Willermoz Antes E Depois Da Revolução Francesa


A Revolução, como se sabe, provocou sob a Convenção e principalmente sob o Governo do Terror a interrupção de toda atividade maçônica (1793-1795), especialmente com a espetacular abdicação do Grão-Mestre Phillippe-Egalité que abandona, em Janeiro de 1793, "a quimera pela realidade", segundo os próprios termos de sua declaração pública. A Franco-Maçonaria não despertará até 1795-96, graças ao esforço e cuidado de Roettiers de Montalean, antigo Venerável Mestre (em 1793) do Centre des Amis.


De fato, para o Regime Escocês Retificado, a etapa na qual os trabalhos estiveram paralisados já havia se iniciado anteriormente, tal como relata Willermoz em sua carta a Charles de Hesse de 10 de Setembro de 1810. E isso em razão dos principais da Ordem, os Grandes Professos (que na continuação veremos quem eram) que, sendo por definição homens da elite, tanto da burguesia quanto da aristocracia, haviam tomado parte ativa nos acontecimentos políticos desde o primeiro momento; muitos eram delegados -tanto do clero, como da nobreza ou do Terceiro Estado - primeiramente nos Estados Gerais, logo na Assembléia Nacional Constituinte na qual estes Estados se transformaram, e alguns foram inclusive eleitos para a Assembléia Legislativa que se seguiu. Evidentemente o trabalho maçônico se ressentiu, bem como a boa harmonia existente: dividiram-se entre partidários e adversários da Revolução (sendo estes últimos os mais numerosos), o que então resultou em vívidas discussões, nem sempre muito fraternais. Como uma mostra disso, podemos ver o seguinte caso, testemunho das disputas provenientes desde a época dos Estados Gerais, entre dois Grandes Professos, o Cavaleiro de Rachais e o livreiro Périsse-Duluc, o qual compartilhava a opinião de Willermoz em favor da "igualdade nacional e cívica". Como o primeiro reprovava veementemente a atitude do segundo, em nome da preeminência "não somente política, mas também natural" da nobreza, este último lhe replicou que "visto os princípios que ambos professavam" se estimava tão nobre como Rachais e que este último era tão plebeu como ele mesmo. Ao qual o Cavalheiro respondeu em alta voz: "Senhor, Senhor, como irmão da Ordem dos Grandes Professos, eu os quero bem!... (cf. Le Forestier, op. cit., pág. 837). O "nível" maçônico, símbolo da igualdade, por não falar do amor fraternal, estava bem distante de tudo isto.


Jean Baptiste Willermoz havia feito sua escolha. Com seu irmão e médico Pierre-Jacques, e seu íntimo colaborador Périsse-Duluc do qual acabamos de falar, se alinharam entre os "patriotas", quer dizer, entre os partidários da Revolução, porém entre os moderados; era um "monarquista constitucional". Pertencia à "Sociedade dos Amigos da Revolução". Seus membros, vulgarmente chamados os "Feuillants" poderíamos denominar como "centristas". Como tais, seriam combatidos igualmente pelos monarquistas intransigentes, pelos contra-revolucionários, e pelos revolucionários extremistas, os Jacobinos Eis o que foi escrito pelo irmão de Willermoz nos momentos em que Jean Baptiste estava tendo sérias dificuldades em conseqüência da tomada de Lyon pelas forças da Convenção: "Tu és um moderado, um Feuillant que sempre se mostrou como tal. Crêem que és um homem honesto, já que somente lhes falas quando estão em grupo, sem cumprimentá-los pelas ruas, eriçando as costas e vinculado aos realistas". (em Alice Joly, op. cit., pág. 296). Com efeito, no final de Maio de 1793, ao anunciar a proibição dos Girondinos , as seções de Lyon se sublevaram, expulsando do poder a municipalidade montanhesa e se rebelando contra a Convenção.

