GLOSSÁRIO DE TERMOS UTILIZADOS E APLICADOS POR JAKOB BÖHME

Terminology by Wayne Kraus
traduzido e adaptado pelo Irmão Chrystian Revelles



[ABYSS]: O SEM-FUNDO

O Abismo é o infinito indiferenciado, o todo-nada, a liberdade eterna antes de qualquer natureza e criatura, o não-sendo que é condição para o ser.

O infinito não pode fazer-se conhecer antes de dividido em dois. Oposição é a condição e base de toda manifestação: 'Todas as coisas consistem em SIM e NÃO'.

O princípio primeiro de todas as coisas, a divina, ilimitada e indivisível Unidade última é, por seu desejo de autoexpressão e manifestação, uma Vontade no Abismo - e essa Vontade no Abismo é O Pai.

'Entendemos que, sem a Natureza, há eterna quietude e repouso, o Nada; entendemos então que uma Vontade Eterna irrompe no Nada e introduz esse Nada em um Algo pelo qual essa Vontade mesma possa sentir-se e se contemplar. Pois no Nada essa Vontade não se manifestaria para si mesma, porquanto sabemos que a Vontade procura a si mesma e se encontra em si mesma, e seu procurar é um Desejo, e esse encontrar é a Essência do Desejo pelo qual a Vontade se encontra': The Signature of All Things 2:8-9

O Nada deseja Algo, mas não tem nada que possa modelar ou conceber; então a vontade concebe de si mesma, retrai-se em si mesma, contrai-se e gera, de si mesma, o FUNDO.

Nesse momento há a geração eterna da Santíssima Trindade - 'o nada abismal introduz-se em algo - a Natureza, isto é, em propriedades: e pela Natureza expressa sua glória e majestade':

1. O PAI - a Vontade no Abismo
(princípio primeiro da divina essência)

2. O FILHO - o Fundo
(princípio segundo da divina essência)

3. ESPÍRITO SANTO - a Natureza
(terceiro princípio da essência divina)
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Assim, de nossa perspectiva de criatura, a Deidade é nascida com o Cosmo e não o antecede, não havendo antes da Criação para a percepção finita. Quando tratamos do Nascimento da Deidade, falamos de acordo com um entendimento criatural, pois a Deidade não tem começo: 'Sem a Natureza há o Nada e o Olho da Eternidade, Olho Abissal que se levanta e vê no Nada que é o Abismo. Nesse Nada antes da Vontade, ela procura por algo. Não encontrando onde repousar, penetra a si mesma para se descobrir na Natureza': The Signature of All Things 3:2

A dualidade primordial entre o Abismo e o Fundo se manifesta em todos os níveis e escalas de um cosmo fractal; macrocosmicamente, como eternidade e espaço-tempo; microcosmicamente, na natureza humana, como inconsciente e consciência. A Díada é a base da manifestação, por isso o cosmo é preenchido por dualidades - luz/trevas, quente/frio, vida/morte, sim/não, bem/mal - mas dualismo não é uma estrutura adequada para o entendimento do mundo, preenchido ainda por ternários, quaternários e setenários ad infinitum.

Como Boehme soube de tudo isto? Porque esteve lá, assim como nós. A Deidade não criou-nos a partir do Nada, mas de si mesma, na eternidade. Nós estivemos lá, na geração eterna da Deidade e no nascimento do cosmos. Deste modo, logo no início da teosofia de Boehme, encontramos o mais audacioso rumo que seu pensamento poderia tomar - o de uma teogonia do Nascimento da Deidade.

'E esse, querido amigo, é o mais elevado Mistério: Portanto se quiseres achá-lo, procure não em mim, mas em ti mesmo, ainda que não por sua própria razão, a qual deve estar como que morta, e teu desejo e vontade devem estar na Deidade: Então a Divindade introduzirá tua vontade nela, e poderá ver o que Ela É, e de que espírito esta mão escreve.'

'Mas abandona tua trabalhosa procura pela razão e adentre na vontade da Divindade, no espírito da Deidade, atire a razão fora, então que tua vontade seja Sua vontade, e o espírito da Deidade procurar-te-á a partir de dentro. Quando ele mover-se, vá com ele, porquanto terá poder divino; o que for que procures, encontrará nele, de modo que nada permanecerá velado a ti. Enxergará através de Sua luz, e será Dele': Forty Questions of the Soul 1:57 ff
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[ALCHEMY]: A GRANDE OBRA

Na alquimia hermética/filosófica que une cristianismo esotérico e ciência natural, Boehme encontrou a linguagem perfeitamente adequada às suas visões místicas.

O propósito da alquimia era o Casamento Alquímico, a Câmara Nupcial, união da alma e do espírito (segundo Jung, entre personalidade consciente e mente inconsciente) separados na Queda de Adam. Dessa união nasce o Anthropos, a criança-cristo, o Novo Homem, Filósofo e Mago.

'Dois peixes nadam em nosso mar', diz-nos o alquímico Livro de Lambspring: O mar é o Corpo. 'Os dois peixes são a Alma e o Espírito. Deixe-os cozinhando juntos até que ambos se tornem um só vasto mar, um cuja vastidão homem nenhum possa descrever.'

Uma imagem alquímica central é a do Rei (cérebro) e Rainha (coração) juntos, morrendo e ascendendo no Hermafrodita.

'E nisto jazem ambas as Tinturas, do Homem e da Mulher, dois Amores, que na Temperatura são divinos; os quais foram divididos em Adam, quando a Imaginação apartou-se da Temperatura, mas que em Cristo são novamente unidos. Vós, amáveis homens sábios, conheceis o sentido disto, pois nisso reside a Pérola de todo o Mundo': The Election of Grace 3:47-48

Note a combinação de termos esotéricos e evangélicos na passagem acima e neste prefácio de John Ellistone para A Assinatura de Todas as Coisas:

'De fato, não são todos aptos ou capazes para o Conhecimento da Natureza Temporal e Eterna em sua misteriosa Operação, e nem é, esse mundo orgulhoso e cobiçoso, digno de dela receber uma clara manifestação; para esse fim o único e sábio Deus (que tem dado a Sabedoria a todos que corretamente a pediram) trancou a Jóia em seu abençoado Tesouro, o qual ninguém pode abrir senão aqueles que detêm a Chave, a qual é: peçam, e será dado; busquem, e encontrarão; batam, e a porta será aberta - O Pai dará o Espírito a aqueles que o pedirem': (Mateus 7:7; Lucas 11:13)
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'Tal é a Escola Teosófica em que este autor aprendeu os rudimentos e princípios da Sabedoria, e a qual devemos adentrar para compreender seus profundos ensinamentos: saibamos que os Filhos de Hermes, os que ingressaram no Colégio da Magia e Teosofia, falam de sua sabedoria oculta por Mistérios; eles a têm expressado por meio de sombras e figuras, parábolas e símiles, para que ninguém possa entender seus obscuros (ainda que públicos) escritos, senão aqueles nela admitidos, e saboreiem a festa de Pentecostes.'

Alquimia trata-se da união dos opostos. Seus praticantes não conhecem barreiras entre misticismo e ciência, revelação cristã e sabedoria dos judeus e sábios pagãos, ou entre mundo interior e exterior. Conhecimento de Si, de Deus e da Natureza são um único e mesmo Conhecimento.

'Em cima como embaixo; tal como dentro, assim fora; assim no universo como na alma!', disse Hermes Trismegisto, mítico fundador da alquimia.

'Cortês leitor, comparo a totalidade da Filosofia, da Astrologia, e da Teologia, juntos com sua mãe, a uma só boa árvore que cresce em um agradável jardim de prazer': Aurora Preface v. 1

O alquimista ansiava que a transformação interior ensinasse ao Artesão como produzir a Pedra dos Filósofos, o Ouro Alquímico ou Elixir da Vida. Ingredientes alquímicos incluíam tempos, temperaturas, substâncias e quantidades, bem como instruções quanto ao estado interior do alquimista - os pensamentos, sensações e a pureza moral que deveria projetar sobre a matéria prima.

'Tenha uma vasilha na forma do querubim de seis asas, o qual é por sua vez à imagem de Deus… então derrame água fervente no recipiente… modele o receptáculo a partir de sua própria totalidade psíquica': Rupescissa

Os textos alquímicos incluíam advertências contra charlatões e gananciosos, que procuravam a Pedra Filosofal para fins de lucro terreno. A Natureza só concederia a Pedra Terrestre a aquele em quem nasceu a Pedra Celestial. O que for que signifique a Pedra Terrestre, é algo diante do qual até Boehme deteve-se como temor e tremor.
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'A respeito da obra filosófica da tintura, seu progresso não é tão abrupto e claro a ponto de ser descrito; embora não faça uso, vejo diante dela o Selo da Divindade, escondendo seu verdadeiro fundamento sob pena de castigo eterno, a menos que o homem saiba que nunca deve dela abusar. Não há ainda poder algum que possa dela apropriar-se, a não ser que o homem torne-se ele mesmo aquilo que procurava em seu interior; nenhuma habilidade ou arte pode obtê-la. A menos que receba sua tintura das mãos de um outro, ninguém pode prepará-la sem que já esteja no novo nascimento': Epistle 23:15

'Vejo-a claramente, apesar de não ter nenhuma operação manual, instigação ou técnica até ela; apenas demonstro um mistério aberto, no qual a Divindade ergue Seus próprios trabalhadores; que homem nenhum procure a obra através de mim, e nem pense de mim obter o conhecimento e operação da pedra dos filósofos ou tintura universal, que apesar de ser claramente sabida, e de poder claramente revelá-la, ainda assim entrego minha vontade, e não escreverei nada senão o que me for permitido, para que não seja obra minha e que não seja eu aprisionado na Turba': Epistle 3:33

'Não me tome por alquimista, pois que escrevo somente no conhecimento do Espírito, e não pela experiência, embora pudesse aqui tratar de em quantos dias, por quantas horas, podem estas coisas serem preparadas, pois não se pode fazer ouro em um dia, mas um mês inteiro é necessário para fazê-lo.'

'Mas não é do meu propósito qualquer experimentação, já que não sei manusear o fogo; nem sei eu das cores e tinturas dos Espíritos-Fonte em sua progênie exterior, o que são dois grandes defeitos; mas conheço-os apenas segundo o homem regenerado, o qual não é palpável': Aurora 22:104-105

A Encarnação de Jesus Cristo é uma obra alquímica.
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'A única recomendação literária em toda a obra de JB é o texto alquímico The Waterstone of the Wise: Escondida na Pedra Filosofal está a Quintessência Espiritual de todas as coisas sob o disco lunar; por conta disso dizem que ela segura os céus e move os mares. Hermes e Aristóteles chamam-na o verdadeiro e infalível arcano dos arcanos, a Divina Virtude oculta a toda tolice. Com sua ajuda construiu Noé a Arca; Moisés, o Tabernáculo com seus vasos de ouro; Salomão, o Templo, além de muitos outros grandes feitos. A Pedra possibilitou que discernissem os grandes mistérios e maravilhas, e as riquezas inexauríveis da Glória Divina': Waterstone p. 86

[ANTICHRIST]: O ESPÍRITO DO ORGULHO

'Se descrevesse o Anticristo, não diria de outra forma - senão que ele chamou a si mesmo cristão, e cobre a si com o manto purpúreo de Cristo; conheceu e pregou a Cristo com a boca; mas seu Coração é completamente posto contra Cristo. Ele ensina uma coisa e faz a outra; externamente, chama a si mesmo cristão, mas é interiormente uma serpente; perseguiu a Cristo e seus seguidores, e resistiu ao Espírito Crístico; lisonjeou e cortejou a hipocrisia, de modo a ser honrado pelo Nome de Cristo, mas internamente é um lobo devorador; como os fariseus que sentaram sobre o trono de Moisés e dirigiam sua Lei, disse o Cristo, mas eram indignos, e pertenciam ao Príncipe deste Mundo, o Diabo': John 8:23, 24. Response to Richter 72

O erro primevo da Teologia da Igreja era a noção da Deidade como heterogênea de sua Criação e distante de nós:
'Anticristo é aquele que proclama a Deidade fora deste mundo, para que possa neste mundo reinar como um deus.''Por que deixáis o Anticristo enganar-vos com suas leis e discursos? Por que procurar a Divindade nos abismos acima das estrelas? Não a encontrará ali. Procure-a com o coração, em Seu próprio templo; na geração de tua própria vida': Three Principles 4:8

'Nossos doutores divinos falam de um Criador de todas as coisas; mas não sabem onde este Deus está. Quando escrevem, procuram-no fora deste mundo num Céu além, como se fosse algo à parte a ser comparado. Dizem que governa a todas as coisas do mundo com um só espírito; mas situam-no milhas distantes em um paraíso qualquer': Aurora 22:35
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JB esboça um cenário trágico dos 'templos de pedra' onde 'sermões e cantos' firmam 'a Guirlanda de Sophia na Cabeça da Serpente'; mas, surpreendentemente, ele não anuncia como em Apocalipse 18:4 (pregado por muitos milenaristas de seu tempo) que o fiel deva abandonar a igreja institucional. O Cristão, disse ele, pode estar em qualquer seita, ou até não participar de nenhuma. 'Para o puro, todas as coisas são também puras: mas para o pervertido e infiel, nada há que seja puro': Titus 1:15

Boehme viu muitos dissidentes se afastarem da igreja institucional levando consigo o próprio espírito do anticristo - auto-afirmação, crença cega em autoridades, poder político e dominação. (Ver Epistle 10: 'Of the Killing of Antichrist in Ourselves.')

'Abel é a igreja fundamental que representa a Divindade. A igreja de Caim deve converter-se através de Abel. Para esse fim, Deus não tem rejeitado a igreja de Caim (no sentido de recusar receber qualquer que dali venha); pelo contrário, a igreja verdadeira é como um cordeiro entre lobos a despeito da natureza dos membros que a compõem': Three Principles 20:89

Boehme foi luterano praticante e acreditava no Batismo e nas propriedades mágicas da Eucaristia. (Ver The Testaments of Christ)

[ASTROLOGY]: OS SETE PLANETAS E AS SETE PROPRIEDADES

No sistema de Boehme, Sete planetas são representantes das Sete Propriedades da Natureza Eterna (Espíritos-Fonte):
1. SATURNO - trevas - contração - aspereza
2. MERCÚRIO - desejo - atração - acidez
3. MARTE - atrito - explosão - amargor
4. SOL - fogo - cólera - crivo
5. VÊNUS - luz - amor - doçura
6. JÚPITER - tom - verbo - prazer
7. LUA - corpo - imagem - figura

Boehme não praticava adivinhação nem leituras de horóscopo, embora tratasse o 'homem natural' como sob 'sugestão, governo e domínio das estrelas'. (Spiritus Mundi)
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Galileu, Kepler e Boehme foram contemporâneos da época em que começava a separação entre astronomia e astrologia. O próprio Boehme já traçava distinções ao dizer que, enquanto 'ciência matemática', astrologia tinha 'retidão, verdade e fundamentos no Mistério da Natureza', mas que além disso seria 'mera cegueira pagã com o qual nós, Cristãos, não temos nada a tratar'.

Boehme assumia nada saber da 'ciência matemática', mas já aceitava o modelo Heliocêntrico de Copérnico e afirmava Saturno como mais distante do Sol que Júpiter num tempo em que isso ainda era incerto; não o fazia de acordo com observação e cálculo, mas segundo visões interiores: 'O Sol é o Centro' (a quarta e central das Sete Qualidades) e Saturno (primeira) é a mais afastada de nós, enquanto a Lua (sétima) a mais próxima.

[BABEL]: A PERIGOSA TEOLOGIA ECLESIÁSTICA

'A religião das opiniões. Eis a maior sandice de Babel, a qual leva as pessoas ao conflito religioso, como o Diabo faz o mundo fazer; para que então rivalizem veementemente com opiniões forjadas, isto é, sobre a Letra, enquanto o Reino de Deus consiste não em Opinião, mas em Poder e Amor': Way to Christ, The New Creation, ch. 7

'A crença histórica não passa de opinião baseada em explicações adotadas pela letra da palavra escrita, repetida em escolas, escutada pela orelha externa, produz dogmáticos, sofistas, teimosos vassalos da letra. Fé é resultado da percepção direta da verdade, ouvida e entendida com o sentido interior, instruída no Espírito Santo, e produz teósofos e servos do divino Espírito': Hartmann, ch. 1

[BIBLE]: O LIVRO DE DEUS

Só pode ser corretamente lido pelo sentido mágico e cabalístico, imperscrutável pela 'razão exterior'.

