
      provavelmente terei tempos de receber notícias vossas. Tive tantas 
      novas sobre o núcleo radical da associação humana para
      não deixar de resistir a colocá-las por escrito. Meus amigos 
      me pressionaram em seguida para publicá-las e deixei-me levar
      pela vontade deles. Neste momento, estamos ocupados com a impressão 
      desse escrito, que será quase tão volumoso
      quanto a minha Carta a um Amigo sobre A Revolução Francesa, 
      mas não abrange tantos assuntos quanto essa carta que,
      talvez, abrangia demais. Haverá, talvez, um outro inconveniente, 
      o de não atingir com bastante força os olhos do vulgo.
      Quanto ao mais, só faço essa obra para satisfazer à 
      minha consciência, que se sente levada a propagar da melhor maneira
      possível o reino e a soberania de Deus e, seja qual for a opinião 
      dos homens e os frutos que colherem de meus pobres
      esforços, terei cumprido minha tarefa quem apraz-me acreditar, ser-me-á 
      creditada junto ao nosso Soberano Mestre. Isso
      basta para encorajar-me e dar-me paciência para com os acontecimentos, 
      sejam eles o que forem. Adeus, meu caro irmão,
      tende sempre amizade por mim e orai por mim. Pagar-vos-ei de volta com todo 
      o meu coração e de acordo com todos os
      meios que tiver. SAINT-MARTIN
      Carta 103 Berna, 22 de janeiro de 1797
      Apresso-me, caro irmão, a dirigir-vos uma carta que acabo de receber 
      de nosso amigo Divonne. Temia que ele não houvesse
      recebido a vossa que eu fizera chegar às suas mãos e fiquei 
      muito contente quando ele me livrou de apuros. Vi, por sua
      carta, que travou conhecimentos muito bons em Londres, dentre os quais um 
      homem que conhece Law a fundo, o qual me
      119
      enviou algumas passagens desse excelente autor. Nosso amigo atualmente reúne 
      o que pode de Law, e irei encarregá-lo
      das comissões que me destes em vossa última carta. É 
      fora de dúvida que a época atual traz um caráter distintivo 
      impossível
      de desconhecer. Percebo, mais do que nunca, por minha própria experiência, 
      que os bons se buscam e procuram unir-se,
      enquanto os maus fazem o mesmo entre si. Também bastante fácil 
      o zelo transformar-se em arrebatamento, sobretudo numa
      nação tão viva quanto a vossa, mas essa disposição 
      está for distanciada do verdadeiro espírito do Cristianismo: 
      The spirit of
      love is the only bond of union bit wixt [betwixt] god [God] and the creature. 
      All beside this, or that is no this, call it by what
      name you will, is only so much Error, Fixion, Impurity, and Corruption[s],274 
      diz nosso amigo Law. Uma vez que recebestes
      tantos quadros e pré-cognições sobre a época 
      atual, é necessário que eu lhe aumente o número com 
      o trecho de uma carta
      que acabo de receber de nosso amigo de Munique: "Das Kommende 1797, 
      Jahr wird ein merdwürdiger Iahr werden, es
      werden grosse Zusammemtretungen, Coalitionen: Verschwörungen entstehen: 
      die Bösen werden sich zusammenrotten, die
      Güten werden die guten antsuchen. - Alles was getheit war wird suchen 
      eine Wesenheit zu erhalten. - In den mittagegen
      gegend wird besondress vorfallen. Man wird Bauen und Sturmwinde werden die 
      gebande einiwerfen; Fundamente wird man
      legan und die Erde wird unter den Steinen weichen. Wunderbare Reformationen 
      werden in project seyn; und binnen der Zeit
      de Babylon bauet, im aussern bauet, wird der Geist des Herren im Innarein 
      sein gorsses Werken vollenden. " [O ano entrante,
      1797 revelarse- á digno de nota. Ocorrerão muitas reuniões, 
      coalizões, e conspirações. Os maus correrão 
      juntos e os bons
      procurarão o bem. Tudo o que foi dividido lutará por coalesce. 
      Nas regiões do sul, especialmente, ocorrerão coisas
      extraordinárias. Os homens construirão e os furacões 
      derrubarão as construções; lançar-se-ão 
      alicerces, somente para
      serem destruídos, pois a terra tremerá sob eles. Grandes reformas 
      serão tentadas e, enquanto Babilônia estiver construindo
      do lado de fora, do lado de dentro o Espírito do Senhor concluirá 
      sua grande obra.]
      [Quadro com algarismos] "Dieses is das Zahlenbild des 1797 Jahrs."
      [Esta a a Figura do Horóscopo do ano 1797:]
      24
      26
      46
      18
      85
      21
      91
      120
      98
      96
      "Diese Zahlen sind merk wurding." [Estes algarismos são 
      impressionantes.] Espero que me envieis passar um exemplar de
      vossa nova obra sobre a origem da associação humana. Ela poderá 
      passar em Basiléia, pela diligência que vai de Basiléia
      para Berna, pelo coche, ao meu endereço, aos cuidados de: Senhor 
      Coronel Oser, Basiléia. Tenho os mesmos sentimentos
      que vós, no tocante ao nosso trabalho. Adeus, meu caro irmão, 
      abraço-vos de fundo de meu coração, e confio na promessa
      que me fizestes no final de vossa carta; confiai também na minha. 
      KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      274 Veja Carta 101, p.
      Carta 104 26 de fevereiro de 1797
      Talvez estejais inquieto, meu caro irmão, pela carta que me escrevestes 
      no mês passado e que continha a de nosso amigo
      D., mas foram somente a minha preguiça e minhas numerosas ocupações 
      que me mantiveram por tanto tempo em silêncio.
      Rompo-o, por fim, para agradecer-vos o envio que me fizestes. Esse digno 
      amigo é realmente o espírito do amor. Espero, de
      agora em diante, poder escrever-lhe sem tomar um caminho tão longo 
      como este, que representa um grande desvio. Pelo
      menos, gabo-me disso, mas se não for possível, recorrerei 
      então à vossa vontade, como de costume. Agradeço-vos 
      também
      pela nota em alemão que me enviastes. Não podemos duvidar 
      de que encerre verdades, pois que, mal começou o ano, já
      vemos muitas delas confirmadas: julguemos a partir delas, julguemos o que 
      devemos esperar no resto de seu curso. Eu bem
      poderia, a rigor, encontrar um sentido para cada um dos nove números 
      associados, com os quais vosso amigo explica a
      tábua numérica que vos envia, mas também poderia não 
      encontrar seu verdadeiro sentido: assim, detenho-me. Todavia, o
      que percebo parece-me ligado aos princípios, casando-se muito bem 
      com minhas idéias pessoais, porém conheceis minha
      reserva nesse tipo de especulações, é porque não 
      vos falo disso mais amplamente. Um banqueiro desta região encarregouse
      de fazer chegar a mim em Basiléia, ao coronel Oser, o exemplar da 
      associação humana 275 que vos destinei. Não sei se
      partiu ou não. Nele nada vereis que vos seja importante conhecer, 
      já que conheceis as bases em que me apóio. Assim, não
      é para aqueles que estão bem que formulei esse remédio, 
      mas para os doentes. Seu número é grande e o hospital é 
      vasto.
