O CÍRCULO DE APOLONIO DE TIANA



Diz-se que Apolônio tinha formosissima aparência (i, 7, 12; iv, 1) (Rathgeberger [G] em seu Grossgriechenland und Pythagoras - A Magna Grécia e Pitágoras; Gotha, 1866; uma obra de maravilhosa indústria bibliográfica, refere-se a três supostos retratos de Apolônio [p. 621]. Um no Campidoglio Museum of the Vatican, Indicazione delle Sculture - Catálogo de Esculturas; Roma, 1840; p. 68, n° 75, 76 e 77; outro no Museu Real Boubon, descrito por Michel B.; Nápoles, 1837; p. 79, n° 363; e outro a réplica de uma contorniate, de Visconti. Não consegui encontrar sua primeira referência, mas em um Guia do Museu Real Bourbon, traduzido por C.J.J.; Nápoles, 1831; eu encontrei na p. 152 que o n° 363 é um busto de Apolônio, cerca de 90 cm de altura, cuidadosamente executado, com uma cabeça semelhante a um Zeus, com barba e longa cabeleira descendo sobre seus ombros, presos por uma larga faixa. O busto parece ser antigo. Contudo, não pude obter uma reprodução dele. E.Q. Visconti, no atlas de sua Iconographic Grecque; Paris, 1808; dá a reprodução de uma contorniate, ou medalha com uma borda circular, cujo um dos lados tem uma cabeça de Apolônio e a legenda APOLLONIVS TEANEVS. Esta também representa nosso filósofo com barba e cabelos compridos; a cabeça é coroada, e a parte superior do corpo coberta com uma túnica e o manto do filósofo. A medalha, porém, é de artesania muito inferior, e o retrato não é agradável de modo algum. Visconti em seu folheto devota um raivoso e ofensivo parágrafo a Apolônio, "ce trop célèbre imposteur", como o chama, basado em De Tillemont) mas além disto não temos nenhuma indicação muito precisa de sua pessoa. Seus modos eram sempre doces e gentis (i, 36; ii, 22) e modestos (iv, 31; viii, 15), e nisto, diz Damis, ele parecia mais um indiano do que um grego (iii, 36); mas ocasionalmente ele impreca indignado contra alguma barbaridade especial (iv, 30). Seu temperamento era freqüentemente pensativo (i, 34), e quando não estava falando mergulhava longamente em profundos pensamentos, durante o que seus olhos ficavam fixos no chão (i, 10 et al.).


Ainda que, como vimos, fosse ferrenhamente inflexível consigo mesmo, estava sempre pronto para desculpar os outros; se, de um lado, aplaudia a coragem dos poucos que permaneceram com ele em Roma, de outro recusou acusar de covardia os muitos que haviam fugido (iv, 38). Tampouco sua gentileza era demonstrada simplesmente pela abstenção de acusar, ele era sempre ativo em atos positivos de compaixão (cf. vi, 39).


Uma de suas poucas peculiaridades era gostar de ser chamado de "Tianeu" (vii, 38), mas não é dito o porquê disto. Dificilmente pode ter sido porque Apolônio fosse particularmente orgulhoso de seu local de nascimento, pois mesmo que fosse um grande amante da Grécia, tanto que às vezes poderíamos chamá-lo de patriota entusiástico, seu amor pelos outros países era igualmente pronunciado. Apolônio era um cidadão do mundo, se jamais houve algum, em cuja linguagem a terra natal não influenciava, e um sacerdote da religião universal em cujo vocabulário a palavra seita não existia.


A despeito de sua vida extremamente ascética, ele era um homem de forte compleição, tamanha que mesmo quando havia atingido a avançada idade de 80 anos, dizem, ele ainda era rijo e saudável em cada membro e órgão, aprumado e perfeitamente formado. Havia ainda um certo charme indefinível em torno dele que o fazia mais agradável de ver do que mesmo o frescor da juventude, e mesmo que sua face estivesse coberta de rugas, como o representavam as estátuas no templo de Tíana no tempo de Filóstrato. De fato, diz seu retórico biógrafo, os relatos decantam mais o charme de Apolônio em sua idade provecta do que a beleza de Alcebíades em sua juventude (viii, 29).


