O Livro Sagrado E A Escola De Atenas



Rafael, famoso artista italiano do período da renascença, é o responsável por um dos quadros mais fantásticos da arte universal: A Escola de Atenas.


Sua obra constitui um verdadeiro estudo da maneira pela qual os gregos antigos concebiam e representavam o mundo. É quase impossível olhar para esta obra e não perceber o senso estético de harmonia que salta do conjunto de tanto quanto dos detalhes. Podemos identificar os diversos personagens históricos e suas respectivas idéias expressas da maneira pela qual se postam e nos gestos que denotam. No centro da obra vemos Platão e Aristóteles lado a lado. O primeiro gesticula com a mão apontando para cima - sinal de sua metafísica, de sua filosofia centrada no ideal. O segundo aponta para frente - sinal de sua física, sua ética da conveniência, seu mundo filosófico baseado na experiência.
A famosa teoria do mundo das idéias - que fundamenta a filosofia platônica - ensina que o mundo é a representação diminuída e prejudicada do mundo superior, que é mais belo e perfeito, onde a perfeição e a beleza expressão potencialmente seus atributos. Segundo esta teoria a alma desenvolve os conceitos perfeitos acerca de toda a Verdade. No entanto, uma vez inserida no mundo das coisas observa nele a expressão deturpada do mundo superior, e à sua volta restam apenas meras figuras da realidade luminosa (cf. 1Cor 13,12).
O mundo para Aristóteles é lógico, onde a experiência possui lugar para desenvolver conceitos e classes, relações e dimensões. Constatou com a metafísica suas proposições que pareciam derivar do conjunto de experiências reais, catalogadas e classificadas para dar origem a uma visão teórica do mundo em que se vive, isto é, um modelo.


Em sua obra "Ética a Nicômaco", pode-se verificar que a Ética é uma adaptação do indivíduo ao meio em que vive, que define suas regras de comportamento baseadas no modelo que percebe de sua realidade, passando então a guiar-se por elas: o bom é o adequado.
Rafael de forma brilhante capturou detalhes destas idéias e reproduziu-as em sua obra. No composto harmônico de sua pintura é possível identificar a noção do perfeito vindo das idéias para a visão e da visão para as idéias.
Assim como as idéias de Platão e Aristóteles, a obra de Rafael é a expressão de um modelo pelo qual o artista se palpava para entender o mundo.
Muito antes de Rafael na pintura, antes de Platão e de Aristóteles, antes dos mitos de explicação do mundo e das coisas o homem usava modelos como
formas de interferir na realidade.


Muitas pinturas rupestres demonstrando cenas de caça, identificadas no período paleolítico-superior, têm sido concebidas como modelos que o homem pré-histórico
usava para planejar, avaliar ou comunicar a sua sabedoria.
Entretanto é preciso reconhecer que os modelos apenas refletem parte das realidades.
A obra de Rafael, a Escola de Atenas é uma obra rara, perfeita em cores ; genial na interpretação da tradição dos gregos. No entanto é preciso conhecimento para apreciar tal obra em sua totalidade. Quem não possui o conhecimento adequado terá sérios problemas para entender o quadro, e muito possivelmente será conduzido a idéias falsas do que o autor da obra realmente quis expressar.
O mesmo acontece com a Sagrada Escritura. Ela é a Escola de Atenas que o Criador nos entregou através da Fé, porém muito mais complexa, suntuosa e encantadora que a obra de Rafael, e por isso também muito mais suscetível a ser entendida de forma errada se o leitor não possui o conhecimento adequado. Para entender a Sagrada Escritura, não basta saber a cultura helênica como na Escola de Atenas, mas é preciso conhecer o seu berço, isto é, o corpo doutrinário onde ela surgiu, que é a Tradição dos Apóstolos.


Mateus
Apresentar Mateus é na verdade quase impossível, porque as notícias que lhe dizem respeito são poucas e fragmentadas. Mas o que podemos fazer, não é tanto um esboço da sua biografia, mas ao contrário o perfil que o Evangelho transmite.
Entretanto, ele está sempre presente nos elencos dos Doze escolhidos por Jesus (cf. Mt 10, 3; Mc 3, 18; Lc 6, 15; Act 1, 13). O seu nome hebraico significa "dom de Deus". O primeiro Evangelho canónico, que tem o seu nome, apresenta-no-lo no elenco dos Doze com uma qualificação bem clara: "o publicano" (Mt 10, 3). Desta forma ele é identificado com o homem sentado no banco dos impostos, que Jesus chama ao seu seguimento: "Partindo dali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado no posto de cobrança, e disse-lhe: "Segue-me!". Ele levantou-se e seguiu-o" (Mt 9, 9). Também Marcos (cf. 2, 13-17) e Lucas (cf. 5, 27-30) narram a chamada do homem sentado no posto de cobrança, mas chamam-no "Levi". Para imaginar o cenário descrito em Mt 9, 9 é suficiente recordar a magnífica tela de Caravaggio, conservada aqui em Roma na Igreja de São Luís dos Franceses. Dos Evangelhos sobressai um ulterior pormenor biográfico: no trecho que precede imediatamente a narração da chamada é referido um milagre realizado por Jesus em Cafarnaum (cf. Mt 9, 1-8; Mc 2, 1-12) e é mencionada a proximidade do Mar da Galileia, isto é do Lago de Tiberíades (cf. Mc 2, 13-14). Disto pode deduzir-se que Mateus desempenhasse a função de cobrador em Cafarnaúm, situada precisamente "à beira-mar" (Mt 4, 13), onde Jesus era hóspede fixo na casa de Pedro.
Com base nestas simples constatações que resultam do Evangelho podemos fazer algumas reflexões. A primeira é que Jesus acolhe no grupo dos seus íntimos um homem que, segundo as concepções em vigor na Israel daquele tempo, era considerado um público pecador. De fato, Mateus não só administrava dinheiro considerado impuro devido à sua proveniência de pessoas estranhas ao povo de Deus, mas colaborava também com uma autoridade estrangeira odiosamente ávida, cujos tributos podiam ser determinados também de modo arbitrário. Por estes motivos, mais de uma vez os Evangelhos falam unitariamente de "publicanos e pecadores" (Mt 9, 10; Lc 15, 1), de "publicanos e prostitutas" (Mt 21, 31). Além disso eles vêem nos publicanos um exemplo de mesquinhez (cf. Mt 5, 46: amam os que os amam) e mencionam um deles, Zaqueu, como "chefe dos publicanos e rico" (Lc 19, 2), enquanto a opinião popular os associava a "ladrões, injustos, adúlteros" (Lc 18, 11). É ressaltado um primeiro dado com base nestes elementos: Jesus não exclui ninguém da própria amizade. Ao contrário, precisamente porque se encontra à mesa em casa de Mateus-Levi, em resposta a quem falava de escândalo pelo fato de ele frequentar companhias pouco recomendáveis, pronuncia a importante declaração: "Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores" (Mc 2, 17).