'Quando encontrei a pérola, pude olhar Moisés face a face, e descobri que ele escrevia com verdade, sendo eu quem não havia corretamente entendido': Three Principles 10:2

A leitura literal do Pentateuco é o 'Véu de Moisés'. 'Literal' significa 'para a letra' ou 'pela letra'.
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'Mas suas mentes eram cegas. Pois que até hoje um véu permaneceu coberto sobre a leitura do Velho Testamento, pela razão de que só por Cristo ele poderia ser levantado. Até hoje, quando Moisés é lido, o véu é posto sobre seus corações. Não obstante, quando converterem-se ao Senhor, será retirado o véu… então nós todos, com faces também descobertas, refletindo como num espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória nesta mesma imagem, pelo Espírito do Senhor': 2 Corinthians 3:14-18

'Deus fez-nos capazes de ministrar uma nova aliança, não a da letra mas do Espírito; pois a letra mata, porquanto o Espírito vivifica': 2 Corinthians 3:4-6

Boehme aconselhara o escatólogo Paul Kaym a deixar de afundar seu intelecto sobre a Bíblia. 'Apenas indagar leva a nada; a Pedra Filosofal é uma pedra muito escura e desprezada, de coloração cinzenta, mas em seu interior reside a mais elevada Tintura; se fores à procura do Mistério Magno, então tome diante de si somente a terra e seus metais, e então descobrirá o fundamento mágico ou cabalístico': Epistle 4:111

Boehme rejeitou a noção de que apenas cristãos fervorosos poderiam ser salvos, ou que o caminho para a Divindade só poderia ser encontrado pela bíblia. Pois turcos e pagãos, que não tiveram o Livro de Deus, puderam também ler o Livro da Natureza e o Livro do Homem.

'Há senão um Deus; mas quando o véu for tirado de seus olhos, para que então o contemple e conheça, então verás e conhecerás também a todos os teus irmãos, sejam eles cristãos, judeus, turcos ou pagãos': Aurora 11:58

[BIRTH OF GOD]: O ENGENDRAMENTO DA DIVINDADE

A teosofia de Boehme não era filosofia especulativa. Ele acreditava que um fundamento cosmológico era necessário para o entendimento completo do nascimento de Deus em nós. O nascimento da Deidade é descrito em Sete Qualidades. Nicolescu: 'A estrutura sétupla de Boehme penetra todos os níveis da realidade. O nascimento da Deidade é repetido incessantemente por toda parte, com assinaturas e traços.'
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'Os Sete Espíritos-Fonte, na circunferência do espaço, contêm e compreendem o céu e a terra; e também a vasta largura e profundeza abaixo e acima do firmamento, e até acima e abaixo deste mundo, e o próprio mundo. Contêm eles, também, todas as criaturas do Céu e da Terra… Da substância dos Sete Espíritos-Fonte são tiradas e produzidas todas as coisas, todos os anjos, todos os demônios, o Céu, a Terra, as estrelas, os elementos, homens, feras, aves, peixes; todos os vermes, madeira, árvores, e também pedras, ervas e o que for que exista': Aurora 9:74-77

'A Natureza desenrola-se nessa deslumbrante dinâmica - como receptáculo do nascimento da Divindade': Science, Meaning and Evolution: The Cosmology of Jacob Boehme.

[CABALA]: O MISTICISMO JUDAICO

Centrada no poder e significado interior das palavras, baseada na TORA, simbolizada pela Árvore da Vida e exposta nos 22 volumes do ZOHAR (Esplendor).

Após seu primeiro livro, AURORA, Boehme foi introduzido à Cabala por sábios amigos cuja influência sobre ele foi profunda. O Abismo de Boehme é o Ain Soph da Árvore da Vida; seu Andrógino, à imagem celeste, o Adam Kadmon do Midrash. Ele adota também a doutrina rabínica de que a Queda do Homem antecede o sono profundo da criação da Eva; de que Adão caiu 40 dias após sua criação. (Threefold Life of Man ch. 7)

A explosão solar da Quarta Qualidade é análogo ao Shevirah, (a Quebra dos Vasos). Seu livro Mysterium Magnum, extenso comentário sobre o Genesis, segue o estilo e método interpretativo dos rabinos.

Esses elementos não são encontrados na Aurora. No tempo em que escreveu Aurora, seu conhecimento cabalístico era de segunda mão, por meio de Paracelso. Nos anos silenciosos entre Aurora (1612) e Three Principles (1619), homens versados viajaram a Gorlitz para conhecer o sapateiro filósofo, e o iniciaram na antiga literatura rabínica. Por resultado, diz-nos Boehme: 'Obtive um melhor estilo, também um conhecimento mais profundo e fundamentado, e pude melhor trazer tudo à expressão exterior'.
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[CHRIST]: O NOVO HOMEM INTERIOR

'O Homem Cristo (homem tornado Cristo por meio de Cristo tornado homem) é senhor sobre todos, e compreende em si a totalidade da existência divina. Há nenhum outro lugar onde possamos conhecer a Divindade senão intimamente, na substância de Cristo em nós, porque nEle reside a essência e plenitude da Deidade': Forty Questions, 1:153

'Tudo que o Deus Pai é, tudo que nEle se encontra, aparecerá então em mim (no homem) como uma forma, imagem da essência do mundo divino. Todas as cores, poderes, virtudes de Sua sabedoria eterna manifestar-se-ão como Sua verdadeira imagem. Serei eu mesmo manifestação do mundo espiritual divino e seu instrumento para o Espírito de Deus, onde se regozijará consigo. Deverei tornar-me Seu instrumento afinado, harpa celestial, não apenas eu, mas também todos os meus irmãos, membros de um só glorioso instrumento de Deus': Signature ch. 12

Um Cristo meramente histórico é o 'bezerro de ouro de Babel em templos de pedra feitos por mãos de homens'.

[DIVINE UNITY]: A DEIDADE ANTES DA MANIFESTAÇÃO

Como a vela que Fogo (Pai), Luz (Filho) e Vento (E.S.) - assim é Deus antes de toda Natureza e Criatura.

[ELECTION]: A ESCOLHA DOS REDIMIDOS

'Escolheu-nos antes da fundação do mundo, que devemos ser santos e irrepreensíveis diante dEle em amor, tendo nos predestinado para filhos de adoção': Ephesians 1:4-5

'Pois aqueles que de antemão conheceu, também Ele predestinou a serem conforme a imagem de Seu Filho, primogênito de muitos irmãos': Romans 8:29

'Porque somos criação Sua, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais preparou Deus de antemão para que nelas caminhássemos': Ephesians 2:10

Boehme contestara interpretações superficiais que indicassem que aqueles não eleitos para a vida eterna estivessem predestinados à danação inescapável.
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Para Paulo, a Eleição foi uma experiência pessoal - Jesus deteve-o no caminho para Damasco dizendo 'Este é meu vaso escolhido': Acts 9

Para o início da teologia protestante, a Eleição era um divino sorteamento antes do tempo em que a Divindade selecionaria alguns para o Céu deixando o resto ao Inferno. A vasta maioria dos homens, predestinada ao tormento eterno, teria sido até mesmo criada com este fim, para que às suas custas Deus manifestasse a glória de sua justiça e retidão.

O absurdo se origina de um erro perene - separação entre Criador e sua Criação.

The Election of Grace:
'1.Quando a razão escuta qualquer coisa acerca do Ser, Essência, Substância e Vontade da Divindade, ela imagina Deus como alheio e distante, existindo independentemente, fora deste Mundo, em um trono acima das estrelas e de lá governando pela onipotência de seu Espírito.'

'2.Ela supõe que a Majestade e Trindade em que Deus se manifesta resida num Céu apartado, dissociado deste Mundo.'

'3.Em consequência disso cai a razão nessa opinião criatural, como se Deus fosse algo alheio, como se antes do tempo e da criação precisasse consultar a si mesmo a serventia de cada coisa, destinando tudo a seu propósito, estando cada coisa completamente determinada a ser o que é.'

'4.Daí a controversa opinião da determinação divina do homem, como se Deus reservasse a uma parcela da humanidade habitar consigo no Paraíso, e ao restante a danação eterna sobre a qual manifestaria Sua Cólera; enquanto expressaria Sua Graça somente para poucos escolhidos.'

'5.Pensou-se que Ele teria feito uma Separação, que mostraria seu poder em Amor e Cólera: por consequência seriam todas as coisas do único jeito que poderiam ser.'

'6.A parte destinada à Cólera seria tão rejeitada pelo desígnio divino que não haveria para ela possibilidade de salvação, e enquanto na outra não haveria possibilidade de condenação.'
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'7.Ainda que as escrituras sagradas digam palavras com as quais a razão criatural pensa concordar, ela não entende ao todo a natureza da Divindade; a Escritura mostra, pelo contrário, que a Divindade nunca deseja o Mal, e jamais destinou alguém a realizá-lo.'

'10.Mas Ele em Si é somente UM, Fundo de todas as coisas, Olho de cada ser, a Causa de toda essência; de Suas Propriedades jorram a Natureza e suas Criaturas com seus Poderes e Virtudes.'

'11.Por que consultaria a si mesmo sendo que não lhe pode haver Inimigo diante ou abaixo; e ele sozinho é Tudo, com toda Possibilidade e Capacidade?'

'12.Assim, quando tratamos somente e unicamente do Ser Imutável da Divindade - do que Ele Quer, do que Ele permitirá e de sua Vontade Eterna - não devemos jamais falar em termos de consulta, pois Ele não tem o que consultar.'

'13.Ele é o Olho de toda visibilidade, o Fundo de toda existência; não quer nem faz uma única coisa senão gerar a si mesmo - Pai, Filho e Espírito Santo - na sabedoria de sua manifestação; fora disso, a Única e Abismal Divindade nada deseja.'

'O Espírito de Deus trabalha no Amor e na Cólera; ele é o espírito de toda vida, e em toda vida assimila a si. Ele é em todas as coisas o que for que seja a vontade e propriedade dessa coisa mesma. O que for que a alma deseje, também Ele deseja, e nesta coisa a alma adentrará. É mágico; o que a Vontade da alma deseja, isso ela receberá': Six Theosophical Points 5:8:29-30

William Law: 'Não há Cólera alguma posta entre nós e a Divindade, senão a despertada pelo Fogo Tenebroso de nossa própria natureza decaída; para extinguir essa Cólera (não a sua própria) seu Filho Unigênito fez-se Homem. Deus não tem mais Cólera em si do que antes da Criação, quando tinha somente a si para amar. Não derramou o precioso sangue de seu Filho para apaziguar a si mesmo (que não possui nenhuma intenção para o homem senão Amor), mas para apagar o Fogo Colérico das almas decaídas, e novamente acendê-las co m um renascimento de Amor e Luz': Spirit of Love 2:50
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[ELEMENT]: OS QUATRO ELEMENTOS

Podem ser unidos por uma única substância sagrada. Não são substâncias, mas estados - sólido, líquido, gás, plasma. O elemento santo pertence ao Princípio Segundo, gerado na Natureza Eterna do Mistério Magno, e é análogo ao Primeiro, mas tornado Celeste através da geração do elemento sagrado. Na explosão da Quarta Qualidade (Sol) os quatro são unidos e, velada sua diferenciação, tornam-se novamente um só elemento divino.

[ENS]: A ESSÊNCIA PARTICULAR DE CADA COISA

Na Deidade, o ens é um santo poder de Luz e Amor, oposto ao "ens da Serpente". O ens é a origem e inclinação de uma determinada propriedade, e esse mesmo ens é tornado vida criatural pela atuação do Verbo.

O ens que conosco trazemos tinge nossos discursos e dá tom à voz. Não as palavras em si, mas o tom com o qual são proferidas, atinge o sino interno de nossos ouvintes. Quando alguém enfurecido nos confronta, involuntariamente sentimos raiva fervilhando dentro de nós - tal é a atividade do ens colérico e ígneo. Quando palavras de amor inflamam nossos corações, o ens do amor divino nos atiça. Palavras de amor soam ocas quando não são tingidas pelo ens do amor. Proferir palavras odiosas com uma voz macia e suave também não podem dissimular o ens do fogo colérico. Até uma observação banal soa poderosa quando dita com enfática emoção e convicção. O poder da fala não reside nas próprias palavras mas no ens: 'como vemos, um mau homem é amiúde conduzido por um bom homem ao arrependimento, e à cessação de sua iniquidade, quando o bom homem toca-o e atinge seu instrumento secreto com um manso e amável espírito. Da mesma maneira acontece o mesmo ao bom homem quando o homem perverso atinge-o em seu instrumento oculto com o espírito de sua ira, atiçando a cólera e fazendo com que se voltem uns contra os outros': Signature 1:8-9

Como com muitos termos exteriormente arcanos de Boehme, ens representa algo que conhecemos pela experiência direta. Mysterium Magnum 21:14: 'Qualquer palavra do homem procede de algum ens eterno; senão do Amor Divino, da Cólera; conforme qual seja trazido à tona, conforme de onde for extraído, assim será determinado a que se ligará.'
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'15.Agora, quando não encontra fora do homem perverso (que o extraiu e introduziu em sons e palavras) afinidade a que se possa ligar, então cerca e envolve seu próprio autor - aquele que lhe deu substância - e adentra novamente com sua raiz na mãe que lhe deu a luz; isto é, no espírito semelhante, e com sua substância apreende seu próprio criador, isto é a essência do enxofre exterior.'

'16.Porque toda palavra proferida, é exteriormente formada e expressada; com a pronúncia do espírito exterior - a parte externa a alma - dele recebe sua própria substância; mais tarde, tendo afinidade com a cólera, infectada com diabo pela sutileza ardilosa da serpente, adentra novamente no corpo e alma da monstruosa imagem; lá produz segundo sua propriedade, atrelada e infectada pelo diabo, continuamente produzindo maus frutos e palavras: conforme vemos que de lábios perversos nada vem que não seja vaidade.'

'Porque o Reino de Deus não consiste de palavras, mas de poder (ens)': (1 Cor. 4:20)

[ESSENCE]: SER E SUBSTÂNCIA

Essência (ser) é a causa de toda ciência (conhecer), 'quando o entendimento na mente se manifesta, deve antes haver uma causa que apareça para a mente.'

Conhecer é um fenômeno do Ser. O inverso é verdadeiro. Não poderia haver Essência sem Ciência, Ser sem Consciência de ser. 'Ciência é a raiz de toda origem.'

'Ciência é a causa do divino abismo dobrar-se em si para se revelar na Natureza na sagrada, inteligível e perceptível vida de entendimento e diferenciação - pela impressão da Ciência por meio da qual atrai a si mesma, brota a vida natural, e assim originalmente o verbo de toda vida': The Key of Jacob Boehme

[ETERNAL NATURE]: NATUREZA ETERNA - DEUS ANTES DE DEUS

A Divindade em seu princípio primeiro, segundo o qual não é ainda chamada Deus, mas somente um 'fogo devorador'. Só no amor-luz do Princípio Segundo será a Divindade chamada Deus.
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'Há ainda esta diferença - o Mal não é nem pode ser chamado Divindade; deve ser entendido no Princípio Primeiro, como presságio e fonte da Ira segundo a qual Deus é ciumento e vingador. Pois que a origem da vida e de todo movimento está na Cólera; contudo, uma vez acendida na Luz de Deus, transforma Acidez em grande Prazer': Three Principles 1:2

A Eterna Natureza no Princípio Primeiro é LEI. No Princípio Segundo a Divindade será LIBERDADE.

As leis da natureza são impessoais, indiferentes, invioláveis e nunca sujeitas à modificação. A Natureza não nutre intenções, não conhece motivos nem concede isenções para bons propósitos. Para Idealistas Franceses que falavam em 'viver em harmonia com a natureza', um Cínico Germânico responderia - como viver em harmonia com a indiferença?.

Os filhos de Israel viram a impossibilidade de se viver em harmonia com o Primeiro Princípio - Deus como LEI. Cristãos se complicavam para explicar o Velho Testamento.

Em 1 Samuel 15, YHVH despoja Saul da realeza não por massacrar 'desde o homem até a mulher, desde os meninos até aos de peito', mas por poupar a pecuária. No capítulo 27 Davi, 'homem agradável ao coração de YHVH', atravessa a terra dos filisteus pilhando tudo em seu caminho, e não deixa nenhum vivo 'para que porventura não nos denunciem'. 'Teu olho não perdoará'/'Não poupará nem a um homem pobre.'

YHVH tem sido variadamente explicado como o demiurgo, um deus cego (Samael), espírito vulcânico (Exodus 19:13) ou ainda um deus de entendimento 'que no terrível monte Sinai, concedeu a letra aos homens' (Blake). Boehme apresenta sua explicação simultaneamente simples e satisfatória - o ciumento e vingativo YHVH do Pentateuco é Deus no Princípio Primeiro. Assim como a História, a auto-revelação da Divindade é gradual e dialética - apareceu para Moisés um Fogo Tenebroso que, em um mundo não-decaído, permaneceria desconhecido e latente; já os profetas, vislumbraram a luz matinal do Princípio Segundo em lampejos esvanecentes entre palavras iradas e julgamento ígneos, vide Isaiah e Jeremiah. O Sol diurno do Princípio Segundo só efetivamente nasce na Pessoa de Jesus Cristo - e com o Pentecostes vem o advento do Espírito Santo.
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Tal doutrina se encontra em perfeita concordância com o ensinamento de Paulo, que explica em Romanos (3, 6, 7), 2Coríntios (3), Gálatas 3 e na Epístola aos Hebreus como a Lei de Moisés fora uma fase essencial no plano divino de redenção, mas cujo véu é somente retirado em Cristo.

