O Homem causou a escravidão de virtudes ou influências
Louis Claude de Saint Martin


O conhecimento que o leitor terá adquirido, a esta altura, irá fazer com que isto pareça um tanto natural. Se o consideramos como um Rei; se teve sua origem exatamente na Fonte de Luz; se o reconhecemos como tendo sido feito à imagem e semelhança da Divindade e sua finalidade era ser o seu representante no universo, ele deve ter sido superior a todas estas ações que agora são empregadas na preservação da Natureza.


Ora, se estas ações diversas procuram o homem para mantê-las em sua ordem e em seu emprego primitivo, ou seja, se ele deve ter desenvolvido e manifestado nelas as maravilhas divinas das quais eram depositárias e as quais deveriam servir como sacrifícios de glória, fica claro que, quando o homem se perdeu, sua queda deve ter colocado estas ações e poderes num estado de sujeição e violência, para o qual não foram feitos e que representa para eles uma espécie de morte.
Assim, vemos nas tradições hebraicas, os judeus como sendo, por assim dizer, os primogênitos de um povo; as prevaricações do faraó e a dureza de coração induziu a Justiça a atingir não só a ele, mas a todos os primogênitos de seu reino, dos animais aos homens; do filho do escravo ao filho daquele que sentou no trono.


A oferta do primogênito.
Após esta terrível vingança, aplicada sobre o Egito, verificamos os hebreus ordenados a consagrar todos os seus primogênitos à Deus, desde o primogênito do homem até aquele dos animais. Esta coincidência é mais uma indicação do que já adiantamos a respeito do objetivo e espírito dos sacrifícios; pois a consagração do sacerdote, que parece reunir em si o significado de todas as outras consagrações, não foi feita sem o sacrifício de um carneiro.


Se seguirmos estas comparações, verificaremos que, através do crime do homem, todos os primogênitos, todos os princípios produzidos de cada espécie, foram mergulhados com ele em seu abismo; mas que através do amor perfeito da Sabedoria Suprema, o Homem recebe o poder de restaurá-los sucessivamente às suas posições e depois deles os seus semelhantes, por sua vez; e fazer com que as almas desfrutem os seus sabath, assim como teve o poder de fazer a natureza desfrutar dos seus.
Veremos, em resumo, que os sacrifícios de sangue tendiam a dois objetivos, seja para restaurar a liberdade original a todas as ações puras e regulares, cujo pecado atacou nas diferentes classes de animais e coisas criadas, seja para permitir que tragam alívio ao homem e o liberte da servidão onde definha.


O Êxodo, a dualidade fundamentada na natureza do Homem.
No exemplo que acabamos de dar, devemos sempre considerar que seu objetivo era o Homem, e que sua dualidade se aplica as duas nações distintas, a Egípcia e a Hebraica, uma representa o Homem em sua queda e estado de reprovação, e a outra sob sua lei de libertação e retorno em direção ao posto sublime do qual descende.
Nós, contudo, não tomamos as leis e os costumes hebraicos como base e fundamento sobre o qual repousa esta teoria.
Ela repousa, em primeiro lugar, na natureza do Homem, na forma em que ele estava, em sua origem, e como ele está no momento, ou seja, em nossa grandeza e em nossa miséria; e quando, mais tarde, esta teoria encontra sobre a terra testemunhos que a sustente e a confirme ela se utiliza deles, não como provas, mas como confirmações.


Portanto, não precisamos nos referir aos escritos sagrados para descobrir a época em que os sacrifícios tiveram origem. Os sacrifícios de glória datam de uma época anterior à queda do homem: assim como os sacrifícios de sangue e expiação tiveram início tão logo o homem começou a ver o caminho da libertação diante de si, e isto ocorreu quando ele teve a permissão de vir habitar a Terra; já que sendo, previamente, tragado como uma criança num abismo, não teria matéria alguma à sua disposição para sacrificar, não tendo o uso de suas faculdades.
As relações do Homem (conformidades) com a Natureza e os Animais.


O destino primitivo do Homem era estar conectado com toda a Natureza, até que a obra a qual tinha que realizar, se tivesse mantido seu posto, estivesse acabada. Apesar de sua queda, ele ainda se encontrava conectado com esta Natureza da qual não podia sair e cujo peso opressivo era ainda maior, pelo domínio que o homem permitiu que seu inimigo adquirisse sobre ela e sobre ele próprio. Assim, a conecção do homem com a Natureza não era outra senão o sofrimento, e seu ser propriamente dito estava identificado com o poder das trevas. Aos poucos, quando o caminho de volta lhe foi aberto, estes meios salutares (sacrifícios) podiam operar somente através do órgão ou canal que é a natureza, lugar onde o Homem estava sepultado ao invés de ser seu comandante. Desta forma, as relações (conformidades) que o homem tem com os animais não terá fim até que a Natureza tenha completado seu curso; contudo, estas relações variam em suas características, de acordo com as diferentes épocas em que o homem está situado. Em seu tempo de glória, ele reinava como um soberano sobre os animais; e se supomos que haviam sacrifícios naquela época, seu objetivo não podia ser a restauração do Homem, já que não era culpado.


