Da mortificação dos nove sentidos:
Robert Ambelain




Os sentidos são as faculdades (a antiga escolástica denominava-os de aparelhos) que colocam o homem em relação com o mundo exterior, e estão ligados a órgãos de seu corpo físico, os quais são seus instrumentos.
Considera-se, geralmente, apenas cinco sentidos físicos: a visão, o olfato, o paladar, o tato e a audição. A Teologia clássica, acrescenta-lhes dois sentidos internos: a imaginação e a memória. O Iluminismo clássico acrescenta a esse conjunto todo ainda dois sentidos superiores, psíquicos, que são a clarividência e a clariaudiência. Há então três séries de cinco, sete ou nove sentidos, segundo o plano onde os coloquemos com o intuito de estudá-los. É a série de nove que a Alquimia espiritual utiliza evidentemente, e é esta que nós estudaremos.
1 - O TATO:
O sentido do Tato não é perigoso, no mundo profano, a não ser quando ele desperta em nós paixões, ou contatos suscetíveis de ferir nossa saúde ou nossa vida (cirurgias e ferimentos). No mundo espiritual, ele é totalmente diferente. Assim, o contato de uma arma de fogo nas mãos de um adolescente, pode despertar nele um desejo de poder; nas mãos de um caçador ou de um invejoso, o desejo de matar. As carícias constituem, no domínio do Tato, apelos à volúpia dos sentidos, e como tais à Luxúria.
Para o Aspirante, e no domínio da Via Interior, o contato com certos objetos carregados de uma misteriosa potência pode ser eficiente tanto para o bem quanto para o mal. Evita-se pois, todo o contato com os objetos fúnebres (ossadas, crânios), cadáveres (transporte e sepultamento, a título de caridade, faz parte evidentemente de um outro domínio), coisas funerárias (mortalhas, tampa de caixão, terra de cemitério, etc...), manuscritos e livros tratando de magia inferior e suscetíveis de terem recebido uma consagração mágica que lhes torne espiritualmente maléficos. Neste mesmo campo, estão classificados os pantáculos de baixa Magia, objetos rituais vindos de um bruxo de aldeia, de um feiticeiro. A mais forte razão nos preserva da pior injúria ao Plano Divino, colocar as mãos sacrílegas sobre coisas consagradas e santas, onde o contato é vedado aos profanos, presunção que tem muitas vezes causado a ruína espiritual de alguns magistas, embora muito inteligentes. Igualmente, não consentimentos em sofrer, sob um vago pretexto Iniciático, toques em certos pontos corporais suscetíveis de despertar em nós, centros de força, que devem, muito ao contrário, permanecer definitivamente adormecidos. Nada é mais perigoso que este "despertar" psíquico, efetuado por semi profanos que desconhecem o seu alcance, ou que, dissimuladamente, tomam seu "discípulo" como objeto de experiência, sem nenhuma caridade...O sentido do Tato corresponde ao Elemento Terra.
2 - O PALADAR:
A Gula material não é, geralmente, um dos vícios preeminentes nos Aspirantes. É necessário, todavia, vigiar, vencer e reduzir. Mas, sobretudo, o sentido do paladar está a disciplinar, o qual transposto, nos faria dar uma maior importância, em lugar das paixões, às riquezas livrescas, aos ricos e belos relicários, como manuscritos e textos raros, e também à qualidade e ao número de nossos livros. É o Paladar que, uma vez controlado, nos evitará de ceder a tais manifestações, muito sedutoras, onde a doçura de palavras fechadas, o vôo de frases sem profundidade, o ineditismo de teorias assim enunciadas, não fazem senão mascarar o mais completo vazio, coisas que perigam nos afundar em pseudo-ensinamentos sem nenhum caráter Iniciático real.