      Percebo isso cada vez mais na Babilônia em que habito: a tarefa é 
      vasta e, apesar de todos os projetos de retornar à minha
      terra, é possível que meu dever me retenha aqui mais tempo 
      do que eu contava. Como isso me vem naturalmente e eu não
      dê, nesse particular, um só passo por minha vontade humana, 
      creio que deva deixar-me guiar pelas circunstâncias,
      sobretudo, quando elas se apresentarem de maneira a empregar-me de acordo 
      com o que sou e para a utilidade de meu
      próximo. Sob esse ponto de vista, tenho tido, já faz algum 
      tempo, percepções agradáveis, sentindo grande inclinação 
      para
      entregar-me a elas. Assim, podeis continuar a enviar vossas cartas a Paris, 
      para o mesmo local, até eu vos enviar um novo
      endereço, pois em breve terei de deixar a casa em que estou por circunstâncias 
      de negócios da família que a possui. Eu bem
      gostaria de que me fosse possível satisfazer o desejo que tenho de 
      visitar-vos, mas, apesar de todo meu empenho para esse
      encantador encontro, ainda não vejo quando, nem como ela poderá 
      acontecer. Enquanto espero, recomendo-me à vossa
      amizade & às vossas preces. SAINT-MARTIN
      274 Veja Carta 101, p.
      275 Em minúsculas no original.
      Carta 105 Berna, 13 de abril de 1797
      Há muito tempo já, meu caro irmão, eu teria respondido 
      à vossa carta de 16 de fevereiro se não houvesse sido inundado 
      por
      uma torrente de negócios de todo tipo, e sobretudo por uma multidão 
      de assuntos públicos que era preciso redigir e preparar
      para serem relatados ao nosso Grande Conselho. Embora eu tenha podido livrar-me 
      de três comitês, restam-me ainda
      quatro, dentre os quais o de uma revisão de nossos procedimentos 
      criminais e de uma nova organização dos tribunais
      relativos a esse assunto, porque o aumento rápido de nossa população 
      tornou-a necessária. Durante essa demora, Monsieur
      Oser fez chegar às minhas mãos o "Éclair sur l'association 
      humaine276 Permiti, caro irmão, que eu vos agradeça pelo belo
      presente que me fizestes dessa excelente obra, não somente a mim, 
      mas também aos nossos amigos, os homens. Felicitovos
      pela forma que sobrestes dar a essa obra, que considero uma obra-prima: 
      Tornastes claras as coisas mais abstratas;
      embelezastes uma extensão imensa com uma dicção brilhante 
      e uma multidão de imagens; conseguistes isso sem vos
      desviardes da mais rigorosa lógica e sem estenderdes vosso trabalho 
      para além dos limites de uma dissertação; mesmo
      caminhando nas pegadas de Rousseau, vós o ultrapassastes; mas o que 
      me impressionou acima de tudo é que dissestes
      coisas novas inteiramente opostas à maneira comum de pensar; remontastes 
      à fonte de melhor governo e da mais sublime
      religião sem ferir qualquer opinião formada. Eis aí, 
      meu caro irmão, como seria preciso escrever par despertar e atngir 
      os
      homens. Mas vamos à essência de vossa obra. Dizeis muito bem 
      o que jamais foi dito por qualquer escritor: que um homem
      que nada possuísse jamais poderia, segundo os sistemas comuns, tornar-se 
      membro de qualquer sociedade. Em seguida
      ergueis o véu que cobria o núcleo do pacto social, indicais 
      o verdadeiro defeito dos sistemas comuns, o de que quererem que
      a ordem moral derive somente da região das sensações 
      animais. Fizestes ver o absurdo do princípio do qual partiram todos
      os escritores, de que o próprio homem tinha de fazer as leis segundo 
      as quais deveria viver. Reabilitastes uma idéia principal
      121
      que subscrevo de todo coração e que nenhum dos governos jamais 
      deveria perder de vista, ou seja: a de que não há
      verdadeiro governo a não ser o teocrático. Certamente isso 
      é uma grande verdade, mas não vos detenhais num caminho tão
      belo, caro irmão, e continuai a mostrar aos homens como é 
      que eles podem ver com clareza através dos escombros que os
      cercam e os subjugam; em nome do que há de mais sagrado, ensinai-lhes 
      como é que eles podem rasgar o véu que lhes
      encobre a luz que poderia ainda dirigi-los em seu abismo. Na página 
      38 mostrais que nosso amigo B., que jamais leu
      qualquer dos escritores, sabia mais do que eles sobre os princípios 
      que devem servir de base à teoria das associações
      humanas. Mas, repito-o, caro irmão, continuai com vossos escritos 
      a afastar e a destruir os obstáculos que os impedem de
      ver a luz resplandecente que pode e deve servir-lhes de guia. Dir-me-eis 
      que isso eu já fiz. É verdade, mas o livro das
      essências que contém verdades admiráveis é um 
      livro enigmático, ao alcance apenas de um pequeno número de 
      leitores:
      um impostor forneceu a chave dele, que é quase a seqüência 
      publicada por um escroque. O Quadro Natural, muito mais
      claro e minha obra predileta, repousa em bases alegóricas e escondidas; 
      e chegou o tempo em que não é preciso mais nos
      servirmos de alegorias, mas de pregar do alto dos telhados e revelar as 
      coisas mais secretas, quando elas tendem à
      reabilitação da espécie humana. O Novo Homem é 
      um livro, mas a época atual só exige uma dissertação, 
      escrita com a
      eloqüência rápida que fere como o raio. Dir-me-eis que 
      não se deve atirar pérolas aos porcos. É verdade, mas 
      os profanos
      não vos lerão, quer sejais claro ou obscuro, prolixo ou conciso. 
      Somente os homens de desejo vos lerão e tirarão proveito de
      vossa luz; dai-lhes a luz tão pura quanto possível, e também 
      tão desvelada quanto possível: a própria novidade dessa 
      luz
      espalhará em vossos escritos um encanto que arrastará os indecisos 
      com um poder irresistível. Indicai aos homens, em cada
      página, como eles podem aproximar-se do pensamento universal e divino 
      que deve ser o alimento do homem-espírito e que
      deve dirigi-los em todas as sendas tortuosas desta vida. Vosso "Éclair" 
      veio muito a propósito, num momento em que as
      novas eleições podem contribuir para terminar, deter essa 
      torrente de sangue que inunda a Europa. Dizeis perfeitamente
      bem em que consiste a soberania do povo: não reside, com toda certeza, 
      na quimérica vontade geral e é por isso que nós,
      republicanos, jamais a admiramos. Na página 84 revelais uma idéia 
      sublime que conduz o homem a julgar qual foi o mais
      sábio legislador e o melhor administrador da terra. Recebei também 
      os meus cumprimentos pela bela passagem em que
      dizeis que sobre os lagos de sangue ouvis planar a voz das nações 
      que clamam: "Vitória! Glória! Liberdade!", sem permitir 
      ao
      ouvido o tempo de discernir o sentido de todas essas imposturas. Não 
      vos deixeis desencorajar, meu respeitável amigo,
      continuai sempre a mostrar, sob formas diferentes, as condições 
      indispensáveis para se voltar ao termo. Desmascarais a
      falsa doutrina, que considera a religião apenas como um simples freio 
      político, um espantalho que os legisladores fazem
      muito bem em mostrar ao povo para subjugá-lo com mais facilidade. 
      - Bravissimo. Uma coisa essencial no primeiro escrito
      que ireis publicar será ensinar a vossos compatriotas o que é 
      o fanatismo; no momento, ignoram-no. Cumprimento-vos, caro
      irmão, por toda a página 98. Estou inteiramente convencido 
      da chegada desse tempo. Enquanto aguardo, exorto-vos a
      ajudar, com todos os vossos esforços, a preparar os homens e a reabilitar 
      neles a coisa religiosa em sua integridade radical.
      Vosso presente escrito é um grande esclarecimento, um raio que pode 
      atingir os homens de boa vontade e fazê-los ver que
      se encontram dentro de uma noite profunda, porém, nesse esclarecimento 
      fazei brilhar uma luz nas trevas, uma luz que não
      desapareça como um raio e que lhes sirva de guia para que atinjam 
      seu destino; ensinai-lhes como eles podem pôr em ação
      o próprio ser para chegarem à plenitude de sua medida e tornar-se 
      completamente homens de espírito. Dizei-lhes, acima de
      tudo, que, para se aproximarem de Deus é preciso deixarem a si mesmos: 
      fazei-os ver que é esta a verdadeira abnegação e
      que essa abnegação de maneira alguma os impede de preencherem 
      com energia todos os deveres na ordem social; pelo
      contrário: que ela lhes empresta forças necessárias, 
      até mesmo para defenderem seus próprios direitos com a dignidade
      conveniente. Dizei-lhes o que é a razão, da qual o homem faz 
      tanto caso, ensinai-lhes como ela é útil quando dirigida e 
      como
      é cega, mesquinha e fraudulenta quando se encontra destituída 
      da luz radical, então, mesmo que vivais na memória dos
      homens, que é cega e precária, vivereis na memória 
      da verdade, à qual ninguém escapa e que só glorifica 
      aquele que deve
      ser glorificado. Quero encerrar minha epístola falando de uma palavra 
      da vossa. Estou bem satisfeito, pelo nosso amigo de
      Munique, por sua tabela numérica achar-se ligada aos princípios. 
      É realmente um homem raro, esse amigo de Munique e, na
      época atual, talvez um instrumento nas mãos da Providência. 
      Quanto ao mais, abstenho-me de emitir um julgamento sobre
      suas obras porque não tenho vocação alguma para julgá-las. 
      Certamente vos lembrareis de que no ano passado falei-vos do
      professor Jung, autor de uma obra interessante, por ele intitulada Heimweh. 
