O PODER DA VERDADE

Adaptado Pelo Amado Irmão Monte Cristo SI


Homem dotado de grande sensibilidade e bondade, Gerard nunca machucou um ser vivo. Para ele, todos eram criaturas de Deus. Solitário, passava metade de seu dia orando e estudando livros de Cabala e os ensinamentos de Nosso Venerável Mestre. Somente após encher seu coração e sua alma de inspiração e sabedoria, sentava perto do fogo munido da bigorna e martelos e se punha a gravar na prata seus pensamentos e visões.

Ao anoitecer, parava de trabalhar e ia para um lugar deserto para ali render glórias a Yeschouá o Grande Arquiteto do Universo, onde ficava até tarde, mergulhado nos mistérios da Criação do mundo e do universo. Só após a meia-noite, ao concluir suas preces noturnas e suas meditações sobre a grande obra, voltava novamente para sua loja e trabalhava por mais algumas horas já quase ao raiar do dia.

Anos antes, em um momento de profunda inspiração, havia começado a trabalhar em duas peças muito especiais, um cálice de prata e um Cristograma de ouro. Gerard queria produzir algo que pudesse transmitir, para as gerações futuras, seu amor pelo Criador e a profunda fé que lhe transbordavam do coração e da alma, esta peça seria o cálice de prata para o altar central e o Cristograma, um presente para a sua filha que estava se preparando para ser recebida na fraternidade.

Não era a primeira peça de prata que Gerard produzia; já fizera inúmeros e todos belíssimos, mas este era diferente, ia ser uma verdadeira obra de arte que iria decorar o altar central de seu Septem Martinista. Gravada na prata estavam todas as ferramentas martinistas e alguns símbolos especiais. Estavam lá a mascara, o manto, o cordão, a espada, o solidéu, o incensório, o tríplice castiçal, enfim quase todos os ornamentos pessoais e coletivos além é claro do nome do Grande Arquiteto do Universo talhado em ouro pelo buril já gasto de tanto trabalho.

Ninguém jamais vira a obra-prima que o ourives estava produzindo, nem mesmo Débora, sua única filha, uma linda jovem que herdara do pai a fé e a sensibilidade artística. Às vezes, quando conversava com ela, Gerard mencionava algo sobre sua obra, mas Débora conhecia bem o pai, sabia que só a mostraria na hora em que ele a julgasse pronta.

"Minha filha, dinheiro algum me faria vender estas peças", dizia Gerard. "Será meu presente ao Templo no dia de sua Iniciação". Quero através dela transmitir e ensinar a seus filhos e aos filhos de seus filhos, e a todas as gerações futuras Martinistas, o amor que o Criador sente por Seus Obreiros e os milagres que Ele mesmo realizou a todos, indistintamente de raça credo ou religião ".

O cálice central estava quase pronto, era uma peça graciosa que iria receber o vinho para o Ágape ritualístico.

No dia em que ia terminar sua obra, Gerard não trabalhou, passando o dia todo em estudo e contemplação. Só à noite, após colocar a mão direita sobre o barrete vermelho que estava encravada no batente da porta principal de sua casa e que continha o Nome do Reconciliador em dourado, e onde realizava todos os dias as suas preces de agradecimento por mais um dia produtivo, Gerard foi para sua oficina e, vestido com seu melhor traje de festa, acendeu a chama e preparou-se para dar o toque final à sua maior criação.

Purificado pelas orações e o serviço ao Criador e aos seus Amados Irmãos, Gerard era só "alma"; sua mente perdera consciência do que acontecia ao seu redor.

Nem ouviu o barulho de passos que subitamente interromperam a quietude da noite. Só quando alguém sorrateiramente se aproximou dele pelas costas, e empunhando uma espada afiada, desferiu sobre seu peito um único e mortal golpe de viés, somente quando o sangue se acumulava no piso Gerard percebeu que algo ocorria e olhou para cima, viu um rosto vermelho, olhos gananciosos, viu uma espada e certamente não pode acreditar no que lhe acontecera. Um grito rouco saiu de sua garganta enquanto nenhuma força lhe restara para qualquer reação.