Ainda assim, 'a Cólera de Deus se manifesta contra a impiedade dos homens': Romans 1

Rei Davi, que encontrou a Deus tanto na severidade como na misericórdia, diz 'ao benigno te mostras benigno; com o homem íntegro te mostras perfeito. Ao puro te mostras puro; mas ao perverso te mostras severo': 2 Samuel 22:26-27

A Lei foi uma fase necessária ao desenvolvimento da humanidade, pois por meio dela tornamo-nos conscientes. A primeira ordem 'da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás' despertou Adão para consciência de si. Ao passar pela árvore pôde pensar - 'não comerei do fruto proibido pois assim Deus me ordenou, mas eu poderia...' - sem o 'mas', sem a dicotomia da escolha, jamais teria Adão acordado para a realidade do Eu.

Por que o Ser dos Seres conduziu-nos desta forma? O Eu é uma semente. A Queda de Adam (felix culpa) despertou sua consciência e agora 'É chegada a hora em que o Filho do homem há de ser glorificado. Na verdade vos digo que se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dará muitos grãos. Quem ama a sua vida (psyche) perdê-la-á, e quem neste mundo odeia a sua vida (psyche), guardá-la-á para a vida eterna (zoe). Segue-me…': João 12:23-26

[EXPRESSED WORD]: O JORRO DO VERBO

Todas as criaturas visíveis e invisíveis - 'O mundo visível com todas as suas hostes e criaturas nada mais é que um transbordamento do verbo que introduziu-se em propriedades, dentro das quais nasceu uma vontade própria; E da recepção dessa vontade, toda a vida a criatural': Theoscopium 3:22-23 [nota do tradutor: é como se toda a variedade e movimento da Criação fosse uma ilustração viva e movente das relações invisíveis subjacentes].
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[FAITH]: FÉ, EVIDÊNCIA DO INVISÍVEL

The Incarnation of Jesus Christ 3:1:
'Cristo diz - 'buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça, e tudo mais vos será acrescentado': Mateus 6:33. 'Meu Pai dará o Espírito Santo a aqueles que o pedirem': Lucas 11:13. 'Mas quando vier o Espírito, ele vos guiará em toda verdade. Não falará por si mesmo, mas somente segundo ouve, e te contará o que está ainda por vir': João 16:13-15. 'Lhes darei palavra e sabedoria': Lucas 21:15. Paulo diz - 'Não sabemos o que pedir ou pregar; mas o Espírito de Deus intercede em nosso lugar': Romanos 8:26'.

'2. Fé não é conhecimento histórico, como se um homem listasse artigos de fé, forçando e introduzindo sua mente na obra de sua razão; fé é um só espírito com Deus, pois que o Espírito Santo move-se no espírito da fé.'

'3. A verdadeira fé é um dom de Deus, de um Espírito unido a Deus. Ela opera em e com Deus. Não é condicionada por nenhuma cláusula salvo o verdadeiro amor, de onde extrai o poder e força de sua vida; conjecturas e delusões humanas não geram consequências.'

'4. Sendo a Divindade livre de toda inclinação, no sentido de que produz o que quiser, sem prestar contas e nem precisar fazê-lo, assim é também livre a verdadeira fé no Espírito de Deus. Não tem senão uma inclinação, isto é, divino amor e misericórdia, para que possa lançar sua vontade pessoal na Vontade Divina e atirar-se fora da razão astral e elemental; não procura a si mesma na razão carnal, mas no amor divino. E quando dessa maneira encontra a si mesma, então encontra a si mesma em Deus, trabalha com Ele; não age segundo a Razão, seja o que for que ela proponha, mas com Deus, o que for que o Espírito de Deus queira nela. Ela considera a vida terrena um nada, para que possa assim viver em Deus, e todo seu querer e agir proceder apenas do Espírito de Deus. Com humildade entrega a si mesma à Vontade da Divindade, e afunda sua razão até a morte, mas irrompe com o Espírito de Deus na vida divina como se fosse um Nada e, ao mesmo tempo, se tornasse Tudo em Deus; ornamento da Coroa da Deidade, maravilha da magia divina. Cria onde há somente nada, toma onde nada é formado. Opera, contudo ninguém apreende seu ser; Eleva-se sem necessitar ser levantado - é poderoso na mais funda humildade.
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Tudo possui, mas à nada se agarra além da gentileza. É assim livre de toda iniquidade e não possui lei, pois que a cólera ímpia da natureza não tem sobre ele poder algum. Existe na eternidade, por não ser contido por nenhum fundo; não pode ser ameaçado por nada, assim como o abismo da eternidade é livre e não encontra repouso senão em si, de onde produz eterna gentileza (tranquilidade).'

'5. Tal é no abismo a verdadeira fé. Em si mesma, ser essencial. Tem vida, ainda assim busca não sua própria vida, mas eterna calma e tranquilidade. Se aparta em espírito de sua própria vida e a possui: é então liberada da dor, tal como Deus é livre de dor, e nestas condições habita a liberdade eterna na Divindade. É, em relação à própria liberdade eterna da Divindade, como um nada, e ainda assim está em tudo. Tudo que são e podem Deus e a Eternidade lhe serve de alguma maneira. Não é segurado por nada, contudo habita intimamente na grande força de Deus. Ainda um ser, mas inapreensível para qualquer ser. É um colega e amigo da divina Virgem, a qual é a Sabedoria de Deus; nele residem grandes maravilhas divinas. Sempre livre de todas as coisas, tal como luz livre do fogo, ainda que sempre por ele gerada, não pode o tormento ígneo apreendê-la nem alcançá-la.'

'6. De maneira semelhante intentamos demonstrar como a fé é gerada pelo espírito da vida, como um fogo sempre ardente, e brilha a partir deste fogo; vivifica o fogo sem ser por ele apreendida ou segurada. Mas se segurada, então adentra a razão como uma prisão, já não mais se encontrando em Deus, na Liberdade, mas entrando novamente no tormento; tormenta a si mesma, embora indubitavelmente possa libertar-se. Na razão opera maravilhas segundo o fogo desta natureza, mas em liberdade opera as maravilhas no Amor de Deus.'

[FIAT]: O VERBO

A eternamente proferida palavra criadora, procedente da vontade incriada e incondicionada do Abismo - 'Faça-se...'. É também a essência do poder do desejo na alma através da Tintura do Amor.
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[FLAGRAT]: A EXPLOSÃO SOLAR

A Quarta Propriedade (SOL), crivo e centro das Sete Qualidades, é um Eixo de Fogo que transmuta a tríade das Trevas na trindade da Luz. A tríade das trevas (qualidades 1-2-3) é o Abismo e cólera tenebrosa do Princípio Primeiro. A trindade da luz (qualidades 5-6-7) é a divindade em seu amor luminoso no Princípio Segundo. O intermediário Princípio Terceiro (qualidade 4) é o portal da Natureza Exterior - um ponto de separação entre a Luz e as Trevas. '[O Flagrat] é, como posso chamá-lo, um sopro de fogo pelo qual poderes da Luz e das Trevas são contidos em separação. Em suma, é o pregnante eco do som da Eternidade revelando-se em todas as coisas, por toda parte se expressando, operando e abrindo-se na Cólera ou Amor de cada coisa conforme sua Vontade e Desejo: em algumas é uma horrível explosão da Morte; em outras, revelação luminosa da Vida alegre e triunfante': John Ellistone

'A Quarta Propriedade da Natureza Eterna. Fogo Mágico, o Mundo do Fogo. Terceiro Princípio da divina essência. Geração da Cruz. A força, potência e poder da Natureza Eterna. Fenda do Abismo do Mundo das Trevas que irrompe consumindo em luz a densa Atração das trevas': Dionysius Freher

'A marca distintiva posta no meio entre Três e Três: ao mesmo tempo a terrível entrada do Mundo das Trevas (quando na seca adstringência) e o agradável portal para o Mundo da Luz (quando pela substância macia e úmida, adstringência transformada) - conduz cada qual segundo sua natureza - Força e Severidade ao Primeiro; ao Segundo, Glória e Esplendor': Dionysius Freher

Ellistone, tradutor do séc.XVII explica: 'a palavra germânica SCHRACK significa não apenas Fenda, mas também Abismo e Assombro, onde FLAGRAT, da palavra latina Flagro, é colocada representando não somente Incêndio, mas a poderosa Abertura do Fogo da Natureza para Vida ou Morte. Sendo o Fogo a divina marca da Fronteira, na qual são os Dois Princípios tanto abertos como separados; a conduta do Primeiro é a decadência e morte das Trevas; a do segundo, a animação e vida da Luz.'
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'Encontrarás uma semelhança com este Flagrat nos trovões e relâmpagos, bem como na pólvora e semelhantes. Tome por exemplo materiais sulforosos e salitres perfeitamente misturados - seus poderes estão como que contraídos, contidos na negra adstrigência de Desejo e Morte e basta atiçá-los com verdadeiro Fogo para demonstrar como se entreabrem e reluzirão, e revelar-se-ão em Propriedades, Cores e Virtudes. Assim é a explosão exterior do ardente Desejo na Natureza': Ellistone

A cosmologia pode ver o Flagrat exterior no Big Bang; bem como interiormente na experiência humana, na crise da transformação espiritual.

[FOUR ELEMENTS]: QUATRO ELEMENTOS - FOGO, AR, ÁGUA, TERRA

Os quatro elementos não são substâncias, mas estados - sólido, líquido, gás, plasma - ou ainda, segundo Boehme, Propriedades. As primeiras quatro das Sete Qualidades sendo os quatro elementos:

1. TERRA = SAL
2. ÁGUA = MERCÚRIO
3. AR = ENXOFRE
4. FOGO = SALITRE (FLAGRAT)
5. LUZ = ENXOFRE TRANSMUTADO
6. TONALIDADE = MERCÚRIO TINGIDO
7. SUBSTÂNCIA (SAL) = SATURNO SUBLIMADO

'Do sol e das estrelas procedem os quatro elementos - fogo, ar, água, terra. Aqui deves erguer teus olhos além desta natureza, até a triunfante Luz sagrada do poder divino e daí à imutável Santíssima Trindade, a qual é um ser movente e nascente, em que todos os poderes estão contidos, como na natureza. Pois é esta a mãe eterna da natureza, da qual céu, terra, estrelas, anjos, demônios, homens e bestas recebem sua existência; e é nesse lugar onde reside o TODO. Quando nomeamos céu e terra, estrelas e elementos, e tudo que neles há, bem como tudo quanto haja acima dos céus, quem acaba assim nomeado é Deus, o qual fez a si mesmo criatural em todos estes seres supracitados, pelo poder que dele flui. Mas DEUS em sua TRINDADE é imutável, e o que for que haja no céu e na terra, e acima da terra, tem nascimento, fonte e origem no poder que procede da Divindade': Aurora 2:59-62
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[HOLY SPIRIT]: ESPÍRITO SANTO, REVELAÇÃO NO P. TERCEIRO

A Divindade no Pai é Fogo; no Filho, Deus é Luz; no Espírito Santo, a claridade divina brilha sobre a Criação. Deu Pai é Oceano; Deus Filho, Onda; Espírito Santo é a quebra d'água na ribanceira. Deus como Pai é o Pensamento; Deus no Filho, a Palavra; no Espírito Santo, é Ação.

O Espírito Santo é o amor que flui entre Pai e Filho. Não tendo fim o intervalo (cujo centro está em toda parte) entre ambos, experimentamos no Espírito Santo a extroversão e esplendor do amor universal de Deus.

O amor que emana entre seres criados se assemelha a Deus no Espírito Santo - 'Deus é amor; e quem está em amor está em Deus, e Deus nele': (1 João 4:16)

Muitos religiosos ficariam surpresos em descobrir que sua religião específica pouco interessa ao Espírito Santo - 'Ninguém jamais viu a Deus; se nos amamos uns aos outros, Deus está em nós, e em nós é perfeito o seu amor. Nisto conhecemos que estamos nele, e ele em nós, pois que nos deu do seu Espírito': (1 João 4:12-13)

Movimentos em ascensão identificam no Espírito Santo um aspecto feminino da Divindade. Boehme não ensina uma trindade Pai-Mãe-Filho - mas identifica a Sophia no próprio Princípio Segundo do Filho. 'Cristo e a virgem Sophia são uma única pessoa' (Mysterium Magnum 50:48), no sentido que 'o homem deve unir-se à sua esposa e serão ambos uma só carne' - sendo Sophia a Noiva de Cristo. Da mesma maneira, Boehme não fala de um Adão masculino, e sim Andrógino. Adão e Eva foram uma só pessoa posteriormente cingida em duas.

[IMAGINATION]: IMAGINAÇÃO, PRIMEIRA FASE DA CRIAÇÃO

Nada vem a ser que não tenha antes sido concebido na imaginação. Não se trata de senso comum, mas um princípio cosmológico - 'Toda imaginação adquire substancialidade': Threefold Life 10:31

'Onde não há substância não há criação; considerando que um espírito criatural não possui substância palpável, ele atrairá substância para si por meio de sua imaginação, do contrário não poderia subsistir': Incarnation 1:5:88
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'Um espírito segundo sua natureza é uma fonte de fogo mágico, desejoso de substância, cujo desejo modela substância e a traz até sua imaginação. Assim se dá a corporeidade do fogo mágico, pela qual o espírito é chamado criatura': [Apology 1, Part 2, par. 186.]

'A alma de Adão afundou sua imaginação no terrestre, para longe da verdadeira substância', e desde então 'a alma não teve imagem ou corpo que pudesse subsistir eternamente, a menos que seja por Cristo regenerada a partir da primeira substancialidade': [Apology 1, part 2, pars. 373 and 265.]

Para esse fim devemos 'introduzir nossa imaginação e desejo nEle, para que o resto de nossa imagem possa nele cintilar e reluzir pelo Espírito e poder do Cristo': [Apology 3, text 2, par. 49.]

[IMPRESSION]: IMPRESSÃO

Termo paracelsiano melhor entendido como 'manifestação' - uma onda do mar deixa uma impressão sobre o ar: o ar é forçado a uma forma exatamente contrária às dimensões da onda. Qualquer coisa que se manifesta desloca alguma outra, assim deixando sua 'impressão'. Tudo 'imprime', 'carimba' ou 'grava' sua própria imagem na natureza.

[INCARNATION]: ENCARNAÇÃO

A Encarnação de Cristo não é um acontecimento histórico, mas um evento contínuo e em andamento - 'Jesus Cristo, Filho de Deus, deve tornar-se homem e nascer em ti, se quiserdes conhecer a Divindade. Do contrário, se encontrará em um estábulo escuro, tateando à procura do Cristo e supondo que esta esteja à grande distância; você projeta sua mente ao alto, acima das estrelas, como ensinam sofistas que representam a Deus num céu distante. Se deves encontrá-lo, procure-o em suas raízes e propriedades, as quais se fazem presentes por toda parte; tudo é cheio de Deus, e ele brilha na escuridão; até mesmo num coração escuro, ainda que em Outro Princípio. Bate, e a porta lhe será aberta; o Espírito Santo de Deus é a chave no Centro: saia com teu desejo da carnalidade, em arrependimento sincero e diligente, e coloca toda tua vontade, razão e pensamentos na divina Misericórdia': Threefold Life ch. 3
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Threefold Life ch. 3: 'Então o Verbo de Deus (seu amado Coração) tomará forma em ti: estará diante da manjadoura em que Jesus nasceu: ajoelha-te aí diante da Criança, e oferece teu coração, e Cristo se fará nascido em ti.'

'Fosse possível à Divindade retirar os pecados de Adão como um magistrado absolve a um criminoso, Deus jamais necessitaria fazer-se homem para então religar-nos à Ele: poderia ao invés simplesmente desculpá-lo, tal como um príncipe perdoa um assassinato - mas não, deves retirar-te tu mesmo do pecado, e adentrar voluntariamente na Vontade de Deus - Ele não é um rei entronado, em vez disso age através de Poder. Deves passar do Fogo para a Luz. Deus não é uma imagem para que possamos reverenciar e dizer belas palavras, mas sim um espírito que penetra corações e reinos, isto é, alma e espírito - é o fogo do Amor, e no centro da natureza é o fogo da Severidade; e ainda que tu estivesse no Inferno entre todos os diabos, ainda assim estaria em Deus, pois a Cólera é ainda dEle, assim como é Seu o Abismo; portanto, saindo de lá, adentras o Amor de Deus, liberdade incriada': Three Principles 11:62

[LANGUAGE OF NATURE]: LINGUAGEM DA NATUREZA

Ellistone: 'Palavras são vehicula rerum [veiculós de coisas], são formadas para expressar Coisas, e não meros sons e vento. Aquele que compreende corretamente o Fundamento da Cabala e da Magia, e sabe como a Linguagem da Natureza fala toda e qualquer língua, poderá também traduzir seu Autor. Mas a mera letra de seus escritos, ainda que exatamente transliterada, não dará deles entendimento. Só pode fazê-lo o Espírito da Regeneração em Cristo, onde a plenitude da Deidade habita corporalmente.'

