o filósofo Swedenborg



Durante o período intermediário de sua vida, a partir do retorno à Suécia, em 1734, Swedenborg esteve intensamente dedicado à investigação filosófica: seu trabalho era baseado em seus extraordinários conhecimentos de ciência natural. J. Morell, na obra O Pensamento Filosófico na Europa no Século XIX, comenta assim o pensamento filosófico de Swedenborg: "Às pessoas que tenham apenas ouvido vagos rumores de sua filosofia, Swedenborg parece basear seu pensamento filosófico num conjunto de fatos bem mais vastos do que o próprio pai da ciência experimental jamais concebeu" (vol. i, pág. 317). Suas investigações iam da estrutura da matéria ao sítio da alma no corpo humano; e seus estudos abrangeram matemática, física, mecânica, astronomia, metalurgia, química, geologia, magnetismo e anatomia. E esses conhecimentos não eram apenas superficiais; na maioria dessas disciplinas ele reuniu tanto conhecimento quanto havia em sua época. Suas investigações eram ousadas e profundas. Em sua obra Principia, primeira parte da obra Opera Philosophica et Mineralia, referida no capítulo anterior, formula uma teoria elaborada da origem das coisas e expõe a hipótese da nebulosa muitos anos antes de Kant, Herschel e Laplace.Nas obras que comentaremos a seguir, Swedenborg levou suas investigações filosóficas aos mais elevados temas, e intentou desvendar os mistérios da alma humana e sua relação com seu instrumento, o corpo, ao mesmo tempo em que tratou de outros assuntos com igual profundidade.
A esse período pertencem três obras: Æconomia Regni Animalis, Regnum Animale e De Cultu et Amore Dei. O termo "regnum animale", usado nos primeiros dois títulos, é, de certo modo, ambíguo; em latim quer dizer "o reino da alma". Antes de analisarmos o conteúdo dessas obras, iremos reconstituir as viagens que Swedenborg empreendeu para coligir material e publicá-las, a partir dos diários existentes, um pouco resumidos, mas muito interessantes.


Em 10 de julho de 1736, Swedenborg deixa Estocolmo com destino a Copenhague, via Norkoping e Helsingborg. Permanece algum tempo em Copenhague e lá se relaciona com figuras eminentes; alguns conheciam seus trabalhos e o lisonjearam muito com elogios. Ali e alhures visitou muitos pontos de interesse, como a doca de querena, então sendo construída em Copenhague, trabalhos de porcelana em Hamburgo etc. Embora estivesse preparando-se para explorar os limites da mente humana, Swedenborg manteve o interesse nas coisas práticas da vida, como, efetivamente, o fez até o fim de sua carreira.
Nota importante anuncia que Swedenborg começara a estudar a obra filosófica de Christian Wolf; e registra com muita satisfação que o autor parece fazer menção dele em um de seus trabalhos. Havia conhecido Wolf pouco antes e os dois filósofos se correspondiam de vez em quando.No diário de viagem de Swedenborg há um dado curioso sobre a cidade de Osnabrück, cidade com três igrejas católicas romanas e duas igrejas evangélicas, e que alternava bispos católicos e evangélicos, um acordo que para muitos poderia parecer impossível.
Em Amsterdam, impressionou-se com a ganância: "A cidade inteira só aspira ao lucro". Em seguida, faz conjecturas sobre as causas da formidável prosperidade dos holandeses. Durante sua visita a Rotterdam, poucos dias depois disso, registrou em seus diários alguns comentários sobre a Holanda. "Meditei muito sobre os motivos que levaram nosso Senhor a aquinhoar um povo tão avarento e inculto com um país tão extraordinário; por que os teria preservado de todos os infortúnios; por que teria feito com que eles ultrapassassem todas as outras nações no comércio e nos empreendimentos, e transformado seu país no lugar para onde fluem todas as riquezas da Europa e de outros lugares. A principal razão, suponho, está no fato de o Senhor preferir a República à Monarquia; como foi o caso de Roma. Na República ninguém se sente obrigado a venerar outro ser humano e trata igualmente a todos como se fossem reis e imperadores. Essa faceta de patriotismo e disposição de vida é flagrante no povo da Holanda. O único objeto de sua veneração é o Senhor; não crêem na carne; e quando somente o Maior é reverenciado como tal, e nenhum ser humano toma o lugar d'Ele, o Senhor Se compraz. Ademais, cada um exerce sua vontade livremente e daí cresce sua adoração a Deus; pois cada um é seu próprio rei e governante, sob a égide do Maior. Dessa premissa se intui que eles não perdem sua coragem e seu pensamento racional independente por medo, timidez e excesso de cuidado. No pleno gozo de sua liberdade e sem condicionamentos maiores, são capazes de restaurar suas almas e elevá-las em honra do Maior que não deseja dividir essa honraria com ninguém. Em todos os casos, as mentes subjugadas a um poder soberano se criam na lisonja e na falsidade. Aprendem a falar diferentemente do que sentem; e quando isso se torna hábito, vira uma segunda natureza; assim, mesmo quando adoram a Deus, essas pessoas falam diferente do que pensam e estendem seus louvores ao próprio Senhor, certamente desgostando-O profundamente. Esta deve ser a razão pela qual essa nação foi tão abençoada. Sua adoração ao demônio da cobiça, sua busca incessante do dinheiro, não parece compatível com tantas bênçãos. Entretanto, pode haver dez entre mil ou entre dez mil que livrem os outros do castigo e dividam com eles os frutos das bênçãos temporais".

