Jacques de Molay e os últimos anos da Ordem do Templo


Após a morte de Thibaud Gaudin, que sucedera a Guillaume de Beaujeu, a direcção da Ordem recaiu, em 1295, sobre Jacques de Molay. Tinha cinquenta anos e não era considerado um génio. Nascera, sem dúvida, em Molay, no Yonne. Os Templários possuíam lá uma casa e a quinta de Saint-Blaise onde haviam instalado uma leprosaria e um hospital. Segundo uma lenda local, após a sua morte, o seu fantasma teria voltado para se fixar na região e assombraria o castelo de Moutot, entre Molay e Noyers. Pertencia, ao que parece, ao ramo borguinhão da familia de Longwy e de Raon.


Foi recebido na Ordem do Templo de Beaune, em 1265, por Humbert de Payraud, visitador de além-mar e tio daquele Hugues de Payraud que será visitador de França. Aliás, o capítulo hesitou longamente entre este último e Jacques de Molay, quando se tratou de escolher o Grão-Mestre, tanto mais que Molay nunca ocupara um posto importante.
O início do desempenho das suas funções de Grão-Mestre foi marcado por um golpe de audácia. Em 1298, os Templários lançaram uma expedição contra o Egipto e, em seguida, apoderaram-se de novo de Jerusalém, depois de uma verdadeira guerra-relâmpago. Se os reis cristãos e as outras ordens os tivessem seguido, talvez tivessem conseguido reconquistar a Terra Santa. Infelizmente, aqueles que estavam sempre prontos para criticar os Templários não estavam dispostos a pagar com as suas vidas e, em 1300, os monges-soldados tiveram de ceder de novo a cidade aos Turcos.


Mesmo assim, Jacques de Molay não desesperou. Em 1303, lançou uma nova expedição contra Tortosa. Depois dessa, muito menos frouxo e fraco do que foi narrado, lançou mais uma operação, mas foi censurado por causa dela. Com efeito, Charles de Valois, irmão de Filipe, o Belo, tendo desposado a neta do rei de Constantinopla, herdeira do império, reclamava-o em nome da mulher. O papa aprovou e apoiou uma expedição contra Andrónico II, que não queria submeter-se. Os Templários foram os principais participantes nessa cruzada levada a cabo contra outros cristãos. Apoderaram-se de Tessalónica e, em seguida, as tropas desembarcaram na Trácia e na Moreia, onde tiveram demasiada tendência para se entregarem à pilhagem. Este episódio talvez tenha feito meditar Filipe, o Belo. Os Templários, ociosos, não correriam o risco de se transformarem numa tropa ao serviço do papa, ou em mercenários capazes de levar a cabo guerras contra os príncipes cristãos e - por que não? - contra o rei de França? De qualquer forma, parece bem que Jacques de Molay, embora não sendo brilhante, foi bem menos néscio do que se afirmou. Compreendera que eram necessárias operações militares para ocupar os seus soldados, porque, ao fim e ao cabo, que outra coisa poderia fazer? O policiamento das estradas não era um encargo suficiente para aqueles guerreiros de escol. E estes aborreciamse ao ponto de procurarem no vinho o esquecimento para a sua inactividade, dando origem à expressão francesa "boire comme un templier" (beber como um Templário). O imenso poderio militar do Templo estava inactivo. Ademais, lembremo-nos de que a Ordem era um enorme proprietário de terras e se encontrava à frente de um poder financeiro determinante. Este último aspecto não era partilhado pelos Hospitalários. Enquanto a Ordem travara o combate na Terra Santa, tivera necessidade de meios importantes mas, agora, como iriam utilizá-los? Não iria comprar cada vez mais terras, aumentar o seu património até construir um verdadeiro reino, ainda por cima totalmente isento da maior parte dos impostos? Os privilégios da Ordem não se tornavam exorbitantes a partir do momento em que já não subvencionava as necessidades das guerras do Oriente? Não poderia o Templo tornar-se uma força armada ao serviço exclusivo do papa? Ainda por cima, o orgulho dos Templários tornava-os, por vezes, insuportáveis. M. Lavocat resume muito bem a situação: A Ordem do Templo era detestada pelo clero, pela nobreza, pelo terceiro estado e pelo povo: pelo clero, por causa dos seus privilégios fiscais, da sua independência, da sua isenção de toda a jurisdição eclesiástica; pela nobreza, porque a Ordem detinha, na sua mão-morta, bens consideráveis, em relação aos quais não devia qualquer serviço feudal, real ou pessoal; pelo terceiro estado, devido ao seu orgulho e do fausto que exibia em todo lado, em Paris, no meio da miséria geral da época e sobretudo porque o terceiro estado e o povo amavam o rei, que detestava a Ordem do Templo. A atitude dos estados gerais de 1308 e 1311 fornecerá a prova do ódio que todos tinham pela Ordem. Acusavam-na abertamente de ter sido a causa da perda da Terra Santa. O objectivo da instituição gorara-se e a Ordem enriquecera: censuravam-lhe a sua dureza em relação ao lucro, a utilização de certos modos de aquisição, o emprego de contratos usurários. É verdade que os Templários, por vezes, celebravam contratos que, no mínimo, não eram equilibrados, mas sim a manifestação da sua posição dominante.