O sentido do Paladar corresponde à Água elementar. E a Água, com suas misteriosas inteligências, que a cabala denomina de Ondinas, é o domínio da Sensibilidade. Evitemos pois, de ceder a uma susceptibilidade tão sem profundidade. O Amor é uma palavra sem sentido após muito uso indevido, uma palavra que não faz senão dissimular o vazio total. O verdadeiro Amor é construtivo, é o Ágape dos Gregos, ele não supõe indulgência ou falsidade comuns ao Erro, mas o zelo da Justiça e da Verdade.
3 - O OLFATO:
O uso sem moderação de perfumes do mundo profano, a influência que deixamos exercerem sobre nós, são apenas pretexto para satisfazer nossa sensualidade ou nos incitar à volúpia. Ele está também no domínio das combustões aromáticas familiares aos Ocultistas. As emissões perfumadas que se evolam dos incensórios e dos turíbulos são ondas de apelo, destinadas a "mundos" ontologicamente diferentes do nosso. Elas não são destinadas à satisfazer nosso olfato, nem nosso desejo inferior de ambiência mística. Menos ainda para surpreender o profano, dando-lhe a impressão de que possuímos o segredo de certas fumigações misteriosas, e lhe deixando supor que a evolução de seu misticismo e seu aperfeiçoamento espiritual dependem de banais impressões olfativas.
Por outro lado, existem emissões perfumadas suscetíveis de nos fazer tomar consciência de "mundos" e de Entidades Superiores, e outras que são suscetíveis de nos fazer descer em direção oposta: odores sui generis, incitando à sexualidade, perfumes mágicos que nos colocam em contato com planos demoníacos. E estas fumegações devem ser evidentemente evitadas, ou empregadas somente em casos prescritos por nosso Mestre.
O Olfato corresponde ao Ar elementar.
4 - A VISÃO:
Não há acontecimentos suscetíveis de despertar o desejo sexual que devam ser evitados por primeiro. É preciso, ao contrário, jamais exceder-se neste campo. E Saint Clément d'Alexandrie nos disse com justa razão que "Não devemos ter vergonha de órgãos que Deus não teve vergonha de nos dar...". Mas há, por todo mundo, acontecimentos doentios que fazem apelo aos instintos mais grosseiros do ser humano: rinhas de galo, corridas de touro, caçadas, massacres de animais sem justificativas, etc... Em estágio inferior de gravidade, as lutas de boxe e semelhantes, são seguidamente espetáculos pouco elevados para o homem.
Para o Ocultista, pode haver a visão de certos livros, bibliotecas, coleções de objetos, quadros, que excitem a Curiosidade, a Inveja, a Avareza: esquemas misteriosos, textos enigmáticos. Pode-se juntar a isso, a visão de certas roupas ou ornamentos mais ou menos pomposos, que incitem ao Orgulho ou à Inveja; leituras imprudentes (aspecto da Gula, se se deseja adquirir violentamente essas coisas ou livros), ou à Cólera (se nós nos opomos com violência, interior ou exteriormente por contradição), ou à Preguiça (se estas coisas nos incitarem a um incômodo quietismo). Há jornais ou livros que são verdadeiros venenos psíquicos, pelas reações que eles fazem nascer ou suscitam violentamente em nós: a imprensa política notadamente.
5 - A AUDIÇÃO:
Esta mortificação (ainda um termo que evoca invencivelmente a Alquimia prática), ligada àquela da Palavra, nos incita a dizer que não entendemos nada que seja contrário à Caridade, à Pureza ou à Humildade. Mais ainda, nos domínios da Caridade, nada que desperte nos outros ou em nós algum eco capaz de suscitar um ou vários dos sete Pecados Capitais.
Evita-se, então, estender-se muito em relatos de certos fatos que possam desencadear nos outros a Cólera, o Rancor, a Luxúria, a Inveja. E entre os Ocultistas, esta prudência consistirá em não se discorrer longamente sobre certos procedimentos de ação (mágicos, teúrgicos, místicos), sobre o aspecto extraordinário de certas experiências espirituais ou psíquicas, ou sobre a raridade ou interesse de alguns textos ou livros. Isto a fim de não despertar na Alma do Aspirante um desejo de poder, uma curiosidade vã, uma avidez de posse, onde a Inveja, o Orgulho, a Avareza encontram terreno de ação.
