Discurso iniciático relativo a uma iniciação martinista
(reunião do 3° grau)


Foste investido sucessivamente nos três graus hierárquicos de nossa Ordem. Nós te saudamos S I ,(110) e quando houveres transcrito nossos ensinamentos e meditado sobre eles tornar-te-ás, por tua vez, Iniciador. Em tuas mãos fiéis será depositada uma importante missão: terás a incumbência, e a honra, de formar um grupo de que serás, perante tua consciência e perante a Humanidade Divina, o Pai intelectual e, quando se apresentar o ensejo, o tutor moral.
Não procuramos, aqui, impingir-te convicções dogmáticas. Pouco importa que sigas na esteira do materialismo, do espiritualismo ou do idealismo; pouco importa que professes o Cristianismo ou o Budismo; pouco importa que te proclames livre pensador ou que preconizes mesmo o ceticismo absoluto. Nada disso nos é relevante. Não melindraremos teu coração, molestando teu espírito em virtude de problemas que só terás de resolver segundo tua consciência e no silêncio solene de tuas paixões tranqüilizadas.
Imbuído de um profundo amor por teus irmãos humanos, não procures jamais dissolver os liames de solidariedade que te vinculam estreitamente ao Reino Hominal considerado em sua síntese; és de uma religião suprema e verdadeiramente universal(111), pois é ela que se manifesta e se impõe (multiforme, bem verdade, porém essencialmente idêntica a si mesma), sob os véus de todos os cultos esotéricos do Ocidente, como também do Oriente.
Psicólogo, dá a esse sentimento o nome que quiseres: Amor, Solidariedade, Altruísmo, Fraternidade, Caridade;
Economista ou Filósofo, chama-o de tendência ao Socialismo, se desejares... ao Coletivismo, ao Comunismo... de nada importam as palavras!
Místico, honra esse sentimento sob as denominações de Mãe Divina ou Espírito Santo.
Mas, quem quer que sejas, não esqueças jamais que, em todas as religiões verdadeiras e realmente profundas, isto é, calcadas no Esoterismo, a prática desse sentimento é o ensinamento primeiro, capital, essencial, desse mesmo Esoterismo.
A busca sincera e desinteressada da Verdade: eis o que teu Espírito deve a si mesmo; fraternal mansuetude com relação aos outros homens: eis o que teu Coração deve ao próximo. Com exceção desses dois deveres, nossa Ordem não pretende prescrever-te quaisquer outros, pelo menos não de maneira imperativa. Nenhum dogma filosófico ou religioso impõe-se à tua fé. Quanto à doutrina cujos princípios cardeais te apresentamos de forma concisa, pedimos apenas que medites sobre ela à vontade de imparcialmente. É só pela via da persuasão que a Verdade tradicional deseja conquistar-te em prol de sua causa!
Abrimos sob teus olhos os selos do Livro. Todavia, cabe a ti aprender primeiro a soletrar a Letra, e depois penetrar o Espírito dos mistérios que este livro encerra.
Nós te oferecemos o começo, e aqui termina o papel de teus Iniciadores. Se tu, por ti mesmo, chegares à compreensão dos Arcanos, merecerás o título de Adepto. Deves saber, entretanto, que seria inútil que os mais sábios mestres te revelassem as supremas fórmulas da ciência e do poder mágico; a Verdade Oculta não se deixaria transmitir num discurso: cada um deve invocá-la, criá-la e desenvolvê-la em si.
Tu és Iniciatus: aquele que outros colocaram na senda. Esforça-te para tornar-te Adeptus: aquele que conquistou a Ciência por si próprio - em suma, o filho de suas obras.
Nossa Ordem, conforme eu te disse, limita suas pretensões à esperança de fecundar bons terrenos, lançando a boa semente por toda parte: os ensinamentos de nossa Ordem são precisos, mas basilares, constituindo o alicerce sobre o qual se edificará um estudo eminentemente pessoal. Quer este programa satisfaça a tua ambição, quer o destino te empurre, algum dia, ao umbral do templo misterioso em que resplandece há séculos o luminoso repositório do Esoterismo Ocidental, escuta as derradeiras palavras de teus Irmãos desconhecidos: que elas possam germinar no teu espírito e frutificar em tua alma.
Afirmo que podes encontrar, aí, o critério infalível do Ocultismo e que a chave da síntese esotérica está aí, e não em outro lugar. Mas de que serve insistir se podes compreender e se queres crer? Caso contrário, por que ainda persistir?
És inteiramente livre para tomar por alegoria mística ou fábula literária sem profundidade aquilo que me resta a dizer. Podes até mesmo entender que se trate de uma audaciosa impostura... És livre. Todavia. ESCUTA. Germine ou apodreça a semente, irei lançá-la na terra.