Quando caiu, o Homem se tornou a vítima destes animais e de toda a Natureza. Na ocasião de sua libertação, ele foi capaz e teve a permissão de empregar tais animais para o seu desenvolvimento: isto não pode ser duvidado, depois de tudo o que foi dito. Ora, sendo estes fundamentos apoiados em bases firmes, nada mais satisfatório do que encontrá-los plenamente confirmados nos escritos sagrados.
O significado espiritual e correspondência dos Sacrifícios Mosaicos.


O primeiro Homem, em seu estado de glória, é apresentado nas Escrituras como sendo investido com total autoridade sobre a Natureza, particularmente sobre os animais, já que lhe foi concedido o poder de aplicar a eles seus nomes essenciais e constituintes; com a queda a Terra foi amaldiçoada, e animosidade se colocou entre a mulher e a serpente; contudo dificilmente vemos o homem sendo enviado para cultivar a terra, antes encontramos o uso dos sacrifícios de animais em sua família, uma forte indicação de que ele próprio os praticou, e que transmitiu esta prática a seus filhos que a espalharam por toda a Terra.


É fácil verificar o quão vantajosa esta instituição tão salutar em seu princípio e em seus objetivos, teria sido para o Homem se ele a tivesse observado em seu verdadeiro espírito; basta olharmos os sacrifícios restaurados na época de Moisés, para reconhecer que, se o povo os tivessem observado sinceramente, nunca teria sido abandonado, ao contrário lhe teria sido oferecido todas as boas coisas que era capaz de receber, uma vez que a luz e o poder divino os teria envolvido constantemente.


A primeira coisa a se notar, nas regras relacionadas a estes sacrifícios, é que eram, de longe, mais numerosas e importantes na ocasião dos três grandes festivais Hebraicos: a Páscoa, a Festa das Semanas, e a Festa dos Tabernáculos.
Estas três épocas solenes, tão instrutivas pelos fatos que relembram, os períodos fixos em que ocorriam, e a conecção que possuíam com a história espiritual e a regeneração do homem, mostra claramente como eram importantes os sacrifícios então praticados, uma vez que é natural supor que aconteciam para o desenvolvimento daqueles grandes objetivos.


A melhor coisa para se verificar a conecção destes três principais festivais com a história espiritual da regeneração do Homem é olhar continuamente a nossa própria natureza, e observar que, como somos caracterizados espiritualmente por três reinos ou eminentes faculdades constituintes, que requerem o máximo de desenvolvimento em cada um dos três planos, terrestre, espiritual e divino, através das quais passamos, é certo que todos os meios e leis que cooperem com nossa regeneração, deva seguir um curso correspondente a este número, e análogo ao tipo de assistência que solicitamos, de acordo com nossos estados de desenvolvimento e o trabalho de suas respectivas épocas.
Digressão sobre os números.


A fim de que a palavra número não alarme o leitor, irei parar por um instante para mostrar-lhe que os números, embora fixos na ordem natural, não são nada, e só servem para expressar as propriedades das coisas, da mesma forma que em nossas línguas, as palavras só servem para expressar idéias, e não possuem, essencialmente, valor algum.


Contudo alguns pensaram que como os números expressavam as propriedades das coisas, eles realmente continham em si estas propriedades: esta tem sido a causa de tantas ilusões e descrédito com relação à ciência dos números, na qual, assim como em milhares de outros exemplos, a forma tem tragado a substância; enquanto que os números não podem mais ter valor ou existência, sem as propriedades que representam, assim como uma palavra não vale nada sem a idéia da qual é o símbolo.


Mas, há aqui uma diferença, a saber, que nossas idéias, sendo variáveis, as palavras que empregamos para expressá-las também podem variar; enquanto que, sendo fixas as propriedades das coisas, os números ou os algarismos que as representam não pode ser suscetível a mudanças.
Os matemáticos, embora longe do reconhecimento e emprego destes números fixos, dão uma idéia deles através dos números arbitrários ou livres de que fazem uso; pois eles aplicam, continuamente, estes números arbitrários à valores especulativos e quando os números são desta forma aplicados, nada mais são do que seus próprios representantes e símbolos, se separados não são nada, e os matemáticos puro, separados de qualquer aplicação, nada mais são do que uma invenção de si próprios.


A Natureza nada sabe deste tipo de matemáticos. A Natureza é a contínua união de leis geométricas, com fixos, embora desconhecidos, números. O Homem pode, em sua mente, considerar estas leis de forma independente de seus números fixos; mas a Natureza é a execução efetiva destas leis e não conhece abstração alguma.


Ora, os matemáticos se preocupam somente com os movimentos externos e com as dimensões das coisas, e não com suas propriedades internas, é certo que eles não precisam se preocupar com os números fixos, que são unicamente os símbolos destas propriedades. E, de fato, eles só tem haver com as dimensões visíveis das coisas, ou no máximo, com seu peso aproximado, velocidade e atração; fica claro que, para cumprir seus objetivos, a numeração ordinária é suficiente.
O que acabo de dizer sobre os números basta para acabar com o preconceito que geralmente resulta desta ordem de conhecimento, agora retorno ao nosso assunto, o sacrifício.