O assassino apenas gargalhava, cada vez mais alto. Curvando-se diante do artefato de prata que continham palavras e símbolos secretos, antes do golpe final murmurou..... Isto abrirá as portas do templo...... Gerard, neste exato momento reconheceu seu algoz, apesar da pouca luz de sua oficina..


Gerard, prevendo o que poderia acontecer, tratou de segurar firmemente o Cristograma dourado que estava entre seus dedos e havia forjado com tanto amor para a sua amada filha. O invasor tentou de todas as formar subtrair esta jóia poderosa e cara, porém não havia força suficiente para esta empreitada. Percebendo a aproximação de pessoas, colocou-se em fuga.

Débora, despertada por um sentimento de angustia, correu até a loja e encontrou seu pai já sem vida. Vestindo sua melhor roupa, estava deitado numa poça de sangue, e em sua mão direita o precioso presente que não teria oportunidade de ofertar a sua filha.

Lágrimas quentes rolavam-lhe pelo rosto enquanto Débora beijava a mão do pai, uma mão que a havia acariciado quando pequena; uma mão que criara tantas obras de arte. De repente, a mão do pai se abriu e o Cristograma se revelou ante seus olhos lacrimejantes . Em sua angústia, deteve-se em segurar aquela peça pois, pensava ela ter sido esta a motivação para o horrível assassínio. Só mais tarde, mais calma e resignada, iria examiná-lo com cuidado e admirar sua beleza.

Enquanto isto, do outro lado da cidade de Lyon, mais precisamente na esquina da Rua Vauban com a Rua Waldeck, onde se localizava o Secreto Templo Martinista da qual Gerar era um ilustre membro, estavam reunidos os obreiros em profundo pesar por tamanha perda, cuja informação acabara de chegar. Durante todo o restante da noite os Irmãos e as Irmãs se ocuparam em lamentar os ocultos caminhos da Divina Providência.

Subitamente, o Amado irmão SI e presidente do Septem parou de falar. Seus olhos pareciam olhar para dentro de si próprio e seu rosto ficou profundamente pálido. Depois de um silêncio doloroso, ele falou:

" A Obra de nosso Amado Irmão Gerard era mais que um cálice de prata, era na verdade um objeto que poderia dar ao possuidor as chaves para abrir de par em par todos os portais da Fraternidade, visto que ali estava gravado as palavras secretas além dos símbolos sagrados".

Portanto, decidiu que para a maior segurança de todos e da inviolabilidade do Templo, todas as atividades estavam suspensas.

Mais que isto, convocou a todos os Martinistas da cidade, de todos os Septens, e de todas as obediências a procurarem o assassino e ao mesmo tempo, resgatarem o precioso cálice de prata.


Alguns dias antes do equinócio de inverno, época mais esperada pelos Martinistas para a realização de seus trabalhos, Débora recebeu uma carta cujo conteúdo a convocava para comparecer ao Átrio do Templo e ser examinada da forma tradicional.

Débora, que muito ansiava fazer parte da Fraternidade como seu pai e sua família, indagou a si mesma: "Terá os Irmãos localizado o assassino de meu Pai" , Teria a Fraternidade recuperado o cálice de prata?" Munida de seu precioso Cristograma, ela não teve dúvidas em cumprir seu desígnio.

Na exata noite do equinócio na correta conjunção lunar apenas um grupo seleto de Irmãos se reunirão para receber na fraternidade mais uma humilde estudante. Haviam exatamente quatro candidatos, Débora, Luiz André e os irmãos Ricardo e Rafael, porém somente dois seriam admitidos naquela ocasião, mas todos deveriam provar sua lealdade e sua capacidade para receberem a Iniciação final, aquela que os tornariam "Superiores e Incógnitos".


Quando estavam todos já preparados para o inicio dos rituais específicos, na câmara anexa os suplicantes eram perfilados e aguardavam serem sabatinados.