Palavras extraordinárias para quem gozou do convívio de vários monarcas e a quem "Suas Majestades em Carlsberg" tinham recebido com tantas gentilezas, fazia apenas umas semanas; cujo pai, ademais, tinha sido um ferrenho defensor do "direito divino"; contudo, Swedenborg sempre formava seu próprio juízo e não tinha medo de exprimir suas opiniões.
De Rotterdam, Swedenborg seguiu para Dort e Antuérpia. De lá, foi de barca até Bruxelas, numa viagem que o deixou exultante. "Foi uma viagem bela e maravilhosa. Durante todo o percurso, estávamos cercados de plantações por todos os lados; as pessoas eram mais civilizadas, acentuando, ainda mais, a grosseria e rispidez dos holandeses. A viagem foi, certamente, muito agradável, pois a barca tinha 40 pés de comprimento e seis pés de largura, com cinco cômodos (cozinha, cabine, e outros compartimentos); no convés da frente havia um toldo sob o qual as pessoas podiam se sentar".
Entre seus companheiros de viagem havia dois monges, um dos quais "permaneceu na mesma posição durante quatro horas, orando". Swedenborg viu essa demonstração de excessiva devoção, com sua costumeira generosidade: "Essas orações certamente agradarão a Deus, pois emanam de um coração puro e honesto e são oferecidas com devoção e não com o espírito dos fariseus".
Embora estivesse sempre pronto a ver o bem em todas as pessoas e igrejas, Swedenborg não fechava os olhos para as mazelas que encontrava em suas observações. Elogiou em várias ocasiões o espírito de devoção reinante nas igrejas católicas romanas. Entretanto, não deixou de criticar o contraste entre a opulência da Igreja e a miséria do povo. "Em todos os lugares", diz durante sua estada na França, "os conventos, igrejas e monges são ricos e são os senhores de quase toda a terra. Os monges são gorduchos, opulentos e prósperos; a maioria deles leva uma vida de ócio; tentam subjugar a todos, e exigem tudo dos pobres, dando-lhes em troca somente palavras e bênçãos. Para que servem esses frades franciscanos? Outros, no entanto, são esbeltos, magros, elegantes; preferem caminhar a andar montados a cavalo ou em charretes; estão sempre prontos a dialogar com os outros; são sagazes e generosos". "Péronne", conta-nos, "tem muitas igrejas imponentes, mas as casas são miseráveis; os conventos são majestosos, a gente pobre e miserável". "Roye também é uma cidade miserável".