Esta última então envia suas tropas que cercam a cidade rebelde (de 8 de Agosto a 9 de Outubro de 1793). Devido a este cerco, uma das bombas empregadas no conflito cai no domicílio de Willermoz, que acaba por destruir uma parte de seus arquivos. Ele mesmo exercerá, sob mil penalidades e em circunstâncias perigosas, as funções de administrador (voluntário) do "Hospital Geral da Casa de Deus" de Lyon. (A revista Renaissance Traditionnelle, nº 45, de Janeiro de 1981, publicou diversos textos de arquivo, dentre os quais figuram as petições de Willermoz à municipalidade descrevendo as dificuldades extremas com as quais se debatia). No princípio de Outubro as tropas da Convenção, enviadas por Kellerman (que era maçom!), esmagaram os defensores de Lyon vitimando, entre outros, Henrie de Virieu, antigo coadjutor (Le Forestier) de Willermoz, que aos 37 anos tentava escapar do cerco. A tudo isto se seguiu um sangrento Terror marcado por execuções em massa, de Novembro de 1793 a Fevereiro de 1794. Willermoz foi denunciado por três vezes. Em duas ocasiões foi absolvido; porém, na terceira, preferiu não se arriscar, e fugiu para o campo (de Fevereiro a Outubro de 1794), conseguindo assim ficar a salvo. Antoine Willermoz, mais moderado que Jean Baptiste e Pierre-Jacques, foi guilhotinado em 28 de Novembro de 1793.


Depois deste episódio e, sobretudo depois do sucesso de Thermidor (execução de Robespierre e Saint-Just, em 27 de Julho de 1794), Willermoz retorna a vida normal. Em 1796, como vimos, Willermoz se casa. Desde então multiplica suas atividades. Entrega-se à beneficência (como exige sua condição de Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa): desde 1797 até o fim de sua vida foi um dos cinco membros da comissão administrativa dos hospícios civis, levando a cabo uma considerável obra de reconstrução e reorganização; do mesmo modo, foi membro da oficina de beneficência do terceiro distrito, de 1804 até o fim de sua vida, e algum tempo depois da oficina central. Coloca sua capacidade a serviço da religião: em 1809, o arcebispo de Lyon, cardeal Fesch (tio de Napoleão I), o nomeia membro do conselho de fábrica da paróquia de São Policarpo. Ocupa-se da instrução primária. Faz parte da administração local: de 1800 a 1815 é conselheiro geral do departamento do Ródano (os conselheiros gerais não eram eleitos na época, mas sim nomeados pelo governo). Finalmente, foi membro desde 1798 da Sociedade de Agricultura (cujo presidente foi encarregado de pronunciar um discurso em seu funeral), tendo então se tornado um agricultor apaixonado: a condição de "proprietário" com que intitulava no final de sua carta de 1810 a Charles de Hesse não havia sido em vão...
"Estou completamente afastado de todos os assuntos externos. Vivo há 15 anos em uma fazenda rural no interior da cidade, situada, em um de seus extremos, sobre uma colina onde o ar é muito favorável à minha saúde; ocupo-me do cultivo da vinha e de seus frutos no tempo disponível. Seria feliz se não tivesse sido acometido da desgraça de perder, já há dois anos, minha querida esposa por causa de um parto prematuro, etc...".


Em suma, Willermoz se apresenta - mesmo encontrando-se em plena velhice - como um homem dotado de uma vida plenamente ativa, atividade esta exuberante e de forma alguma sonhadora; ao mesmo tempo, se apresenta como um homem notável que soube muito bem guiar seu êxito social.
Tais elementos, que são indispensáveis para completar o retrato do homem, deixam escapar o essencial:
o maçom e sua obra, obra esta que foi, literalmente, a maior de sua vida. É a seu estudo que a partir deste ponto nos dedicaremos.
É importante frisar que a "Declaração de Princípios" da Grande Loja Retificada para a Bélgica abandona o Cristianismo
de Willermoz em nome do Esoterismo. "Cada Franco-maçom Escocês Retificado tem total liberdade de consciência tanto em
matéria religiosa quanto a qualquer outro ponto de vista". O antigo Grão Prior J. L. S. acrescenta que a afirmação "a Ordem é cristã", do Ritual do 4° grau, tem um sentido "esotérico" e "que não pode ser interpretada a não ser simbolicamente" (1982-1983, pág. 25). Reconhece-se aqui a fácil utilização da palavra "Símbolo", que permite descobrir toda realidade por ela encoberta.