O Mestre do Templo acompanhado por todos os obreiros, pediram a cada um dos suplicantes uma prova de lealdade à fraternidade. O primeiro a se manifestar foi Rafael que entregou um livro feito de próprio punho com o resultado de suas pesquisas e contendo um detalhado resumo de tudo o que tinha aprendido até o momento, seu irmão apresentou um mapa astrológico capaz de definir com exatidão os períodos mais propícios aos trabalhos teúrgicos, Débora por sua vez , limitou-se a ler uma carta em que revelava seu perdão ao agressor de seu pai e suas súplicas para que o mesmo se arrependesse de seus atos e devolvesse o cálice de prata.

Por ultimo, um suplicante chamado Luiz André, demonstrando comoção e prepotência, tirou de dentro de um saco de tecido o objeto de prata tão importante para a fraternidade, e passou a contar em detalhes uma fantasiosa estória de como havia ele recuperado o cálice. Afirmava ele que ficou desconfiado dos irmãos Ricardo e Rafael, realizou uma busca secreta em seus aposentos e encontrou, escondida num canto do piso o objeto em questão.

Débora, motivada pela alegria em ver a obra prima de seu pai, ajoelhou-se diante de Luiz André em agradecimento pelo ato de bravura, pois não somente reconduzira o cálice ao Templo, como desvendara os assassinos de seu amado pai.


A Assembléia já se preparava para expulsar os irmãos Ricardo e Rafael do Átrio, sem direito a nenhuma defesa, e a encaminhá-los a policia e a justiça, uma voz mais adivinhada que escutada, alertava: "Parem! Parem! Todos, ", os obreiros já armados com suas espadas e prontos a enfrentar os supostos malfeitores , foram contidos.... Imediatamente o amado Irmão Superior Incógnito fez um sinal, para que o suplicante Luiz André fosse encaminhado até o centro da sala.

" Amado irmão Luiz André, além de devolver o cálice ao Templo e acusar seus irmãos de terem as mãos manchadas de sangue tem alguma prova de fidelidade a apresentar?" Luiz André versado em mentiras e dissimulações afirmou que seu ato de coragem era suficiente para provar seu direito de acesso ao templo e mais, que ele deveria ser apontado como um verdadeiro mestre..... pelo seu ato e pela sua perspicácia....


O mestre do Templo tomou pelas mãos o suplicante e o conduziu ritualisticamente até o altar principal, logo em seguida, solicitou que todos sem exceção deixassem o local.

Antes de se retirar, o Mestre do Templo solicitou que o suplicante Luiz André buscasse em seu intimo a aprovação que tanto desejava, e o advertiu que ali ele encontraria não somente a verdade, mas também o poder da verdade.... Colocou sobre o seu pescoço o Cristograma de ouro que pertencia a Débora, e o deixou a sós.

Não foi necessário mais que 10 minutos para que o jovem implorasse a sua retirada do Templo, mal ele podia se manter ereto dado o peso que a corrente com o Cristograma lhe impunha, suas mãos estavam tremulas e ele mal podia descrever o que lhe havia ocorrido, limitava-se a se auto incriminar e a gritar que era ele o assassino de Gerard......

Diz a tradição que não foi possível saber com exatidão o que realmente aconteceu no interior do templo naquela ocasião, nem o que fez Luiz André falar a verdade, fato é que mesmo depois de ser retirado do Templo, ele tentava sem sucesso colocar as mãos em sua própria garganta, como quem almeja sufocar a si mesmo.

Tempos depois Débora concluiu seus estudos e quando estava apta a dirigir e manter seu próprio Septem Martinista, ela recebeu do seu antigo Iniciador, um malhete de madeira, e o cálice que fora manufaturado pelo seu pai.


O que poucos sabiam é que mesmo antes da confissão derradeira, o Mestre do Templo fora advertido sobre a identidade do verdadeiro assassino de Gerard, e que por estes fora instruído como agir naquela circunstância.

Lenda ou verdade, o que aprendemos desta estória é que a verdade sempre prevalece! A mascara do mentiroso sempre irá cair, o poder da corrente astral sempre agirá sobre todos aqueles que utilizarem a falsidade, a dissimulação e a mentira para encobrir seus interesses mesquinhos e inconfessáveis.

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