As três classes ou níveis de desordem e abominações

Louis Claude de Saint Martin


Estes erros podem ser divididos em três classes: primeira, abominações de primeiro grau, quando todas as faculdades do Homem se encontram corrompidas. Segunda, abominações religiosas que tem início, assim como a anterior, com a própria corrupção do Homem, mas que o comanda, a partir de então, através de suas fraquezas. Terceira, a mera superstição ou idolatria, que embora derive das outras duas, não tem o mesmo efeito e conseqüências.


Podemos até acreditar que as superstições pueris e abusos secundários, aos quais o Homem tem sido levado através de sua fraqueza e credulidade, possa o ter preservado e salvado de crimes mais essenciais na medida em que possuísse mais luz e poder.
E, na verdade, não são os ídolos que possuem bocas, eles não falam, a ponto de evitar aqueles que possuem boca e que falam, que possuem ouvidos e ouvem, que possuem olhos e vêem etc.


O primeiro grau de abominações: tragado pelos elementos.
As abominações conectadas com estes tipos de ídolos, ferindo a justiça em seu centro, deve ser enquadrada no primeiro grau; isto tem atraído inumeráveis calamidades, tanto conhecidas como desconhecidas, sobre os culpados: pois, quantos crimes tem afundado no abismo juntamente com aqueles que os cometem! Podemos ter uma idéia, por todas estas abominações transmitidas a nós nas Escrituras, das outras que se mantém em silêncio.
Lembrar o pecado do primeiro Homem, que lhe provocou uma profunda mudança, o fez passar da luz para as trevas em que vive; lembrar as abominações cometidas pela sua descendência durante o Dilúvio, e do imenso número de culpados levados por este, é fazer uma idéia da grande quantidade de crimes que deve ter sido eliminado de nossa vista por este intermédio; verifique as abominações dos Egípcios, e dos habitantes da Palestina que atraiu a ira de Deus sobre aquelas regiões, compelindo-o a fortalecer os elementos e poderes da Natureza e até mesmo o fogo do céu para destrui-los.
Em resumo, basta olharmos para o nosso globo, onde talvez não encontremos um único ponto que ainda não mostre os sinais da ira do céu espalhada sobre os desafortunados que foram insanos e culpados o suficiente para se juntar ao inimigo contra a Divindade; e este quadro de nosso globo é uma história viva, mais convincente do que qualquer outra contida nos livros, e demonstra a prevalência universal do crime, não mencionados nos livros, ou aludidos apenas resumida ou incidentemente.


Tudo indica que as calamidades e abominações do primeiro grau parecem ter diminuído; e, se não acabaram completamente, não se encontram mais nas estruturas das nações, mas apenas praticadas por indivíduos.
O segundo grau: abominações religiosas, ilusões Satânicas, ciências ocultas etc.
Na pura observação dos sacrifícios legítimos, o sacerdote sincero e seu povo recebiam visíveis evidências da aprovação do Poder Soberano, já que tinham instruções para a sua conduta na senda da santidade, respostas para as perguntas dentro da sabedoria e justiça; contudo, tão logo a negligência ou corrupção invadiu estes sacrifícios, a influência desordenada entrou imediatamente neles, mostrando-se visivelmente sob a forma que desejasse; ela elaborava respostas e se estabeleceu como oráculo e a real arca da aliança.
Muitos sacerdotes foram ingênuos e vítimas destas falsas aparições; e muitos tendo primeiro se submetido ao seu governo, governaram , então, nações através destas seduções encantadoras! Esta influência desordenada pôde comunicar algumas verdades que chegou a conhecer através da imprudência dos homens; ela previu eventos que vieram a ocorrer, e freqüentemente respondia questões de forma correta; isto era o suficiente para fazer o povo se prostrar diante dela, seja qual for a forma que tomasse, ou qualquer ordens que prescrevesse.
Tal é, sem dúvida, a origem de muitas religiões e formas de culto no mundo, assim como das atrocidades associadas religiosamente a elas; é preciso distinguir claramente estas abominações secundárias daquelas do primeiro grau, que atacaram a própria Divindade intencionalmente; o efeito dos crimes do segundo grau parece ter sido apenas o de desviar os homens e privá-los dos benefícios dos propósitos divinos; isto representa atacar a Divindade apenas indiretamente. Mas estes crimes parecem superar em número e extensão o que não possuem em importância.


Nesta classe devemos colocar todos aqueles mestres das ciências ocultas, a quem os ignorantes tem chamado de iluminados; todos aqueles que tem ou tiveram espíritos Pythonicos, que consultam espíritos de familiares, e deles recebem mensagens.
Nesta classe se deve colocar todos aqueles oráculos dos quais as mitologias estão repletas, todas aquelas respostas proféticas e ambíguas que os poetas tem feito de base e centro dos seus poemas, na tentativa de despertar nosso interesse em seus heróis representando-os como vítimas do destino, ou até mesmo vítimas de palavras ambíguas, através das quais foram levados a caminhos de erros e problemas, ao invés de marcharem sob os estandartes da verdade e sabedoria.


