A esperança na Promessa Divina.

Louis Claude de Saint Martin


Mas o que pode amenizar, se não remover as angústias do Homem de Desejo, desta lamentável perspectiva, e dar-lhe consolo e esperança para o futuro, é que o pacto divino tem sido também rescrito nas essências desta planta tenra, e traz consigo um remédio específico que não só pode reprimir os germens desordenados, que talvez já a tenha infectado, mas que provoca o florescimento dos germens divinos, dos quais também é depositária por direito de origem.
Sim, não podemos venerar demasiadamente a Sabedoria Suprema, quando vemos a suave progressão com a qual Ela procura nos guiar continuamente ao ponto mais alto, pois é para isto que recebemos vida e existência; e se os olhos inteligentes, amantes do que é bom, observassem cuidadosamente a infância do homem e procurassem, com os altos poderes, trazer os tesouros com os quais o pacto divino tem enriquecido a planta jovem, até a maturidade, não haveria nenhuma espécie de êxtase ou deleite que não se esperasse, em qualquer estágio de sua existência.
Todos estes passos do Homem poderiam ser pacíficos, todos os seus movimentos conectados, todos os seus níveis de progresso poderiam ser unidos insensivelmente uns aos outros, e a satisfação divina acompanharia todos, pois esta satisfação seria o objetivo do progresso, assim como foi o princípio; em poucas palavras, o Homem chegaria, quase que sem dor, problemas ou esforço, a uma alta perspicácia, inteligência, sabedoria, virtude e poder, da qual parece estar tão longe, em sua tenra idade, a ponto de não acreditarmos que isto possa ser possível algum dia.
A instrução do jovem.
No entanto, seria bom ensinar a esta jovem planta uma lição muito útil e de um caráter sombrio. Por Deus! a Sabedoria, que deve, trazer de si mesma tanta satisfação a nós, é obrigada a se fechar para nós, com trajes de luto e tristeza; nossa sabedoria deve ser agora o sofrimento, ao invés do júbilo, pois o crime dividiu todas as coisas e fez duas sabedorias. A segunda, ou a posterior destas sabedorias, não é vida, mas concentra a vida em nós, e nos prepara para receber vida, ou a primeira sabedoria, a fonte de toda satisfação; é esta sublime primeira Sabedoria que cria e mantém todas as coisas. É por esta razão que ela é sempre jovem.
Esta jovem planta também deveria ser ensinada, na medida em que cresce, que se a Sabedoria Suprema não pode nos permitir, neste plano, olhar a Jerusalém celeste propriamente dita, tal como existia primeiramente na alma do Homem, Ela nos permite, ao menos que observemos, algumas vezes, seus planos, o que basta para nos preencher com o mais doce consolo.
Seria aconselhável ensiná-lo e fazê-lo se convencer, através de sua própria experiência, que a oração deve ser uma companheira espiritual contínua; pois devemos orar somente com Deus, e nossa oração não merece nem mesmo este nome, enquanto Deus não orar em nós, pois só assim faremos nossas orações no reino de Deus.
Seria bom ensiná-lo que os médicos supostamente conhecem a natureza e propriedades da medicina, e que têm apurado todas as virtudes de seus remédios, sendo capazes de curar qualquer doença; que esta simples observação pode esclarecê-lo a respeito do destino original do Homem, o que deve, sem dúvida, capacitá-lo a curar todas as desordens, e conhecer cada substância da Natureza, pois todas estão sujeitas ao Homem. É preciso depreender disto quão vergonhosa é a degradação a que o Homem tem se submetido.
Seria bom dizer-lhe que o homem da verdade deve ser separado dos Homens da Torrente; que ele teria muito a perder ao misturar-se com eles e, acima de tudo, que aquilo que coloca em risco não lhe pertence, mas ao seu mestre.
Seria bom alertá-lo que não há perigo maior para um homem em sua guarda, entre homens que estão perdidos, do que haveria entre os espíritos maus; porque agora, os homens combinam dois poderes, dos quais abusam à vontade, ao encobrirem um sob o outro, enquanto que o diabo só possui um; além disso, ele não tem forma de si mesmo, e é obrigado a criar uma a cada instante, para servir como receptáculo de seu poder; mas o homem carrega consigo, em todo lugar, uma forma que é, ao mesmo tempo, o receptáculo e o instrumento de seu duplo poder.
Sobre este assunto seria bom dizer-lhe que há muitos espíritos errantes que procuram revestir-se de nós, enquanto estamos quase nus, apesar de nossos corpos, e que o Homem não tem nada para fazer aqui embaixo senão buscar revestir-se com seu primeiro corpo, no qual a Divindade pode habitar.
Seria bom dizer-lhe que a castidade encerra, ao mesmo tempo, a pureza do corpo, a Justiça do espírito, o fervor do coração e a atividade da alma e do amor; pois ela abarca, geralmente, todas as virtudes e é a ausência de qualquer vício.
Seria bom dizer-lhe que as virtudes nós cultivamos e a inteligência nós adquirimos, há tantas lâmpadas que acendemos à nossa volta que se queimam quando dormimos.
Seria bom dizer-lhe que quase todas as criaturas na Natureza são uma espécie de humilhação para o Homem; pois são ativas, vigilantes, ordenadas, e só o Homem é passivo, indiferente, covarde e em alguns aspectos uma monstruosidade.