'No que concerne à língua da natureza, certifico sua veracidade; mas o que nela leio e entendo, não posso ensinar ou transmitir a outrem; de fato poderia dar uma expressão dela, da maneira como a entendo, e demandaria muito espaço; mas deve haver um encontro, e a ligação direta com ela não é algo a ser depositado em escritos': Epistle 23:14
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[LIMBUS/LIMUS]: A SEMENTE

A contraparte masculina da feminina Matrix [Matriz]. É a semente, porquanto a Matrix é o solo - 'dois sexos irromperam da Una Essência; o Limbus segundo a Forma Ígnea, a Matrix segundo a forma aquosa; até o momento misturados ao ponto de se identificarem no Corpo. E assim foi modelado o Homem segundo o Limbus, ou forma ígnea, e a Mulher segundo o Aquaster [Espírito da Água]': Three Principles 8:38-42

'3. Pois depois da Queda disse Deus à Adão e Eva: tu és pó e ao pó da terra retornarás; se eu não tivesse considerado o Limbus, teria permanecido cego - a semente mostrou-me o fundamento do que Adão foi antes e depois da Queda': Three Principles 10:3

[LUBET]: O ANSEIO OU COBIÇA

Ellistone: 'A palavra germânica é LUST, que significa uma ânsia cobiçosa por algo; e também deleite, prazer e por vezes imaginação e luxúria - mas como este termo é entendido geralmente no pior sentido possível, não poderia corretamente traduzir a palavra LUST em todos os sentidos, por isso tenho a traduzido por LUBET, do Latim LUBITUM, segundo a qual expressa um divino ou bom prazer. Refere-se à origem do Desejo no Eterno Nada, a Magia desta pregnância, Divina Vontade para a manifestação de Natureza e Criatura, sem a qual tudo teria permanecido a eterna quietude do Nada. No Homem, esse Lubet é a Vontade que dirige-o ao Bem ou Mal, Luz ou Trevas, Amor ou Cólera'.

[MAGIC]: MAGIA

Deriva de 'mag', palavra antiga de origem desconhecida, significando 'sábio' e 'grande', raiz de que derivam 'mago', 'mágica', 'magnitude', 'magnífico', 'magnânimo', 'magistrado', 'majestade', 'major' e o prefixo 'mega-'. Os três sábios (Mateus 2) eram chamados 'magos'; o pai mítico da Alquimia, Hermes Trismegisto. A palavra Imaginação não está etimologicamente ligada à Magia, mas Boehme conecta profundamente os termos em seu sistema. Magia é a atividade oculta da Vontade, uma cadeia de causas e efeitos invisível para os cinco sentidos, bem como o velado conhecimento deste mecanismo.
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Boehme constrasta a divina magia com a 'mágica pagã' - o mago natural tem poder somente sobre esta natureza. Uma procede do espírito de Deus; a outra, da instigação e domínio das estrelas.

'3. Foi conhecida pelos egípcios a arte mágica. Mas, uma vez degenerada em feitiçaria, foi extirpada, ainda que permanecesse entre os pagãos até a advento de Cristo, pelo qual irrompe a magia divina. Então foi suprimida a magia natural entre os cristãos, tal como foi reprimida a fé pagã; e as imagens mágicas da natureza, antes adoradas por divindades, foram erradicadas dos corações dos homens.'

'4. Mas quando difundiu-se a fé cristã, logo apareceram outros magi ['sábios'], isto é, de seitas da cristandade que estabeleceram deuses no lugar dos ídolos pagãos, e conduziram a delusões ainda maiores que as pagãs.'

'5. Pois que os pagãos buscaram o fundamento e mecanismo da Natureza, enquanto estes outros colocaram a si próprios acima da natureza mesma, com uma fé meramente histórica, exortando homens a crer em suas invenções.'

'6. E neste dia mesmo ficou a Cristandade repleta destes magi sem entendimento natural - nem da Divindade e nem da Natureza a seu redor, mas apenas de um balbuciar vazio sobre um fundamento sobrenatural pelo qual estabeleceram a si mesmos como ídolos, sem entendimento da magia natural e nem divina, de maneira que o mundo inteiro é tornado ilegível para eles. Daí se originaram as contendas e discussões de fé, de que tanto os homens, falando de sua fé, um distorcendo de uma forma, outro de outra, ergueram assim uma multitude de opiniões, as quais juntas são piores que os ídolos pagãos, os quais tinham ao menos seu fundamento na Natureza - enquanto estas imagens não tinham fundamento algum, seja na natureza e tampouco numa fé divina, não passando de tolos ídolos, sendo seus ministros os ministros de Baal': Mysterium Magnum ch. 68:3-6
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'7. Enquanto foi necessário e bom que a magia natural fosse descontinuada entre cristãos quando se manifestava a fé em Cristo, no tempo presente é muito necessário que manifeste-se novamente; para que as imagens que a Cristandade toma para a si mesma possam, através da natureza, manifestarem-se e se fazerem conhecer, e então possa o homem reconhecer na natureza a exteriorização ou expresssão do Verbo de Deus, bem como a regeneração, e assim também a queda e a perdição. Que desse modo sejam suprimidos os ídolos artificiais, e que os homens, pela medida da natureza aprendam a entender as Escrituras, tendo em vista não confiarem no espírito de Deus pela divina magia da verdadeira fé, mas assentam seu alicerce sobre a Torre de Babel, na contenda entre ídolos e opiniões dos éditos e tradições humanas.'

'8. Não estou dizendo que os homens devam buscar e pregar magia pagã novamente, mas que é necessário aprender a investigar a raiz da Natureza, isto é, a produção do Verbo de Deus em amor e cólera em sua dupla-expressão; para que os homens não sejam tão cegos no que concerne à essência de todas as essências.' Mysterium Magnum ch. 68:7-8

(A teologia dos templos de pedra esculpidos por mãos humanas não é falsa magia mas não-magia - é uma ensimesmada nuvem de palavras, em si mesma contida e fechada e incapaz de apreender nem Natureza nem Deidade).

Conhecimento mágico é pensamento-sem-imagem. Pensamento-com-imagem, imaginação, atiça a magia à ação criadora: 'Toda imaginação produz substancialidade': (Threefold Life 10:31); 'Onde não há substância nada se cria; considerando que um espírito criatural não é substância palpável, ele deve trazer a substância a si por meio de sua imaginação, do contrário não poderia subsistir': Incarnation 1:5:88

A Imaginação modela a coisa desejada e a Magia a atrai até a corporeidade, só que nem sempre da forma esperada. Imaginação sempre deixa impressões e provoca mudanças, pois que movimenta a magia, mas forças subconscientes e desejos conflitantes podem trazer resultados confusos e indesejados. Só o Mago provoca mudanças com Vontade, graças a seu "entendimento mágico". O falso mago impõe vontade sobre substância; o verdadeiro, imagina com e no Coração de Deus.
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'A vontade não é um ser, mas a imaginação da vontade forma o ser': Incarnation 2:2:4

Magia não é uma força que o Criador adicionou à Criação para que nela trabalhássemos - é a própria vontade primordial.

'Nada é eterno, com a exceção de terem sua origem no eterno fogo mágico': Forty Questions 1:180

'Tudo foi trazido à existência pela Magia; pois no abismo da eternidade nada há senão magia': Theos. Quest. 194

'O poder mágico é o espírito desejoso de ser. Não é essencialmente nada mais que vontade, mas engendra a existência. É o maior dos mistérios; está acima da natureza, e força a natureza a modelar-se segundo a forma da vontade. Ela introduz um fundamento no abismo sem-fundo, e torna o nada em algo. É a mãe da eternidade e da essência de todos os seres - nela estão contidas todas as formas destes': Third of Six Theosophic Points

Magia é a vontade que cria e atrai o que deseja.

'1. É a mãe da eternidade, o ser dos seres; pois que cria a si mesmo e faz-se entender pelo desejo.'

'2. É em si mesma nada além de uma vontade, e essa vontade é o grande mistério das as maravilhas e segredos, mas se revela pela imaginação na desejosa fome de ser.'

'3. É o estado original da natureza. Seu desejo provoca imaginação, e essa imaginação é somente a vontade do desejo. Mas o desejo cria pela vontade um ser tal qual ela mesma.'

'4. A verdadeira magia não é o ser, mas o espírito desejante do ser. É uma matriz sem substância, que se faz conhecer pelo ser substanciado.'

'5. Magia é espírito, e o ser é seu corpo; ainda assim, ambos não são senão um, tal como o corpo e a alma de uma mesma pessoa.'
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'6. Magia é o maior dos segredos, por estar acima da Natureza e moldá-la conforme sua vontade. É o mistério do Ternário, isto é, da vontade irrompendo no Coração de Deus.'

'24. Em suma: é a atividade da vontade do espírito': Fifth point of Six Mystical Points

Ver William Law's The Way to Divine Knowledge 2:85ff.

Ao dormirmos, retornamos à magia. Enquanto dormimos, somos o que éramos antes que a vontade da magia nos imaginasse e chamasse à manifestação pelos três princípios. Todo despertar é uma recriação.

'Imaginação é vontade' - a vontade própria facilmente conduz ao engano, tendo em vista que tende a não submeter-se à verdade, mas crê no que quer. A diferença entre magia e a falsa magia, é que a última é dissipada por uma vontade quebrantada. (Ver The Way to Christ, "Of True Resignation")

[MAJESTY]: MAJESTADE

A Luz do Glorioso Filho de Deus, o Princípio Segundo, aquele em que a Divindade é chamada Deus, pois que no Princípio Primeiro é conhecida apenas como fogo devorador.

[MATRIX]: MATRIZ

O fértil e frutífero útero da Eternidade nos princípios Primeiro e Segundo. No Princípio Terceiro, é revelada como a teia da vida, as leis da natureza, a mãe terra, as estrelas e os quatro elementos (TP ch. 8). Matrix, matéria e material derivam todos do latim MATER (mãe).

'Tudo o que é nascido do Princípio Terceiro permanece eternamente dentro da Matrix. E se um homem em seu tempo de vida não nascer novamente do Princípio Segundo, então deverá ficar eternamente na Matrix, sem alcançar a luz de Deus. A Matrix é inanimada e vazia de entendimento, em seu mundo não há verdadeiro conhecimento, seja nas Estrelas ou Elementos; e em todas as suas criaturas há apenas o entendimento de como se perpetuarem, de como subsistir, e como se desenvolver dentro da Matrix': The Three Principles ch. 5
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'Deus gerou o Princípio Terceiro para revelar a si mesmo através do mundo material' - a matéria é o espelho em que a divindade se contempla. Sophia é luz por ele refletida. A Virgem Sophia (Sabedoria Divina) resplandece meio à matriz, mas esta não a compreende.

A Matriz é a estrutura sem substância, essência ou ser que lhe seja próprio. Pense nas leis da natureza antes do Big Bang, existindo sem que tenham ainda sobre o que operar. Uma vez que a substância venha à manifestação, é inexoravelmente dirigida segundo a Matrix.

[MOSES]: MOISÉS

Não foi um legislador, mas um místico e cabalista. Ler a TORA segundo o 'entendimento exterior' conduz infalivelmente ao erro. Boehme confessa nunca ter entendido a Moisés até 'obter a pérola'.

'Deves nascer novamente, se quiserdes conhecer o Reino de Deus. Se soubesse, deixaria de lado seu capelo orgulhoso de erudito, o qual ostenta em sua mente, e andaria meio ao paradisíaco jardim de rosas no qual encontraria uma erva; se dela comerdes, seriam abertos teus olhos para o entendimento daquilo que Moisés escreveu': Three Principles 8:35

[MYSTERIUM MAGNUM]: MISTÉRIO MAGNO

O Caos de onde a Unidade Divina flui até a manifestação exterior pela Divina Sabedoria. Tem sua raiz no Princípio Primeiro. O Mistério Magno é exposto pela sabedoria - é de onde a respiração do sopro divino é exalada até a expressão pelo poder desejante do entendimento divino, em que a Unidade de Deus irrompe na exteriorização. Do Mistério Magno ergue-se a Natureza Eterna, e por ele compreendemos duas substâncias. Primeiro, a Unidade de Deus - divinos poder e virtude, sabedoria que transborda; segundo, a vontade diferenciada, que vem a ser pela exalação e pronunciamento da Palavra, cuja vontade não tem sua raiz na Unidade, mas na mobilidade e efluência deste sopro mesmo, o qual se individua em uma vontade diferenciada, do desejo até a Natureza, isto é, em propriedades tão diversas como Fogo e Luz: pelo fogo é entendida a vida natural; pela luz, a vida divina, manifestação da Unidade, na qual a Unidade faz-se um fogo de luz e amor.
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'Na Luz a Divindade se dá a conhecer como um Deus amoroso de Misericórdia, pelo fogo transmutado pela Unidade; mas nas raizes ígneas da Natureza Eterna, um Deus colérico de Severidade.' (Clavis)

'O Mistério Magno é aquele Caos, do qual Luz e Trevas, isto é, o fundamento do Céu e Inferno, jorram da Eternidade, e são feitos manifestos; pois esta fundação a que chamamos Inferno (sendo um Princípio), é a origem e causa do Fogo na Natureza Eterna; fogo este que, em Deus, é apenas amor ardente; e onde não se conhece Deus nem Unidade, queima com angústia e dor.' (Clavis)

'O Fogo ardente é manifestação da vida e do divino amor; por ele se acende a Unidade que imola a si mesma em nome da Obra do poder Deus.' (Clavis)

'Se essa raiz é chamada Mysterium Magnum ou CHAOS, é porque dela fluem BEM e MAL, LUZ e TREVAS, VIDA e MORTE, ALEGRIA e TRISTEZA, SALVAÇÃO e DANAÇÃO.' (Clavis)

'Origem de almas e anjos, de todas as criaturas eternas, tanto do bem como do mal; a raiz do Céu e Inferno, também do mundo visível e tudo que ali reside: assim jazem todas as coisas em um único fundamento, tal como uma imagem jaz oculta num pedaço de madeira antes que o artesão a esculpa e modele.' (Clavis)

'Ainda assim, não podemos dizer que o mundo espiritual teve princípio, mas que se manifesta desde toda a eternidade a partir desse caos; pois que a luz resplandeceu nas trevas, mesmo que as trevas não a compreendessem, como dia e noite estão um no outro, e são Dois, ainda que em Um.' (Clavis)

'Escrevo de maneira diferenciada, como se houvesse separação ou começo, para a melhor consideração e apreensão dos fundamentos da divina manifestação; para assim melhor distinguir Natureza e Deidade; bem como para melhor entendimento de onde se originam bem e mal, e da natureza do Ser dos Seres.': (Clavis - Of the Mysterium Magnum)
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[NATURE]: NATUREZA

'Enraizada no Princípio Primeiro, divide-se em dois reinos: um, a pura Sabedoria Virgem de Deus, elemento sagrado, causa dos Quatro Elementos e das Estrelas; o outro, a cólera da severidade, segundo a qual a divindade é feita um Fogo devorador. Por consequência é um grande mistério. A Natureza nada mais é que as propriedades de receptividade do desejo expressado, desejo esse que surge da diferenciação do sopro divino (isto é, do poder e virtude de sua respiração), no que as propriedades conduzem-se à substância; essa substância é chamada substância natural, e não é Deus mesmo.

Ainda que Deus habite e se revele através da natureza, a natureza só o compreende na medida em que sua Unidade fornece e comunica a si mesma, fazendo-se substancial - uma substância de luz trabalhando sobre a natureza, penetrando-a e atravessando-a; do contrário, a Unidade Divina permanece desconhecida pela natureza, isto é, pelo seu desejoso receptáculo.

A natureza ergue-se do transbordante verbo das divinas percepções e conhecimento, e é um contínuo modelar e formar de ciência e percepção: o que for que o verbo trabalhe pela sabedoria, a natureza molda e esculpe em propriedades. A natureza é como um carpinteiro que constrói uma casa antes apenas concebida e imaginada; assim deve ser entendida.