      Como nos correspondíamos, informei-lhe que
      tinha na França um amigo que se aplicava à língua alemã 
      para ler B. no original e que fora ele quem me indicara esse
      excelente autor. Monsieur Jung ficou encantado com essa notícia e 
      não sabia como testemunhar sua admiração ao ser
      informado de que se podia estudar B. no meio da tempestade que cobria a 
      França. Ele tem uma muita vontade de saber
      vosso nome e encarregou-me de apresentar-vos os sentimentos que o desejo 
      de ler B. lhe inspirou com relação a vós.
      Proponho-me fazer chegar a ele o vosso éclair. Mas então eu 
      vos pediria que enviásseis um outro exemplar dele para mim.
      Ainda existe a via de Monsieur Oser. Se tiverdes algum tempo, contai-me 
      quais são no momento as vossas ocupações
      preferidas. Vossas cartas serão sempre um prazer suplementar para 
      mim, enquanto aguardo um dia poder gozar de um
      prazer maior: o de ver-vos na Suíça, um esperança à 
      qual ainda não renunciei. Desde minha última carta nada mais 
      soube
      de nosso amigo Divonne. Quanto a mim, vejo aproximar-se com satisfação 
      o tempo em que regressarei a M[orat], onde
      retomarei as ocupações que mais me interessam. Adeus, meu 
      caro irmão, não deixemos de orar uns pelos outros.
      KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      276 V. capa.
      122
      Carta 106 30 de abril de 1797
      Vós, sozinho, prestais mais homenagens à minha obra, meu caro 
      irmão, do que as que ela há de receber em todo o meu
      país. Somos por demais despreocupados com essa espécie de 
      verdade. No momento, aqui só são lidas senão as produções
      que podem lançar um partido contra outro: elas saem uma após 
      a outra e ao fim de oito dias já são velhas. Quanto àquilo
      que se liga ao grandes princípios fundamentais nos quais me apóio, 
      não existe mais o hábito de olhá-los desde que nossos
      amigos deixaram de lado o princípio dos princípios. Assim, 
      minha obra não tem nenhum sucesso, a não ser junto de algumas
      boas almas como a vossa; o resto coraria se lhe lançasse os olhos. 
      Há, no entanto, alguns periódicos que falaram bem dela,
      mas isso é uma pobre recomendação. Além do mais, 
      eu já esperava por isso. Fiz essa obra para meu próprio interior, 
      e não
      para o meu exterior e estou bem tranqüilo quanto ao pagamento. Mandei-vos 
      três exemplares dela: um para vós, outro par
      nosso amigo Divonne. e outro para quem quiserdes, porque é possível 
      que encontreis em vosso caminho alguém a quem ela
      seja convenha. Talvez eles vos cheguem diretamente em Berna; isso vai depender 
      das oportunidades que o banqueiro
      Perregaux, encarregado deles, tiver. Encorajais-me a prosseguir, meu caro 
      irmão, mas creio que nesse gênero já fiz o que
      me compete ao mostrar o alvo que deve ser semelhante à origem. O 
      medium, que deve ler ambos, pertence ao código da
      regeneração e, como conseqüência, em tudo o que 
      sobre esse ponto está escrito em todas as obras teosóficas: 
      o essencial
      seria levar o homens a essa fonte para fazê-los beber nela. Ora, para 
      isso temos que empregar apenas os nossos desejos e
      preces. Nosso próprio bom Mestre dizia: Ninguém vem a mim 
      se meu pai não o chamar
 Pedi ao dono da casa que envie
      seu obreiros,277 etc. No entanto, não me recuso a nada que possa 
      ser de alguma utilidade, por menor que seja. E se nessa
      parte do laço social me propusessem tratar algumas questões 
      que eu fosse capaz de resolver, fá-lo-ia de boa vontade. Mas
      para conseguir que os homens não separem a moral da política 
      é, repito, a pedra filosofal, sendo preciso que isso lhes seja
      dado do alto. Enquanto aguardo, para dizer-vos em que me ocupo, já 
      que mo perguntais, confessarvos- ei que empreendi,
      um pouco por minha conta e um pouco por solicitação de meus 
      amigos, uma obra que tem como título Revelações Naturais,
      na qual reúno, tanto em minhas anotações quanto no 
      que se apresenta de novo, vários pontos de vista que, parece-me,
      poderão ser úteis ao coração e ao espírito 
      de meus semelhantes. Segundo as declarações daqueles a quem 
      comuniquei
      esse projeto, nela já se encontram algumas águas salutares 
      para refrescar o ardor da sede. Vou continuá-la, se Deus me der
      essa graça; e quando isso for feito, se ela for julgada digna de 
      ser impressa e os meios pecuniários nos forem restabelecidos,
      irei publicá-la. Rogovos não divulgardes o que vos confio 
      aqui. Vosso amigo Jung foi muito gentil em conceder-me sua
      benevolência pelo meu simples desejo de ler seu compatriota B. Sou 
      compensado de minhas penas pelos proveitos que dele
      retiro. Quanto à surpresa de que eu tenha conseguido estar tão 
      ocupado durante as atrozes tempestades que há oito anos
      vêm dilacerando minha pátria, ela cessaria se ele tivesse visto, 
      como eu, as coisas de perto e se soubesse que houve
      cantões na França que mal perceberam a tempestade, sendo que 
      meu rincão natal estava entre eles. Entretanto, não posso
      negar a vigilância especial da Providência a meu respeito nesses 
      tempos desastrosos, pois, primeiramente, eu tinha mil
      causas de ser suspeito e preso por causa de minha situação 
      civil, pecuniária, literária, social, etc. e, no entanto, 
      escapei
      apenas com um mandado de prisão, que nem mesmo chegou a mim e do 
      qual só soube um mês depois da queda de
      Robespierre, que o havia expedido, e que foi derrubado antes de mandar executá-lo. 
      Além disso, atravessei três vezes todas
      as crises; permaneci nas fronteiras da Vendéia durante um ano inteiro. 
      Assim, não ficareis pouco surpreso quando eu vos
      disser que, nessas agitações infernais, durante as quais eu 
      corria por toda parte como todo mundo, lá em cima quiseram
      arranjar as coisas de maneira que desde nossa revolução não 
      tenho ouvido, ao pé da letra, outros tiros de canhão a não 
      ser
      os que acabam de disparar daqui esses últimos dias para anunciar-nos 
      a paz com o Imperador. Se quiserdes, podeis dizer
      isso a Monsieur Jung apresentando-lhe meus sinceros comprimentos. Que ele 
      não o tome como milagre, pois não sou digno
      de que eles se operem em mim: são simples atenções 
      da bondade divina, pelas quais lhe dou graças. Adeus, meu caro
      irmão, orai por mim e fazei chegar a carta anexa ao amigo D
 
      SAINT-MARTIN
      277 João, 6:44; Mateus 9:38. ("Rogai, pois, ao senhor da seara 
      que mande trabalhadores para a sua seara.")
      Carta 107 Berna, 30 de abril de 1797 Certamente sabeis, meu caro irmão, 
      que foram assinadas as preliminares da paz entre
      a França e o Imperador no dia 17 deste mês, no castelo de Göes 
      na Síria, pelo general Bonaparte, por Dom Gallo,
      embaixador de Nápoles, e pelo conde de Marfeld, ministro do Imperador. 
      O conde de Marfeld é o general-mor a serviço do
      Imperador, mas neste momento preenche as funções de seu ministro. 