E, depois, três ordens militares não seriam de mais? Já se levantara o problema de as fundir numa única. Em 1274, no concilio de Lyon, o papa Gregório X fizera uma tentativa nesse sentido. Os Hospitalários e os Templários havia alguns anos que estavam na mira. Em 1292, Rámon Llull aconselhara vivamente Nicolau IV a proceder a uma fusão. Sugeria que o Grão-Mestre da ordem assim formada fosse feito rei do Santo Sepulcro. Em 1238, os Hospitalários tinham sido obrigados a dobrar a espinha, acusados por Gregório IX de traição contra a causa de Deus na Palestina, de luxúria e de servirem de abrigo aos heréticos. Como vemos, se era preciso limpar o Templo, isso também se aplicava ao Hospital.
Fundir as duas ordens numa só teria podido proporcionar a ocasião para reorganizar tudo. No entanto, a tarefa era impossível de realizar porque as duas ordens não gostavam nada uma da outra e os seus interesses eram, amiúde, opostos. Não se viu, quando do conflito entre Génova e Veneza, os Hospitalários tomarem o partido de uma cidade e os Templários da outra? Pouco faltou para as duas ordens se defrontarem. No entanto, esses conflitos foram bastante raros e Templários e Hospitalários souberam, de um modo geral, marchar juntos para o combate. Quando estava em jogo o essencial, terminavam as querelas. Souberam também dirimir os seus diferendos por meio da negociação.
Para além do papa Gregório X, mais alguém pensara reunir as ordens militares, mas em seu proveito. Tratava-se do imperador Frederico II de Hohenstaufen. Opôs-se ao papado e foi excomungado. Dele, dizia Gregório IX: "Vejam o animal que sobe do fundo do mar." Recebia, na sua corte, sábios e literatos muçulmanos, cuja cultura apreciava, considerando-se muito acima dos preconceitos. Escrevia a El-Kamil, sultão do Egipto: "Sou teu amigo. Não ignoras quão acima estou dos príncipes do Ocidente" e pedia-lhe a devolução de Jerusalém. Teve alguns diferendos com os Templários. Temos de dizer que este "místico do Sol" via essencialmente no Templo uma ordem que teria gostado de ter ao seu serviço a fim de se tornar Imperator Mundi e de estender o seu império a toda a cristandade e mais além ainda. Imaginara reunir, mediante um pacto secreto, as três Ordens: Hospitalários, Templários e Teutónicos. Mas não conseguiu fazê-lo.


Após a queda de Acre, o papa Nicolau IV convocara um concílio para Salzburgo, a fim de decidir quais os meios a utilizar para retomar a Terra Santa. O concilio decretou também que convinha reunir as três ordens sob uma regra uniforme. Mas, quando Nicolau IV morreu, o problema ainda não avançara nada.


Clemente V, por sua vez, quis reunir Hospitalários e Templários. Viu-se confrontado com uma recusa cortês, mas firme e irónica, por parte de Jacques de Molay. O Grão-Mestre sublinhava as diferenças entre as regras que regiam as duas ordens e aproveitava para criticar os Hospitalários:


Era preciso que os Templários levem uma vida mais à larga, ou que os Hospitalários fossem submetidos a restrições: daí poderia provir um perigo para as almas porque são raros, segundo penso, aqueles que quereriam mudar a sua vida e os seus costumes habituais. Ademais, era preciso ver nesta passagem uma ironia, para não dizer uma ameaça velada ao soberano pontífice, que levava uma vida que estava longe de ser regrada e que parecia não querer mudar. Jacques de Molay afirmava assim, de forma muito clara, que não tinha lições a receber de um papa que era conhecido por utilizar o dinheiro da Igreja em proveito próprio e do seu clã, e que parecia mais preocupado em cobrir a sua amante de presentes do que em dedicar a sua vida à espiritualidade.


Esta fusão talvez tivesse podido salvar a Ordem do Templo, mas isso não é certo porque, nessa eventualidade, Filipe, o Belo, tencionava nomear o seu filho para comandar as ordens reunidas. Depois disso, teria abdicado em seu proveito e tornado hereditário o cargo de Grão-Mestre. Então, a nova ordem militar não seria mais do que um instrumento nas mãos do rei de França.