O Grande Priorado Independente da Helvetia, o Grande Priorado da Gália, e o Grande Priorado da Bélgica se reconhecem mutuamente, à exceção de qualquer outro organismo retificado. Recrutam seus membros das Grandes Lojas Azuis, regulares e reconhecidas, neste caso, pela Grande Loja Alpina, Grande Loja Nacional Francesa, Grande Loja Regular da Bélgica e por Obediências amigas.
Bacon de la Chevalerie (1731-1821), Rosa Cruz da Ordem dos Elu Cohen, foi eleito em 1766 como substituto geral de Martinez de Pasqually. "Eques ab apro" na Estrita Observância Templária e os Diretórios Escoceses foi Grão-Orador do Grande Oriente entre 1773 e 1781. Ele tinha, pois, na assinatura dos tratados, um "pé" em cada lado. [4]


O Dr. Georg Bukhart Franz Kloss (1788-1854) foi recebido como Grande Professo em Darmstadt no dia 17 de Novembro
de 1827. Fez parte deste Colégio Alemão presidido pelo landgrave Christian de Hesse-Darmstadt, colégio este que somente a duras penas poderia ser considerado como maçônico, conforme a avaliação de Jacques Fabry (1984). Depois de sua morte, o Colégio entrou em plena decadência, sendo que haviam restado somente dois Grandes Professos em Frankfurt e somente um em Darmstadt, isso segundo a declaração de G. Kloss no ano de 1849 (Le Forestier, pág. 925). Sua rica biblioteca está conservada em Haia, no Grande Oriente dos Países Baixos. Contém sete manuscritos, em Francês e em Alemão, dedicados aos Professos e aos "Trabalhos dos Grandes Professos", em Frankfurt de 1828 a 1835. [5]


Estariam completos estes documentos? Fala-se muito acerca da recepção do Grande Professo, de uma unção tal como é
praticada no grau anglo-americano do "Holy Royal Arch Knight Templar Priest". Nada impede, seguramente, que Kloss
tenha consultado, ou simplesmente não tenha conhecido, um rito de inspiração sacerdotal. Pelo contrário, se ainda for
praticado, haveria a necessidade de demonstrar que não fora inventado a posteriori. Além disso, ser um Grande Professo não pressupõe estar imune ao erro. Em seu artigo "Simbolismo", Saunier diz que o Grande Professo "deixou de existir oficialmente na convenção de Wilhelmsbad"; ademais, não se fala a seu respeito publicamente, já que Willermoz decidiu deixá-la em "segredo". Em Les "Franc-Maçons", adianta que a liberação dos compromissos praticada no grau de C.B.C.S. corresponde à anunciação da renúncia do Grande Professo. Ademais, a liberação dos compromissos é uma invenção helvética do último século, que Willermoz nunca conheceu e que possivelmente lhe surpreenderia sobremaneira.
É um grau como nível iniciático e não como o de um escalão militar no sentido que esta palavra tem em inglês, a qual se refere Willermoz. Em ocasiões anteriores me fora reprovado empregar a palavra grau, usual em francês, mas de inspiração inglesa, sem esta consideração para designar os graus do Rito Retificado. Acaso estava eu tão distante da tradição? [7]