      No presente, espero que aproveiteis o tempo bom
      para executar vossos projetos de viagem à Suíça. Nossa 
      vida é curta e incerta e me gabo de que terei o prazer de abraçarvos
      este ano em minha pátria. Conheceis o preço atribuo a esse 
      prazer e agrada-me crer que, se depender de vós, com toda
      certeza mo concedereis. Espero que essa viagem faça bem à 
      vossa saúde: não façais qualquer economia que vos impeça,
      pois espero ainda que permitais encarregar-me das despesas desse pequeno 
      trajeto. Mandai renovar vossos passaportes
      nas mesmas condições que determinamos no ano passado e enviai-me 
      logo notícias vossas. Enquanto aguardo, continuai a
      orar por mim. Dentro de dois dias parto para Morat, mas meu endereço 
      continua sendo o mesmo. KIRCHBERGER DE
      LIEBISTORF
      Carta 108
      123
      10 de maio de 1797
      Não era a guerra, meu caro irmão, que me impedia em meus projetos 
      de ir conversar convosco sobre nosso objeto comum,
      mas a certeza que tenho, desde o tempo em que escrevemos um ao outro, e 
      principalmente com os tesouros que me
      diariamente me forneceis com vossas buscas, orações e estudos, 
      minha ajuda tornam-se bem pouca coisa, para não dizer
      supérflua; pois, se fostes advertido sobre os pecados do homem e 
      suas conseqüências e o imensurável esforço que 
      o
      coração de Deus vos trouxe, tendes realmente tudo o que é 
      preciso para seguirdes vosso caminho. É, além disso, um certa
      fragilidade que já há algum tempo me restringe a liberdade 
      de movimentos, os quais me parecem, à medida que prossigo,
      que não devem mais ficar entregues somente ao meu gosto e meu arbítrio; 
      e no entanto, não tenho, sobre o projeto de ir
      para o vosso clima, outra luz que não o meu desejo, certamente bem 
      legítimo, de unir-me ainda mais a um amigo como vós,
      que me interessa em tantos aspectos. Por mais vivo que seja esse desejo, 
      enquanto a luz da qual falo não for mais
      pronunciada do que é, creio ser meu dever esperar o momento em que 
      o será o suficiente para ter a certeza de estar seguro
      dos meus procedimentos. Eis, caro irmão, os verdadeiros motivos que 
      me servem de guia no presente. Espero que com isso
      os desenvolvimentos tão desejados se mostrem um dia e que então 
      eu possa ficar completamente satisfeito, indo passar
      alguns momentos felizes junto a vós. Nossa vida temporal é 
      realmente curta e incerta, mas nossa vida espiritual é eterna e
      podemos iniciá-la a partir deste mundo enchendo-nos das luzes divinas 
      e das virtudes de nosso princípio, haurindo a ambas
      diariamente da inexaurível fonte que se abriu desde o momento do 
      pecado e que, desde então, não deixou de fluir em toda
      abundância em nossas almas e em nossos espíritos. Permiti, 
      pois, que a paz nada mude, no momento, na marcha que creio
      que devo seguir. Devo consultar menos o favor da circunstâncias temporais 
      do que as considerações superiores das quais
      vos falo. Quanto ao assunto das despesas, jamais poderei aceitar deixá-las 
      a vosso encargo, pois tenho meios suficientes
      para satisfazer a elas: nem mereço as vossas ofertas generosas desse 
      tipo; não foi apenas hoje que destes prova disso e
      trago sempre no coração um certo envio que me fizestes, que 
      mantenho sempre em depósito e que estou sempre disposto a
      enviar-vos quando julgardes conveniente. Adeus, meu caro irmão, continuai 
      a lembrar-vos de mim em vossas preces. O
      pacote de folhetos foi despachado. Conto com que em vossa próxima 
      carta tenhais, quem sabe, algumas palavras a dizerme
      sobre vosso estimável amigo Jung. SAINT-MARTIN
      Carta 109 M., 23 de maio de 1797
      Da última vez que vos escrevi, meu caro irmão, tive apenas 
      um momento e faltava-me tempo para informar-vos em detalhe
      tudo o que a paz nos oferecia de vantajoso para o projeto de nosso encontro, 
      que parecia ocupar-vos de maneira
      interessante para mim, no fim do outono passado. Em vossa carta de 10 deste 
      mês considerais esse projeto sob um ponto
      de vista ao qual não tenho objeção alguma a fazer; 
      é o da ausência de uma clareza diretora. Porém, permiti 
      que eu vos
      chame a atenção sobre uma reflexão que precede vosso 
      verdadeiro motivo. Dizeis-me que, em vista de meus progressos
      diários, vosso auxílio tornase pouca coisa, para não 
      dizer supérfluos! Mas credes, meu caro irmão, que o conhecimento 
      de
      certas verdades que desde a origem dos tempos sempre subsistiu entre alguns 
      homens se tenha transmitido de um a outro
      através de cartas? - Ignoro se isso é possível; deveis 
      sabê-lo melhor do que eu. Outra pergunta: deixaríeis vossa 
      obra
      incompleta? ou seja: perderíeis o fruto de seis anos de correspondência 
      ou, o que dá no mesmo, não gozaríeis da satisfação
      de ver o grão que semeastes chegar à maturidade plena? Sabeis 
      o quanto me resta adquirir além do que possuo. A objeção
      dos auxílios superiores é plausível, mas sofre exceções, 
      pois sabeis o que pode ser feito pelo homem, é feito pelo homem:
      por conseqüência, o que pode ser feito por um amigo, é 
      feito por ele. Rogo-vos pesar tudo isso em vossa sabedoria e, se as
      circunstâncias presentes não vos permitirem a viagem no momento 
      presente, compensar-me, em parte pelo menos, com
      ensinamentos preparatórios que me tornem tanto mais digno e mais 
      próprio para fruir de vossa conversação. Solicito-vos
      também, para a felicidade de nossos irmãos, os homens, que, 
      na obra que projetais, vos aproprieis de tudo o que levar a
      marca do mistério: ocultai o autor, se a prudência vo-lo ordenar, 
      mas, suplico-vos, não oculteis a verdade! não a oculteis, 
      não
      a envolvais com as nuvens escuras que estragam tantas obras boas; não 
      imiteis fosso frio compatriota, Fontenelle, que dizia
      a J. J. Rousseau: "Se eu tivesse a verdade no côncavo da mão, 
      não abriria o punho para mostrá-la aos homens." Lembraivos,
      caro irmão, de que um autor que fala ao público para instruí-lo 
      é como um médico que entra num hospital e, somente
      prescrevendo com bastante clareza para seus doentes os remédios que 
      eles devem tomar e o regime que devem seguir, é
      que ele poderá curá-los. Se temeis a profanação, 
      dai uma forma e um rótulo religioso à vossa obra, e todos 
      aqueles que
      seguem as leis do mundo deixá-lo-ão em paz. Se puderdes, inseri 
      em vossa revelação, um trecho muito útil e interessante 
      no
      comentário das seções278 17, 18 e 19 do Quadro Natural. 
      Ensinai sobretudo aos homens como é que eles devem empregar
      todos os direitos e toda a ação de seus seres para ratificar, 
      tanto quanto se possa, os meios que estão entre eles e o
      verdadeiro sol e que, sendo a oposição como que nula, a passagem 
      fique livre e que os raios da luz cheguem até eles sem
      refração. Dizei-lhes em cada página de vossa obra - 
      suplico que o façais - como a vontade do homem pode unir-se mais
      prontamente, com mais certeza e com mais força à vontade de 
      Deus. Acabo de fazer menção da utilidade da explicação
      dada por vos mesmo e creio ser ela de importância e influência 
      consideráveis; tenho até a certeza de que com isso levaríeis
      um número bem grande de vossos irmãos à verdadeira 
      fonte de água viva que pode desalterá-los. Uma prova de que 
      há
      várias passagens nas três seções do Quadro Natural 
      que poderiam ser explicadas com mais detalhes é que elas parecem
      obscuras, mesmo para mim, em que pese o costume que tenho de ler essa obra. 
      Vou indicá-las, e vos ficarei imensamente
      grato se me fornecerdes o esclarecimento necessário para que eu possa 
      explicá-las a mim mesmo.
      124
      1o: Admitindo que tendes toda a sensibilidade nosso globo, páginas 
      103 e 104, não vejo ainda como a terra é a base de
      todos os fenômenos sensíveis e ainda menos como pode ela servir 
      de ponto sobre o qual se refletem todas as virtudes
      destinadas a manifestá-lo no tempo.
      2o: Dizeis à página 105, § último (2a parte): 
      "Vivemos habitualmente nas leis da segunda classe279, já que 
      recebemos
      pensamentos diários que não podem vir-nos senão daqueles 
      que a compõem e nela habitam."280 Isso certamente está
      perfeitamente claro. "Entretanto," continuais, "como somos 
      quase sempre passivos281 nessas comunicações 282 e como um
      simples culto 283 anuncia atividade 284, devemos presumir que aos nossos 
      estudos a segunda classe apresente objetos285
      mais físicos286, mais decisivos 287 e mais positivos 288 e que, por 
      isso , exija cuidados 289 mais vigilantes e mais bem
      dirigidos290 do que aqueles que ocupam a maior parte dos homens." 291 
      Porém, não dizeis em parte alguma, caro irmão,
      em que consistem esse culto e esses cuidados, até que ponto esse 
      culto é legítimo. Como vosso alvo era, com toda certeza,
      o de instruir vossos leitores, permitireis que eu vos pergunte o que entendeis 
      por esses cuidados e esse culto e em que
      consistem ambos.