Nesta classe devem ser colocados muitos daqueles prodígios realizados na suspensão de nossos sentidos corporais (torpor mesmérico, sonambulismo etc.) que expõem os homens a qualquer domínio que se apresente; além do mais, temos motivos para crer que o crime do Homem teve início com o sono, e que por ter permitido seus sentidos reais se tornarem torpes, mergulhou na ilusão e nas trevas.
Nesta classe devem ser colocadas todas aquelas práticas ilegítimas e falsas, de todas as épocas, que sob a aparência da verdade, separou os homens da única Verdade que deveria ser seu guia. Me refiro a todas as práticas abusivas, pois apesar da não realização dos sacrifícios em grande parte do mundo, é certo que estes abusos tiveram início na corrupção destes sacrifícios, sendo então propagados de geração em geração, produzindo novos erros até a nossa própria época, já que a fonte criminosa de onde surgiram é viva e apodera-se de cada oportunidade que os homens lhe proporciona para estender seu reino e realizar seus desígnios.
Somos levados a acreditar que se a maioria dos homens vive sob o jugo destas iniquidades e ilusões, ainda que de boa fé ou pela ignorância, podem também trazer suas paixões e intenções egoístas para dentro de si, ao invés da virtude; aquele que se acerca das abominações do primeiro grau, mostram muito bem o que tem sido as lamentações dos profetas e como toda vontade é fundada.Terceira classe de desordem: superstição, idolatria, confecção de santos, imagens etc.


Finalmente, a terceira classe destas abominações é aquela de todo tipo de idolatria e superstição. As múltiplas formas que a influência desordenada era capaz de assumir, a fim de alterar os sacrifícios e desencaminhar o Homem, foram as principais fontes da idolatria material, os sacerdotes que recebiam tais manifestações sendo levados por uma tendência natural a reverenciar animais e outras substâncias naturais com que aquelas formas, assumidas pelo poder desordenado, tinha alguma relação; e esta era a origem de cultos oferecidos por tantas nações a diferentes criaturas.


Deste ponto para a idolatria figurativa, ou a confecção de imagens, não há mais que um passo; inumeráveis causas freqüentemente levam à substituição da imagem de ídolos pelo próprio ídolo; o povo transfere facilmente sua veneração do ídolo para a imagem.
A deificação tem uma origem similar; o sacerdote tem sido objeto de adoração. Assim, quase que em todas as nações, encontramos uma Divindade visível e uma invisível; no Norte, dois Odins, um é o Deus supremo, o outro é um conquistador; entre os gregos encontramos dois Zeus; dois Zoroastros entre os Persas; dois Zamolxis entre os Thracias etc.
Não é muito difícil descobrir a origem das superstições populares. Não foi pela falta de profetas que os judeus caíram em todo tipo de idolatria já que em seus escritos particularmente os Salmos, o Deus Supremo é claramente distinto de qualquer coisa que o Homem tem tomado por Deus.
Mas, ao abordar os sacrifícios, esteja corrompido ou não, e pelo testemunho das cerimônias daquelas abominações secundárias, o Homem verá que, sob certas circunstâncias ocorrem certos resultados; o Homem perderá a visão do espírito que deveria dirigir todas estas formalidades e ao lhe dar valor e se prender à forma vazia, substância, ou somente a cerimônias isoladas, entregando a eles aquilo que conquistou enquanto o espírito vivo estava com eles.


Vemos aqui como o povo vem consultar as entranhas das vítimas, mesmo no últimos momentos do agonizante animal; o vôo dos pássaros; talismãs; criptograma; amuletos; ou seja, a todos aqueles inumeráveis sinais naturais cuja as opiniões agitam as mentes dos homens, e a cobiça, se tem dado um valor e uma importância que na verdade não possuem.
Este triste quadro é suficiente para mostrar a que tipo de aberrações a mente do Homem está exposta, quando ele para de olhar contra a influência desordenada, que após tê-lo desviado na época de sua glória, o desviou novamente quando os sacrifícios foram instituídos para a sua regeneração; ela tem propagado a desordem de tal forma que o Homem não pode conhecer nenhuma paz até que sua morada seja inteiramente renovada.
É preciso notar, com relação aos presentes, que estes sempre foram oferecidos ao vidente, uma imitação daqueles oferecidos no templo através do sacrificador; estes presentes e oferendas faziam parte, a princípio, da virtude do sacrifício, depois é que se tornaram órgãos inferiores de correspondência e por fim um mero objeto de fraude, avareza e especulação.

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