Um Grande Professo que elimina toda a aura de mistério; assim, sentir-se-iam atraídos nossos adornados dignitários? A simplicidade e o esforço necessário para chegar-se a elas seria compensador? Podemos certamente duvidar. [8]
Memórias ao Duque de Brunswick (1782), de J. de Maistre, Ecrits Maçonniques (Geneve, Slatkine, 1983) págs. 80-81. Tratam-se de memórias redigidas como resposta à consulta geral organizada por Ferdinand de Brunswick no marco da preparação da convenção de Wilhelmsbad.
O Clube dos Feuillants foi fundado em 16 de Julho de 1791, tendo-se instalado na rua Saint-Honoré de Paris no convento
que haviam ocupado até a dissolução (em 1791) dos feuillants, religiosos da Ordem do Cister. Este Clube reagrupava os elementos conservadores do Clube dos Jacobinos que decidiram se separar deste último após uma parte importante de seus membros terem se pronunciado a favor da queda do rei em Varennes. Inscreveram-se 264 deputados na Assembléia Legislativa. Adversários tanto do antigo regime quanto da democracia, os feuillants eram partidários de uma monarquia limitada e de uma primazia da burguesia tal como estabelecia a Constituição de 1791. Dividiam-se entre duas tendências:


Lametistas e Fayetistas. Os "Lametistas" seguiam as ordens do triunvirato composto por Barnaye, Du Port e Lameth, ao passo que os Fayetistas se inspiravam em La Fayette. Esta facção dos Feuillants que tencionava obter um papel mediador caiu ao mesmo tempo que o trono, em 10 de agosto de 1792. Sua influência deu lugar à dos Brissotins, futuros Girondinos. (Dicionário PERRIN de História Francesa).
Clube dos Jacobinos: Partido político surgido na França durante a Revolução. Constituído em Versalhes durante os
Estados Gerais (1789), foi logo transferido a Paris onde, sob o nome de Société des Amis de la Constituition, celebrava suas
sessões em um antigo convento de dominicanos. Receberam o nome de Jacobinos por estarem situados na Rua de São
Jacobo, endereço em Paris no qual estabeleceram sua primeira casa. Partido político moderado de início, radicalizou-se após a cisão dos Feuillants (1791), e sob a influência de Robespierre, se converteu no principal órgão e sustentáculo da Convenção e do Governo do Terror. Foi fechado na ocasião da queda de Robespierre (novembro de 1794) e reconstituíd
o por Gracchus Babeuf (1795), para ser definitivamente encerrado em 1799.


Girondinos: Os Girondinos eram assim chamados por causa de alguns de seus membros, deputados pela Gironda.
Partidários da burguesia ilustrada opuseram-se à política revolucionária dos Jacobinos. Com o apoio dos departamentos, se
esforçaram em frear a Revolução na medida em que ela se radicalizava. Uma vez proclamada a República, os Girondinos
quiseram instaurar na França uma república burguesa moderada; porém, as derrotas sofridas pelo exercito francês e o
abandono de Dumoriez significaram o fim de sua influência. Acusados de traição pelos Jacobinos, seus chefes foram presos
em sua maior parte (Junho de 1793), sendo que alguns deputados girondinos intentaram um levante federalista na províncias,
porém sem sucesso. Em Outubro de 1793 foram executados os principais dirigentes deste grupo. Partido da Montanha: Na Revolução Francesa era um grupo de deputados (montagnards) que constituía a esquerda na Convenção, e eram assim chamados por ocuparem as cadeiras mais altas na sala da assembléia. Faziam parte deste grupo Robespierre, Danton, Marat, Saint-Just, Couthon, Billard-Varenne, Carnot, entre outros. Oposto à maioria conservadora da Convenção e ao federalismo dos Girondinos, lograram derrotá-los (2 de Junho de 1793) com apoio dos clubes jacobino e franciscano, da Comuna e das classes populares, tendo implantado em seu lugar uma ditadura dirigida pelo Comitê de Salvação Pública. Robespierre foi a principal figura deste Comitê. Enquanto esteve no poder acelerou a distribuição de bens comuns e a liquidação da ordem feudal, continuou o processo de combate ao Cristianismo em beneficio ao culto revolucionário e derrotou os federalistas, realistas e coligados; porém, as dissensões internas e a sistemática repressão à qual
se entregou acabaram por debilitá-lo. Como grupo político foi definitivamente esmagado em 9 de Termidor (27 de Julho de 1794).