Enfim, evitar-se-á o barulho em geral, ambiente no qual a Alma não saberia se encontrar nem se conhecer, as músicas de dança discordantes e não harmônicas, ligadas à sexualidade animal ou aquelas muito marciais, dissolventes de todo clima psíquico (marchas militares, fanfarras de caça, etc...).
A audição é análoga ao Sal Princípio.
Dois sentidos, nós dissemos, complementam o quinário sensual exterior. Iremos estudá-los agora.
6 e 7 - A IMAGINAÇÃO E A MEMÓRIA:
A Imaginação e a Memória são duas faculdades preciosas que fornecem: à inteligência os materiais dos os quais ela tem necessidade para se exercitar e trabalhar, à Sabedoria a possibilidade de expor a Verdade com imagens exemplos que a tornem mais impressionante, mais viva e , por isso mesmo, mais atraente.
Não se trata então, de atrofiar estas faculdades, mas de as disciplinar e de subordinar sua atividade ao império da razão e da vontade. Caso contrário, entregues a si mesmas, , elas povoarão a Alma com uma multidão de recordações e imagens, que a dissiparão e gastarão suas energias, lhe fazendo perder um tempo precioso e lhe suscitando mil tentações e recaídas.
É então absolutamente necessário discipliná-las e colocá-las a serviço das duas Virtudes Sublimais, que são, conforme já dissemos: a Inteligência e a Sabedoria.
Para melhor reprimir as divagações destes dois Sentidos interiores que são a Imaginação e a Memória, nos aplicaremos primeiramente em tirá-las de nossa consciência, desde o início de suas manifestações. As imagens ou as recordações perigosas, nos trazem possibilidades (futuras) ou realidades (passadas) que, nos transportando em meio as tentações do presente, do passado ou do futuro, são, ipso facto, uma fonte de fracassos e de quedas.
Mas, como há, por vezes, uma espécie de determinismo psicológico que nos faz passar das fantasias sem importância aos jogos perigosos de uma repentina imaginação invasora, nós nos preveniremos contra esse perigo rejeitando, imediatamente e de forma incessante, os pensamentos inúteis. Eles nos fazem perder um tempo precioso, e abrem caminho para outros pensamentos infinitamente mais perigosos.
O melhor método para ser bem sucedido neste tipo de "filtração" é, certamente, aplicar-se de forma total ao dever do momento, não importa o quão banal ele seja, por exemplo, o nosso trabalho, o nosso estudo, as nossas ocupações habituais, por mais modestas e materiais que elas sejam. Esta é a melhor maneira de se proceder, concentrando assim toda sua inteligência e sua atividade na ação do momento.
Enfim, a Imaginação e a Memória habitam um terreno que se acha no próprio Aspirante, o das ciências humanas, profanas e ocultas, sem eles, os aspectos do Conhecimento superior lhe permanecerão obscuros. E, também e sobretudo aquele das Escrituras iniciáticas tradicionais, nos quais, pela interpretação do esoterismo, a Imaginação poderá ter acesso às Verdades da Inteligência, e a Memória poderá preparar as Certezas da Sabedoria...
Estes dois Sentidos interiores correspondem, respectivamente a: Imaginação ao Mercúrio Princípio, e a Memória ao Enxofre Princípio.
8 e 9 - A CLARIVIDÊNCIA E A CLARIAUDIÊNCIA:
Não devemos confundir Profecia e Adivinhação. Neste último domínio, as mil e uma formas mânticas permitem, pela interpretação de Entidades mal definidas, jamais do Plano Divino (todas dos "planos" intermediários), acessar de modo razoavelmente exato a um futuro mais ou menos próximo, também (e, mais exatamente), de reencontrar os elementos de um passado mais ou menos próximo.
