É tempo do Novo Homem começar sua missão

Louis Claude de Saint Martin - O filosofo Desconhecido


É tempo do Novo Homem começar sua missão. Sua idade terrestre está cumprida. Sua idade celeste vai começar. A primeira lei a que ele vai se submeter ao entrar nessa idade celeste, é o batismo corporal, e é necessário que receba esse batismo da mão do seu guia, para em seguida receber o batismo divino da mão do Criador. É o nosso companheiro fiel que está encarregado de realizar em nós esse batismo corporal, porque sua função é nos defender, nos preservar, nos purificar de tudo o que há de heterogêneo ao nosso redor, a fim de romper a barreira que nos separa de nosso único e universal princípio de reação, que é a divindade.

Contudo, esse batismo que chamamos de corporal não recai sobre a forma exterior do corpo, porque essa forma tem ações de sua ordem para cuidar dela e batizá-la segundo as suas medidas. E mesmo se essa forma não estivesse pura em seus elementos exteriores, o batismo a que nos referimos não poderia ter lugar, porque ele recai sobre os princípios da forma, e não poderia chegar até esses princípios, se a forma exterior lhe oferecesse quaisquer obstáculos, devido às suas nódoas. Ao mesmo tempo, esse batismo se realiza por meio da água que é indicada fisicamente pela água elementar que todo mundo sabe ser o princípio de toda corporificação material.

É sem dúvida uma vergonha e uma humilhação para nós, termos que receber esse batismo corporal regenerador pela mão de uma criatura espiritual, da qual somos destinados, um dia, a ser os mestres e os juizes, pois havemos de julgar os anjos e a própria justiça (I Epistola aos Coríntios, 6:3.). Mas essa é a conseqüência da imensa transposição que se faz no momento do pecado e a misericórdia divina nos concede uma graça infinitamente grande, ao permitir que a mão da criatura espiritual rompa nossos grilhões, para que possamos receber a vida superior e criadora da qual estamos tão prodigiosamente afastados.

Esse anjo fiel, cheio de amor por nós, deseja certamente com muito ardor realizar em nós essa obra salutar, mas o deseja para seu próprio benefício, porque, segundo o que foi dito anteriormente, ele só pode gozar a Vida Divina por nosso intermédio. Não obstante, como todo o seu ser é humildade, ele espera, em sua doce paciência, que os momentos sejam chegados, que as medidas estejam no ponto, e, sobretudo, que lhe seja dada a ordem de cumprir a sua obra. Porque ele se dedicou a obediência, oferecendo-nos, assim, o primeiro exemplo de como nos devemos conduzir perante Deus.

Todos esses movimentos se passaram em São João Batista, quando o salvador veio encontrá-lo perto do Jordão para ser batizado por ele. Ele sabia que aquele que seria enviado deveria ser batizado pelo espírito e pelo fogo. Sabia que não era digno de desamarrar o cordão dos seus sapatos. Não ousava, por humildade, batizar o Senhor. Somente se determinou a isso quando recebeu a ordem do próprio Senhor. E esse São João nos é mostrado no evangelho como caminhando no espírito e na virtude de Elias, ou como sendo o próprio Elias, isto é, o espírito do Senhor. Também era ele o precursor.

Quando esse batismo corporal é realizado em nós pela água do espírito, o Novo Homem sai das águas em que estava mergulhado, e quando põe o pé sobre a terra uma voz do céu se faz ouvir e diz: Este é o meu Filho bem-amado no qual depositei toda a minha afeição. Até então esse Novo Homem era o Filho de Deus, pois fora concebido pelo espírito e por esse mesmo espírito nascera. Mas o seu nome e a sua família divina não haviam sido promulgados, e enquanto essa barreira que devia ceder à água do espírito não tivesse sido rompida, o Novo Homem não poderia receber de seu Pai essa declaração autêntica, em que ele o reconhecia como seu Filho, assegurando-lhe não só a sua existência entre as nações, mas também direitos imutáveis à sua legítima herança.

Só então a divindade começa realmente a nos penetrar, e temos a esperança de ver descer sobre nós os três princípios divinos que virão se estabelecer, para realizar, por sua suprema indissolubilidade, uma união íntima dos três princípios que nos constituem individualmente, união que, a partir desses três princípios, deve formar em nós um único princípio e manifestá-los sempre nessa unidade forte e harmoniosa, em qualquer lugar, em quaisquer circunstâncias, em qualquer obra e em qualquer parte de nós que necessitar deles.