Em outro trecho de seu diário, explica as causas da pobreza e fornece alguns dados estatísticos das ordens eclesiásticas: "Entendo que a grande renda da França, obtida através do sistema de tributação denominado 'dízimo', monta a 32 milhões de livres ou quase 192 toneladas de ouro, e que Paris, com seus aluguéis, contribui com quase dois terços dessa arrecadação. Dizem que as cidades do interior não arrecadam esse imposto corretamente, pois os aluguéis são declarados abaixo do seu valor real, não chegando a arrecadação a atingir 3% do real. Eu também soube que as ordens eclesiásticas possuem um quinto de todas as propriedades existentes no país, e que o país estará arruinado se essa situação perdurar por muito tempo".
"Na França há 14.777 conventos e 300.000 a 400.000 membros de ordens religiosas que possuem 9.000 palácios ou mansões, 1.356 abades, 567 abadessas, 13.000 prioresas, 15.000 capelães, 140.000 pastores e párocos, 18 arcebispos e 112 bispos; 776 abades e 280 abadessas são nomeados pelo rei. Há, também, 16 superiores de ordens".
Apesar de todo esse aparato, a religião não parece ter tido muita influência nos negócios públicos ou privados. Ao enumerar os vários departamentos de Estado, Swedenborg assinala que o Conde de Maurepas, Secretário de Estado, "se ocupa de todos os assuntos internos e externos, exceto os que concernem à guerra; o Conde de Florentin se encarrega dos assuntos religiosos, que são muito escassos". Temos uma boa idéia da teologia em voga na época lendo este registro do diário de Swedenborg, datado de 17 de outubro de 1736: "Estive na Sorbonne e ouvi os debates teológicos que aconteciam com regularidade; as discussões consistiam de silogismos". Swedenborg visitou muitas igrejas e mosteiros; ouviu a pregação do capelão real, que "gesticulava como se fosse um ator"; entretanto sua pregação era de alto nível; discutiu a adoração dos santos com um abade, visitou hospitais, compareceu à sessão inaugural do Parlamento e não perdia oportunidade de estudar a vida e a religião das pessoas. Ia freqüentemente ao teatro e à ópera, criticava os espetáculos e mencionava os atores e atrizes participantes.


Além de toda essa atividade, tinha sua mente sempre voltada para seus novos trabalhos. Passeando em frente ao Hotel de La Duchesse, em Paris, conjectura sobre a forma das partículas da atmosfera. No dia 6 de setembro, escreve: "Terminei a primeira versão do texto de introdução às Transações que diz: 'a alma da sabedoria é o conhecimento e aceitação do Ser Supremo'". No dia seguinte: "Ocupei-me em examinar a premissa de que agora é a ocasião de se examinar a natureza em função de seus efeitos". Ele está se referindo a uma passagem da introdução à sua obra Æconomia Regni Animalis, na qual, após referir-se ao formidável volume de conhecimentos científicos à espera de uma teoria que os possa compatibilizar e explicar, diz:
Chegou a hora de deixar o cais e navegar mar adentro. Os materiais estão prontos; por que não construirmos o edifício? A colheita nos espera; por que não empunhamos a foice? Os legumes da horta são abundantes e estão maduros; será que devemos deixar que se estraguem? Deleitemo-nos com o banquete que nos foi servido; extrairemos das riquezas que nos são legadas, a sabedoria. Mas atentai bem, pois tratar desse assunto é como navegar mar aberto pelos quatro cantos do mundo. É fácil lançar-se ao mar aberto ou dar a partida num tropel de cavalos, mas chegar a um objetivo é tarefa para Hércules. Entretanto, estamos prontos a enfrentar o abismo, embora devamos proceder como filhotes de passarinhos, com suas asas frágeis, procurando dosar as forças e sentir o ar, o novo mundo que os espera.
O objetivo de que Swedenborg falava confiante e exultantemente era, nada mais, nada menos do que a descoberta da alma, como explica no seguinte trecho da introdução à sua obra Regnum Animale:
É meu intento examinar, física e filosoficamente, a anatomia total do corpo; o objetivo do trabalho é o conhecimento da alma, pois esse conhecimento será a coroação de todos os meus estudos. Portanto, para prosseguir nas minhas investigações e resolver os problemas pertinentes, decidi utilizar o método analítico; acho que sou o primeiro a usar declaradamente esse método. Para atingir esse formidável objetivo, é meu intento pesquisar integralmente o microcosmo que é a alma; pois seria vão procurá-la em outro lugar que não no seu reino. Estou determinado a não me dar tréguas, até que tenha alcançado meu objetivo, até que tenha atravessado o reino universal animal e chegado à alma. Portanto, espero que através dessa contínua introspecção, eu possa abrir todas as portas que me levarão a ela e, então, contemplar a própria alma, com a permissão Divina.