      3o: No fim da página 126 há uma bela passagem em que dizeis: 
      "Ensinavam-lhe que na criação universal não havia 
      um
      único Ser que não fosse à imagem de uma das virtudes292 
      divinas, que a Sabedoria multiplicara essas imagens em torno do
      homem a fim de que, quando ele lhas apresentasse, ela fizesse, com relação 
      a elas, sair de si mesma uma nova unção,
      transmitindo assim ao homem todos os socorros de que precisa e que, quando 
      o modelo se unisse à cópia, o homem
      pudesse possuir a ambos."293 Um linha ou duas de esclarecimentos tornariam 
      essa passagem ainda mais bela, e
      principalmente mais instrutiva. Que é preciso que o homem faça 
      para que, ao ver a cópia, a sabedoria produza uma nova
      unção e para que, unindo-se o modelo à cópia, 
      o homem possa possuir a ambos? Por exemplo: que é preciso que o homem
      faça para que, ao ver a luz e a chama materiais, possa obter e possuir 
      as virtudes que lhe servem de modelos? Dizeis no fim
      da página 167: "Assim, sem a depravação ou a fragilidade 
      de nossa vontade, não estaríamos separados de todos os Seres 
      e
      Agentes salutares - cujos benefícios estão consagrados nas 
      diferentes Tradições - senão na aparência, ficando 
      mais perto
      deles na realidade!" a julgar por essa passagem, é não 
      somente uma vontade corrompida, mas sobretudo uma vontade fraca
      e covarde que nos impede de gozar as manifestações das virtudes 
      que emanam do grande princípio e que nos priva da
      vantagem de corresponder com elas. Se puderdes, caro irmão, dizei-me 
      quais são, ao lado das intenções puras, os atos da
      vontade que acreditais serem necessários para fazer desaparecer o 
      véu que nos cobre os seres benfeitores ordenados pelo
      grande princípio para cooperar na reabilitação do homem. 
      Conheço a importância desta pergunta; assim, é somente 
      ao fim
      de muitas provas de vossa amizade e de vossa confiança que vo-la 
      faço. Em minha próxima carta dar-vos-ei alguns detalhes
      sobre Monsieur Jung, homem muito interessante. Acabo de receber notícias 
      dele. Ele conhece vossas obras e tem apreço
      por elas, mas ao despachar sua carta não havia ainda recebido o Éclair 
      que lhe enviei pelo transporte público. Acabo
      também de receber uma carta de nosso amigo D. Ele vos agradece pelas 
      boas notícias que lhe destes, por meu intermédio,
      de seus amigos de Paris. Pede-me vosso endereço, mas na incerteza 
      do efeito que uma carta de L. possa causar-vos,
      espero primeiro as vossas ordens afim de lho dar. No decorrer de sua carta 
      ele vos roga que leiais com atenção o capítulo 14
      de Isaías e gostaria de saber o que pensais do versículo 29. 
      Vossa carta foi-lhe expedida. Adeus, etc., etc. KIRCHBERGER
      DE LIEBISTORF
      278 Capítulos?
      279 No livro estas duas palavras vêm em itálico.
      280 Em português, pp., por favor.
      281 Cap. 17. Termo em itálico no original.
      282 Idem. 283 Idem. 284 Idem 285 Idem 286 Idem 287 Idem. 288 Idem. 289 Idem. 
      290 Idem.
      291 P.?
      292 Cap. 17. Termo em itálico no original
      293 P.?
      Carta 110 19 de junho de 1797
      A amizade que nos une, caro irmão, seria um motivo bem poderoso para 
      decidir-me a partir se a clareza diretriz se dignasse
      a sancionar a viagem, pois as razões filosóficas que me exortais 
      a considerar não podem mais parecer-me peremptórias hoje
      como pareceram no passado. Os conhecimentos que outrora podiam ser transmitidos 
      por carta ligavam-se a instruções que
      às vezes baseavam-se em imagens e cerimonias misteriosas, das quais 
      todo o mérito estava mais na opinião e no hábito do
      que numa verdadeiros importância, e que, às vezes realmente 
      repousavam em práticas ocultas e operações espirituais, 
      cujos
      procedimentos vulgares seria perigoso transmitir, ou a homens ignorantes 
      e mal-intencionados; o objeto que nos ocupa, não
      se apoiando em bases semelhantes, não fica exposto a semelhantes 
      perigos. A única iniciação que prego e que busco com
      todo ardor de minha alma é aquela pela qual podemos entrar no coração 
      de Deus e fazer o coração de Deus entrar em nós
      para realizar aí um casamento indissolúvel que nos torna o 
      amigo, o irmão e a esposa de nosso divino Reparador. O único
      mistério para se chegar a essa santa iniciação é 
      mergulharmos cada vez mais até as profundezas de nosso ser e não
      desistirmos até conseguirmos extrair a viva e vivificante raiz, porque 
      então todos os frutos que deveremos trazer, segundo a
      nossa espécie, produzir-se-ão naturalmente em nós e 
      fora de nós, conforme vemos acontecer às nossas árvores 
      terrestres,
      porque elas aderem à sua raiz particular e não deixam de sorver-lhe 
      a seiva. Eis a linguagem que tenho mantido para
      125
      convosco em todas as minhas cartas, e com toda certeza, quando estiver em 
      vossa presença, não poderei transmitir-vos
      mistério mais vasto e mais propício ao vosso progresso. E 
      é esta a vantagem dessa verdade preciosa: que podemos fazê-la
      correr de uma extremidade a outra do mundo, fazendo-a ressoar em todos os 
      ouvidos, sem que aqueles que a escutarem
      possam tirar dela outro resultado além de aproveitá-la ou 
      de deixá-la, sem todavia excluir os desenvolvimentos que poderiam
      nascer em nossas entrevistas e conversas - mas dos quais já estais 
      tão abundantemente provido pela nossa
      correspondência - e mais ainda pelos minuciosos tesouros de nosso 
      amigo B., que em sã consciência eu não poderia crer
      que estivésseis sofrendo privações e temê-la-ia 
      bem menos ainda para o futuro se quisésseis valorizar vossas excelentes
      propriedades. É nesse mesmo espírito que vos responderei sobre 
      os diversos pontos que instais comigo para que vos
      esclareça em meus novos empreendimentos. A maior parte desses pontos 
      pertencem exatamente às iniciações pelas quais
      passei em minha primeira escola e que deixei depois de muito tempo para 
      entregar-me à única iniciação que seja
      verdadeiramente segundo meu coração. Se falei desses pontos 
      em meus antigos escritos, isso foi no ardor da juventude e
      pelo império que tinha sobre mim o hábito diário de 
      vê-los serem tratados e preconizados por meus mestres e companheiros.
      Mas hoje eu poderia seria impossível para mim estimular alguém 
      a continuar a aprofundar uma questão da qual me afasto
      cada vez mais. Além disso, seria extremamente inútil para 
      o público que, realmente, em simples escritos, poderia receber
      sobre isso esclarecimentos suficientes e que, na verdade, não teria 
      guia algum para dirigi-lo: esses tipos de esclarecimentos
      devem pertencer aos que são chamados para usá-los por ordem 
      de Deus e para manifestar sua glória; e quando são
      chamados dessa maneira, não devemos inquietar-nos quanto à 
      sua instrução, pois eles recebem então, sem qualquer
      dificuldade e sem qualquer obscuridade, mil vezes mais noções 
      e noções mil vezes mais seguras do que aquelas que um
      simples amador como eu poderia dar-lhes sobre todas essas bases. Querer 
      falar delas ao público é querer, em pura perda,
      estimular uma curiosidade vã e querer trabalhar antes para a glória 
      do escritor do que para a glória do leitor. Ora, se cometi
      tais erros desse tipo em meus escritos, cometê-los-ia ainda mais se 
      quisesse persistir em continuar agindo da mesma
      maneira: assim meus novos escritos falam muito dessa iniciação 
      central que, por nossa união com Deus, pode ensinar-nos
      tudo o que devemos saber; e muito pouco da anatomia descritiva desses pontos 
      delicados aos quais desejaríeis que eu
      desse atenção, e dos quais não devemos fazer conta, 
      contanto que sejam cumpridos em nosso departamento e nossa
      administração. Isso não impedirá, caro irmão, 
      que nesta mesma carta eu vos diga o que estiver em meu poder sobre todos
      os pontos cujo estado me enviais na vossa, aos quais vou proceder por ordem.