Em resumo, nosso filósofo parece ter tido a presença mais encantadora e a disposição mais amável; tampouco sua absoluta devoção à filosofia teve a natureza do ideal eremítico, pois ele passou sua vida entre os homens. Não admira então que tenha atraído a si tantos seguidores e discípulos! Teria sido interessante se Filóstrato nos tivesse dito mais sobre estes "Apolônicos", como eram chamados (viii, 21), e se constituíam uma escola distinta, ou se se reuniam em comunidades segundo o modelo Pitagórico, ou se eram simplesmente estudiosos independentes atraídos à personalidade dominante da época no campo da filosofia. Porém, é certo que muitos deles usavam a mesma roupagem que ele e seguiam o seu modo de vida (iv, 39). Também é feita repetida menção aos acompanhantes de Apolônio em suas viagens (iv, 47; v, 21; viii, 19, 21, 24), às vezes até dez de uma vez, mas a nenhum deles permitia ensinarem até que houvessem cumprido o voto de silêncio (v, 43).
Os mais notáveis destes seguidores foram Musônio, que era considerado o maior filósofo da época depois do Tianeu, e que foi a vítima especial da tirania de Nero (iv, 44; v, 19; vii, 16), e Demétrio, "que amava Apolônio" (iv, 25, 42; v, 19; vi, 31; vii, 10; viii, 10). Estes nomes são bem conhecidos da história; outros nomes já desconhecidos são os do egípcio Dioscórides, que devido à má saúde foi deixado para trás na longa viagem à Etiópia (iv, 11, 38; v, 43), Menipo, a quem livrara de uma obsessão (iv, 25, 38; v, 43), Fédimo (iv, 11) e Nilo, que o seguiu deixando os Gimnosofistas (v, 10 sqq, 28), e, é claro, Damis, que nos faz pensar que estava sempre com ele desde a época de seu encontro em Ninus.
No geral imaginamos que Apolônio não estabeleceu nenhuma organização nova; ele fez uso das já existentes, e seus discípulos foram aqueles que foram atraídos para ele pessoalmente por uma invencível afeição que somente poderia ser satisfeita estando continuamente perto dele. Parece certo que ele não treinou ninguém para continuar sua missão; ele veio e se foi, ajudando e iluminando, mas não deixou nenhuma tradição de linha definida, e não fundou nenhuma escola para ser continuada por sucessores. Mesmo para seu sempre fiel companheiro, ao dar-lhe adeus para o que ele sabia ser a última vez para Damis na Terra, ele não teve nenhuma palavra a dizer sobre a obra a que devotara sua vida, a qual Damis jamais entendeu. Suas últimas palavras foram só para Damis, para o homem que o amara, mas jamais o conhecera. Foi uma promessa de vir a ele se precisasse de ajuda. "Damis, sempre que pensares em coisas elevadas em meditação solitária, me verás" (viii, 28).


Agora voltaremos nossa atenção a uma consideração de alguns dos ditos atribuídos a Apolônio e das falas postas em sua boca por Filóstrato. Os ditos breves com toda probabilidade são autenticamente tradicionais, mas as falas em sua maioria são a elaboração artística das toscas notas de Damis. De fato, são abertamente declaradas como tal; mas não obstante são interessantes por si, por duas razões.
Em primeiro lugar, elas honestamente denunciam sua natureza, e não reivindicam inspiração; são confessadamente documentos humanos que tentam dar uma roupagem literária ao corpo tradicional de pensamento e pesquisa que a vida de nosso filósofo construiu nas mentes dos seus ouvintes. O método era comum na antigüidade, e os antigos compiladores de outras séries de documentos famosos teriam se espantado se pudessem ver como a posteridade divinizaria seus esforços e os consideraria como imediatamente inspirados pela fonte de toda a sabedoria.
Em segundo lugar, mesmo que não devamos supor que estamos lendo as palavras reais de Apolônio, de qualquer modo estamos cônscios de estar em contato imediato com a atmosfera interna do melhor pensamento religioso da mente grega, e temos diante de nossos olhos a imagem de uma fermentação mística e espiritual que influenciou todos os níveis da sociedade no primeiro século de nossa era
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