Sua viagem para o exterior teve o objetivo de obter conhecimentos sólidos de anatomia. Na Holanda, na França e na Itália, realizou exaustivos estudos, lendo todas as obras notáveis sobre o assunto, comparecendo a todas as conferências e demonstrações e, freqüentemente, usando, ele próprio, o escalpelo. Contudo, preferia aceitar os ensinamentos dos grandes anatomistas e basear suas teorias em seus postulados, pelas razões que explica na introdução à obra Æconomia Regni Animalis:
O nosso conhecimento experimental de anatomia advém de homens de grande cultura e sabedoria, tais como Eustachius, Malpighi, Ruysch, Leeuwehoek, Harvey, Morgagni, Ieussens, Lancisi, Winslow, Ridley, Boerhaave, Wepfer, Heister, Steno, Valsalva, Duverney, Nuck, Bartholm, Bidloo e Verheyen, cujas descobertas, ao contrário de meras falácias e especulações infundadas, serão utilizadas e cultuadas na posteridade.
Utilizando os escritos e estudos desses homens ilustres e amparado em sua autoridade, estou decidido a iniciar e completar meu projeto de desvendar as coisas que a Natureza supostamente mantém na obscuridade. Aqui e ali, tomei a liberdade de inserir os resultados de minhas próprias experiências, mas somente de forma esparsa, pois achei que seria melhor utilizar o conhecimento de outros. De fato, parece que há pessoas que nasceram com um grande poder de observação, como se possuíssem naturalmente um maior discernimento; é o caso de Eustachius, Ruysch, Leeuwenhoek, Lancisi etc.. Por outro lado, há outros que possuem um dom natural de analisar os fatos já descobertos buscando explicar suas causas. Ambos são dons muito peculiares e, raramente, encontrados numa mesma pessoa. Além disso, quando estava pesquisando sobre os segredos do corpo humano, notei que toda vez que descobria alguma coisa nova, eu (talvez seduzido pelo ego) ignorava as pesquisas e teorias dos outros, para embarcar numa série de especulações baseadas somente em minha descoberta, ficando, portanto, incapacitado de enxergar e compreender adequadamente a idéia de 'universais nos individuais' e de 'individuais sob os universais'. Portanto, resolvi pôr minhas ferramentas de lado, reprimir meu instinto de observador, e basear meus estudos nas teorias dos outros.
Depois dessa digressão, voltemos ao diário de viagem de Swedenborg. Saiu de Paris às três horas de uma manhã de março de 1738, viajando de diligência e barca, que aqui chamam de "diligência aquática", até Lyon, observando atentamente tudo o que via pelo caminho. Dez dias depois, partiu para Turim, via Mont Cenis, uma viagem estafante naquela época do ano. "Tivemos que suportar muito cansaço", escreve em seu diário, "e enfrentar o risco de perdermos a vida nas tempestades de neve, a exemplo do que ocorreu ontem à noite, quando a neve era tão profunda que tivemos de abandonar nossas montarias e seguir a pé. Felizmente nosso grupo consistia de doze pessoas, além de seis frades da ordem dos carmelitas e contamos com a assistência de cinqüenta a sessenta operários que abriram o caminho para nós". Não havia, naquela época, o túnel de Mont Cenis...


Swedenborg enfrentou outros riscos durante sua viagem pela Itália. No trajeto de Turim a Milão, foi abandonado por seu guia e obrigado a empreender a viagem em companhia de um malfeitor. Seu companheiro de viagem, empunhando um estilete, o ameaçava e, certamente, o teria usado caso resolvesse roubar Swedenborg. Durante uma viagem marítima, de Livorno a Gênova, Swedenborg teve novamente sua vida ameaçada por piratas argelinos.
Na páscoa de 1738, Swedenborg estava em Turim, tendo assistido às procissões de quinta e sexta-feira santas. Na quinta-feira, escreveu: "Assisti às magníficas procissões, num total de nove. Ao todo houve de vinte a trinta procissões. Delas participavam um grande número de carregadores de castiçais; alguns se auto-flagelavam e o sangue escorria por seus corpos; outros carregavam uma cruz pesada sobre os ombros e ainda outros ostentavam o símbolo da crucificação; por último, vinha um andor repleto de velas, com a imagem de Jesus Cristo e Maria. Na sexta-feira santa houve outra grande procissão, com um andor contendo a imagem do Cristo envolto no sudário, a cabeça de João Batista e a imagem de Maria com uma espada fincada no coração".


