Todas as instituições humanas derivam de um modelo superior: o poder do Homem.

Louis Claude de Saint Martin



Estando completamente convencido da rigorosa verdade de que todas as coisas devem revelar-se a si mesma sem o que nunca poderia ser conhecida, repetida ou comunicada, é preciso perceber que não há nada, nem mesmo nas políticas humanas e instituições civis, que não seja um modelo que se encontre independente e acima de nós. Se não houvesse legiões acima de nós, nenhuma diferença com relação aos níveis de superioridade, chefes e governos, nas alturas, não teríamos nenhuma destas instituições aqui embaixo. O próprio homem, neste plano, caminha sob os olhos e proteção dos poderes invisíveis, a quem ele deve todas as coisas, embora raramente procura conhecê-los; mesmo quando o homem fica intoxicado com seu próprio poder, isto mostra que ele deve realmente ter poder; ele deve ter um império, além de servos sinceros e obedientes.


Quando um superior, por exemplo, ou um general, se vê rodeado por seu exército, faz a revista e sente uma secreta satisfação e glória de ter à sua frente tantos soldados fortemente equipados e devotados as suas ordens; quando ele parece dizer a todos os espectadores: "Estas forças que comando não só dependem de mim, mas foram criadas para mim, e a mim devem tudo o que tem", ele meramente repete, numa ordem aparentemente convencional, que o Homem primitivo deve ter sido real, positivo e permanente.


A autoridade primitiva do Homem; no que consiste sua glória.
Este Homem primitivo teria tido também legiões, sobre as quais teria tido autoridade absoluta, comunicando a elas o seu espírito, como um general, por assim dizer, transmite sua vontade a milhares de homens sob seu comando, tornando-os um consigo mesmo, e tirando deles, de certa forma, suas próprias vontades, para dar-lhes somente a sua; de outra forma, seu controle sobre os soldados seria impossível e inexplicável.


Este Homem primitivo teria, igualmente, contemplado a si mesmo em sua legião, e assim teria obtido a verdadeira glória, porque poderia valer por algo que possuía, a beleza de seus exércitos, sua coragem ao defender a causa da justiça, ou seja, todas as maravilhas que poderia, de fato, fazer brotar de si mesmo e florescer em todos os seus subordinados à vontade. Ao invés disto, neste plano, suas legiões aparecem diante dele já vestida, armada e treinada; aqui, não é sempre ele próprio quem semeia aquilo que colhe, já que a maioria nunca tenha visto, e nem ao menos saiba o seu nome; uma espécie de conhecimento deveria ter constituído a verdadeira força do Homem primitivo, assim como venerar suas cortes.


Ora, o que dizemos aqui a respeito da ordem militar, pode ser dito de todas as nossas outras instituições, políticas e sociais; poderíamos dizer também em relação à Natureza, pois o Homem poderia ter cooperado com toda região e com todos os poderes, em cada ordem, para produzir aquelas imagens maravilhosas, aqueles sinais arrebatadores, que teriam enchido seus olhos, por todos os lugares, e preenchido seu coração com uma glória meritória e justamente adquirida, enquanto que, sem seu presente e limitado estado, o homem freqüentemente vale muito pouco em tudo aquilo que está a sua volta, e em tudo o que ele escala.


Mas se é do alto que o homem recebeu e ainda recebe tudo de melhor para o governo de seus semelhantes, quanto mais ele decifrar as alturas, mais boas coisas irá descobrir para seu próprio benefício, e da natureza humana; já que é das alturas que vem o processo de cura, enviado pelo Amor Supremo para a sua recuperação.


"Mysterium Magnum", de Jacob Boehme: A respeito de uma membrana religiosa aberta ao homem pelo Amor Supremo, convido o leitor a extrair, se puder, algo apropriado da obra de Jacob Boehme, Mysterium Magnum, o "Grande Mistério".