Tudo aquilo que a Eterna Mente imaginar com divino poder na eterna sabedoria de Deus, sendo por ela tornado Ideia, será então tornado Forma pela natureza. Em sua Fundação, a Natureza consiste de Sete Propriedades, as quais dividem-se ao infinito.' Clavis
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[PHILOSOPHER'S STONE]: PEDRA FILOSOFAL

'Se devemos falar da nobre pedra e trazê-la à luz para ser conhecida, tratemos antes da escuridão e deformidade que guardam seu ser do conhecimento. A Pedra Filosofal jaz oculta neste mundo e a encontraríamos em toda parte e, contudo, não é conhecida; por isso, devemos entender a razão de ser tão escondida. A Pedra reside na eternidade; esta Pedra é Cristo, o Filho do Deus vivente, que é descoberta em todos aqueles que a procuram e encontram. Oh, quão avidamente homens intelectuais, sábios segundo este mundo, a tem procurado até este dia. Eles possuem uma pedra cintilante e exteriormente agradável, e pensam ser a certa. Eles gabam-se e a ostentam como divindades, mas sua gema é apenas mais uma pedra pertencente à muralha do grande edifício deste mundo. Se enxergassem um homem que consigo porta a Nobre Pedra, tomá-lo-iam por um Tolo, pois que guardam consigo a astúcia e a sutileza da serpente. Aqueles que detém a pedra são simples e sem malícia. É bom ver com nossos próprios olhos, já que naqueles que veem com olhos alheios reside sempre dúvida sobre a veracidade do espírito. Por isso, é bom ter a Nobre Pedra que concede confiança e expõe os falsos magos. Nesta Pedra jaz tudo o que Deus, e a eternidade, e o firmamento, e as estrelas, e os elementos contêm e podem realizar. Nunca houve por toda a eternidade qualquer coisa melhor e mais preciosa do que ela, e foi concedida pela Divindade e ao homem outorgada. Todos que a desejam podem obtê-la; tem forma simples e, ao mesmo tempo, carrega consigo todo o poder da Deidade': Threefold Life ch. 7

[PHILOSOPHICAL GLOBE]: GLOBO FILOSÓFICO

Desenhado nas Quarenta Questões Sobre A Alma, a gravura do Olho das Maravilhas da Eternidade. Em seu centro é representada uma cruz no coração da divindade - Deus eternamente imola sua própria Cólera para que nós possamos viver. 'o Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo.' (Apocalipse 13:8); 'renuncie a ti mesmo, toma tua cruz e siga-me' (Mateus 16:24). 'Quem for que anseie alcançar a vida divina há de atravessar o fogo mágico e purgador, e nele subsistir - assim como o Coração da Cruz subsiste no Fogo de Deus': (Forty Questions)
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'Saibamos que, se com Adão demos as costas para a cruz, e acima dela nos colocamos com nossa luxúria e desejo, governando-nos segundo nós mesmos, fomos assim feitos cativos pela morte. Devemos então afundar até a morte pela cruz, seguindo o caminho do Cristo até o Coração, e assim nascermos novamente segundo o Coração, do contrário a morte nos manterá cativos': Forty Questions

[PROPERTY]: PROPRIEDADE

A Propriedade é uma Divina Ideia revelada na Natureza. A Fundação da natureza tem suas raíses em Sete Propriedades, e estas Sete interagem e subdividem-se ao infinito. Cada entidade da Criação é um arranjo único (Temperatura) daquelas Sete qualidades originais. Homens, pássaros, ursos e até vaga-lumes são todos iguais enquanto criaturas, distintos apenas por configurações especiais de proporção das Propriedades.

'Na Divindade todos os seres são senão Um, isto é, uma eterna unidade unicamente boa, por cuja indiferenciação o Um não poderia revelar-se. Por isso Ele exala de si mesmo seu sopro para que uma pluralidade, com sua distinta variedade possa surgir, variedade esta que faz de si mesma uma Vontade com Propriedades, e estas Propriedades se fazem Desejos, e estes, Seres': Epistle 6:8-9

[QUAL]: ANGÚSTIA OU ESPÍRITO SULFUROSO

O Enxofre ou Angústia, a Terceira das Sete Propriedades da Natureza Eterna, resultado do atrito entre as duas primeiras. Diz-nos HEGEL: 'Por angústia [Qual] se expressa aquilo que entendemos por absoluta negatividade - isto é, uma autoconsciente, experiente, autodirigida negação que se dobrando sobre si mesma acaba produzindo absoluta Afirmação. Todos os esforços de Boehme foram direcionados para este ponto; o princípio da Ideia é vivente nele, ainda que não consiga expressá-lo pelo pensamento abstrato. Tudo depende de tomarmos o negativo como simples, uma vez que é apenas uma Oposição; essa angústia [Qual] é o impulso furioso de separação, igualmente simples. Daí Boehme deriva raízes ou fontes [Quellen], um bom jogo de palavras. A dor [Qual], essa negatividade, acaba por dar origem à vida, à atividade, e, consequentemente, às Qualidades [Qualität]': Lectures on the History of Philosophy
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[QUALITY]: QUALIDADE

O movimento, a efervescência, o fervilhar de um ser. Mal/Bem, Quente/Frio, Amargor/Doçura, a vida dupla sem a qual nada subsiste. Diz-nos BLAKE, leitor de Boehme:

'Sem contrários não há desenvolvimento. Atração e Repulsão, Razão e Energia, Amor e Cólera são todos necessários à existência humana': The Marriage of Heaven and Hell

'Há duas qualidades alicerçantes, uma boa e outra má, as quais estão misturadas como uma única coisa neste mundo, em todos os poderes, estrelas, elementos e criaturas, e nenhuma criatura carnal, natural, poderia subsistir a menos que traga consigo as duas qualidades': Aurora 1:3

Aqui a má e boa qualidade correspondem, respectivamente, aos Princípios Primeiro e Segundo, isto é, a Tríade das Trevas das Sete Propriedades (1ª, 2ª e 3ª) e a Trindade da Luz das Sete Propriedades (5ª, 6ª e 7ª). A qualidade escura e ígnea é a fonte de toda vida, e não seria má enquanto que permanecesse encoberta como uma raiz. Lúcifer penetrou fundo demais nestes mistérios, atiçando o fogo oculto à manifestação.

George Allen, no prefácio à Vida Tripla do Ser Humano, diz-nos: 'Ele ensina que as primeiras três propriedades, aspereza [contração], atração [desejo] e amargor [atrito], deveriam ter permanecido ocultas e nunca reveladas. Mas o que permanece oculto é ultimamente desconhecido e não pode ser ao todo nomeado, visto não podermos nomear nem definir aquilo que não conhecemos. Por isso os termos aspereza, atração e amargor só pertencem a estas formas manifestadas. Imanifestas, são forças basais de natureza desconhecida e incorretamente rotuladas como um mal oculto, mas forças que, uma vez atiçadas, devem necessariamente se revelarem más, apesar de inerentemente não o serem.
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O corolário disso tudo é o mais interessante. Caso Lúcifer se mantivesse recôndito, cessaria sua malignidade; pois o mal só é mau quando trazido da potência ao ato. E exatamente isso Boehme diz que acontecerá no final. O Princípio Primeiro e tudo nele contido hão de ser encerrados de tal maneira que nenhum conhecimento a seu respeito poderá ser aberto ao Segundo Princípio. Se isto não for equivalente a uma ocultação, então nada mais poderia ser. Lúcifer é claramente a face externa e manifesta de certas forças primordiais, as quais nunca deveriam ter sido experimentadas, conhecidas ou trazidas à manifestação. Enquanto não o fossem, seriam necessárias e corretas, porquanto são os próprios fundamentos de toda criação que, sem elas, não poderia efetuar-se. Eis aqui a mais profunda e instigante solução ao problema do mal já posta para o mundo. É impossível fazer mais do que grosseiramente esboçá-la: o mal não é uma afirmativa 'coisa em si', mas uma aparência - manifesta quando a coisa certa se encontra no lugar errado; como quando vem à superfície o que deveria permanecer encoberto. Não necessita de nenhum positivo e afirmativo 'faça-se' para que venha a ser. Rigoroso e perigoso quanto parece, seu poder reside somente numa percepção distorcida. Onde não pudesse ser concebida uma imaginação falsa, também o mal não encontraria lugar; assim se dá o entendimento de que ele não pode existir na Divindade, ao mesmo tempo em que acontece dentro dela, uma vez que Deus deve compreender tudo quanto apareça para o ponto de vista humano. Assim Ele o enxerga, por assim dizer, através de falhos olhos humanos; não como uma coisa real, mas como delusão de suas criaturas. Sabemos que o mal não está no Céu e, a menos que consigamos enxergar a maneira como no Absoluto não pode haver imperfeição alguma, devemos consentir que o que for que não esteja na Vida Celeste também não é real do ponto de vista Absoluto': (Prefácio) The Threefold Life of Man.

'Amor. Tão fraco parece que não pode ameaçar nem usar força para compelir. Parece preferir entregar-se, conceder; ainda assim, no fim, sempre vence. É uma força invencível. Por que isso? Se Boehme estiver certo, é porque em qualquer coisa há: uma qualidade que aparece na superfície e uma força que jaz oculta subjacente. Se a qualidade parece fraca, o poder é verdadeiramente forte; se parece forte, é fraco. O homem que escarnece do amor, preferindo compelir e dominar através de seu poder próprio, no fim sempre falha em realizar seus propósitos': Prefácio Threefold Life of Man
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'Aquilo que parece ser produz as mais terríveis consequências naqueles para quem parecia ser': BLAKE (Jerusalem 36:51)

[REASON]: RAZÃO

Em Boehme, razão equivale a ORGULHO, isto é, o falso Ego, guia cego, o macaco estúpido que escala por toda parte enquanto tentamos orar, meditar e estudar; a causa de toda autoafirmação distorcida e da dúvida crônica, 'a sombra negra da dúvida, poder abstrato negador toda e qualquer coisa' (Blake). Criadora da guerra, da religião e do estado. É justamente o oposto do que clama ser; duplamente apartada da realidade, por ser a representação de uma representação, num perpétuo estado de loucura crônica ou aguda.

'A Sombra é, nos homens gigantes, a mais insana e deformada' (Blake).

Todo homem está por ela acorrentado
Até que, chegada aquela hora
Em que enfim a humanidade acorda
Será, no lago, o espectro lançado
(trecho de William Blake - Jerusalem)

Razão não é aqui sinônimo da mente e suas faculdades, mas apenas do mau uso que serve apenas ao interesse.

'Neste mundo não há verdadeira compreensão, seja nas Estrelas, seja nos Elementos, seja nas Criaturas, conhece-se apenas a maneira de subsistirem e se multiplicarem segundo a Matriz': Three Principles 5:13

Nietzsche também percebeu que toda a 'filosofia' acadêmica não passava senão da promoção do interesse pessoal de seus acadêmicos.

A descoberta da razão, não enquanto veículo mas como obstáculo, é a pons asinorum - 'ponte dos asnos' - para os filósofos. É a coisa mais difícil de se superar e ao mesmo tempo, diz-nos Boehme, onde inicia a jornada da descoberta.
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'Não há caminho mais perfeito que retirar tua vontade da razão pessoal e deixar de procurar por si mesmo, mas em vez disso lançar-se completamente no Amor e Vontade da Divindade, descartando tudo quanto a Razão interponha em teu caminho': Incarnation 3:2:7

Tal investida contra a razão pode soar irracional, considerando os avanços espetaculares promovidos pela razão e pela ciência nos campos da física teórica, exploração espacial, tecnologia de informação e comunicação (especialmente quando o lexicógrafo serve-se de ambos para produzir este livro). Mas devemos compreender isto da maneira como Boehme ensina-nos sobre as Qualidades: tudo é bom quando em seu devido lugar; nada é inerentemente mau, mas só se manifesta assim uma vez exercitado fora do que lhe é próprio.

Estamos continuamente vendo, escutando, sentindo, cheirando e saboreando sem sequer nos ocuparmos de nossos olhos, ouvidos, nervos, nariz e língua - nossa mente se ocupa com as coisas apreendidas por nossos sentidos sem sequer ocupar-se dos sentidos mesmos. Neste sentido, os cinco sentidos permanecem 'ocultos', em seu próprio lugar. Da mesma maneira, a razão deve estar em seu devido lugar, e ocultar-se para tudo aquilo que não lhe pertence. Cientistas e engenheiros fazem bom uso da razão, pois aplicam suas faculdades cognitivas sobre as coisas estudadas, e não sobre a consciência em si. A razão tentar compreender a mente a partir de si é absurdo como um olho que tenta enxergar-se. Quando a razão aplica a pergunta perene - "Quem sou eu?" - produz ridículas teorias. A razão é poderosa quando exercida sobre objetos, mas vã e estéril em matéria de conhecer-se.

Em nosso estado decaído, o ego pensante é o centro da personalidade humana, um falso Self. Na via do entendimento superior, a consciência retira-se a um Centro mais fundo de si mesma, e de lá compreende a natureza do Ego. Deste Fundo/Centro interior observamos a persona externa como mais um fenômeno fugaz do espaço e do tempo, uma curiosidade a mais que há de desaparecer com a dissolução do corpo, mas cuja consciência é permanente.
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Boehme foi criticado por não traçar uma distinção clara entre o mundo objetivo e a subjetividade, bem como por projetar os conteúdos de sua própria psique sobre o Cosmo - não é isto o que fizeram nossos ancestrais por milênios?

'Os antigos poetas animaram todos os objetos sensíveis com gênios e divindades, chamando-os por nomes pessoais e atribuindo a eles as propriedades dos bosques, rios, montanhas, lagos, cidades, nações, e tudo quanto seus alargados e numerosos sentidos pudessem perceber': Blake, The Marriage of Heaven and Hell

Seria o desaparecimento dessa visão mágica do mundo uma prova de sua falha? Ou será sua onipresença na história da humanidade uma evidência de que seja a mais natural, adequada e saudável à nossa natureza humana do que nosso atual modo de pensamento?

Admitindo (como devemos fazê-lo) que na perene disputa de ideias, a ciência hermética de Jacob Boehme foi vencida pela ciência empírica; e admitindo, também, que nenhum de nós está em posição de criticar a ciência, tendo em vista que colhemos seus benefícios a todo momento, permanece difícil livrar-se da suspeita que o hoje chamamos 'ciência' seja o que J.B. chamara 'falsa magia' do Egito, e de que a humanidade ainda está para aprender que a razão, tal como o fogo e a água, é um ótimo servo, mas péssimo mestre.

[SALNITER]: SALITRE

Prezado pelos alquimistas por suas propriedades explosivas, é a quarta das essências após: 1-Sal, 2-Mercúrio e 3-Enxofre. É aquilo que, atiçado pelo Fogo, explode numa combustão as qualidades salinas, mercuriais e sulfurosas, revelando-as na Natureza.

'As Sete Qualidades ou Espíritos-Fonte têm sua Corporeidade revelada na Natureza, isto é, no Sétimo Espírito-Fonte, pela atuação de um poder divino a que chamo Salitre de Deus, pelo qual as figuras celestes modelam as formas': Aurora
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[SATAN]: SATÃ

O pecado contaminou a Criação no momento em que Satã penetrou com seu desejo na raiz ígnea do Princípio Primeiro, cobiçando o poder do Pai:

'E aos anjos que não guardaram seu principado, mas deixaram sua habitação, Ele reservou escuridão, acorrentado-os por grilhões perpétuos até o grande dia do julgamento.' (Judas 6). O príncipe angélico atravessou a fronteira, arrastando consigo sua hoste (Apocalipse 12:4).

Michael, defensor do Princípio Primeiro, aparece sempre na Bíblia como um arcanjo guerreiro, opondo-se ao Tentador (Daniel 10:13-21, 12:1; Judas 9, Apocalipse 12:7). Satã só é assim chamado após perder seu verdadeiro nome angélico, posto não mais ser aquele que um dia foi.

É assim que Boehme explica-nos como o Mal tem origem na Divindade, mas não em Deus. Deveria permanecer nele oculto, como uma potência. É somente quando Satã ousou penetrar nos mistérios insondáveis da Divindade que a Severidade do Pai manifestou-se. O Primeiro Princípio é um Fogo impiedoso, devorador e consumidor. Não é uma coisa em si, mas a resposta divina a uma Impiedade.

Alguns intérpretes entendem este Diabo de Boehme como 'O Espírito do Erro, não uma criatura diabólica particular, mas a Essência por trás de um espírito equivocado' (Edward Taylor), enxergando no mito de Satã uma representação simbólica do Erro. Porém, Boehme sempre escreve acerca de Satã como uma realidade objetiva e, numa rara demonstração de humor, nos exorta a molestá-lo:

'Quando vier o diabo lembrar-vos de teus pecados, pergunte-o - não foste tu uma vez arcanjo? Contudo, hoje segues-me com teu saco de estrume a coletar meus pecados. Melhor seria se tivesses guardado teu primeiro estado. Retira-se, Satanás, e leva embora contigo meus pecados': The Four Complexions.
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Em Milton and Boehme, Margaret Bailey mostra o quão profundamente foi o poeta John Milton influenciado pela doutrina de Boehme sobre Satã, revelada ao mundo anglófono em seu poema épico Paradise Lost. Hoje, nem um em dez mil cristãos lê Milton ou Boehme, mas ainda assim a diabologia do Paraíso Perdido é ensinada em escolas e púlpitos - mais um exemplo de como o pensamento de JB flui como um rio oculto por toda a cultura ocidental.