Swedenborg viu muitos desses sinais da religião cristã, mas a moral cristã não era tão aparente entre o povo. Em Milão, visitou a Ospedale Maggiore, "um dos maiores e melhores hospitais da época". "Os serviços hospitalares", diz, "eram desempenhados por bastardos; há muitas crianças abandonadas recolhidas em gavetões. Há áreas especiais reservadas para os feridos, pois há um grande número destes, devido às inumeráveis tentativas de homicídio". Falou muito bem da organização do hospital.
Swedenborg também visitou os principais mosteiros da região. Um, pertencente à ordem dos ambrosianos, era esplendidamente decorado com pinturas; uma dessas, existente no salão de cima, pode ser considerada verdadeira obra-prima: "A uma distância de doze ou quinze passos, tem-se a impressão de que a pintura salta da parede". Swedenborg achava que o realismo era a forma mais sublime da arte. "No jardim, destaca-se uma figueira onde se diz que Santo Agostinho foi convertido há 1400 anos. Cada um dos patriarcas tinha um valet de chambre, como era costume entre os membros da aristocracia". No grandioso convento para moças, que visitou, conta: "Conversei com duas freiras; assisti à sua procissão e lhes ofertei flores".
Partindo de Milão, Swedenborg se juntou a cinco frades carmelitas que iam visitar Veneza, a caminho de Roma. Eles mal podiam acompanhar todas as atividades de Swedenborg, pois em Verona, a exemplo, de outros lugares, foi à ópera. Descreveu com entusiasmo tudo o que viu: "Um novo teatro foi construído, com cento e quarenta camarotes. As mudanças de cenários e a cenografia em geral, assim como a música e o canto, são tão superiores à ópera francesa, que fazem esta parecer uma peça infantil".
Dos edifícios públicos, Swedenborg parecia preferir as construções modernas em lugar das antigas; faz várias referências ao material com que foram construídas, mas mostra pouca admiração pelas linhas arquitetônicas. Assim, em Pisa, faz o seguinte comentário: "O mármore é abundantemente exibido em capelas, igrejas e algumas residências particulares. A parte externa da catedral é toda de mármore; na parte de dentro há magníficas pinturas, esculturas e esplêndidos ornamentos". Descreve, em detalhe, a cúpula de mármore da catedral de Florença que custou dezoito milhões de francos. "Próximo à catedral está a igreja de São João Batista, com esculturas de mármore e estatuária de bronze". Swedenborg trouxe para a arquitetura os olhos de geólogo em lugar da visão de um connoisseur. "Em Pádua", diz, "a prefeitura e todos os edifícios públicos são antiquados; já as modernas igrejas de Vicenza são muito admiradas por sua arquitetura". O escultor preferido de Swedenborg parece ter sido Bernini. E pareceu ignorar até os homens mais célebres. Ficou encantado com os afrescos da igreja de "Santa Cruz", em Florença, "porque eram tão reais que pareciam terem sido pintados em alto relevo".


Gostaríamos novamente de assinalar a aparente insensibilidade de Swedenborg pela grandeza e majestade das paisagens naturais. Em sua viagem de Florença a Livorno, nota que a estrada era boa, mas ladeada de montanhas! Todavia, Swedenborg não tinha falta de imaginação, como atestam os trabalhos que escreveu nesse período; sua imaginação, porém, era inspirada nos seus conhecimentos das ciências naturais e da literatura clássica, ao invés de meras impressões de paisagens da natureza.
Se "o estudo da humanidade tem por objetivo o homem", Swedenborg certamente fez a sua parte. Enquanto investigava a economia interna do arcabouço humano, observou atentamente a vida do "ser político" e nos deixou muitos escritos sobre assuntos sócio-políticos e religiosos. Em Florença, assistiu à consagração de sete freiras: "Elas estavam vestidas de branco da cabeça aos pés. A cerimônia foi celebrada por um arcebispo, que trocou sua mitra cinco vezes; inquiriu a todas e elas responderam-lhe com cadência musical; depois se deitaram no chão, sob um manto negro, durante muito tempo. No final da cerimônia receberam anéis, coroas e outros objetos, participaram do resto da solenidade e saíram em procissão exibindo suas cabeças coroadas. À solenidade estavam presentes muitas moças, trajando vestidos de noiva, e ouvia-se música clássica". Dois dias depois (em 9 de setembro de 1738) Swedenborg escreve: "Testemunhei, pela terceira vez num convento, a sagração de freiras; as cerimônias diferem". Ele nos fala sobre um famoso mosteiro em Roma: "Seus membros são chamados de 'hyerosolymi'; doze deles permanecem confinados o ano todo; recebem sua alimentação através de uma portinhola; um dia, durante todo o ano, eles saem de sua cela; os outros passam o tempo andando de charrete".
Swedenborg descreve relíquias e outros tesouros sacros existentes nas igrejas de modo objetivo, sem nunca questionar sua autenticidade ou valor como instrumentos de devoção. Assim, visitando a igreja de São João de Latrão, escreve: "Há muitas relíquias perto do altar, entre as quais destacam-se as cabeças de Pedro e Paulo, entronizadas num rico tabernáculo. Há, também, uma famosa coluna de metal incrustada de pedras do sepulcro de Cristo". Em Roma visitou também o cárcere de São Pedro e São Paulo: "A porta através da qual contam que São Paulo foi libertado por um anjo; o pilar de pedras em que foi amarrado; a fresta pela qual recebia comida etc.". A oportunidade de visitar todos esses lugares em Roma foi proporcionada a Swedenborg por influência de seu conterrâneo, o Conde Nils Bjelke, camareiro do Papa e senador de Roma. Quando, no fim da vida, escreveu sobre a Igreja Católica Romana, Swedenborg não se baseou em histórias de terceiros.
Swedenborg não estava interessado somente em assuntos eclesiásticos. Em Livorno, visitou a cadeia e em Veneza participou da expedição que acompanha o Dodge na cerimônia anual do "casamento do Adriático".
O diário de sua viagem termina, abruptamente, em 17 de março de 1739; porém, por outras fontes, sabemos que retornou a Paris em meados de maio. Sobre suas atividades até 3 de novembro de 1740, data em que reassume suas funções no Conselho de Mineração, sabe-se muito pouco; foi nesse período que publicou sua obra Æconomia Regni Animalis, em Amsterdam.


