O Grande Sacrifício

Papus




Da mesma forma que o homem, na terra, muda de plano quando os tempos passam, assim também no plano espiritual, o espírito adquire consciência de que as provas devem ser prosseguidas para sua evolução pessoal e a evolução de todos os outros espíritos, de que somente é um elemento. É então que lhe é exigido o grande sacrifício. 33 Está totalmente consciente de todas as suas encarnações anteriores, sabe o que ganhou ou o que perdeu nas suas últimas existências e sabe igualmente quais são as adversidades que deverá vencer ao longo da existência que vai começar.


Há uma verdadeira agonia com todos os seus horrores, há uma luta terrível entre o espírito e seus sofrimentos futuros, análoga à agonia terrestre e à luta da matéria que não quer deixar o espírito que encarna. Diante das provas entrevistas: um casamento infeliz, a morte dos filhos, a separação dos seres queridos, a ruína terrestre, a prisão, a desonra, o desterro, talvez compensadas apenas por algumas insignificantes alegrias, o espírito se enche de angústia, sua luz se obscurece e ele exclama, as palavras que ecoou através de todas as esferas visíveis e invisíveis: "Eli, eli, lamma sabactani", meu pai! Meu pai! Por que me abandonaste? É então que intervêm os espíritos de proteção; todas as luzes dos avós, todos os raios divinos do enviado celeste se concentram na luz obscurecida de angústia da vítima da fatal evolução, e os cânticos celestes a rodeiam e a reconfortam.


Num momento de entusiasmo sublime, passando em revista todo o ciclo dos seres de todos os planos que com ele vão evoluir, o espírito exclama: "Meu pai, estou pronto, permiti-me somente na terra ser um soldado de nosso Senhor, não me abandoneis e que a vossa presença me salve neste inferno terrestre onde vou me consumir". Depois os fluidos do rio do esquecimento, rio astral e não físico, rodeiam o espírito que vai descer. Esta perda de memória é indispensável para evitar o suicídio na terra. Há às vezes no plano divino sinais de tal beleza que os pobres seres terrestres apenas podem conceber. Assim, quando chegou o momento da descida do Salvador, os espíritos divinos, que vinham realizar a missão sagrada, se agruparam ao redor do enviado do Pai, e, diante da grandeza de sua missão, diante do terror das provas a atravessar, os louvores se misturaram aos gemidos. Um espírito mais ardente que os outros, exclamou: "Ó Mestre! ninguém pode amar-te mais que eu, ninguém tem mais certeza de ser-te sempre fiel". Ó palavras imprudentes! O destino quer um traidor, o destino quer um ingrato para que os clichês rituais se realizem, e aquele que presume ter muita força será Judas, aquele que se crê incapaz de abandonar será S. Pedro e ouvirá os três cantos do galo.


Porém estendamos um véu como o faz a Natureza, deixemos os fluidos de sombra se condensarem ao redor da luz espiritual, deixemos os espíritos se encaixarem nas esferas astrais que vão conduzi-los, às portas do Zodíaco e daí à terra, e lembremo-nos do que diz Virgílio em sua Eneida, Livro VI: Então Enéas avista, num canto do vale, um bosque isolado; as águas do Lethes banhavam este lugar tranquilo. Nas margens do rio volteava uma multidão de sombras de todas as nações do universo: assim, durante os belos dias do estio, as abelhas se espalham nos prados, descansam em diversas flores e voam ao redor dos lírios; todo o campo ressoa do zumbido do enxame. Enéas, surpreendido, pergunta a seu pai qual é este rio, e por que todas estas sombras parecem tão apressadas na margem.


Estas almas, respondeu Anquises, devem animar novos corpos; é por isso que veem em multidão às margens deste rio, cujas águas, que a largos goles bebem, lhes fazem perder a lembrança do passado. Desde há muito tempo, meu filho, desejo fazer-vos conhecer aquelas almas que devem formar vossa gloriosa posteridade: este conhecimento aumentará a alegria que deveis ter de vossa feliz chegada à Itália. Ó meu pai, interrompeu Enéas, é possível que estas almas voltem a terra para animar uma segunda vez corpos mortais? Será possível que desejem com tanto ardor ver de novo a luz e que tenham tanto gosto para esta infeliz vida?


As fases da alma descendo a terra foram admiravelmente descritas por Saint-Yves d'Alveydre, e não podemos fazer melhor do que repetir sua admirável evocação de um dos maiores fatos espirituais (Saint-Yves, Descida da alma).


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