Na Antiga Aliança, Satã é uma figura menor e aparece apenas três vezes: como um dos 'filhos de Deus' (Jó 1-2); um tentador (1 Crônicas 21); e um acusador (Zacarias 3). Já no Novo Testamento, ele emerge como "príncipe deste mundo" (João 12). A concepção popular de Satã como o arcanjo decaído, segundo ser mais poderoso do universo, líder da primeira rebelião e de todos os demônios, só pode ser justificada se assumirmos Satã, Lúcifer, o Diabo, a Serpente (Genesis 3), o Dragão (Apocalipse 12), o Rei da Babilônia (Isaías 14) e o Rei de Tiro (Ezequiel 28) como fazendo referência à mesma entidade.

[SCIENCE] CIÊNCIA

Segundo a Clavis: 'A palavra ciência não é tomada por mim da mesma maneira como os homens compreendem a scientia do latim; pois que entendo por ela o verdadeiro fundamento que, no latim e em todas as outras línguas, passa negligenciado por ignorância; porque cada palavra segundo sua impressão, forma e expressão conduz a um determinado entendimento da coisa por ela invocada.'

'Vós entendeis por Ciência uma determinada proficiência e conhecimento, a qual chamam verdadeiro, mas não expressam com plenitude seu significado.'

'A Ciência é a raiz de todo entendimento, como da própria sensibilidade; é o fundamento e o centro de todas as impressões que tornam o nada em algo; como quando a Vontade no abismo atrai a si mesma para o mundo, assim forma-se também o verdadeiro entendimento.'
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A Vontade está na separabilidade para a Ciência - por meio dela diferencia-se de seu estado compacto; e os homens só entendem, acima de tudo, a essência de coisas separadas, pela qual a diferenciação dá substância.

Enquanto a Essência é um poder substancial, a Ciência é a dinâmica e esvoaçante origem de todos os sentidos.

E ainda este entendimento, o qual chamamos Ciência, não é os sentidos em si, mas a raiz deles, de maneira que toda vez que o entendimento causa uma determinada impressão na mente, deve antes haver uma causa trazida à consciência, da qual o entendimento flui para sua contemplação: Essa Ciência é a raiz da mente ígnea, e é em suma a raiz de todos os seres espirituais; base de todas as almas, faz-se presente por toda vida, sendo o fundamento de onde a vida emerge.

Eu não poderia dar a isso nome algum melhor, pois este é o que integralmente apreende o significado; Ciência é o que leva o vontade divina e abissal a contrair-se sobre si mesma para revelar-se na Natureza, até a Multiplicidade da vida sensível e inteligível de inteligência e diferenciação; é pela impressão desta Ciência que a Vontade atrai para si mesma que a vida natural manifesta-se, é o verbo de toda vida originalmente.

A distinção ou separação a partir do fogo deve ser entendida como se segue: a eterna Ciência na vontade do Pai atrai essa vontade, a qual é chamada Pai, até si mesma, e encerra a si mesma no centro da divina geração da Trindade, e pela Ciência verbaliza-se como uma palavra de entendimento; e neste falar ocorre a Separação na Ciência; e em cada separação há o desejo por uma expressão da impressão, essa impressão essencial é chamada divina essência.

A terceira separação é conforme a natureza exterior daquele verbo formado, e é onde a ciência bestial reside, como pode ser visto no tratado sobre A Eleição da Graça com uma compreensão afiada, sendo um dos mais claros de nossos escritos.
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[VerD OF WOMAN]: SEMENTE DA MULHER

A primeira professia messiânica, em Genesis 3:15 - Deus diz à serpente 'Porei inimizade entre ti e a mulher[...] esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar'.

'Pois em Eva jaz a Tintura da Luz e da Água Espiritual, a mesma a que a Tintura Santa incorporou-se - o Verbo de nome JESU - como uma garantia de que pudesse romper a matriz animal e convertê-la em uma divinizada': Election 7:49

'Isto não se realizaria pela Tintura Ígnea de Adão, mas através da parte luminosa da Tintura Adâmica, a parte em que o Amor ardia; parte que ficou com a Mulher, genetriz de todos os homens': Election 7:50

'Na qual a Voz de Deus prometeu introduzir um Santo Ens celeste, para a geração em poder divino de uma nova imagem, a qual foi assim formada': Election 7:51

[THE SEVEN PROPERTIES]: SETE PROPRIEDADES, ou FORMAS,
ou QUALIDADES, ou OS 7 ESPÍRITOS-FONTE

Procedem dos Sete Espíritos de Deus (Apocalipse 4:5, 5:6). Os Três Princípios são a lógica estrutural entre o Ser Divino e a Criação; os Sete Princípios são seu processo em Movimento. Ainda que Boehme não usasse esse vocabulário, os Três Princípios podem ser entendidos como 'nomes'; as Sete Propriedades, como 'verbos': contrair(1), atrair(2), atritar(3), explodir(4), brilhar(5), soar(6), ser(7).

Primeira Propriedade: associada à Saturno, é uma contração que produz todo endurecimento, aspereza, frieza, solidez e consistência. Contrai.

Segunda Propriedade: associada à Mercúrio, é uma atração desejosa que resiste à contração anterior; é ela quem produz a quebra e divisão da dureza. Ela cinge a unidade do desejo e o introduz à multiplicidade. Resiste.

Terceira Propriedade: associada à Marte, a angústia resultante do eterno desejo da Vontade por manifestar-se; essas três primeiras propriedades, em conjunto com este fogo reluzente, consistem no fundamento da Cólera e do Inferno. Um turbilhão causado pelo atrito entre as duas primeiras.
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As três primeiras propriedades são a roda de angústia, condição para o nascimento da vida e da luz. Imagine como uma turbina que, superaquecendo, explode - essa explosão é a Quarta Propriedade.

Quarta Propriedade: associada ao Sol, é o Fogo que irrompe do atrito entre as qualidades anteriores, dando nascimento à Luz a partir das Trevas.

Quinta Propriedade: associada à Vênus, é a tintura da Luz e substância da Virtude do Amor. (Light-Life-Love)

Sexta Propriedade: associada à Júpiter, é a substância do Som e virtude do Verbo. Rege a tonalidade das cores, sons, a riqueza da variação e a virtude do Entendimento.

Sétima Propriedade: associada à Lua, é o receptáculo das outras seis propriedades, sobre a qual todas trabalham, sendo esta sétima propriamente chamada a raiz da Natureza, pela qual todas as propriedades geram uma Corporeidade.

As primeiras três propriedades correspondem ao Príncipio Primeiro. São as qualidades tenebrosas, a roda da angústia, sustentação de toda vida e movimento. A quarta propriedade é uma ignição pela qual as três primordiais convertem-se no Mundo Luminoso. A quinta, sexta e sétima propriedades constituem o Princípio Segundo, Mundo Luminoso. A Quarta Propriedade é o Terceiro Princípio, mundo exterior em que Trevas e Luz interagem e tudo é uma interação de opostos. Todos os fenômenos consistem num equilíbrio rítmico (uma temperatura ou jogo amoroso) dos Sete Princípios.

A Primeira e a Sétima propriedades devem ser compreendidas como uma só, bem como segunda e sexta e a terceira e quinta, sendo a quarta um eixo central, crivo de divisão e separação entre Trevas e Luz. [nota do tradutor: podemos entender da Tríade das Trevas e da Trindade da Luz como "oitavas", por exemplo - se Saturno é a contração que rege os ossos e a morte, dissolvendo com secura e frieza, a contração úmida e fecunda da Lua dá corporeidade à vida, como um útero].
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Clavis: 'E tais são as Sete Propriedades em seu único Fundamento, sendo todas igualmente sem fim ou começo; nenhuma delas poderia ser verdadeiramente chamada primeira, segunda, terceira ou última; são todas igualmente eternas e sem início, tendo todas seu princípio na Unidade de Deus. Podemos representá-la de uma maneira linear, como se uma partisse da outra, o que pode ser melhor para conceber a natureza do Criador e de toda vida e substância deste mundo.

As primeiras quatro propriedades correspondem aos Quatro Elementos:
1.Terra (Sal)
2.Água (Mercúrio)
3.Ar (Enxofre)
4.Fogo (Salitre)

As primeiras quatro propriedades não são substâncias, mas como que estados (como sólido, líquido, gasoso, plasma). Assim também as últimas três:
5. Luz
6. Som
7. Corpo

As formas platônicas não seriam então imagens, mas sim estados, relações, dinâmicas.

As Sete Propriedades, tomadas do 1 ao 7, descrevem também o nascimento de Deus na alma. A luxúria da carne, ou amor-próprio (1) está em disputa com a aspiração espiritual (2), pondo a alma em um conflito de angústia (3). Então 'esses quatro espíritos movem-se na luz, pois ali os quatro tornam-se viventes, e seus respectivos poderes irrompem(4) na luz, como se a vida emergesse, e o poder que assim irrompe é a luz do amor (5), a qual é o Quinto Espírito. Esse poder move-se com tamanha doçura e consolação na luz, como se vivificasse e tornasse tudo em grande claridade': Aurora 11:15-16

O brilho ilumina, e a angústia é encerrada pelo alegre entendimento da mente (6), trazendo a luz interior à expressão exterior (7).
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Aqueles para quem a iluminação veio com facilidade podem perguntar-se o porquê de uma descrição tão arcana. É que essa transformação costuma ser precedida pela angústia, amargor e trevas para a mente. Aqueles que se encontram atravessando essa noite escura da alma precisam saber que estão experienciando o que muitos místicos passaram. Da mesma maneira, aqueles que se iluminaram também não se encontram livres de se verem novamente na roda da angústia - 'Não quebrará o caniço rachado, não apagará o pavio fumegante, até que leve à vitória a justiça' (Mateus 12:20).

[SEVEN SPIRITS OF GOD]: SETE ESPÍRITOS-FONTE

Apocalipse 4:5 - 'E do trono saíam relâmpagos, trovões, e vozes; e diante do trono ardiam sete lâmpadas de fogo, as quais são os sete espíritos de Deus'.

Apocalipse 5:6 - 'E olhei, e eis que vi um Cordeiro, que parecia ter estado morto, de pé, no centro do trono, cercado pelos quatro animais viventes e pelos anciãos. Ele tinha sete chifres e sete olhos, que são os sete espíritos de Deus enviados a toda terra'.

Aurora 10:3-6: 'Todos os Sete Espíritos são gerados uns pelos outros - cada um continuamente produz o seguinte, sendo nenhum verdadeiramente o último ou primeiro, pois que o último gera tanto ao primeiro quanto este ao segundo e assim por diante. Só os chamamos primeiro, segundo, terceiro etc. com respeito à ordem em que se dá a emanação, criação e formação de uma criatura. Todos os sete são igualmente eternos, nenhum deles tendo início ou fim. Assim sendo, pelos Sete gerarem continuamente um ao outro, não havendo nenhum separadamente, segue-se que há Uma só Eterna e Indisível Divindade. Para que qualquer coisa seja produzida dentro ou fora do ser divino, não pode ser formada por nenhum separadamente, mas somente por Seu Santo Espírito Sétuplo.'
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Aurora 10:31-33: 'Deves tu saber também que nenhum destes espíritos pode sozinho formar coisa alguma, nem podem dois fazê-lo, pois o parto do espírito necessita da Operação de todos os Sete. Os seis perpetuamente fecundam o Sétimo, de forma que, não fosse um único deles, todos os Sete não poderiam subsistir. Se falo às vezes de apenas dois ou três na formação de um espírito, o faço somente por minha própria fraqueza, por minha mente limitada e fraca que não pode, de uma só vez, conceber a atuação dos Sete com perfeição. Vejo os Sete com clareza, mas quando especulo, então o espírito eleva-se ao manancial de onde jorra toda vida e, de lá retornando, não pode mais apreendê-los com um só pensamento, e nem de uma só vez, mas somente em partes.'

'Devemos alertar o leitor que não entenda de maneira terrestre aquilo que revelamos do sobrenatural, quando trato da geração do Mistério Magno, pois dirijo-me ao Fundo a partir do qual ele vem a se expressar exteriormente - falo apenas para que o leitor possa conhecer e considerá-lo, e voltar-se para seu próprio Fundo interior': Election 3:37

Four Tables of Divine Revelation:
1 J (O Abismo)
2 E (A Vontade no Abismo)
3 H (Fundo em que a Vontade encontra a si mesma)
4 O (Ciência pela qual se conhece e contempla)
5 V (Deus na Trindade)
6 A (O Verbo de Deus)
7 H (A Sabedoria Divina)

O Espírito Sétuplo de Deus exterioriza-se no Princípio Terceiro (o Mundo Visível) como se este fosse uma ilustração viva de suas Sete Propriedades Eternas.

[SIGNATURE]: ASSINATURA

As formas exteriores são a representação de ideias invisíveis e interiores. Toda e qualquer pessoa, fera, planta, peixe, pedra ou estrela, enfim, todas as coisas e seres trazem a assinatura da essência que revelam. Nas palavras de Paracelso: 'Nada há de corpóreo que não tenha uma alma'.
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John J. Stoudt: 'Todas as coisas, incluindo homens, podem ser conhecidas por sua assinatura - é pela manifestação exterior em som, forma e imagem que o espírito oculto de uma coisa é revelado. A assinatura é a forma expressa de uma essência interior. A Signatura de Boehme é uma chave simultaneamente ontológica e epistemológica: o rosto de um homem revela sua essência interior que, ao mesmo tempo, dele necessita para se fazer conhecer. Como princípio de conhecimento, não é indutivo nem dedutivo, mas produtivo - busca a base, raiz ou Fundamento de cada coisa ou ser criado. A doutrina das assinaturas é antagonista da razão: o cientista que descreve, mede, classifica, está apenas interessado em semelhanças e distinções. Por sua vez, Boehme procura ler a natureza das coisas a partir de dentro, dispensando lógica e matemática - para ele o verdadeiro significado consistia nessa analogia entre essência interna e forma exterior. Seu símbolo é o lírio abrindo-se.'

Signatura Rerum:
'1. Tudo quanto seja dito, escrito ou ensinado acerca da Divindade sem o conhecimento da Assinatura é vão e vazio de entendimento, pois procede apenas de conjecturas, da boca de um para o outro, em que o espírito sem conhecimento é tolo - mas quando o espírito lhe abre a assinatura, então alguém pode entender as palavras de outrem, porque aí entende a maneira como o espírito revela uma essência através do som da voz. Pois ainda que eu visse alguém dizer, ensinar, pregar e escrever acerca da Divindade, ou ainda que eu escute e leia as exatas e mesmas coisas, nada disso é suficiente para que haja o entendimento. É só quando o Som e Espírito da Assinatura de alguém entram por afinidade em minha própria similitude, ali causando uma impressão, que posso entendê-lo real e fundamentalmente, seja pela palavra escrita ou falada, e seu martelo tocará meu sino.'

'2.Por isso sabemos que todas as propriedades humanas derivam de uma única, que possuem uma só raiz e mãe, do contrário jamais poderia um homem entender ao outro através do som.'
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Como muitos dos sublimes ensinamentos de Boehme, a Assinatura tem origens modestas. A antiga doutrina das assinaturas sustentava, por exemplo, que uma planta semelhante à forma de uma determinada parte do corpo seria efetiva no tratamento desta mesma parte, por uma Lei de Simpatia segundo a qual o botão-de-ouro curaria a icterícia, a pedra de sangue (heliotropo) pararia a hemorragia, etc. Boehme aderiu à ideia fundamental, mas não considerou tanto essas propriedades curativas dessas ervas tão visíveis ao olho exterior.

O que fascinou os contemporâneos de Boehme foi sua teoria de uma unificada SIGNATURA RERUM, isto é, da Assinatura de Todas As Coisas.