No início do ano de 1743, Swedenborg novamente dirige ao rei requerimento de licença para viajar ao exterior, onde iria lançar um novo trabalho. Seu pedido foi muito bem acolhido, mas uma questão de ordem fez que o requerimento fosse, primeiramente, submetido à apreciação do Conselho de Mineração. Assim sendo, a 17 de junho, Swedenborg envia carta ao conselho-executivo, cujo teor é particularmente importante para nós, como prova de que, na ocasião, não tinha nenhuma idéia de sua futura missão, nenhuma intenção de se dedicar à teologia, e que os atrativos da vida terrena ainda o seduziam. "Posso lhes afirmar", escreve, "que eu preferia mil vezes permanecer em minha casa, no meu país natal, onde tenho o prazer de servir nesse egrégio Conselho e de contribuir para o bem-estar social; a oportunidade de melhorar minha condição e zelar pelo pequeno patrimônio que amealhei e, finalmente, usufruir da vida no meu próprio lar, cuja continuidade, com a graça e ajuda de Deus, nada irá deter, do que viajar para o exterior às minhas próprias expensas, sujeito a perigos e vexames, especialmente nesses tempos agitados, enfrentando toda sorte de dificuldades e, no fim, recebendo mais críticas desfavoráveis que favoráveis. Mas, apesar de tudo isso, estou imbuído de um desejo interior de produzir, durante meu tempo de vida, alguma coisa concreta que possa ser útil à comunidade científica e também à posteridade, como também ser benéfica e aceita em minha terra natal; e, se meu intento for concretizado, que o seja com honradez. É meu desejo primordial terminar essa obra e retornar ao meu país, ao meu lar, ao meu povo, para continuar, com paz e tranqüilidade, a trabalhar na minha obra Regnum Minerale e, assim, contribuir para o bem público nos assuntos que competem ao Conselho Real".
Aparentemente a obra intitulada Regnum Minerale era o trabalho que tencionava iniciar depois de terminar o livro Regnum Animale, o motivo principal dessa nova viagem ao exterior. Entretanto, parece que esse intento se frustrou, pois não há nenhum registro sobre isso em seu diário.


Swedenborg iniciou sua viagem em junho de 1743; seu diário, entretanto, não vai além de 20 de agosto e não contém nenhuma informação particularmente interessante. Nessa viagem, encontrou-se com muitas personalidades e, em Hamburgo, foi apresentado ao Príncipe Augustus e ao Príncipe Adolphus Frederic, recém-eleito herdeiro do trono sueco. O príncipe Adolphus leu, com muito gosto, o manuscrito do novo livro de Swedenborg e as críticas sobre seu penúltimo livro. Nos lugares onde esteve, Swedenborg visitou igrejas, fortificações, obras hidráulicas, edifícios públicos etc., como de hábito. O ponto alto dessa viagem, que provocou uma mudança inesperada em sua vida, será um dos tópicos focalizados no capítulo seguinte.
As duas primeiras partes de sua obra Regnum Animale - cuja elaboração englobava dezessete partes distintas - foi publicada na Haia, em 1744. A terceira parte foi publicada em Londres, em 1745; um volumoso acervo de informações coligidas e editadas não chegou a ser publicado.

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