ORAÇÃO DA PRESENÇA DO CRIADOR

Madame Guyon



A alma fiel ao exercício de amor e aderência a Deus, descrita acima, fica surpresa ao senti-Lo
gradualmente tomar posse de todo o seu ser; ela desfruta de uma contínua sensação da presença, que vai
se tornando natural; assim como a oração, a presença divina torna-se uma questão de hábito. A alma
sente uma serenidade incomum penetrando gradualmente todas as suas faculdades. O Silêncio constitui
agora todo a sua oração; enquanto Deus comunica um amor infundido, que é o princípio da benção
inefável.


Ah, se me fosse permitido continuar com este assunto e descrever alguns graus da progressão infinita
dos estados subseqüentes? Mas, no momento, escrevo para os principiantes e não devo ir além, mas
aguardar o tempo de nosso Senhor para desenvolver o que pode ser aplicado a cada estado.
No entanto, é preciso interromper urgentemente toda auto-ação e auto-aplicação, a fim de que Deus
unicamente possa atuar: Ele disse através do profeta Davi: "Aquietai-vos, e sabei que eu sou Deus" (Sl
46,10). Mas a criatura está tão desprovida de amor e tão apegada a seu próprio trabalho, que não acredita
que isso possa funcionar, a menos que sentir, conhecer e distinguir todas as suas operações. Ignora que a
dificuldade de observar seu movimento, é ocasionada pela velocidade de seu progresso; e que as
operações de Deus absorvem aquelas da criatura, na medida em que aumenta mais e mais; as estrelas
brilham antes do nascer do sol, mas gradualmente vão desaparecendo com o avanço de sua luz e tornamse
invisíveis, não por falta de luz em si, mas pelo excesso de luz no sol.


O mesmo ocorre aqui, pois há uma luz forte e universal que absorve todas as pequenas luzes distintas da
alma; elas vão diminuindo e desaparecem sob sua poderosa influência; a atividade própria não mais é
distinta.


Aqueles que acusam esta oração de inatividade, carregam um peso que só pode ser atribuído a falta de
experiência. Ah, se pudessem ao menos fazer alguns esforços para alcançá-la, rapidamente ficariam
cheio de luzes e conhecimento sobre ela!
A aparente inação é, de fato, não uma conseqüência da esterilidade, mas de abundância, como será
facilmente percebido pela alma experiente; ela irá reconhecer que o silêncio está repleto e cheio de
unção por causa da plenitude.


Há dois tipos de pessoas que guardam silêncio: aqueles que não tem nada a dizer e aqueles que tem
muito a dizer. Este é o caso neste estado; o silêncio é ocasionado pelo excesso e não pela falta.
Afogar-se e morrer de sede são mortes muito diferentes; ainda assim se pode dizer que a água foi a
causa de ambas; em um caso o que destrói é a abundância, no outro, a falta. Assim, a plenitude da graça
paralisa a atividade do ser; portanto, é de extrema importância manter o máximo de silêncio.
A criança pendurada no seio de sua mãe, é uma ilustração viva do nosso assunto; ela começa a extrair o
leite ao movimentar seus pequenos lábios; mas quando seu alimento flui abundantemente, contenta-se
em engolir sem esforços; qualquer outra atitude iria machucá-la, derramar o leite e a forçaria a largar o
peito.


Devemos atuar da mesma forma no início da oração, ao movimentar os lábios dos sentimentos; mas, tão
logo o leite da graça divina flua livremente, nada devemos fazer senão ingeri-la docemente, em
quietude; quando ela deixar de fluir, movimentar novamente os sentimentos, assim como a criança
movimenta seus lábios. Quem atua de outra forma, não pode fazer melhor uso da graça, que é concedida
para levar a alma ao repouso do Amor, e não para empurrá-la para a multiplicidade do ser.


Mas o que ocorre com o bebê que gentilmente e sem esforço bebe o leite? Quem acreditaria que assim
receberia a nutrição? Quanto mais pacificamente se alimentar, melhor se desenvolve. O que se torna
essa criança? Ela adormece no seio de sua mãe. Assim, a alma tranqüila e pacífica na oração, mergulha
freqüentemente num adormecer místico, onde todos os seus poderes ficam em repouso, até que esteja
totalmente preparada para este estado, do qual desfruta estas antecipações transitórias. Vejam que nesse
processo a alma é guiada naturalmente, sem problemas, esforços, ciência ou estudo.


O interior não é uma fortaleza, para ser tomado com força e violência; mas um reino de paz, que deve
ser conquistado unicamente pelo amor. Se alguém pretende seguir o pequeno caminho que apontei, será
guiado à oração infundida. Deus não necessita de nada extraordinário e nem muito difícil; pelo
contrário, Ele se agrada enormemente pela conduta simples e pueril.


As mais sublimes conquistas na religião, são aquelas facilmente alcançadas; as mais necessárias
ordenações são as menos difíceis. O mesmo ocorre para as coisas naturais; se alguém pretende alcançar
o mar, deve embarcar num rio, e irá ser conduzido a ele, sem sentir e sem erro. Se quiser ir até Deus,
siga este caminho doce e simples, e chegará ao objeto desejado, com uma jornada tão fácil que causará
surpresa.


Que possam ao menos tomar o caminho uma vez! Rapidamente irão perceber que tudo o que disse é
pequeno, e que a experiência própria os conduzirão muito mais longe! O que temem? Por que não se
lançam imediatamente nos braços do AMOR, estendendo-se na cruz para que Ele possa abraçá-los? Que
riscos correm ao dependerem unicamente de Deus e ao abandonar-se inteiramente a Ele? Ah, Ele não irá
decepcionar, mas conceder uma abundância além de suas maiores expectativas; mas aqueles que
esperam tudo de si mesmos, devem ouvir esta repreensão de Deus ao profeta Isaias: "De tanto andar ficaste cansado, mas nem por isso disseste: Isso é de desanimar! " (Is. 57,10 Vulg).

 

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