Neste caso, a Adivinhação se utiliza de uma espécie de convenção pela qual os elementos codificados fazem o adivinho ou a adivinha acessar o modo de expressão de Entidades às quais já nos referimos. Estas se expressam por um simbolismo convencional, arbitrado, implícita ou tacitamente com o adivinho.
De modo oposto, no plano profético, as Escrituras tradicionais se nos apresentam sob três aspectos e três gêneros de interpretação diferentes.
Há primeiramente, o rô'êh, ou vidente, aquele que vê, com os olhos do espírito, aquilo que os outros homens não vêem. Há também o hôzeh, que é análogo ao primeiro, mas que serve mais especificamente para designar os profetas e adivinhos dos falsos deuses. Há enfim o nâbi, ou intérprete de Deus, que não é apenas aquele que vê, mas aquele que fala, não obstante, a linguagem divina. Neste último caso, e na maior parte do tempo, é necessário que seu verbo seja o reflexo de uma audição interior, mesmo que ela seja instantaneamente associada ao verbo do nâbi.
Portanto, o rô'êh é o que vê, exprimindo então em sua linguagem pessoal e de acordo com a necessidade, o que ele viu, ou o que concluiu de sua visão. E o nâbi é o que ouve, aquele cuja audição e elocução se confundem.
O que caracteriza estes dois arautos do Plano Divino, é que eles não se manifestam jamais por coisas sem importância, por problemas individuais ou excessivamente humanos. Eles são suscitados unicamente para fins gerais e para a defesa de interesses superiores e coletivos.
Desta forma, o Aspirante que verá se desenvolver nele uma destas duas faculdades: clarividência ou clariaudiência, deverá evitar colocá-las a serviço de problemas sem interesse espiritual. Não deverá ainda se imaginar como estando em necessária relação psíquica com Deus, com a Virgem Maria, ou com os grandes Arcanjos! E é aí que o dom do discernimento dos espíritos lhe será indispensável. Ele se lembrará que todas as manifestações de Entidades inferiores, e especialmente de Espíritos Tenebrosos, é sempre em um ponto qualquer, marcada pelo grotesco, pela inconseqüência, onde residem os gérmens da anarquia. Se os períodos de manifestação destas faculdades coincidem com um clima geral interior imoral ou amoral, se a sexualidade se revela muito exigente, se as teorias de facilidades acompanham este gênero de Fenômenos, que o Aspirante saiba bem que está sendo joguete de Entidades inferiores. Ainda mais se ele emite teorias particulares, favorecendo assim seu orgulho, se tem a impressão de ter sido escolhido por seus méritos e por suas qualidades intelectuais, se se crê chamado à modificar ou completar um corpo religioso qualquer, na verdade para deturpar os ensinamentos tradicionais, conhecidos por sua excelência e sua alta espiritualidade. O que caracteriza de fato o profetismo, é que integrado no quadro de uma Revelação, se ele fala realmente em nome dela, não saberia transformar por ela um espírito de contradição e uma fonte de desordem
O profeta é sempre o "possuído" do Espírito Santo, o adivinho é sempre o "possuído" de um Espírito Intermediário, o médium é sempre o "possuído" de um Morto. Situar as fontes de suas vaticinações respectivas, é situar o nível de suas espiritualidades. A Clarividência corresponde ao Mercúrio dos Sábios, e a Clariaudiência ao Enxofre dos Sábios.
Em conclusão, a mortificação dos nove Sentidos do Homem deve abranger o conjunto de suas atividades biológicas e psíquicas, portanto, sobre o Corpo e sobre a Alma. Pois é o Homem como um todo que, se não for absolutamente disciplinado, estará vulnerável à queda.
Sem dúvida, não é verdadeiro dizer que é a vontade quem peca, mas ela tem por cúmplices e por instrumentos o Corpo, com seus sentidos exteriores, e a Alma com seus sentidos interiores. Então, novamente, o Espírito é prisioneiro, e de uma prisão ainda mais sombria que a de antes.