Sobre a insuflação da alma e do espírito

Jacob Boehme



16. O corpo é uma semelhança, de acordo com a substancialidade de Deus, e a alma e o espírito uma semelhança, de acordo com a Santíssima Trindade. Deus deu ao corpo sua substancialidade a partir dos três Princípios, e o espírito e a alma a partir da fonte do Espírito ternário da Divindade Onipresente. Devemos compreender que a alma com sua imagem e seu espírito exterior surgiu dos três Princípios, sendo soprada e introduzida no corpo, como afirma Moisés: "Deus soprou nas narinas do homem o sopro da vida, e o homem tornou-se uma alma vivente" (Gen. 2,7).

17. Ora, o sopro e o espírito de Deus incluem três tipos de fontes. No primeiro Princípio é um sopro-ígneo ou espírito, que consiste na verdadeira causa da vida e que encontra-se na qualidade do Pai, como no centro da natureza ígnea. No segundo Princípio, o sopro e o espírito de Deus é a luz-flamejante ou espírito-amor, o verdadeiro espírito da Cabeça de Deus, cujo espírito é conhecido como Deus o Espírito Santo. No terceiro Princípio, como na similitude de Deus, o sopro de Deus é o espírito-ar, sobre o qual o Espírito Santo se movimenta, como diz Davi: "O Senhor caminha sobre as asas do vento" (Ps. Civ. 3); e Moisés: "O Espírito de Deus moveu-se pela face das águas, sobre o golfo de onde surge o vento (spiritus mundi) (Gen.1,2).

18. Esse espírito ternário contém o Deus completo soprado e introduzido na imagem criada, a partir de todos os três Princípios. Primeiro, o espírito-fogo, que Deus introduziu no homem de dentro, não pelas narinas, mas no coração, na dupla tintura do sangue interno e externo, embora o exterior não fosse conhecido, pois era um mistério. O sangue interior contudo, estava em evidência e possuía duas tinturas, uma que derivava-se do fogo e outra da luz. Esse espírito-fogo é a verdadeira alma essencial, pois possui o centrum naturae com suas quatro formas como seu fogo-poder. Ela mesma inflama o fogo, transformando-se na roda das essências.

19. Este não é, de fato, a verdadeira imagem de acordo com a Divindade, mas um fogo mágico e sem fim, que nunca teve um início, nem tampouco terá fim. Compreenda que Deus introduziu o eterno fogo sem origem (que desde a eternidade existe por si só, na Magia eterna, ou seja, na vontade de Deus, no desejo da natureza eterna, como um eterno centro parturiente) nesta imagem, que deveria ser a Sua imagem.

20. Em segundo lugar, ao mesmo tempo, o fogo essencial da alma, o Espírito Santo, introduziu a luz-flamejante do espírito-amor, de si mesmo no homem, unicamente no segundo Princípio, onde a Divindade é compreendida; não nas narinas, mas como o fogo e a luz encontram-se suspensos um para o outro sendo um, embora em duas fontes. Assim o bom espírito-amor foi introduzido em seu coração, com o espírito-fogo essencial, e cada fonte trouxe consigo sua tintura própria, como uma vida especial de si mesma. Na tintura-amor compreende-se o verdadeiro espírito, a imagem de Deus, uma semelhança da pura e verdadeira Divindade, que assemelha-se ao homem completo e preenche todo o homem, mas em seu Princípio.

21. A alma é, por si só, um olho de fogo ou um espelho de fogo, no qual a Divindade se manifestou, segundo o Primeiro Princípio, ou seja, de acordo com a natureza; pois ela é uma criatura, sem ter sido criada como semelhança. Mas sua imagem, gerada a partir de seu olho de fogo na luz, é a verdadeira criatura, por causa da qual Deus tornou-se homem e trouxe-a novamente para o santo ternário, resgatando-a da cólera da Natureza eterna.

22. Certamente, a alma e sua imagem são juntas um espírito; mas a alma é um fogo faminto e deve ter substância, caso contrário torna-se um abismo obscuro e faminto, como ocorreu com os demônios. A alma produz o fogo e a vida, e a brandura da imagem produz o amor e a essencialidade celeste. Assim, o fogo da alma é moderado e repleto de amor; pois a imagem contém água da fonte de Deus, e flui para a vida eterna; essa água é amor e brandura, extraindo estas qualidades da Majestade de Deus. Como se pode ver num fogo aceso, o fogo em si possui qualidade fervente e ígnea, e a luz uma qualidade branda e graciosa; e como nas profundezas deste mundo, a água é produzida da luz e do ar, o mesmo ocorre aqui.

23. Em terceiro lugar, Deus soprou nas narinas do homem, ao mesmo tempo e de uma só vez, o espírito deste mundo, com a fonte das estrelas e dos elementos, ou seja, o ar (spiritus mundi). Ele deveria ser um administrador no reino externo e revelar as maravilhas do mundo exterior, foi para este fim que Deus criou o homem também na vida exterior. Mas o espírito exterior não deveria transgredir a imagem de Deus, nem a imagem de Deus deveria abrigar em si o espírito exterior, permitindo que este governasse sobre Si, pois seu alimento provinha do Verbo e poder de Deus. O corpo exterior recebia o alimento paradisíaco- que não era tomado no estômago ou carcaça, já que o homem não possuía este apêndice. Além disso, ele não possuía forma masculina ou feminina, pois era os dois, contendo as duas tinturas, ou seja, a da alma e a do espírito, do fogo e da luz, e deveria produzir de si mesmo um outro homem, segundo a sua semelhança. Ele era uma virgem casta no puro amor; amava a si mesmo e se fazia fecundo pela imaginação, e desta forma ocorria a sua reprodução. Ele era o senhor das estrelas e dos elementos, a semelhança de Deus. Como Deus habita nas estrelas e nos elementos, sem que nada O apreenda, Ele reina sobre todas as coisas: da mesma forma foi criado o homem. A fonte terrestre não encontrava-se totalmente ativa nele. De fato, ele possuía o espírito-ar, mas o frio e o calor não o afetava, pois a essencialidade de Deus tudo penetrava. Como o Paraíso germinava e florescia pela terra, também a essencialidade celeste cresce no ser externo de seu corpo e espírito exterior. O que parece estranho a nós na vida terrestre, certamente é possível em Deus.

24. Em quarto lugar, através da introdução de sua pura imagem celeste no Espírito de Deus, Adão recebia também o Verbo vivificante de Deus, esse era o alimento de sua alma e imagem. O mesmo Verbo vivificante era envolvido pela divina Virgem da sabedoria; a imagem da alma permanecia na imagem virgem, que na Divindade havia sido vista desde a eternidade. A pura imagem de Adão surgiu da sabedoria de Deus. Pois Deus desejou ver e manifestar a si mesmo assim, numa imagem, esta era a semelhança, segundo o Espírito de Deus, segundo a Trindade, uma imagem inteiramente casta, como os anjos de Deus. Nesta imagem Adão era o filho de Deus, não apenas uma semelhança, mas um filho, nascido de Deus, do Ser de todas as coisas.

25. Mostramos assim, de forma breve, que tipo de imagem era Adão antes de sua queda e como Deus o criou, a fim de melhor compreendermos o motivo pelo qual o Verbo de Deus tornou-se homem, como isso ocorreu e o que foi com isso realizado.