Essa entrada de Deus em nós é o principal desejo e o objetivo essencial da divindade. Temos apenas uma idéia muito vaga dos esforços que ela faz para cumprir esse objetivo. E se há qualquer coisa de lamentável em nossa existência, é sentir, é experimentar que impedimos o acesso dessa divindade, é sentir fisicamente que ela circula em torno de nós, para encontrar um caminho pelo qual possa se introduzir em nosso coração, e que nós, ao contrário, nos esforçamos para lhe estreitar essa via, obrigando-a a se contundir e a sangrar para penetrar em nós e nos trazermos a vida; é sentir que o amor que ela tem por nós lhe torna suportáveis todas essas dores, e que ela nem ao menos lamenta, que não se aborrece de verter lágrimas desde que o fogo da sua caridade supere os obstáculos e triunfe na santa glória do seu amor, enquanto nós, nas nossas trevas abomináveis e nos nossos caminhos plenos de iniqüidade, fechamos os ouvidos às suas solicitações permanecemos insensíveis à sua ternura.

Contudo, ela tem o cuidado de nos chamar, de nos fazer levantar do meio dos mortos, de nos livrar da lama e das doenças nas quais estamos atolados, de nos tornar suficientemente luminosos pelo fogo do seu espírito, para que possamos servir de guias uns dos outros, e de pontes em nossos abismos, e sair juntos por seu poder divino, desse sepulcro no qual não passamos de verdadeiros cadáveres.

Ora, o menor raio da sua palavra é suficiente para operar em nós esse prodígio, para nos encher totalmente de força, de amor e de luz, substituindo esse estado tenebroso e insignificante, próprio da região que habitamos, pelas virtudes e faculdades do caráter. E é o raio dessa palavra que nos esforçamos para expulsar de nós, como se fosse nos trazer a morte.

O Novo Homem não quis seguir esses caminhos errados. Ele foi concebido em Nazaré, viveu entre os nazarenos e, segundo os usos e as leis dos nazarenos, quando chegou a idade, foi levado até o Jordão, que é a fronteira da terra prometida. Lá ele se submeteu humildemente à mão do seu guia e do seu precursor que se abaixou para pegar a água do rio e a espalhou sobre a cabeça e sobre toda a pessoa interior daquele nazareno.

Esse batismo invisível, do qual o batismo visível do salvador nos dá a compreensão, tem um duplo efeito sobre o Novo Homem. O Novo Homem não apenas ouve, como o salvador, estas palavras consoladoras: "Este é o meu Filho bem-amado no qual depositei toda a minha afeição, como também descobre, da mesma forma que o salvador, que na profundeza do seu ser, tinha tesouros escondidos, dos quais não ignorava o valor, mas que não lhes tinham sido ainda revelados, e que só o poderiam ser através desse batismo invisível, que não pode ser administrado senão pela mão do seu guia". Desde o instante em que esse batismo invisível lhe é administrado, a voz divina pode entrar nele como em sua própria forma e penetrar em todas as faculdades divinas que o constituem. E à medida que o penetra assim, em todas as suas faculdades, ele descobre em si mesmo todas as riquezas de que é dotado pela sua natureza divina e o emprego que deve fazer dessas riquezas, para a glória daquele de quem as recebeu.

Essas riquezas consistem, principalmente, em sete canais espirituais que esperam todos a ordenação sacramental, para retomarem a sua atividade e para se tornarem novamente os órgãos da fonte suprema, da qual devem transportar as águas fertilizantes a todas as regiões assoladas pela esterilidade. Esses canais espirituais tem contra si a mais perfeita correspondência, e ainda que cada uma delas tenha uma característica e uma propriedade diferente, um não pode agir sem o concurso dos outros, ou sem que suas relações com os outros não estejam determinadas. É assim que, pela manifestação que a verdade universal nos oferece na harmonia musical, nenhum som pode existir sem que suas relações sejam imediatamente estabelecidas com todos os outros sons.

Esse é o instrumento divino que a fonte superior confiou ao Novo Homem, ou melhor, quis recuperar nele para colocá-lo em condições de celebrar de novo, através de cantos regulares, a glória do seu autor, do seu mestre e do seu Pai. Obra que o homem não pode completar a não ser com o auxílio desse instrumento espiritual, e ligado em todas as suas harmonias, porque como é a unidade que ele deve celebrar, não poderia fazê-lo com exatidão, se não tivesse na mão o representativo dessa unidade.
Obra que jamais teria sido interrompida, se o homem tivesse seguido os planos do seu destino original, mas que, a despeito da interrupção que ela suportou pelo poder cruel que o obstruiu em nós esses preciosos canais, está sempre pronta a reviver e a desenvolver todas as maravilhas das quais é suscetível, desde que o homem se proponha sinceramente a reunir as condições, pelos seus esforços constantes e a sua íntima humildade, de receber o batismo, invisível do seu guia, o único que o pode conduzir às portas da região da vida.