Seria bom dizer-lhe que, embora Deus governe todas as coisas sensíveis, Ele está tão distante delas que nossa natureza terrestre e nossa parte material não pode compreender como podemos tornar Seu reino conhecido entre os Gentios, já que nossas palavras espirituais são ininteligíveis até mesmo aos nossos próprios sentidos. E que devemos estar completamente renovados e exaltados de nossos sentidos e de todas as coisas figurativas, antes de nos tornarmos as testemunhas espirituais do Verbo, e entramos no Ministério Espiritual do Homem.
Seria bom dizer-lhe que os rios fluem, de seu princípio ao seu destino, sem saberem quando atravessam opulentas cidades, ou pobres aldeias, áridos desertos ou terras férteis embelezadas pela Natureza e pelo esforço do homem; e que, tal deve ser o ardor do Homem de Desejo, que ele deve, de toda maneira, tender ao fim que lhe esperava, sem indagar o que há nas margens de sua rota terrestre.
Seria bom dizer-lhe que quando um Homem de Desejo trabalha em si mesmo, ele realmente trabalha por todos os homens, uma vez que ele se empenha, e desta forma contribui, em mostrar-lhes a imagem e semelhança de Deus na pureza; e conhecer esta imagem e semelhança é tudo o que querem os homens.
Seria bom dizer-lhe que quando os Deístas reconhecem a existência de um Ser Supremo, e ainda assim não permitem que Ele encarregue-se do governo deste mundo, e nem dos homens que nele habitam, pode-se dizer que o erro vem do fato de terem se tornado materiais e selvagens; que, de fato, Deus não se intromete com a matéria e muito menos com os selvagens, mas os tem governado através de Seus poderes; que, desta forma, os Deístas enfraquecem suas almas, que Deus não mais Se aproxima deles para guiá-los, pois Ele não pode se satisfazer com nada além de Sua própria imagem e nem Se preocupa com nada mais, é por isto que afirmam que Deus não se envolve com o governo da humanidade; pois, de fato, no estado de degradação e trevas em que os Deístas permitiram-se afundar, Deus não mais se envolve com eles.
Seria bom dizer-lhe que a prova de que verdadeiros pensamentos não vêm de nós mesmos é que se os criássemos, não mais seríamos dependentes de Deus; que nem mesmo os falsos pensamentos vêm de nós; mas que somos meramente colocados entre os dois para distinguirmos entre suas origens divina e infernal; que os homens não podem comunicar nada entre eles, senão ao tornarem seus pensamentos perceptíveis através das palavras ou sinais equivalentes; como conseqüência todo pensamento que chega até nós não vem do que é externamente sensível, apesar de sua comunicação e expressão, embora nem sempre os ouvimos materialmente; os bebês são um exemplo disto: não podemos negar que possuem percepção, mas seria em vão tentar exprimir nossos pensamentos a eles através de palavras, sabemos que não ouvirão os sons; numa idade um pouco mais avançada as crianças distinguem os sons, mas não compreendem os significados; por fim, num estado mais perfeito elas tanto escutam os sons como compreendem seus significados, recebendo, assim, a comunicação interna de nossos pensamentos; de fato, agimos diante dos bebês ao invés de falarmos com eles, mas certamente eles não enxergam e nem compreendem; em princípio, eles só se afetam através dos sentidos mais grosseiros, o tato, o cheiro, o sabor; a este incipiente estado e idade segue-se o uso de sinais e da audição; por fim, vem a fala, que, contudo, está sujeita a uma progressão bastante lenta, pois seu início são os gritos, e isto é uma lição para que o Homem se torne humilde.
Seria bom dizer-lhe que os grandes pensamentos que Deus freqüentemente nos envia durante o doloroso curso de nossa expiação, são inúmeras testemunhas que podemos trazer diante Dele quando oramos: e nada lhe dará maior alegria do que aquele pensamento de que devemos fazer uso deles, e lembrá-lo de Suas promessas e consolos.
Seria bom dizer-lhe que assim como Deus estava só quando fez o Homem, da mesma forma, estará só ao instrui-lo e guiá-lo em Suas profundezas divinas.
Seria bom alertá-lo sobre a grande prudência que deveria ter na administração das riquezas divinas que possam ser confiadas a ele pela generosidade Suprema, uma vez que não caminhará muito longe na senda da Verdade antes de sentir que há certas coisas que não podem ser ditas, mesmo ao Espírito, já que são mais elevados do que o Espírito.
Seria bom dizer-lhe que há uma linha e uma ordem de instrução, da qual nunca deve se desviar ao tentar direcionar a compreensão de seus semelhantes, que é a seguinte:
nosso pensamento, um espelho divino;
existência de um Ser superior, provada por este espelho quando está puro e limpo;
nossas privações, provam que há uma Justiça;
esta Justiça prova que tem havido uma corrupção livre e voluntária (alteração);
Amor Supremo, despertar;
leis de geração, dadas sob forma de diferentes pactos (alianças);
tempo de retorno;
vida espiritual;
Luz;
fala (palavra);
união;
entrada em repouso.
Tal deveria ser o curso de ensino, se o professor não enganar, nem adiar ou extraviar suas disciplinas.
Seria bom dizer-lhe que não se faça a ilusão de que pode sempre ter sabedoria em sua memória, ou adquiri-la pelo mero cultivo de sua inteligência; a sabedoria é como o amor materno, que só pode ser sentido após as fadigas da gestação e as dores do parto.
Finalmente, seria bom dizer-lhe que não é suficiente para um homem adquirir a luz da sabedoria; ele deve mantê-la quando alcançá-la, o que é incomparavelmente mais difícil.