No princípio, na raiz do Ser, é o Absoluto. O Absoluto - que as religiões denominam Deus - é insuscetível de ser conceituado, e quem quer que pretenda defini-lo desnatura sua noção, colocando-lhe limites: "Um Deus definido é um Deus finito"(112)
Porém, desse insondável Absoluto emana eternamente a Díade andrógina, formada por dois princípios indissoluvelmente unidos: o Espírito Vivificador e a Alma viva universal .
O mistério de sua união constitui o Grande Arcano do Verbo. Ora, o Verbo é o Homem coletivo considerado em sua síntese divina antes de sua desintegração. É o Adão Celeste antes de sua queda, antes que este Ser Universal se modalizasse, passando da Unidade ao Número, do Absoluto ao Relativo, da Coletividade ao Individualismo, do Infinito ao Espaço e da Eternidade ao Tempo.
Sobre a Queda de Adão, eis algumas noções do ensinamento tradicional. Incitados por um móbil interior sobre cuja natureza intrínseca devemos silenciar aqui, móbil que Moisés denomina VIH NAHASH e que definiremos, se quiseres, como sendo a sede egoística da existência individual, um grande número de Verbos fragmentários, consciências potenciais vagamente despertadas em forma de emanação no seio do Verbo Absoluto, separou-se deste Verbo que o continha.
Eles se destacaram - ínfimos submúltiplos - da Unidade-mãe que os havia criado. Simples raios deste sol oculto, dardejaram infinitamente nas trevas sua individualidade nascente, individualidade que desejavam ver independente de todo princípio anterior. Em suma, almejavam autonomia.
Contudo, como o raio luminoso goza apenas de uma existência relativa, com relação ao lume que lhe deu origem, esses Verbos, igualmente relativos, despojados de princípio autodivino e de luz própria, obscureceram-se na medida em que se distanciaram do Verbo absoluto.
Eles se precipitaram na matéria, falácia da substância em delírio de objetividade; na matéria, que é, para o Não-Ser, aquilo que o Espírito é para o Ser. Desceram até a existência elementar: até a animalidade, até o vegetal, até o mineral...(113) Assim nasceu a matéria, que foi logo elaborada pelo Espírito, e o Universo concreto tomou um caminho ascendente, que remonta da pedra, apta à cristalização, até o homem, suscetível de pensar, orar, aprovar o inteligível e se devotar a seu semelhante.
Essa repercussão sensível do Espírito cativo, que sublima as formas progressivas da Matéria e da Vida para empreender a saída de sua prisão, é constatada e estudada, sob o nome de Evolução, pela Ciência Contemporânea.
A Evolução é a Redenção universal do Espírito. Evoluindo, o Espírito reascende.
Todavia, antes de reascender, o Espírito decaíra. É o que chamamos de Involução.
Como o submúltiplo verbal se deteve em detertninado ponto de sua queda? Que Força permitiu que retrocedesse? Como a consciência adormecida de sua divindade coletiva pôde, enfim, despertar nele sob a forma ainda bastante imperfeita da Sociabilidade? Há tantos mistérios profundos, que não poderíamos abordá-los aqui. Se a Providência estiver contigo, conseguirás compreendê-los.
Aqui me detenho. Já foste suficientemente conduzido pela senda. Eis-te munido de uma bússola oculta que, se não evitar que te desvies, pelo menos permitirá que sempre reencontres o caminho certo.
São exatos esses poucos dados sobre a grande obra(114) da destinação humana. Cabe a ti inferir o que resta e oferecer solução ao problema. Porém, meu Irmão - e é pela terceira e última vez que te concito a isto -, compreende bem que o Altruísmo é a única senda que conduz ao fim único e derradeiro: a reintegração dos submúltiplos na Unidade divina. A única doutrina que acena com o meio para a consecução dessa finalidade, meio esse consistente no dilaceramento dos entraves materiais para a ascensão, através das hierarquias superiores, rumo ao astro central da regeneração e da paz.
Jamais esqueças que o Universal Adão é um Todo Homogêneo, um Ser vivo, do qual somos os átomos orgânicos e as células constitutivas. Todos nós vivemos uns nos outros, uns pelos outros, e, caso fôssemos salvos individualmente (para falar a linguagem cristã), cessaríamos de lutar só quando todos os nossos irmãos fossem salvos como nós.
O Egoísmo inteligente conclui, então, como conclui a Ciência tradicional: a fraternidade universal não é um artifício, mas uma realidade. Quem trabalha para os outros trabalha para si mesmo; quem mata ou fere seu próximo fere e mata a si próprio; quem ultraja o semelhante insulta a si mesmo.
Que esses termos místicos não te amedrontem. A alta doutrina nada tem de arbitrário. Somos os matemáticos da antologia, os algebristas da metafísica. Lembra-te, Filho da Terra, que tua grande ambição deve ser reconquistar o Éden zodiacal de onde jamais deverias ter descido, e, finalmente, reingressar na Inefável Unidade, FORA DA QUAL NADA ÉS e no seio da qual encontrarás, após tantos trabalhos e provações, a paz celeste, o sono consciente que os Hindus conhecem por NIRVANA: a beatitude suprema da Onisciência em Deus.