      1o: Sobre o meio da imediata união de nossa vontade com Deus. Dir-vos-ei 
      que essa união é uma obra que só pode ser feita
      pela firme e constante resolução daqueles que a desejam, que 
      o único meio para isso é o emprego perseverante de uma
      vontade pura, menos pelas obras e pela prática de todas as virtudes, 
      fertilizada pelas preces, para que a graça divina venha
      ajudar nossa fragilidade e nos conduza ao termo de nossa regeneração. 
      Essa vontade é a verdadeira propriedade do homem
      e parece que o próprio Deus a respeitou, já que, ao trazernos 
      a boa-nova, limitou-se a fazer com que os anjos nos
      inspirassem essa boa vontade e já que vemos que suas propriedades 
      se reduzem todas a ameaças e promessas, deixando
      que o homem usasse a ambas segundo seu talante. Assim, vedes que aquilo 
      que eu poderia dizer ao público sobre esse
      assunto não teria, infalivelmente, mais crédito do que a palavra 
      divina.
      2o: Sobre a sensibilidade de nosso globo. Diria que está exatamente 
      aí um dos pontos dos quais falei no verdor de minha
      juventude e que, por essa razão, não continuarei, a menos 
      que eu mesmo o tivesse aprofundado mais, e principalmente
      antes que tenha recebido ordem para isso. Além do mais, com as aberturas 
      fornecidas por nosso amigo B. sobre a
      contextura da natureza universalmente particular, parece-me que podereis 
      obter algumas satisfações sobre este assunto, se
      quiserdes dar-vos o trabalho de fazê-lo com alguma atenção.
      3o: Sobre o culto, página 105. Eu vos diria que o que concerne às 
      leis dessa segunda classe é realmente a ordem cerimonial
      confiada por Deus aos seus grandes eleitos nas diversas épocas em 
      que ele manifestou sua sabedoria e seu socorro à terra
      para a restauração das coisas. Essa ordem pertencia àqueles 
      que escolhia para esse fim; os outros recebiam os frutos. Eram
      outras tantas diversas instruções espirituais e divinas, como 
      as recebidas por Enoque, Noé, Moisés, Elias, e tantos outros
      encarregados dessas missões gerais. Quanto aos homens em geral, são 
      como nós, encarregados somente de sua
      restauração particular. e isso basta para nos ocupar: comecemos 
      sendo fiéis às pequenas coisas que em seguida caberá 
      a
      Deus julgar a propósito confiar-nos as grandes.
      4º: Sobre a união do modelo com a cópia. Eu vos diria 
      que nas gerações espirituais e todos os gêneros esse 
      efeito dê
      parecer natural e possível, uma vez que as imagens, tendo relação 
      com seus modelos, devem tender sempre a aproximar-se
      dele. É por essa via que caminham todas as operações 
      teúrgicas ou se empregam os nomes dos espíritos, seus signos,
      caracteres, todas as coisas que, podendo ser dadas por eles, podem estar 
      relacionadas a eles. Era assim que caminhavam
      os sacrifícios levíticos; é assim, sobretudo, que deve 
      caminhar a lei de nossa iniciação central e divina, pela qual 
      ao
      apresentarmos a Deus, tão pura quanto pudermos, a alma que ele nos 
      deu e que é imagem sua, devemos atrair sobre nós o
      modelo e formar com isso a mais sublime união que jamais pôde 
      ser feita em qualquer teurgia, ou qualquer cerimonia
      misteriosa, das quais estão repletas todas as iniciações. 
      Quanto à vossa pergunta sobre o aspecto da luz ou da chama
      elementar para se obterem as virtudes que lhe servem de degrau, deveis ver 
      que ela cabe inteiramente na teurgia que
      emprega a natureza elementar e, como tal, creio-a inútil e estranha 
      nosso verdadeiro teurgismo, ou não se precisa de outra
      chama senão o nosso desejo, outra luz senão a da nossa pureza. 
      Isso não proíbe, no entanto, os conhecimentos profundos
      que podes haurir em B. sobre o fogo e suas correspondências. Existe 
      algo com que poderemos recompensar-vos por vossas
      especulações. Os conhecimentos mais ativos sobre esse ponto 
      devem nascer nas operações espirituais sobre os elementos
      e sobre isso nada mais tenho a acrescentar.
      126
      5º: Sobre a depravação ou fragilidade de nossa vontade. 
      Eu vos diria que dais mais importância do que eu mesmo a essa
      passagem. Ela cabe completamente no que eu disse acima, no número 
      1. Se a vontade constante, pura e forte deve, com a
      graça de Deus, fazer com que tudo consigamos, a vontade contrária 
      deve privar-nos de tudo. Assim, eu não saberia indicarvos
      de outra forma quais são os atos da vontade necessários para 
      fazer com que o véu desapareça. É somente no exercício
      de nossa vontade que podemos aprender a aperfeiçoar e virtualizar 
      nossa vontade, o que se pode dizer de todas as nossas
      outras faculdades, conforme vemos todos os dias naquilo que nem mesmo se 
      refere à nossas artes, ciências vulgares e
      talentos que agradam. Não creio que seja prudente ainda enviar meu 
      endereço ao amigo D. e vos agradeço por vossa
      reserva. Li a passagem de Isaías, por ele indicada, 14:29. Encontro 
      nela um verdade fundamental verificada em todas as
      épocas em que a justiça divina manifestou-se através 
      das mãos das nações que empregou para sua vingança. 
      Essa verdade
      é e será verificada ainda em nossa revolução, 
      como o será sempre em semelhantes acontecimentos. É o que 
      me faz dizer
      que nos enganaríamos se quiséssemos aplicar esta verdade a 
      uma circunstância particular, ao passo que ela abrange a
      todas. Adeus, etc. SAINT-MARTIN
      Carta 111 Suíça, 1o de julho de 1797
      O essencial é obter a ajuda que não podemos conseguir por 
      nós mesmos; e para consegui-la, pedi-la; e ao pedi-la com
      sinceridade, nós já a obtivemos, de acordo com nosso grau, 
      pois nosso divino Benfeitor não diz somente: Petite, et
      dabitur294, mas, o que é bem digno de nota, diz ainda: omnis enim 
      qui peitit, accipit295. A petição sozinha já é 
      uma prova
      que recebemos
 Adeus, etc. KIRCHBERGER DE LIEBISTORF
      294 Pedi e dar-se-vos-á. (Lucas, 11:9.)
      295 Todo aquele que pede, recebe.(Lucas, 11:10.)
      Carta 112 França, 2 de agosto de 1797
      É ao mesmo tempo um dever e um prazer orar por nossos amigos uma 
      vez que só podemos fazê-lo quando a isso somos
      levados por alguns raios de imortal e inesgotável caridade. Pedis-me 
      notícias da pessoa na qual o interior caminha um tanto
      sem rumo em relação com o exterior. Eu vos direi, caro irmão, 
      que a cada dia se lançam bases nessa pessoa para um
      imponente edifício, mas que acontece aqui como quando da construção 
      do segundo templo, em que os judeus eram
      entravados na obra pelos samaritanos, a ponto de serem obrigados a manterem 
      a colher de pedreiro numa mão e a espada
      na outra: orai por essa pessoa a fim de que sua fé não desfaleça. 
      Todavia, de um momento para outro, é possível que seu
      progresso lhe interessem muito, mas, se ele ocorrer, é provável 
      que se faça de modo que ela nem possa falar disso, a menos
      que receba ordens, ou possa falar àqueles que se encontrarem no mesmo 
      caso, e empregados na mesma função: e esses
      se darão a conhecer por si mesmos. Adeus, etc. SAINT-MARTIN
      Carta 113 (De SAINT-MARTIN, nada de importante.)
      Carta 114 (De KIRCHBERGER.) 
      Se meu amigo de M
 me houvesse simplesmente enviado um cálculo 
      cujo resultado fosse o número 1800, não me teria
      impressionado tanto. Mas, foi decifrando o hieróglifo de nosso amigo 
      Böeme à sua maneira que ele encontrou 1800, pois
      Monsieur d'E
, em todas as progressões desses algarismos arábicos 
      não sai um instante do hieróglifo. Quanto a mim,
      estava muito longe de desconfiar do número 1800 antes de o ter encontrado 
      ao cabo de alguns minutos no Mysterium
      Magnum, como vos disse em fevereiro de 1793, e ainda depois eu me perguntava 
      se o acaso não teria produzido esse
      resultado. Mas hoje isso parece mais evidente. Todavia, dai dar uma olhada 
      no Irdich und Himlisch Mysterium296, 6 text. 4-9;
      depois de um cálculo bem simples descobrireis que, no sexto dia do 
      qual ele fala, estamos atualmente na tarde, às três e
      meia e, se devo dar crédito a um manuscrito do qual vi um trecho 
      em 1788, a sétima época terá atingido seu pleno
      desenvolvimento em 1830, isto é, às 4 horas, exatamente.