O leitor encontrará ali numerosas ramificações da árvore do convênio que o Amor Supremo tem renovado com o Homem desde a sua degradação. Verá ali a seiva desta árvore, manifestando-se, antes de tudo nas raízes, e então desenvolvendo-se nos diferentes brotos, na medida em que crescem e, finalmente, nas flores e frutos da árvore, desenvolvendo todas as propriedades contidas em seus gérmens, e trazendo-as à luz através de seus canais. Verá ali a verdadeira linhagem sob o manto daquela que é simbólica e, mesmo assim, uma só seiva corre através destas duas linhagens, simultaneamente e de forma distinguível, apesar das diversidades de características que possuem; assim, há uma harmonia entre todas as épocas que ela abarca em seu curso. Mas, o leitor verá também, uma seiva contrária, circulando da mesma forma pela terra, desde o momento em que fomos aprisionados nela e apresentamos, desde aquela primeira época, até os dias atuais, um santuário de abominações, ao lado do santuário da santidade. As descrições que encontrará neste autor, irão instruí-lo completamente, sobre o curso daquelas diferentes instituições religiosas que se espalharam pela terra; e fico satisfeito ao indicar tal obra, senão deveria transcrevê-la ou traduzi-la quase que inteiramente.


Instituições Religiosas: Sacrifícios.
Entre as instituições religiosas de modo geral, já estabelecidas sobre a terra, mas das quais nós quase perdemos os traços, o sacrifício de animais e outras produções da natureza tem um lugar proeminente, e merece ser considerado de forma detalhada, visto que nenhuma tradição ou observação nos tem oferecido qualquer coisa satisfatória, e mesmo Boehme é incompleto, embora tenha levantado alguns aspectos muito interessante sobre este ponto.
Não, não se pode negar, os sacrifícios são praticados de um modo geral, por todo o globo; eles devem, apesar do abuso, e talvez mesmo através deste abuso, ser colocados entre os nossos privilégios, e incluídos entre os auxílios concedidos a nós desde a Queda, pela Sabedoria Divina, para a renovação, tanto quanto possível, de nosso pacto divino; e, como tal, eles chegam com o consentimento do Homem Espírito.


Homem, um Rei subjugado pelos seus próprios súditos; a escravidão da natureza animal, como meio de sua recuperação. O Espírito de sacrifício.
Apesar dos esforços incessantes da falsa filosofia para extinguir a sublime natureza do homem, é tarde demais para questionar se ele nasce ou não para um grande destino; e o inestimável valor dos presentes que o homem ainda pode descobrir em si, mesmo em sua miséria, é uma indicação daquilo que pode formalmente ter possuído na liberdade e abundância.


Não devemos temer o erro, se considerarmos o Homem, no seio do Universo, como um Rei culpado, sujeito ao poder de seus próprios súditos, os quais ele próprio levou a desordem e anarquia, através da injustiça de seu governo; mas acima deste mar agitado, podemos discernir a eterna razão das coisas, tendendo através do imutável peso de sua sabedoria, fazer com que todas as nossas faculdades desarmonizadas recuperem sua calma e equilíbrio.
Talvez, possamos até mesmo reconhecer que, em seu estado primitivo, antes da Queda, o homem possa ter tido também um ministério de sacrifício a completar; não expiatório, pois ele era puro, mas sacrifícios de glória a seu Princípio; não sacrifícios sangrentos, mas sacrifícios de admirações divinas que estão encerradas em todas as criaturas e as quais o homem teria tido o poder de desenvolver diante de Deus, que o incumbiu deste ministério; é o Homem sendo, por assim dizer, estabelecido no centro da criação universal.


Mas enquanto estamos ocupados com os sacrifícios em uso sobre a Terra e seu significado particular, seja físico ou espiritual, veremos o Homem fortemente preso ao sangue, que parece ser o órgão e um recurso, ou domicílio, de todos os seus inimigos aqui embaixo, o sepulcro da escravidão, no qual este Rei idolatro está sepultado vivo por ter tentado contrapor os decretos da Providência, e cultivado deuses estranhos.


A lei que condena o homem à escravidão tem por objetivo mantê-lo em privação, para que esta privação o leve ao arrependimento e, do arrependimento à confissão de suas faltas; esta confissão pode colocá-lo no caminho que leva ao perdão; e, como o zeloso cuidado da Sabedoria Suprema, com este infeliz exílio, é incansável, ela o provê de meios para curar os males a que esta exposto diariamente pelas mãos de seus inimigos, e para preservá-lo de seus ataques; finalmente, ela o provê de meios de consolo em meio à sua miséria; e iremos nos esforçar aqui para mostrar que este foi o espírito da instituição dos sacrifícios, por mais absurda ou impiedosa que aquelas cerimônias possam ter se tornado ao passarem pelas mãos dos homens, e ao caírem sob o controle do mesmo inimigo que pretendiam expulsar.