'O inteiro mundo visível exterior, com todos os seus seres e coisas, é uma figura ou representação do mundo invisível interior; o que for que haja no invisível, seja qual for sua operação, há de ter também sua imagem externa. Assim como o espírito de cada criatura traz sua ideia interior à forma corpórea, assim também faz o Ser Eterno': Signature of All Things 9:1

[SOPHIA]: SOFIA

A verdadeira nobre e preciosa imagem do Cristo, isto é, como Sabedoria de Deus, tintura da Luz. É a divina sabedoria da philosophia, que confere a coroa de Cristo, a Rosa de Saron, a 'rosa do Vale de Jericó, com a qual Salomão regozijou-se, chamando-a seu querido amor, a casta Virgem por ele amada; e assim também o fizeram todos os Santos antes e depois dele. Quem for que una-se a Ela, recebe também a Pérola'. 'Querida Alma, se fordes diligente sem interrupção, deves certamente obter em favor o Beijo da Nobre Sophia (Divina Sabedoria) no Santo Nome de JESUS; pois que Ela se aguarda diante da Porta da Alma, ali batendo e avisando ao pecador a perversidade de seus caminhos. Se a qualquer momento a Alma desejar seu Amor, Ela está em prontidão para beijá-la com doces raios de Amor, de onde o Coração se alegra. Mas ela não se deita precipitadamente no leito nupcial com a Alma, ela não desperta apressadamente a Imagem Celeste, perdida por Adão no Paraíso. Não, pois há perigo para o homem nisto; se os próprios Adão e Lúcifer caíram, uma vez por ela revestidos, mais facilmente cairiam os homens, cativos que são da Vaidade': Way to Christ
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'Sabedoria, a eterna Virgem, companheira de Deus em sua honra e alegria, torna-se cheia do desejo de contemplar as maravilhas divinas contidas em seu interior. Devido a este desejo, as divinas essências dela tornam-se ativas e atraem o poder divino, levando-a a adentrar um estado de permanência. Por meio disso ela não concebe coisa alguma a partir de si mesma; sua inclinação toma refúgio no Espírito Santo. Ela meramente move-se perante de Deus com o propósito de revelar suas maravilhas': Three Principles 14:87

'Por consequência, quem for que seja nutrido e ensinado pela Sophia, assim aprendendo a ler e falar a Linguagem da Sabedoria, deves nascer novamente no e do Verbo da Sabedoria, Cristo Jesus, a Semente Imortal: a divina essência que Deus soprou-lhe, sua Alma Paradisíaca, deve ser revivida, para que torne-se novamente Um com aquilo que ele era em Deus antes de ser feito Criatura, e então seu espírito eterno poderá adentrar aquilo que está encoberto pelo Véu, e ver não apenas o literal, mas o moral, alegórico e anagógico sentido dos sábios e suas parábolas obscuras: estará só então apto para adentrar não apenas o átrio de Salomão - com sua corte exterior de sentido, razão e filosofia natural - mas na assembleia interior dos santos exercícios espirituais, com divina Sabedoria e Entendimento. Poderá pisar no mais interior e santo dos Mistérios Teosóficos, para os quais ninguém é admitido que não tenha recebido a mais alta e santa Unção': Prefácio da Assinatura

Adão já foi casto, casado com a Virgem Sophia. A Queda de Adão não apenas precedeu como foi a causa de sua divisão. 'O Senhor olhou para tudo que havia formado e viu que era bom', mas de repente 'o Senhor disse - não é bom para o homem que esteja só' - algo havia mudado. Adão desejou a árvore do conhecimento. A primeira queda de Adão teve lugar antes mesmo de seu profundo sono e da criação da Eva. A tintura celeste desapareceu, o nascimento mágico deteriorou-se e a Virgem Sophia o abandonou. Então o Senhor lançou sobre o homem um sono entorpecedor, modelando a mulher de uma de suas costelas. Eva foi instruída quanto às regras do Jardim, pois disse à serpente - 'De todas as árvores do Jardim podemos comer, mas na árvore da ciência do bem e do mal não tocaremos' - mas nunca precisou escutá-lo. Por terem Adão e Eva sido uma única e mesma pessoa, agora cingidos e separados, ambos lembravam das palavras do Senhor. Adão não foi criado primeiro - é depois que foram divididos em dois.
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[OBS: quando olhamos para nossos cérebros bifurcadas, ou para a psique humana, é um fato que somos cingidos. Na mulher, o princípio masculino está oculto (inconsciente); no homem, a essência feminina. Agora, todo filho de Adão e filha de Eva estão incompletos e sem consorte. É por isso que buscam materialmente reunir, num Outro, aquilo que espiritualmente perderam em Si. O amor carnal só satisfaz temporária e parcialmente nossa profunda necessidade de Reintegração.]

Em Cristo (Segundo Adão) somos novamente Reintegrados, restaurados à unidade virginal do Primeiro Adão. Eis o significado do Casamento Alquímico: a nupcia da Noiva e do Esposo (Alma e Espírito). A alma regenerada em Cristo é novamente completa e reconciliada à Sophia - 'Porque o Senhor foi testemunha entre ti e a mulher da tua mocidade, com a qual tu foste desleal, sendo ela a tua companheira, e a mulher da tua aliança': Malaquias 2:14

É por essa transformação que Cristo, o Último Adão, nasce em nós, e Sophia deita-se sobre nossas cabeças, pois a Virgem Sophia é a Noiva de Cristo. Mas essa transformação é interna somente, e o corpo exterior permanece com sua forma humanimal. Disso segue-se que, enquanto estejamos no Princípio Terceiro, podemos até estar prometidos à Sophia, mas ainda não unidos em matrimônio. É só quando fendido o casulo das cascas mortais que nos encontraremos Sophia no Segundo Princípio, trajada em suas vestes nupciais.

[SOURCE]: RAIZ

A qualidade original de algo, proveniente do Amor ou Cólera, da Luz ou das Trevas, segundo sua Propriedade.

'Com isso denominamos as primeiras propriedades originais de ambos os Princípios Interiores' - [nota do tradutor: os dois primeiros Princípios constituem o Mundo Invisível ou Interior] 'conforme irrompem pelo Flagrat em Natureza e Criatura.'
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'Nas Trevas, a Luz Paradisíaca é encerrada numa austeridade escura e morta; o mesmo para as raízes dos elementos e estrelas sob a Cólera da Divindade: é só na Luz que a Vida do Amor' [nota do tradutor: Os termos luz-vida-amor, propriedades do Mundo Luminoso soam foneticamente interessantes no alemão - Licht, Leben, Liebe - ou, no inglês, Light-Life-Love, dando a impressão de terem também uma mesma raiz, por assim dizer] 'irrompe quebrando os grilhões das Trevas e da Morte, transmutando-as em divinas substâncias': Ellistone

[nota do tradutor: Assim, com Raiz referimo-nos ao Mundo Invisível e Interior de onde uma determinada propriedade retira sua origem e fundamento, seja do Mundo Tenebroso ou Luminoso. Lembrando que nada tem raiz propriamente no Princípio Terceiro, cujas Propriedades não senão Frutos e Revelações do Mundo Espiritual Invisível e Interior, constituído pelos princípios Primeiro e Segundo].

[SPIRITU MUNDI]: ESPÍRITO DESTE MUNDO

Efésios 2:1-6: 'Vocês estavam mortos em suas transgressões e pecados'/'nos quais costumavam viver, quando seguiam a presente ordem deste mundo e o príncipe do poder do ar, o espírito que agora está atuando nos que vivem na desobediência.'/'Anteriormente, todos nós também vivíamos entre eles, satisfazendo as vontades da nossa carne, seguindo os seus desejos e pensamentos. Como os outros, éramos por natureza merecedores da ira.'/'Todavia, Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou,'/'deu-nos vida juntamente com Cristo, quando ainda estávamos mortos em transgressões pela graça vocês são salvos.''/'Deus nos ressuscitou com Cristo e com ele nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus'.

'Mas deve haver real diligência; pois devemos sujeitar o espírito astral que nos governa. Para fazê-lo, é necessário uma vida sóbria e calma, de contínua entrega à Vontade de Deus. Pois, para subjugar a influência astral, nenhum estudo ou arte prevalecerão; mas uma sobriedade de vida, construída por uma contínua abnegação de seus influxos. Os elementos continuamente introduzirão o desejo astral na Vontade. Daí não ser tão fácil tornar-se um Filho de Deus; é algo que requer labor e sofrimento': The Earthly and Heavenly Mystery 9:2
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[SULPHUR, MERCURY, SAL]: ENXOFRE, MERCÚRIO, SAL

Junto ao Salitre, são a essência oculta dos Quatro Elementos, expressão das Quatro primeiras Propriedades:
1.Sal -> Terra
2.Mercúrio -> Água
3.Enxofre -> Ar
4.Salitre -> Fogo

Sal é gravidade, magnetismo, tende à compressão, coesão e inércia. Mercúrio é a moção, o movimento da Natureza, tende à separação e à diferenciação das coisas. Enxofre é o fôlego da vida crescente e palpitante. Não devem ser confundidos com as substâncias literais e materiais homônimas, pois falamos aqui de essências ocultas, e não segundo o entendimento terrestre.

Boehme pode ter adquirido esta terminologia de Paracelso. Um moderno leitor pode contestar a confusão provocada pelo uso de termos alquímicos e antiquados, mas nenhum substantivo abstrato serviu melhor a nosso autor que estes símbolos.

[TEMPERATURE]: TEMPERATURA

A balança, o equilíbrio, não de dois opostos, mas das sete propriedades. O termo é usado por JB em referência à dinâmica harmoniosa dos Sete. Nestas passagens, Boehme geralmente os chama por seus nomes planetários, sugerindo uma interação harmônica destes.

'As sete cabeças da besta são as sete propriedades que, apartadas da temperatura, tornam-se sete cabeças, isto é, um sétuplo desejo corrompido pelo qual a vida se torna conflito, miséria, mácula e corrupção; a meretriz sobre a besta é a alma que, desonrada como uma prostituta, assim se apresenta a Deus, cheia de hipocrisia em sua presença. O desejo da besta sétupla dá sua força e poder à alma, mas carregando-a de assassinato, orgulho, luxúria e amor-próprio': Mysterium Magnum 76:26-27

A temperatura restaura a alma à brandura, mansidão e docilidade. A condição essencial para a temperatura é que o Sol esteja no Centro.
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'O que for que a Atração de Saturno tornaria mau pela Cólera de Marte, o Sol transmuta em Bem. Assim como o divino Sol tinge a Cólera da Divindade, também é por meio dele que esta é transformada em Magnanimidade; e da mesma maneira, é só quando o Sol visível colore o Enxofre exterior que ocorre o crescimento e florescimento, resplandecendo em todos os metais e criaturas; portanto, o Sol é o Centro, seja para a vida vegetal e animal ou até mesmo para o orbe planetário': Signature 4:45

[TETRAGRAMMATON]: TETRAGRAMA

YHVH, o nome hebraico da Divindade. No eixo central deste emblema, Boehme insere a letra Shin ao centro do Tetragrama, formando o Pentagrammaton YHShVH ou "JEHESHUA", nome místico de Jesus.

[THREE PRINCIPLES]: TRÊS PRINCÍPIOS

1.Princípio Primeiro: Mundo Espiritual Tenebroso
2.Princípio Segundo: Mundo Celeste Luminoso do Amor
3.Princípio Terceiro: Mundo Visível Material Exterior

O Primeiro, emanando de Deus Pai, consiste em escuridão, vontade, desejo e conhecimento. O Segundo, emanado da Luz do Filho, consiste em luz, vida, amor e sabedoria. O Terceiro, emanado do Espírito Santo Sétuplo, é a Fundação do Reino visível e exterior, o mundo material das estrelas e dos elementos, no qual encontram-se misturados bem e mal, luz e trevas, sendo a Criação uma viva Figura ou expressão pela qual as Propriedades interpenetram-se e dão-se a conhecer.

O Princípio Primeiro é o Inferno; o Segundo, o Céu.

Céu e Inferno não são aqui espaços criados, mas reinos espirituais onipresentes que interpenetram-se. A alma dos falecidos não flutua até um paraíso, nem é lançada à condenação. Ela simplesmente permanece onde se encontra - despida de seu invólucro, encontra aquilo a que se ligou por afinidade.
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O Princípio Primeiro é também chamado Eterna Natureza, pois é regido pela Lei implacável da Severidade. Mas o Pai gera eternamente ao Filho que, por sua vez, repara e regenera essa Natureza, fazendo com que a Divindade se dê a conhecer pela Liberdade na Misericórdia. É só então que a Divindade pode ser chamada realmente Deus, permitindo que o apóstolo diga 'Deus é luz, não há nele treva alguma'.

'Sabemos que Deus é um Espírito, e sua Vontade Eterna é mágica, desejosa; ele sempre formou Algo a partir do Nada, sempre segundo uma via dupla, isto é, pelo Fogo e pela Luz. Pelo Fogo foi gerada a Severidade, pela qual a Divindade não se faz conhecer como Deus, mas como um Fogo devorador. Na pura Deidade, isto é, em Deus, este Fogo não se revela, pois consome a si mesmo para queimar na Luz, fornecendo assim a água do amor, de maneira que a Cólera é aplacada e a Divindade pode então ser conhecida em sua Misericórdia. Mas o Fogo é necessário para originar tanto a vontade desejosa quanto o amor luminoso, pois do contrário não teriam sustento, como já explicado em escritos anteriores': Incarnation, 1:11:44-48

Os Três Princípios residem também na humanidade, uma vez que nós, criados à Imagem de Deus, somos também seres triunos. Boehme descreve a forma como os Três Princípios aparecem na natureza humana.

Three Principles 7:21-23:
21. A Raiz das Trevas está no Princípio Primeiro; a Virtude da Luz, no Segundo, e nasce exteriormente das Trevas para a Luz se realiza pelo Terceiro, o qual não é chamado Deus: Deus é apenas a Luz, e a Virtude desta Luz, enquanto aquilo que dela procede é chamado o Santo Espírito Sétuplo.

22. Tens uma similitude disto em ti mesmo. Tua Alma, a qual está em ti, concede a Razão pela qual tu pensas, considera e conhece - tem sua origem no Deus Pai. A Luz que brilha em tua Alma, pela qual conheces a Virtude em ti, orientando e ordenando-te pelo Coração, representa o Deus Filho em seu eterno Poder e Virtude. Já a Mente, pela qual a Virtude da Luz se expressa, e por meio da qual governa a teu Corpo, estes sçai à imagem do Sétuplo Espírito Santo.
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23. A Treva que há em ti e que anseia pela Luz é o Primeiro; o Poder da Luz em ti, pelo qual podes ver com a mente sem teus olhos carnais, o Segundo; e a Virtude que procede da Mente, preenchendo e vivificando o Corpo Material, eis o Terceiro Princípio. Que possa assim entender como a Divindade é o Princípio e primeira virtude de todas as coisas, e também que neste denso corpo carnal não estás no Paraíso, mas no opaco nascimento exterior do Princípio Terceiro.

[TINCTURE]: TINTURA

Quando ferro é esquentado até a vermelhidão, permanece sendo ferro, mas tingido pelo fogo. Também um corante colore a água, mudando sua cor, mas nunca sua substância.

A alma pode ser tingida 'pelo Ens do ardente Amor. Esse ígneo amor flui ao alto elevando-se com a Água do Espírito, isto é, o Poder de Fogo e Luz cujo nome é VIRGEM SOPHIA': Election 3:42-43

A Tintura é o Poder da Palavra, enquanto sua Forma lhe confere Substância, pela qual se torna substancial: essa Substância é a Água do Espírito, como é dito em João 4:14 - 'a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água a jorrar para a vida eterna'.

Tintura é um termo da alquimia. Há duas tinturas: a ígnea-masculina (fogo), e a aquosa-feminina (luminosa). Ambas são unidas no perfeito amor, em alusão ao casamento alquímico entre Limbus e Matrix. A tintura está ligada à Quinta Propriedade da Natureza.

[TRINITY]: TRINDADE

A Santa Escritura fala de um Único Deus, o qual é Triuno, isto é, um só de uma Tripla Essência, como que tendo três faces ou maneiras de operar, ainda que apenas uma essência, cujo poder e virtude exteriorizam-se em todas as coisas. Isto é especialmente representado pela analogia entre fogo, luz e ar, os quais possuem três maneiras de operar, ainda que se interpenetrem e ocorram simultaneamente.
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Da mesma maneira que fogo, luz e ar, acontecem simultaneamente no fenômeno de uma vela acesa (ainda que a vela não seja nenhum deles, apesar de ser onde acontecem), da mesma maneira a Eterna Unidade é a causa e o "chão" [nota do tradutor: no sentido de suporte, "lugar"] da Eterna Trindade, a qual manifesta-se da Unidade e realiza-se, primeiro, pelo Desejo; segundo, pelo Amor; Terceiro, exteriorizando-se e revelando-se - Pai, Filho e o Sétuplo Espírito Santo.

O Desejo provém do Pai, pelo qual a unidade Quer. O Deleite provém do Filho, por ser aquilo que o Pai Quer, isto é, o Amor. O deleite provém deste encontro pelo qual a Vontade produz para si um espaço e uma operação, sobre a qual deseja e trabalha; tal é o sentimento e anseio da vontade.

O Querer é do Pai, um desejo fervilhante; o deleite é do Filho, a realização dessa Vontade; o Santo Espírito é a vontade vivificante procedente desse deleite. Assim há três sortes de operações da Unidade Eterna - a primeira é seu Desejo por si mesma; a segunda, o Deleite de operar sobre si; a terceira, o poder procedente desta relação, à similitude do qual pode ser percebido numa planta:

A Atração, desejo essencial da Natureza, comprime-se substancialmente numa semente para se tornar uma planta. Depois, este mesmo desejo naturalmente começa a operar para fazê-la irromper ansiando pela Luz do Sol, da mesma maneira como se dá a exteriorização da Vontade de Deus.

