Sobre a Virgem Maria e a encarnação de Jesus Cristo, o Filho de Deus

Jacob Boehme


1. Muitos tomaram para si, o ato de escrever sobre a Virgem Maria, tendo acreditado que ela não era uma filha da terra. Para estes foi apresentado um reflexo da Virgindade eterna, o que os deixou longe do verdadeiro alvo. Alguns simplesmente acreditavam que ela não era a filha de Joaquim e Ana, pois o Cristo é chamado de semente da mulher, e de fato é, atestando ter vindo de cima, do céu; segundo eles, o Cristo deve então ter nascido de uma Virgem totalmente celeste. Mas isso seria pouco útil para nós, pobres filhos de Eva, que nos tornamos terrestres e que conduzimos nossas almas num vaso terrestre. Onde estariam nossas pobres almas, se o Verbo da vida eterna não as tivesse tomado para si? Se Cristo trouxe uma alma do céu, onde estaria nossa alma e o pacto com Adão e Eva, pelo qual a semente da mulher esmagaria a cabeça da serpente? Se Cristo tivesse desejado vir e nascer totalmente celeste, não precisaria ter nascido um homem sobre a terra. Mas onde estava o pacto, no qual o nome da promessa, Jesus, incorporou-se na luz da vida, na tintura da alma, imediatamente no Paraíso, quando Adão caiu, mesmo antes de Adão ser criado? Como diz Pedro: "conhecido antes da fundação do mundo, mas manifestado no fim dos tempos, por causa de vós" (1 Pd 1,20). Deus, em sua sabedoria, sabia da queda; assim, o nome Jesus incorporou-se ali no Verbo da vida, logo em seguida, envolvido pela Virgem da sabedoria, na imagem de Adão com a cruz. Pois a alma também é um nascimento crucial: quando o fogo da alma é aceso, produz no lampejo uma cruz, ou seja, um olho com a cruz e os três Princípios, de acordo com a característica da Santa Trindade.

2. Precisamos compreender que Maria, em quem o Cristo tornou-se homem, foi verdadeiramente, a filha de Joaquim e Ana, pela carne exterior, sendo gerada pela semente deles, de acordo com o homem exterior; mas pela vontade, ela era filha do pacto da promessa, pois ela era a meta para a qual o pacto apontava. Nela encontrava-se o centro do pacto; portanto, ela era altamente conhecida do Espírito Santo no pacto, e altamente abençoada diante e entre todas as mulheres, até mesmo Eva; pois o pacto nela se revelou.

3. Deves nos compreender de forma elevada e sublime: O Verbo com a promessa, que com os judeus permaneceu como um protótipo, como num espelho, no qual Deus, o Pai colérico, imaginou e extinguiu sua cólera, este Verbo e promessa agora movimentou-se de forma essencial, que não ocorreu da eternidade. Pois quando Gabriel trouxe a mensagem à Maria, de que deveria ser fecundada, ela consentiu dizendo: 'Que seja feito segundo a tua palavra', então o centro da Santa trindade movimentou-se, revelando o pacto, ou seja, o revelou-se dentro dela, no Verbo da vida, a eterna virgindade que Adão havia perdido. Pois a virgem da sabedoria de Deus envolvia o Verbo da vida ou o centro da Santa Trindade. Assim, o centro foi movimentado, e o Vulcão celeste acendeu o fogo do amor, a fim de que o princípio da chama do amor fosse gerado.

4. Compreenda corretamente. A essência de Maria ou a essência virgem, corrupta em Adão e de onde ele deveria produzir uma imagem virgem, de acordo com a sabedoria de Deus, encontrava-se repleta de fogo e do princípio do amor inflamado; entenda por isso a semente de Maria, quando tornou-se fecunda com o espírito da alma ou com a tintura de Vênus; pois, na tintura de Vênus, ou seja, na fonte do amor, o primeiro fogo de Adão foi aceso no Verbo da vida, e no menino Jesus, as duas tinturas eram perfeitas como em Adão; o Verbo da vida no pacto, compreenda a Santíssima Trindade, era o centro, e o princípio apareceu na esfera do Pai. O Cristo tornou-se homem em Deus e também em Maria e ao mesmo tempo no mundo terrestre, ou seja, em todos os três Princípios. Ele tomou para si a forma de um servo, para que pudesse dar à mão à morte e ao demônio, pois ele seria um príncipe no locus deste mundo, no trono principesco angélico, no lugar e com a autoridade do anjo e príncipe anterior, Lúcifer, sobre todos os três Princípios. Se então (1) ele deveria ser senhor do mundo externo, era preciso habitar no mundo externo, possuindo sua natureza e propriedade; se (2) deveria ser o Filho de Deus, necessariamente deveria nascer de Deus; se (3) deveria extinguir a cólera do Pai, também deveria estar no Pai; se (4) era para ser o Filho do Homem, também deveria ser da essência e natureza do homem, tendo uma alma e um corpo humano, como todos nós temos.

5. Reconhecemos que Maria, sua mãe, assim como o Cristo, através de sua mãe, tinham uma essência humana, no corpo, alma e espírito, e que o Cristo recebeu uma alma da essência de Maria, mas sem a intervenção da semente do homem. O grande mistério de Deus ali foi revelado. O primeiro homem, em seu esconderijo, caído na morte, foi aqui novamente gerado em sua vitalidade, compreenda no princípio de Deus. Por causa disto a Divindade se colocou em movimento, acendendo o fogo no princípio do Pai; assim, o súlfur morto, que havia morrido em Adão, foi novamente despertado; pois o Verbo possuía a essencialidade celeste em si e com ela se revelou na imagem virgem da Divindade. O mesmo ocorre com a Virgem casta, na qual o Verbo da vida tornou-se homem; assim, a Maria exterior foi adornada com a altíssima e abençoada Virgem celeste, sendo abençoada entre todas as mulheres deste mundo. Tudo o que estava morto e enterrado na humanidade, nela foi novamente revivido; portanto ela foi exaltada, como o primeiro homem diante da queda, tornando-se a mãe do Príncipe Real. Contudo, isso não ocorreu por seu próprio poder, mas pelo poder de Deus. Se o centro de Deus não tivesse se colocado em movimento dentro dela, ela não teria sido, de forma alguma, diferente de todas as filhas de Eva. Mas o verbo da vida havia estabelecido este objetivo, em conexão com o pacto da promessa; portanto ela é abençoada entre todas as mulheres e acima de todos os filhos de Eva. Não que ela seja uma deusa, a quem devemos louvar como Deus, pois ela não é o objetivo; e de fato ela disse: "Como pode ser, eu não conheço nenhum homem?" Mas o Verbo da vida no centro do Pai, que pelo movimento da Divindade doou-se para a humanidade e foi revelado na essência humana, é o objetivo: este é o objetivo que devemos buscar para a realização do novo nascimento.

6. O que ocorreu no caso do primeiro Adão, foi uma maravilha ainda maior. Pois o primeiro Adão foi criado dos três Princípios, recebendo seu espírito do próprio Espírito de Deus: neste caso, o Coração de Deus não precisava se movimentar especialmente; o Espírito de Deus, do Coração de Deus apenas moveu-se. Mas aqui o centro do coração de Deus foi colocado em movimento, centro este que havia repousado desde a eternidade; o fogo divino tornou-se aceso e inflamado.