O bom anúncio do Evangelho consiste precisamente nisto: na oferenda da graça de Deus ao pecador! Noutro texto, com a célebre parábola do fariseu e do publicano que foram ao Templo para rezar, Jesus indica inclusivamente um anónimo publicano como exemplo apreciável de confiança humilde na misericórdia divina: enquanto o fariseu se vangloria da própria perfeição moral, "o cobrador de impostos... nem sequer ousava levantar os olhos para o céu, mas batia no peito, dizendo: "Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador"". E Jesus comenta: "Digo-vos: Este voltou justificado para sua casa, e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado" (Lc 18, 13-14). Na figura de Mateus, portanto, os Evangelhos propõem-nos um verdadeiro e próprio paradoxo: quem aparentemente está afastado da santidade pode até tornar-se um modelo de acolhimento da misericórdia de Deus e deixar entrever os seus maravilhosos efeitos na própria existência. Em relação a isto, São João Crisóstomo faz uma significativa anotação: ele observa que só na narração de algumas chamadas se menciona o trabalho que as pessoas em questão desempenhavam. Pedro, André, Tiago e João são chamados quando estão a pescar, Mateus precisamente quando cobra os impostos. Trata-se de trabalhos de pouca importância comenta Crisóstomo "porque não há nada mais detestável do que um cobrador de impostos e nada de mais comum do que a pesca" (In Matth. Hom.: PL 57, 363). A chamada de Jesus chega portanto também a pessoas de baixo nível social, enquanto desempenham o trabalho quotidiano.
Outra reflexão, que provém da narração evangélica, é que à chamada de Jesus, Mateus responde imediatamente: "ele levantou-se e seguiu-o". A condensação da frase ressalta claramente a prontidão de Mateus ao responder à chamada. Isto significava para ele o abandono de todas as coisas, sobretudo do que lhe garantia uma fonte de lucro seguro, mesmo se muitas vezes injusto e desonesto. Evidentemente Mateus compreendeu que a familiaridade com Jesus não lhe permitia perseverar em atividades desaprovadas pelo Criador. Intuiu-se facilmente a aplicação ao presente: também hoje não é admissível o apego a coisas incompatíveis com o seguimento do Redentor, como é o caso das riquezas desonestas. Certa vez Ele disse sem meios-termos: "Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me" (Mt 19, 21). Foi precisamente isto que Mateus fez: levantou-se e seguiu-o! Neste "levantar-se" é legítimo ver o abandono de uma situação de pecado e ao mesmo tempo a adesão consciente a uma existência nova, reta, na comunhão com o Messias.


Por fim, recordamos que a tradição da Igreja antiga concorda na atribuição a Mateus da paternidade do primeiro Evangelho. Isto acontece já a partir de Papias, Bispo de Hierápoles na Frígia por volta do ano 130. Ele escreve: "Mateus reuniu as palavras (do Senhor) em língua hebraica, e cada um as interpretou como podia" (em Eusébio de Cesareia, Hist. eccl. III, 39, 16).
O historiador Eusébio acrescenta esta notícia: "Mateus, que primeiro tinha pregado aos hebreus, quando decidiu ir também a outros povos escreveu na sua língua materna o Evangelho por ele anunciado; assim, procurou substituir com a escrita, junto daqueles dos quais se separava, aquilo que eles perdiam com a sua partida" (ibid., III, 24, 6). Já não temos o Evangelho escrito por Mateus em hebraico ou em aramaico, mas no Evangelho grego que ainda continuamos a ouvir, de certa forma, a voz persuasiva do publicano Mateus que, tendo-se tornado Apóstolo, continua a anunciar-nos a misericórdia salvadora de Deus e ouvimos esta mensagem de São Mateus, meditamo-la sempre de novo para aprender também nós a levantar-nos e a seguir O Reparador com determinação.