      9. Entretanto, o homem não está tão destruído 
      ao ponto de não ser mais aquele mesmo que saiu das mais de Deus, 
      embora
      haja recebido em sua queda a forma monstruosa e frágil do terceiro 
      princípio mais extremo e embora essa queda lhe tivesse
      aberto as portas do primeiro princípio, a vontade severa, que, sem 
      isso, abrasava já este grande universo e que se acende
      completamente nas almas condenadas.
      10. Apenas o homem que Deus criou é o verdadeiro homem, e todavia 
      este ainda permanece oculto no homem atualmente
      corrompido e, se ele renunciar a si mesmo em sua forma animal, se ele não 
      viver segundo os movimentos e as vontades
      desse envoltório grosseiro e se entregar a Deus com toda a sua alma, 
      então esse homem vive em Deus e Deus produz nele
      o querer e o fazer. Estando tudo em Deus, o verdadeiro homem santo oculto 
      sob a forma monstruosa está tanto nos céus
      quanto Deus, e o céu nele está, ou seja: Deus estará 
      nele e ele em Deus. Deus está mais próximo dele do que o homem
      está de seu próprio corpo, pois o corpo animal não 
      é a sua pátria; com ele, o homem está fora do paraíso.
      127
      11. O verdadeiro homem regenerado em Jesus Cristo não está 
      neste mundo, mas no paraíso de Deus. E mesmo que esse
      corpo animal morra, não acontece nenhum dano ao novo homem; ao contrário: 
      é então que ele sai verdadeiramente da
      vontade que se opunha a ele e dessa casa de tribulações. Parra 
      entrar novamente em sua pátria ele não precisa de uma
      habitação longínqua para onde deva ser transportado 
      afim de gozar da felicidade: basta que Deus se manifeste nele.
      12. A alma humana foi emanada do primeiro princípio, mas nesse princípio 
      ela não é um ser santo; é no segundo princípio
      que as virtudes superiores da alma se abrem e se desenvolvem e ela se torna 
      um criatura divina, pois é no segundo princípio
      que tem nascimento a luz divina. É por isso que, se a luz não 
      tiver nascimento na alma, a lama fica separada de Deus,
      vivendo então somente da qualidade originária severa onde 
      se encontra uma oposição eterna. Mas se a luz nascer na alma,
      então a criatura fica penetrada de alegria, de caridade e delícias, 
      o que se chama novo homem ou a alma em Deus. E como
      então não poderia haver conhecimento, já que Deus penetra 
      na criatura?
      13. Assim não depende do querer e do coração da criatura 
      conhecer as profundidades da Divindade, a alma ignora o centro
      de Deus e o modo como a substância divina é engendrada. A maneira 
      pela qual Deus quer revelar-se ao homem depende da
      vontade divina; e se Deus se manifesta, em que foi que a alma contribuiu? 
      Ela só senão o desejo de ser regenerada; volta
      sua atenção para Deus, em quem vive, e com o qual a luz divina 
      torna-se resplandecente, luz que muda o primeiro princípio
      severo, origem do movimento da alma em alegria triunfante.
      14. Vemos com isso como o mundo é injusto, quando, no furor de sua 
      paixão, inveja a diversidade dos dons divinos. Que
      pode homem dar-se? A maneira de perguntar nem mesmo depende dele
      296 Misterio terreno e celestial?
      Obs..O que está em português foi traduzido do francês. 
      pp. 21-22
      EDIÇÃO DE 1675, PUBLICADA POR FRANCKENBERG
      XIII. Jacob Böhme Lebensbeschreibung [descrição de Jacob 
      Böhme].
      XIV. Weg zu Christo in sechs Büchern [O Caminho para Cristo, em seis 
      Livros.] .
      XV. Pforte von göttlicher Beschauligkeit. Was Mysterium Magnum sey 
      [A Porta da Contemplação. O Que é o Mysterium
      Magnum] , etc.
      XVI. Trost-Schrift. Von der Vier complexionen.
      XVII. Send-Brief: 1o Was ein Christ seye; 2o Von Tödtung des Anti-Christs 
      in uns selbst.
      XVIII. Zwey von Chisti testamenten: 1o Von der Heil. Tauffe; 2o Von dem 
      heil. Abendmalhle.
      XIX. Von sechs Puncten. Hohe und tieffe Gündung. Eine offene Pforte 
      aller Heimligkeiten des Lebens.
      XX. Clavis oder Schlüssel etlicher wornehmen Puncten und Wörter, 
      so in Allen des Authoris Bücheren zu finden.
      XXI. Tabula principiorum, von Gott und von der grossen und kleinen Welt. 
      (Três tabulas vêm anexadas.)
      XXII. Weissagungen as der glorwürdigen Jesus-Monarchie, aus L Böhmes 
      Schriften gezogen von Kulman.
      XXIII. Beschreibung des dreyfachen Lebens des Menschen.
      XXIV. Dialog zwischen einer dürstenden Seelen nach der Quelle des Lebens 
      und einer erleuchteten Seele. (Este último
      tratado parece ser de Franckenberg.) EDIÇÃO DE 1682, DA QUAL 
      SÓ TENHO PRESENTEMENTE 3 VOLUMES INQUARTO.
      XV. Von der Genade-Wahl, das ist: wie der Mensch zu göttlicher Erkanntnüss 
      gelangen moege.
      XVI. Von den sechs Puncten.
      XVII. Die kleine Puncten.
      XVIII. Vom irdischer und himmlischen Mysterio, in 9 Texte.
      XIX. Betrachtung göttlicher Offenbarung in 177 Teosophischen Fragen 
      vorgestelt.
      XX. De signatura rerum.
      XXI. Clavis oder Schlüssel etlicher wornehmen Puncten und Wörter, 
      so in Allen des Authoris Bücheren zu finden.
      XXII. Einige speziale claves velche J. B. senen vertrauten Freuden mitgethteilet 
      hat.
      XXIII. Tabula principiorum.
      XXIV. Viertzig Fragen von der Seelen.
      XXV. Vom Dreyfachem Leben des Menschen, (Muito mais extenso do que na edição 
      de 1675.)
      XXVI. Teosophische Send-Briefe.
      XXVII. Bedencken über Esaiae Stiefel Büchlein.
      XXVIII. Apologien wider Es: Stiefel, wider Balthasar Tilken, wider Gregorius 
      Richter
      Die 3 Bücher von der Mensch werdung Jesu-Christi - os três livros 
      sobre a Encarnação de Jesus Cristo?
      Die Geheimnisse der Göttlichen Sophia
      p. 43 - Das geheime system einer Gesellschaft unbekannter Philosophen, unter 
      einzelne Artikel geordnet, durch
      Anmerkungen und Zuzätze erläutert und beurheilet, und dessen Verwandtschaft 
      mit ältern un neuren Mysteriologen gezeigt, 2
      Theilen [O sistema secreto da compania de um filósofo desconhecido 
      , ordenado sob um único artigo [isolado? avulso?],
      através das anotações e]
      128
      p. 66 - Sechste Büchlein vom übersinn lichen Leben Sexto tratado, 
      sobre a vida suprasensual. - Siebende Büchlein von
      göttlicher Beschauligkeit - Sétimo tratado, sobre a contemplação 
      divina.
      p. 69 - Imagination macht Wesenheit (Drey-fach Leben) A imaginação 
      traz a essência? (Vida Tríplice) "Denn die Lust ist eine
      Imaginirung, da die imagination sich in alle Gestalten der Natur einwindet, 
      dasz sei allda geschwängert werden mit dem Dinge
      daraus dei Lust entstehet." [A luxúria é um modo de imaginar, 
      onde a imaginação serpeia ou se insinua em todas as formas
      da natureza, de modo que todas ficam impregnadas com isso, e por isso existe 
      a luxúria.]
      p. 78 - Wenn das ander den Fluch erræget hat; quando o outro excitou 
      a maldição.
      p. 92 Apologia wider Stiefel, nº 423, linha 5, Auffgehaben. Christi 
      Testamenta, 2. Büchlein, cap. 4, nº 31, p. 78, l. 12.