Para fazer-se conhecer e desabrochar, essa perceptibilidade operante do desejo atrativo eleva-se extasiante, assim gerando o crescimento e aroma da planta: vemos assim uma representação da Trindade de Deus em todos os seres viventes.

Não houvesse o desejo por essa perceptibilidade, pela operação reveladora e exteriorizante da Trindade, a Unidade Eterna não seria senão uma eterna quietude, um Nada, e nela haveria natureza alguma, cor alguma, forma alguma, figura alguma; da mesma forma nada haveria neste mundo, pois sem essa tripla operação não poderia haver mundo ao todo.

Ver Aurora capítulo 3.
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[TURBA]: TURBA, A MÁCULA

É a cólera de Deus procedente do Princípio Primeiro. O Princípio Primeiro é a ígnea Lei da Severidade. 'A Divindade só se manifesta como Deus no Princípio Segundo. Deus nunca está encolerizado em si mesmo, nem sequer oscila entre amor e ira segundo o que se passa na terra. A Divindade sequer muda ao todo. Somos nós que mudamos e sentimos uma mudança de efeito segundo imutáveis leis da Natureza Eterna. A Cólera de Deus não se trata da Divindade ficando encolerizada ou expressando suas emoções por meio de julgamentos e condenações. A Cólera de Deus sucede inexoravelmente do momento em que a Turba é acendida, porque a constelação exterior do Espírito deste Mundo, por sua própria natureza e Curso, encontra-se apartada da Felicidade pela grande Máquina da Natureza, e por isso forçosamente contamina com os raios de sua Turba Magna.': Election 5:80; 8:147-148

Election 5:
'75. Deus ama todas as suas Criaturas, e nada pode fazer além de amar, pois é ele o próprio Amor em Si.'

'76. Mas sua Cólera deve ser entendida tanto na Natureza Temporal como na Eterna: nesta última é o Centro das Trevas, a seca raiz do Fogo, enquanto que na primeira manifesta-se como a Divisão entre todas as Propriedades.'

'77. Se uma Cidade, ou País, ou Criatura, despertar e atiçar essa Mácula do Espírito deste Mundo em si, isto é, introduzindo abominações em si, será como Madeira no Fogo, em que a Cólera Divina se tornará ativa e a devorará, pondo a Vida e Ciência da Criatura no maior dos tormentos.'

'78. Então diz a Palavra ígnea na Turba atiçada - 'Invocarei a Miséria, Malevolência e Desolação sobre Cidades e Nações, e verei meu Desejo executado com Vingança e Indignação sobre eles; que a Cólera devore suas abominações, até que tenha consumido por completo a perversidade'.

'79. Pois essa é a própria atividade e força da Cólera na Natureza: quando o homem introduz seu combustível - blasfêmias, pecados e impiedades - ela os devora e até mesmo deles se alimenta.'

'80. Especialmente no caso em que uma Ciência humana se aperta do Amor de Deus e prostitui-se na Cólera da Natureza, ali ela devora até fartar-se, até que a Máquina do Mundo introduza-se numa raiz ardente - ali todas as coisas permanecem em provação, e então ela se incendeia, purgando com pragas segundo o orbe em que a Turba se encontra.'

'81. Então recai sobre aquela nação, cidade ou criatura, por vezes, veneno e pestilência; outras vezes, inundações e secas; ou ainda, azedam-se as mentes dos grandes, de maneira que irrompam as guerras.'

O fanático enfurecido tomou o caminho errado na Jornada do Herói, caindo na Turba da cólera divina. Os testemunhos pessoais dos caçadores de hereges e líderes de seita contam a mesma história - sobre como buscaram tão longe, pulando de igreja em igreja, sem encontrar a ninguém que verdadeiramente conhecesse a Deus, e do como só eles mesmos o encontraram quando abandonaram o ensinamento dos homens e permitiram ao Espírito Santo que os falasse pelas escrituras em solidão. Encontraram a Deus, de fato, mas encontraram-no no princípio errado.

A Jornada do Herói leva por um terreno perigoso - 'Quantos aí caíram!' (William Blake) / 'As maçãs encantadas são guardadas por dragões' (George Allen). Mas reconhecemos sua travessia quando o contrastamos com a via paradisíaca proposta por JB: 'teu Coração deve estar com todo o teu poder e força direcionado para a Bondade; e como a Divindade deseja que todos os homens sejam salvos, então é de sua Vontade que tomemos o fardo uns dos outros, e o suportemos tendo uns aos outros, de forma amigável, sóbria e modesta, encontremo-nos rogando ao Espírito Santo, e procuremos com diligência e humildade salvação e bem-aventurança a nossos vizinhos. Desejamos com coração que sejam libertos de toda Vaidade, para que possam conosco adentrar o Jardim de Rosas.
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[WHEEL OF NATURE]: RODA DA NATUREZA

Gravura demonstrando a posição dos Planetas segundo suas relações e propriedades. Saturno-Lua, Júpiter-Mercúrio e Marte-Vênus apresentam-se como pares opostos, mas consecutivos na espiral que conduz ao Eixo Central (Sol) - para além do qual encontram-se, respectivamente, o Fogo, a Tintura, a Majestade e a Trindade. No centro do diagrama, temos a Cruz com o Tetragrama. Revela a passagem da alma pelos Sete Planetas, entre a Terra e a Eternidade.

Temos o primeiro do mais elevado ao mais baixo, pois, na Roda da Natureza, toda parte é simultaneamente a mais baixa e a mais elevada, a qual trocam de lugar em seu giro, com exceção do Centro, porquanto a Cruz permanece estática em seu lugar.

Saturno atrai a Lua, causando na matriz das criaturas a Fundação dos Ossos e da Carne, pois Saturno e Lua dão forma à Corporeidade.

Considere como abaixo de Saturno, como seu coração, encontra-se Júpiter, o qual procede da virtude do Sol, sem o qual não haveria desejo algum, e nem Saturno, pois tudo que a Natureza deseja é seu Centro, o Sol, o Coração - mesmo que Júpiter não seja ainda o Coração, mas a Cabeça.

Observe que a Roda da Natureza gira de fora para dentro de si mesma, porque a Divindade reside em seu centro mais íntimo, como representado na gravura, ainda que isso não possa ser absolutamente demonstrado, posto ser este próprio mundo a grande ilustração em que Deus retrata a si mesmo, residindo em toda parte com onipresença e perfeição.

Veja que a roda exterior é o Zodíaco e suas constelações, e então seguem-se os Sete Planetas até o Sol, e do Sol para o Fogo, e de lá para a Tintura, chegando à Majestade onde encontra-se a Trindade e a Cruz.

Notem que, assim como o desejo tende ao centro, em direção a seu Coração, que é Deus, assim a Regeneração também adentra a si mesma até o Coração de Deus.
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Considere a partir do nascimento exterior - logo após o Zodíaco está o globo da Terra; a seguir, no extremo oposto, temos Saturno. Seguindo a espiral - Lua, Júpiter, Mercúrio, Marte, Vênus e, ao meio, Sol. Após o Fogo que o Sol comporta, atravessa-se para o outro mundo - segue-se então a Tintura Celeste, e após ela a Trindade, isto é, o Centro da Natureza, pois neste Centro se encontra o pleno poder da Majestade de Deus, limitado por coisa alguma e de natureza inimaginável, ao qual nem o brilho do Sol se compara.
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[WILL]: VONTADE

'A Fé é uma vontade'/'A Imaginação é uma vontade'/ 'Magia nada mais é que vontade'/'O Pai é Vontade'/'A Vontade contempla a si mesma no reflexo do espelho de Sophia': Incarnation 2:1:1 / 'Reconhecemos a Vontade como a eterna Onipotência': The Heavenly and Earthly Mystery (Pansophicon) 3:1

Election 1:
'53. Aqui intimamos o leitor que Deus em si mesmo, na medida em que é chamado Deus, está além de toda Natureza e Criatura, e tem não mais que uma só Vontade, precisamente, a de Criar, e gerar a si mesmo.'

'54. Deus JEHOVAH não gera nada além de Deus, isto é, ele gera somente a si mesmo, como Pai, Filho e Espírito Santo, em um só divino Poder e Sabedoria.'

'55. Como o Sol não tem senão uma Vontade, isto é, doar-se sem distinção, de forma que por seu desejo todos os seres crescem e vivificam, conferindo seu Poder e Vida a todas as coisas, da mesma maneira Deus é em si mesmo o único bem, sem Natureza ou Criatura alguma, não podendo criar ou querer nada além do Bem e de sua própria Divindade.'

William Law:
'Moisés disse - Deus soprou no homem (Spiraculum Vitarum) o fôlego de vida, e o homem foi feito alma vivente.'/'Dizer que Deus exalou no homem o fôlego da vida, pelo qual tornamo-nos almas viventes, é diretamente dizer que, aquilo que era Luz, Vida e Espírito no Deus Vivente, foi doado dele para tornar-se a vida, luz e espírito de uma criatura. A alma, sendo então declarada como efluente da Divindade, como seu próprio Sopro, deve portar consigo a natureza e semelhança da Divindade.'

Pensar e Querer são eternos e nunca tiveram princípio. Nada pode pensar ou querer sem que nunca tivesse havido Pensamento ou Vontade alguma por toda a Eternidade. Uma alma criada é uma criatura temporal, e teve início no sexto dia da criação. Mas as essências das almas, as quais foram então formadas criatura num estado de distinção, estiveram em Deus por toda a eternidade, do contrário não poderiam ter jamais sido sopradas e modeladas como seres viventes.
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'E nisto reside o verdadeiro fundamento e profundidade da incontrolável liberdade de nosso Querer e Pensar: necessitam de auto-moção e auto-direção, por terem se originado da auto-suficiente Divindade. São eternos, divinos poderes, que nunca tiveram início de ser e da mesma maneira não podem sujeitar-se a nada. Aquilo que Pensa e Quer na Alma é o mesmo incriado sopro que pensou e quis em Deus, antes que fosse exalado na forma de uma alma humana. E consequentemente não podem Vontade e Pensamento ser subjugados ou restringidos.'

'Aqui aparece também a elevada dignidade e incessante perpetuidade de nossa natureza. As essências de nossas almas não podem nunca cessar seu Ser, pois nunca realmente começaram a ser - e nada pode eternamente viver que já não tinha vivido por toda a eternidade. A essência de nossa alma foi um sopro da Divindade antes de se fazer alma vivente - ela existiu em Deus antes de viver separadamente, e consequentemente herda a eternidade de Deus, da qual não pode abdicar. Nisto, o homem, contempla a dignidade original do elevado estado primitivo de seu nascimento; aqui permita que tudo em ti adore teu Deus, o qual te trouxe a um tão elevado estado de existência, e quem o tornou participante de seus próprios atributos, para que não encontre fim ou limite sua felicidade nEle. Tu começaste como o próprio tempo, mas assim como o tempo estava contido na eternidade antes que cingido em dias e anos, assim também tu estavas em Deus antes que foste trazido à criação: e assim como o tempo não é nem parte da eternidade, nem apartado desta, apesar de dela originar-se, assim tu também não és uma parte de Deus e nem algo à parte e separado dele, mas um Ser nascido e vivente nEle. Por isso deves querer somente o que Ele Quer, amar o que Ele Amar, cooperar e unir-se a Ele em todos os aspectos de sua vida; porque tudo quanto tu tens e és, é somente uma fagulha dEle e de Seu Espírito. Se assim desejardes, e voltar-se para o sol, todas as bençãos da Deidade jorrarão sobre ti. Se deres as costas, voltando-se para ti mesmo para viver para si, alegrar-se com o trabalho de teu desejo e pelos engenhos de tua própria razão, escolheste ser como uma erva, e não poderás obter a vida, espírito e bençãos da divindade como um cardo os obtém do Sol.
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[WISDOM]: SABEDORIA

É personificada como uma mulher por Salomão (Provérbios 8) e por Jesus (Mateus 11:19), mostrando que não é como um objeto que podemos ver, apalpar e descrever, mas antes um sujeito que vê, descreve e age sobre nós. Conhecimento pode ser adquirido, acumulado e possuído, mas a Sabedoria é incriada e eterna - ninguém a pode possuir.

Quem acaba por perder-se
Nas operações da Sabedoria
Será possuído pela Sabedoria
Sem sequer ser um sábio (Comenius)

Clavis:
'40. A Sagrada Escritura diz, a sabedoria é a exalação do poder divino, um raio e sopro do Todo-poderoso; ensina também que Deus fez todas as coisas por meio dela, o que entendemos como se segue.'

'41.A sabedoria é o jorro do Verbo de divinos poder, virtude, conhecimento e santidade; uma imagem e semelhança da infinita e insondável Unidade; uma substância pela qual o Santo Espírito Sétuplo trabalha, forma e modela, isto é, ele forma e modela pelo divino entendimento da sabedoria, pois a sabedoria é passiva, enquanto Espírito de Deus é a vida ativa nela, tal como a alma está para o corpo.'

'42.A sabedoria é o grande mistério da natureza divina; por ela são os poderes, cores e virtudes manifestados. Nela está a variação/tonalidade dos poderes e virtudes, isto é, o Entendimento: ela é o divino entendimento, a divina visão pela qual a Unidade se faz manifesta.'

'43. Ela é o verdadeiro e divino caos, onde todas as coisas residem, isto é, uma divina imaginação, em que ideias de anjos e almas foram concebidas pela eternidade, em imagem e semelhança divinas; ainda que não como criaturas, mas à semelhança, como quando um homem contempla sua face num espelho: assim a ideia do angélico e do humano fluíram da sabedoria e formaram um reflexo, como disse Moisés - 'Deus criou o homem à sua imagem', isto é, ele modelou o corpo e nele exalou seu sopro divino, do divino conhecimento, dos Três Princípios da divina manifestação.'
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A Teologia dos templos de pedra esculpidos por mãos humanas assume que, por Deus ser Imutável, deve também a teologia ser estática. Mas nossa relação com a Deidade e o Cosmo está sempre em transformação, e nossa percepção não é nunca a mesma de um minuto atrás. No instante em que é formulada uma teologia, a realidade se move deixando-a para trás. Teologia é um pássaro numa gaiola; Teosofia, um pássaro em pleno voo. Teosofia é a sabedoria vivente de e sobre Deus, sendo ambos um só -
'o olho com o qual vejo Deus
é o mesmo olho com o qual Ele me vê'(Meister Eckhart).

[ZODIAC]: ZODÍACO, CONSTELAÇÃO, ASTRALIDADE

Apesar de Boehme usar o termo 'astral', 'estrelas' e 'constelações', não refere-se com ele ao Zodíaco propriamente dito, muito menos de suas casas e influências, mas reporta-se fundamentalmente aos Sete Planetas quando fala da 'influência dos astros'.


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[APÊNDICE]: Considerações de um Simples Irmão
aos irmãos de todos os ramos martinistas e martinezistas

Meus Bem Amados Irmãos -

A obra do sapateiro de Gorlitz sempre se revela um desafio para os que ingressam na Senda. A obscura simbologia por ele empregada foi encarada por críticos como uma tentativa propositada de confundir e desorientar. De fato, para a linguagem linear do intelecto frio e objetivo, não há nada a encontrar por aqui - não é a ele que estes escritos se dirigem; é a camada mais sutil e abstrata de nossa mente que Boehme deseja elevar ao Reino Oculto das Causas, subjacente a todos os fenômenos (meras representações).

Se Boehme não deseja falar nossa língua, é precisamente porque nos está convidando a aprender a falar e ler uma nova, a única capaz de especular o divino. Essa Linguagem do Símbolo, mesma dos Anjos, não se constrói como o raciocínio terrestre, sempre constituído por Sujeito-Verbo-Objeto e Início-Meio-Fim; em vez disto, a ideia vem por inteiro, revestida de uma imagem que a expressa por um completo e, num lampejo, quando o entendimento natural se rende, cedendo para as camadas mais profundas da mente, a intuição apreende num relance suas relações e analogias.

O que Saturno, ossos, pedras e chumbo poderiam ter a ver? Para a razão natural, que toma cada coisa separadamente e só vê o Mundo dos Fatos - a natureza naturada, sem nunca elevar-se ao Reino das Causas - nada há para se compreender. É somente pela Foça do Símbolo que a intuição levanta o véu dos fenômenos para penetrar no Oculto, isto é, naquele nexum metaphysicum que, em repentinos lampejos de claridade, apreende de uma só vez a natureza dessa propriedade a que B. chama "adstringência", por exemplo.

Uma vez que os conceitos são interdependentes, recomendamos que leiam por repetidas vezes todo o Glossário. Que este material seja não apenas um guia sempre à mão para a consulta dos Homens de Desejo, mas uma fiel introdução à simbólica do Filósofo Teutônico.

Na Luz do Divino Reparador dos Mundos,