      Auffschlagen, idem nº 36, linha 16 verwegen. Nem meu dicionário 
      nem meu inglês me dão sobre essas palavra um sentido
      satisfatório. Depois dos dois Testamentos, há no mesmo volume, 
      edição de 1882, um pequeno tratado em três capítulos
      intitulado Eine einfältige Erklärung von christi Testamet der 
      Heyl. Tauffe, Nesse pequeno tratado, cap. 3, nº 7, linhas 4 e 5, há
      Dieses Zorn-Feuer gibt Er mit seinem Eintaucham Seiner fëuer-brennenden 
      Liebe. No fim desse mesmo pequeno tratado, a
      página 180, nas últimas palavras da nota histórica 
      da morte de Böhme, Dann er anno Christi 1624, etc., etc., eingegangen.
      Ein Schlangentreter Welche bis auf den heutigen Tag so ferne
      p. 110 in den Bedenken über Stiefels Büchlein mit der gekreutzigen 
      Menschen person, J. C.
      p. 119 - All hier folgt die Aufer Stehung
      pp. 123-124
      Antwort auf die Frage: Wie jemand chem der Gemeinschaft oder Empfindung 
      des Leibs und Bluts Christi erkenntlich
      unterscheiden möge? Ist folgender Bericht-Schrift ertheit worden. Die 
      Erfahring wird (nach meninem Licht und Erfahrenheit)
      die beste Lehrmeisterin de Unterschied Zwischen denen Empfindingen seyn, 
      so durch Theilhafligkeit des Fleisches und Bluts
      Christi, und andrer Beniessungen des lebendigen Worts geschehen. Die Theilhaftig-werdung 
      oder Gemeinschaft des Bluts
      Christi wird begleitet von einem starken und an muthigen Brande, der im 
      herzen oder Centro der Brust gefühlt wird, gleich als
      wenn eine gemengte Flamme und weine in die Seele gegossen wurde, so eine 
      liebliche Süssigheit verursachet, oder als ob
      die Seele von einer göttlichen Flamme in ihr entzündet, einem 
      Eingüss eines Köstlichen geistlichem Liquoris empfienge, von
      welche, sie durch's verschlingen desselben, sich Kräftog stärket, 
      eben wie eine Flamme von Geiste des weins, oder das
      Feuer der Lampen von OEhle, das es is sich Zeucht und isset, genähret 
      und unter halter wird. Diese Geniessung wen sie hoch
      steiget, ist so Süss und gross.das wir sie kaum ertragen können; 
      weil allda eine Centralgeniessung, oder die im innersten und
      tiefesten Grunde des Herzens geschieht, zwischen Christo und der Seelen, 
      eine Durcdringung, Inwirkung der einen im
      andren, eine Vermischung der reinen Strahlen des Lebens und der Liebe ist; 
      so dass die Seele anders nicht dan ausrugen
      dann: "Er küsst mich mit den Küssen seiner Lippen, den Seine 
      Libe iste besser dann Wein." Und in Wahrheit, so ist das
      welches sie in diesem Stande geneust, in einiger Maase der neue Wein des 
      Reichs, welchen ich in diesen schreiben krftig
      empfunden, und befinde dadruch dass meine Worte die Geniessung desselben 
      auszudrucken viel unzulänglich gefallen;
      welches der Leser allein durch lebendige Erfahrung erkennen kan, wie auch, 
      durch die wahre und eigentliche Wurckung
      derselben; welch die starke und reine Liebe zu gott ist, und eine susse 
      zuneigung der Liebe gegn die Heiligen, auch zu einem
      solchem Grade, dass sei Schild und Beleidigung uf dem Weg räumet, die 
      in der Seele wieder ihren Nächsten leigen mag, zum
      wenigsten für die Zeit und so lange sie dieses fühlet und empfindet. 
      Ist de Theilhafligwerdung oder Gemeinschaft des Bluts
      begleitet von einer mächtigen Empfindung der Stärke und Kraft 
      die den ganzen inwendigen Menschen durchdringet, und
      vornehmlich in der Brust oder Herzen gefühlt wird. 2). Bisweiten mit 
      einer enpfindlichen Schwängerung erner reinen Kraft, die
      unsre inwendige Theilen so zu erfüllen scheinet als ob sie der Luft 
      ermangelten Hiob. 32, v. 20. 3). Bisweilen mit Empfindung
      einer Licht-Hellen OEfnung um oder von uns, oder inwendig in uns, so die 
      Erscheinung Gottes innerlichem geistlichen Reichs
      ist. 4). Mit sussen Anzeigungen oder vielmehr würklichen Empfindungen 
      anmuthig zusammen stimmender Gethöne, welche
      die gaze Ewigketi in dem göttlichen Leibe erfüllen. 5). Mit einer 
      angenehmen Empfindung einer lieblich sausend Luft m
      Herzen oder Haupt, oder in allen beyden. 6). Von demselben dann eine starke 
      Idea oder wesentlich Zild, eines Lieblichangenehmen
      Halles, das sich im Haupte eröfnet, und als der erste Grunde und Saame 
      ers evangelische Gebets, Lobs oder
      Dancks etc. Ist welches wir empfinden, indem wir die Ideam oder das wesenliche 
      Zild des Thons, wenns im Haupte aurgehet
      ins Werck sezen, und einen Antrib haben aus krdft su zingen. 7). Eine anmuthige 
      Empfindung, dass wir als mit einer sanften
      und weichem Wesenheit, gleich als mit einem Kleide (1) umgeben oder beglaitet 
      werden, wie mit Pfalum-Federn fegillert und
      um die Seele gewinden ist. 8). Und der Effect oder Auswürkung und Erfolg 
      ales dises so das zeiget, dass es wahr und von
      gold sey, ist. I) Eine starcke Würkung des Glaubens und himlischem 
      Muth: II). Ein empfindlich Vermögen der Kraft und gorsse
      libe em Gebeth, Singen ode Sprechen, wenn wor eine dieser Gaben entweder 
      in oder gleich darauf üben, III), Eine grosse
      Eröfnung der Sanftmuth und milden süssen Würkungen in der 
      Seelen, und also auch in einigem Worten die wir aussprechen;
      IV). Eine Empfindung in der Seelen einer gorssen Reinigkeit und eines Abscheeus 
      vor allen weltlichen Lusten: V). Eine starke
      Empfindung der göttlichen Gegenwrt, samt einer damit Uberdommenden 
      Ehrfurcht duch welche wor zu beherrlicher
      Wachamsheit ermahnet werden; VI). Eine lebendige Empfindung der göttlichen 
      Freudigkeit und gemüths ruhe, vornehmlich
      nacdem wir unsre Talenten vohl anlegten, weil solche Geniesung aur uns war.
      Nota de rodapé: (1) Hierbey wolle (wolte?) der Leser sich der Wesenheit 
      des Glaubens erinnern. Hebr. II, v. 2. Die, cap. 10, v.
      39.
      p. 133 Send Brief
      129
      p. 136 - -Leib und Blut unseres Erlösers - Vida e Sangue do nosso Redentor
      p. 138 - Ewige Natur - Natureza Eterna
      p. 145 - Offenbarung der Offenbarungen, etc.; Die nun brechende und Zertheilende 
      himmlische Wolke
 etc.; Einleitung zum
      geistliclh oder mystichen Tod und Sterben p.
      149 Und sie hat ihn inficiret, der hält sie gefangen Seynd ihr mit 
      Lucifer Es sitzet so balde ein Furst des Teuffels zu warten
      Dann ihrer sind p.
      151 - Darum sind deren so viel p.
      157 - Versuch eines Vollstandigen grammatisch Kritischen Wörterbuches, 
      der hochdeutschen mundar
      p. 164 - Heiligen droben und denen heiligen hieniden
      p. 207 - Als schosse man ein Kohr ab
      p. 209 - In Hofnung sie würden
      p. 248 - Wollt ihr wissen was ihr thun 3 pps; cap. 20, v. 93 Ein solch fromm 
      Kind u.s.w. fromm deve ser erro. id. Sie Kanten
      91, em baixo. id Gelffen 121
      p. 257 = Ein solch fromm Kind [Uma criança tão piedosa?]. 
      Creio que fromm aqui é um erro, pois significa piedoso, e não 
      é
      esse o caso.
      273 - Agora, a minha vez: Três Princípios, cap. 13, nº 
      2, l. 5. Zu dieser Stunde wurd sein himmlischer Leib Zu Fleisch, und
      sene strake Kraft Zu Beinen.
      328 - Irdich und Himlisch Mysterium
      p. 330 - : Dass der Glaube und das Gebette ihm helfe sein täglich Brodt 
      aus gebahren.
      130